Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1996/05.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IMPOSTO AUTOMÓVEL;
CLASSIFICAÇÃO;
AUTOMÓVEL LIGEIRO DE MERCADORIAS DERIVADO DE LIGEIRO DE PASSAGEIROS.
Sumário:I– Pese embora seja a Direcção-Geral de Viação (DGV) que detenha a competência exclusiva de classificar os veículos no que concerne à sua matriculação em território nacional, tal classificação não vincula a AT;
II. Estabelecendo o art. 75.º, n.º 1 da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte (“[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (…)”), cabe a AT o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações;
III.
Cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT;

IV. A prova que deverá ser efectuada pela AT para afastar a veracidade do declarado pelo Impugnante com base na classificação que resulta quer da certificação europeia, quer da homologação da DGV deverá ser uma prova consistente, sólida e com rigor técnico.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – Relatório

M........, S.A. intentou no Tribunal Tributário de Lisboa a presente Impugnação Judicial contra a liquidação de Imposto Automóvel e Juros Compensatórios, no valor de €721.862,91.

O Tribunal Tributário de Lisboa, na sentença com que encerrou o processo em 1ª instância, decidiu julgar procedente a acção de impugnação judicial e anular a liquidação impugnada.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, doravante Recorrente, interpôs o presente recurso, aí concluindo nos seguintes termos:

«A. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, ora recorrente, não houve quaisquer dúvidas ao determinar que os veículos automóveis da marca "MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), são fiscalmente considerados como automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, ou seja, de terem sido concebidos a partir de veículos ligeiros de passageiros, nos termos do n.º 4 do art.º 2.º do Dec. Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, na redacção dada pelo n.º 1 do art.º 40.º da Lei n.º 109 - B/2001, de 27 de Dezembro.

B. E, assim, incluídos no âmbito de incidência do imposto automóvel, tributados, embora a taxa reduzida, com o pagamento de 40% de IA, nos termos da Tabela III anexa ao Dec. Lei n.º 40/3, de 18/02.

C. A classificação fiscal é que é determinante para efeitos de tributação.

D. A homologação técnica atribuída pela Direcção - Geral de Viação (DGV) aos veículos em questão, não vinculou a, então, Direcção - Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), actualmente, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para efeitos de tributação. Neste sentido, pode ver-se o acórdão do TCA - Sul de 28/03/2007, recurso n.º 01133/06.

E. A DGV tão só classifica os veículos em passageiros ou de mercadorias.

F. Para efeitos da sua classificação fiscal, atribuída pela entidade competente em Portugal, ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira, os veículos em causa são considerados veículos de mercadorias derivados de veículos de passageiros.

G. O veículo derivado de um veículo de passageiros é sempre, mesmo para a legislação fiscal, um veículo de mercadorias, ou seja, deve ter um peso bruto inferior a 3.500kg e destinar-se ao transporte de carga (vide art.º 2., n.º 2 do D.L. n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 109-B/ 2001, de 2 7 de Dezembro).

H. A circunstância que afasta estes veículos da incidência negativa do imposto automóvel, é, na verdade, o facto de, se considerarem como veículos de mercadorias derivados de veículos ligeiros de passageiros. (Vide: art.º 2.º n.º 4 do D.L. n.º 40/93, com a redacção introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro).

I. A questão fulcral a determinar nos presentes autos, é sem dúvida, averiguar se o veículo em causa foi concebido a partir de um veículo ligeiro de passageiros.

J. Para entidade ora recorrente, após as necessárias diligências que empreendeu na recolha de todos os elementos credíveis, conforme consta dos seis (6) volumes do processo administrativo tributário, nomeadamente, a análise criteriosa da legislação nacional e comunitária e, ainda, da consulta à DGV, concluiu, com total segurança,

K. Que o referido veículo MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) foi planeado a partir de um ligeiro de passageiros, em cuja carroçaria não se vislumbra qualquer pormenor que nos leve a concluir que o mesmo foi idealizado para o transporte de mercadorias.

L. É irrelevante do ponto de vista fiscal, que os automóveis sejam construídos de raiz como ligeiros de mercadorias ou não.

M. O que é fundamental e determinante para a classificação fiscal deste tipo de veículos é, inquestionavelmente, que a concepção de tais veículos, ou seja, a sua idealização, se tenha inspirado, alicerçado, baseado no desenho de um veículo ligeiro de passageiros.

N. Em resultado da instrução feita, pela entidade, ora recorrente, o veículo em causa, MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), tem uma carroçaria em tudo idêntica à carroçaria do congénere veículo de passageiros Mitsubishi Space Star DGO.

O. Resulta da consulta da parte C do anexo II da Directiva 2001/116/CE da Comissão, de 20 de Dezembro de 2001, que adapta ao progresso técnico a Directiva 70/156/CEE do Conselho, transposta para o direito interno pelo D.L. n.º 72/2000, de 06 de Maio, em matéria de homologação dos veículos a motor e seus reboques e da análise das normas ISSO 3833 e 612, bem como da Directiva n.º 97/27/CE, para a qual esta remete, que a carroçaria do veículo Space Star, modelo DGO é uma carroçaria típica de veículo ligeiro de passageiros do tipo AC - carrinha (break).

P. As fotografias dos veículos em causa, relativas ao veículo ligeiro de mercadorias MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) e ao veículo de passageiros Mitsubishi Space Star DGO, evidenciam bem a sua identidade, com excepção feita, naturalmente, à antepara e ao estrado continuo, existentes no veículo Space Cargo.

Q. A recorrente mantém a firme convicção de ter, correctamente, classificado fiscalmente o veículo em questão, no estrito cumprimento das regras legais, designadamente, na operação de subsunção dos factos em presença relativamente, às normas legais, para efeitos de tributação ao imposto automóvel.

R. Da análise do processo administrativo tributário, anexo aos presentes auto de impugnação, composto por seis (6) volumes, resulta claramente que, a ora recorrente, na sua actuação se pautou por critérios de exigência legal, rigor e responsabilidade, na análise de todos os factos relevantes, para, em resultado poder decidir com segurança jurídica, no que concerne à classificação do veículo ligeiro de mercadorias MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), como sendo um veículo derivado de veículo ligeiro de passageiros.

S. Após uma exaustiva análise de todos os elementos relevantes no decurso da instrução do processo, a ora recorrente, pôde concluir com segurança, que na identidade da carroçaria do veículo em questão, enquanto unidade técnica essencial do veículo, por comparação com as carroçarias típicas de veículos ligeiros de passageiros que, se deverá alicerçar o conceito de veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passeiros.

T. A recorrente entende que, figuram nos autos elementos suficientes e credíveis, à luz do ordenamento jurídico, que justificaram o recurso ao critério da legislação técnica e, por insuficiência deste, ao critério da substância económica, constantes respectivamente dos n .º (s) 2 e 3 do art.º 11.º da LGT para legitimar a classificação fiscal do veículo em questão.

U. A substância económica do facto tributário, legitimada pelo recurso ao n.º 3 o art.º 11.º da LGT, que, no caso sub Júdíce, consiste no seguinte: Quando exiba uma carroçaria idêntica à de um veículo ligeiro de passageiros, dever-se-á concluir, para efeitos de aplicação da lei fiscal, que mesmo derivou de um veículo de passageiros e seja tributado em conformidade como um veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros.

V. Pese embora, não restassem dúvidas á entidade ora recorrente, esta, ainda tenha requerido ao douto Tribunal a quo, em sede de contestação, a produção de prova pericial. Neste sentido, pode ver-se o acórdão do TCA Sul de 17/04/2007, recurso n.º 01309/06.

W. O douto Tribunal a quo não promoveu essa prova!

X. Pelo que, desde já se requer, em sede do presente recurso, a necessidade de uma ampliação da matéria de facto, com a consequência inevitável da anulação da sentença por défice instrutório.

Y. A douta sentença, erradamente, fundamentou a sua decisão na classificação técnica da DGV e, por seu turno, na classificação do tipo de carroçaria por ela atribuído, quando deveria ter considerado a classificação fiscal, para efeitos de tributação, concedido pela DGAIEC.

Z. A homologação da DGV não vincula a DGAIEC!

AA. Neste contexto a liquidação de imposto automóvel, no valor global €721.862,91, sendo €718.759,38 de Imposto Automóvel e €3.103,53 de Juros Compensatórios não padece de qualquer ilegalidade e, por isso, deve ser mantida na ordem jurídica.

Nestes termos e nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, assim se confirmando integralmente o acto de liquidação objecto da impugnação judicial, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!»

A M…….., S.A., ora recorrida, apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:

«1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida, na sequência de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, contra a liquidação de Imposto Automóvel (IA) e respetivos juros compensatórios n.º 2004/645240, datada de 13.09.2004, no montante total de € 721.862,91, em que € 718.759,38 respeitam a IA e € 3.103,53 a juros compensatórios, incidente sobre 237 veículos da marca “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D;

2.ª A Ilustre Representante da Fazenda Pública interpôs o presente recurso arguindo, desde logo, que a sentença recorrida não decidiu, como se lhe impunha, no sentido de que os veículos “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D são veículos ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, tendo, no seu entendimento, sido efetuadas diligências probatórias – consubstanciadas essencialmente, como resulta das alegações de recurso, na recolha e análise de duas fotografias de ambos os veículos - no sentido de concluir, sem margem para dúvida, que aqueles veículos têm uma carroçaria idêntica à carroçaria do congénere veículo ligeiro de passageiros “Mitsubishi Space Star DG0”;

3.ª Sucede que, não assiste razão à Ilustre Representante da Fazenda Pública;

4.ª Com efeito, não resulta do processo administrativo instrutor elemento algum que permita concluir que a administração alfandegária cumpriu com o ónus que sobre si impendia nos termos do artigo 74.º da LGT, mas, tão-só, que há uma mera assunção, por parecença, de que ambas as carroçarias são idênticas, sem que tenha sido verificada, tecnicamente, essa identidade, o que, ademais, surge evidente ao longo das alegações de recurso apresentadas pela Ilustre Representante da Fazenda Pública;

5.ª Assim, bem andou a sentença recorrida quando determinou a anulação da liquidação impugnada, suportando-se no facto de a administração alfandegária ter concluído pela identidade de carroçarias com base “(…) na semelhança dos elementos visíveis ou exibidos pelo veículo génese e derivado (…) prescindindo dos elementos técnicos da estrutura da carroçaria e atendendo-se meramente à estética da carroçaria” (cf. página 27 da sentença recorrida);

6.ª E nem sequer se invoque que aquela conclusão surge, inclusivamente, confirmada pelas próprias consultas efetuadas à Direção Geral de Viação (DGV), já o que ressalta das informações prestadas por esta confrontadas com as conclusões da administração alfandegária é, precisamente, a insuficiência dos elementos de que esta dispunha para concluir pela identidade da carroçaria de ambos os veículos e, como tal, que o raciocínio seguido pela administração alfandegária é, com o devido respeito, enviesado pela assunção prévia de que a carroçaria do veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D é idêntica à carroçaria do veículo ligeiro de passageiros “Mitsubishi Space Star DG0”;

7.ª De facto, a Ilustre Representante da Fazenda Pública apura que a carroçaria do veículo “Mitsubishi Space Star DG0” é uma carroçaria típica de veículo ligeiro de passageiros do tipo AC – carrinha (break) (cf. artigo 24.º das alegações de recurso) para concluir, da análise do conjunto de fotografias apresentado, que a carroçaria do veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D é idêntica à carroçaria do veículo ligeiro de passageiros “Mitsubishi Space Star DG0” (cf. artigo 23.º e 25.º das alegações de recurso);

8.ª Ora, este enviesamento das conclusões vertidas pela administração alfandegária surge, também, bem evidenciado na sentença recorrida, quando se afirma que “O que a Administração tributária deveria ter feito, confrontada com a resposta da DGV de que com base no ordenamento jurídico que conforma a sua actividade homologatória, não poderia confirmar ser o mesmo tipo de carroçaria do veículo génese e o do derivado em causa era prosseguir a instrução no sentido de obter a comprovação técnica de que os elementos da carroçaria em ambos os veículos” (cf. página 27 da sentença recorrida);

9.ª Não o tendo feito, deve, pois, concluir-se pela ilegalidade da liquidação impugnada;

10.ª Assim, em face do exposto, conclui-se pela improcedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública, devendo manter-se a sentença recorrida;

11.ª Mais invoca a Ilustre Representante da Fazenda Pública que requereu “(…) em sede de contestação, a produção de prova pericial (…)”, sendo que se impunha ao “(…) Tribunal a quo, na busca da necessária descoberta da verdade material, devesse ter diligenciado na realização e recolha de todos os elementos de prova para que pudesse proferir, com segurança, uma decisão justa” (cf. artigos 34.º e 35.º das alegações de recurso), requerendo “(…) uma ampliação da matéria de facto, com a consequência inevitável da anulação da sentença por défice instrutório” (cf. artigo 38.º das alegações de recurso);

12.ª Também a este respeito não se lhe assiste razão;

13.ª De facto, embora sendo certo que a produção de prova pericial deve ser requerida sempre que esteja em causa uma questão que exija especiais conhecimentos técnicos dos quais as partes ou o tribunal não disponham, é evidente que a mesma não pode servir para um reforço ou aperfeiçoamento da fundamentação do ato tributário, muito menos para encobrir o incumprimento do ónus probatório que impende sobre a administração alfandegária nos termos do artigo 74.º da LGT;

14.ª Efetivamente, permitir a produção de prova pericial no caso sub judice é consentir no aperfeiçoamento da fundamentação ou na introdução de novos fundamentos não invocados pela administração alfandegária na emissão do ato de liquidação, bem como na inversão do ónus da prova que impende sobre a administração alfandegária para o contribuinte, o que deve, pois, ter-se por inadmissível;

15.ª Logo, bem andou o Tribunal recorrido na não determinação da realização de prova pericial, não padecendo a sentença, como tal, de qualquer défice instrutório, improcedendo assim o invocado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública a este respeito;

16.ª Por último, e sem prejuízo de todo o exposto, sempre se concluiria no caso sub judice pela improcedência do pedido de ampliação da matéria de facto e de anulação da sentença com base em défice instrutório com fundamento no incumprimento, por parte do Recorrente, do ónus de impugnação que resulta da legislação processual aplicável;

17.ª Na verdade, contestando-se a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e a indevida apreciação da prova junta aos autos, requerendo-se a ampliação daquela matéria de facto, impunha-se que a Recorrente houvesse obrigatoriamente especificado nas suas conclusões, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, e sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados na sentença recorrida, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 0724/10), o que não sucedeu;

18.ª Razão pela qual, com este fundamento deve ser rejeitado o recurso por força da violação do disposto no n.º 1 do artigo 630.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;

19.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto, invoca ainda a Ilustre Representante da Fazenda Pública que “A douta sentença, erradamente, fundamentou a sua decisão na classificação técnica da DGV e, por seu turno, na classificação do tipo de carroçaria por ela atribuído, quando deveria ter considerado a classificação fiscal, para efeitos de tributação, concedido pela DGAIEC” (cf. artigo 39.º das alegações de recurso), uma vez que “(…) a homologação da DGV não vincula a DGAIEC” (cf. artigo 40.º das alegações de recurso);

20.ª Também este argumento, com o devido respeito, é insuscetível de conduzir à revogação da sentença recorrida;

21.ª É que, ao contrário do que alega a Ilustre Representante da Fazenda Pública, não se trata de uma questão de relevar ou não relevar a classificação e homologação técnicas da DGV, mas de determinar se a administração alfandegária cumpriu com o ónus da prova que sobre si impendia nos termos do artigo 74.º da LGT por forma a concluir-se pela identidade da carroçaria do veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D e do veículo ligeiro de passageiros “Mitsubishi Space Star DG0” para qualificar aquele veículo como veículo derivado de ligeiro de passageiros – o que não ocorreu;

22.ª Pelo que, em face do exposto, este último argumento da Ilustre Representante da Fazenda Pública só pode cair por terra, improcedendo assim, também com este fundamento, o recurso por si deduzido;

23.ª Na eventualidade de proceder o recurso interposto pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, e de esse Ilustre Tribunal considerar que, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, a administração alfandegária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia para concluir pela identidade da carroçaria entre o veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D e o veículo “Mitsubishi Space Star DG0”, o que a Recorrida apenas admite por mero dever de patrocínio, sem conceder, desde já se requer que esse Tribunal, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, se pronuncie sobre os fundamentos em que a Recorrida decaiu nos presentes autos e dos quais sempre resultará a anulação da liquidação impugnada;

24.ª No que concerne, desde logo, à fundamentação da decisão da reclamação graciosa, considerou a sentença recorrida que a mesma não padecia de incongruência, nem de contradição com a decisão, o que, no entendimento da Recorrida, não pode proceder;

25.ª Com efeito, há incongruência no facto de a administração alfandegária reconhecer expressamente a “(…) insuficiência da legislação fiscal para a caracterização do tipo de carroçaria do veículos» (cf. doc. n.º 1 da p.i.) e manter a liquidação impugnada, bem como em sugerir o “(…) recurso à respectiva legislação técnica, comunitária e nacional, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da LGT. ”, para, a final, optar pela norma prevista no artigo 11.º, n.º 3, da LGT para interpretar os conceitos previstos na norma de incidência (cf. doc. n.º 1 da p.i.);

26.ª Estas circunstâncias não permitem que a Recorrida apreenda com absoluta certeza os fundamentos que subjazem à decisão de indeferimento que incorre, assim, em violação do artigo 36.º do CPPT e do artigo 77.º da LGT;

27.ª Mas ainda que não se entendesse que a hipotética fundamentação, apresentada para a anterior liquidação, era insuficiente - o que apenas se admite a título de hipótese académica e sem conceder - bastaria a própria “confissão” da administração alfandegária na decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, da “ (…) impossibilidade de se demonstrar em concreto que a concepção do veículo de mercadorias ocorreu a partir de um veículo de passageiros (…)“, para determinar a aplicação do disposto no artigo 100.º do CPPT e, perante as dúvidas suscitadas pela própria administração alfandegária relativamente à existência do facto tributário, proceder à anulação da liquidação impugnada;

28.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deverá determinar-se a anulação do ato impugnado;

29.ª Conforme resulta ainda da sentença recorrida, o Tribunal considerou que a classificação fiscal dos veículos não deve seguir necessariamente a classificação efetuada por outras entidades, como a DGV (cf. página 18 da sentença recorrida), o que no entendimento da Recorrida é ilegal porquanto despreza e incorre em violação do disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT;

30.ª Com efeito, resultando da factualidade dada como provada na sentença recorrida que através da homologação nacional n.º 2…….. efetuada pela Direcção Geral de Viação, ao veículo de marca “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D foi atribuída a categoria ligeiro, tipo Mercadorias, código CE N1 (cf. ponto 3 da factualidade dada como provada na sentença recorrida) e que nos termos da legislação comunitária em vigor, a classificação de N1 é atribuída a “veículos concebidos e construídos para o transporte de mercadorias”, estas caraterísticas não podem deixar de ser relevadas à luz do disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT;

31.ª A esta conclusão não obsta a afirmação da sentença recorrida de que “(…) o preenchimento do conceito de veículo derivado com base nas caraterísticas da carroçaria em questão (…) não é extra-normativo, antes permite igualizar, para efeitos de tributação, os veículos ligeiros de mercadorias derivados de passageiros oriundos de fábrica aos transformados (…)” (cf. página 23 da sentença recorrida);

32.ª Este entendimento é erróneo porquanto parte do pressuposto de que os veículos ligeiros de mercadorias oriundos de fábrica – como é o caso – são facilmente transformáveis em veículos ligeiros de passageiros e, como tal, deve atender-se à sua carroçaria para determinar se são veículos derivados de ligeiros de passageiros;

33.ª Não é, todavia, o que sucede, já que o facto de um determinado veículo ter uma carroçaria semelhante à de um veículo ligeiro de passageiros não é condição para que seja um veículo derivado, se da sua homologação técnica resulta que é um veículo ligeiro de mercadorias e que a transformação não é possível, sem mais, de acordo com aquela homologação;

34.ª Nesta medida, é evidente que o recurso à legislação técnica não pode deixar de ser um critério para aferir da natureza de derivado de ligeiro de passageiros e que excluí-la e atender tão somente à eventual identidade de carroçaria por forma a assemelhar veículos oriundos de fábrica aos transformados é desprezar que os veículos oriundos de fábrica e aqueles que são transformados têm homologações e caraterísticas técnicas bem diferentes que impedem qualquer comparação para efeitos fiscais;

35.ª Assim, a liquidação ora impugnada está, por violação do disposto no artigo 11.º, n.º 2 da LGT, ferida do vício de violação de lei, pelo que deve ser anulada;

36.ª Como supra se aludiu, a sentença recorrida elegeu como critério aferidor da natureza de veículo derivado de ligeiro de passageiros o tipo de carroçaria dos veículos (cf. página 23 da sentença recorrida), quando, contrariamente ao que se aduz na aludida sentença, esse critério deve assentar na homologação técnica nacional e europeia dos veículos em causa;

37.ª Com efeito, foi demonstrado nos autos que, embora a Mitsubishi tenha um veículo ligeiro de passageiros devidamente homologado como tal e que apresenta algumas semelhanças estéticas com o “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D, tratam-se, de facto, de veículos diferentes, com designações diferentes, com fins diferentes e com homologações diferentes;

38.ª De facto, atendendo à homologação nacional n.º 2……. efetuada pela Direcção- Geral de Viação ao veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D, em que lhe foi atribuída a categoria ligeiro, tipo Mercadorias, código CE N1 (cf. ponto 3 da factualidade dada como provada na sentença recorrida), e sendo o veículo em questão um veículo construído de fábrica destinado ao transporte de mercadorias e com um peso bruto de 1730 Kg, o mesmo assume as características técnicas que o permitem categorizar como um veículo ligeiro de mercadorias, sendo, por isso, inadmissível que os serviços fiscais competentes concluam que o “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D foi concebido ou idealizado “a partir de veículos ligeiros de passageiros”;

39.ª Acresce que, a realidade tributável consubstanciada num veículo ligeiro de mercadorias como o “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D é completamente distinta daquela que se encontra compreendida num indefinido conceito de veículo ligeiro de mercadorias derivado de um ligeiro de passageiros;

40.ª Enquanto o “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D é um veículo ligeiro de mercadorias concebido de fábrica como ligeiro de mercadorias e objeto de homologação comunitária como tal (N1), existem outros veículos ligeiros de mercadorias resultantes da transformação de um veículo de passageiros operada ao nível do importador nacional, concebidos e homologados de fábrica como um veículo ligeiro de passageiros e posteriormente transformados m veículo ligeiro de mercadorias mediante a supressão dos bancos traseiros e a inclusão de um estrado e de uma antepara;

41.ª É este segundo, sem prejuízo de todo o exposto, que integraria o conceito de veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros;

42.ª Com efeito, não colhe aqui, porque a situação, de facto e de direito, não autoriza, uma eventual integração do conceito de “derivado” como respeitando a um veículo cuja estrutura básica, ao nível do processo produtivo, seja comum à de um veículo ligeiro de passageiros, já que, assumindo, porque a lei assim o impõe no seu artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil (CC), que o legislador “(…) consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”, seria manifesto que o mesmo não desconhecia que tal opção redundaria ou na inaplicabilidade da lei ou na tributação generalizada de todos os veículos homologados (a nível comunitário ou nacional) como veículos ligeiros de mercadorias;

43.ª Na verdade, a segurança e certeza jurídicas necessárias ao comércio são asseguradas pelas respetivas homologações comunitárias e é com base nelas que os agentes com intervenção na restante cadeia comercial firmam as suas expetativas, assumem as suas obrigações e consolidam os seus direitos, pelo que é óbvio que nunca esteve no desígnio do legislador, ao dar consagração ao conceito de “derivado”, colocar no campo da incidência do IA a aquisição de um veículo com homologação comunitária de veículo ligeiro de mercadoria;

44.ª De facto, atendendo no próprio artigo 9.º, n.º 1, do CC, pretendeu-se, com a tributação dos veículos ligeiros mercadorias “derivados” de passageiros, colocar sob a incidência da norma tributária aqueles veículos que, beneficiando de uma homologação comunitária como veículos ligeiros de passageiros, eram localmente convertidos em ligeiros de mercadorias e já internamente homologados como tal, na medida em que podiam posteriormente ser reconvertidos em ligeiros de passageiros (beneficiando da homologação que a nível comunitário tinham como tal) com o consequente aproveitamento fiscal em sede de IA;

45.ª Assim, se é certo que o legislador não pode ter tido como propósito incluir na previsão do artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, ambas as realidades de tão distintas que são, mais certo é ainda que a realidade sob a incidência daquele preceito e integradora do conceito de veículo de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros é a dos veículos comunitariamente homologados como veículos ligeiros de passageiros localmente transformados em veículos de mercadorias;

46.ª Deste modo, e em face do exposto, constata-se que a liquidação impugnada está ferida do vício de violação de Lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser anulada;

47.ª Admitindo que constitui entendimento desse Ilustre Tribunal que do processo constam todos os elementos probatórios necessários à prolação de nova decisão sobre a matéria de facto neste segmento, como prevê o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, ainda assim a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é manifestamente insuficiente, devendo ser ampliada, por forma a integrar os seguintes factos:

a. O veículo “Mitsubishi Space Cargo” – Modelo DG4LNDFL6D é fabricado de origem como um veículo ligeiro de mercadorias (cf. docs. n.ºs 3 a 5 e 7 da p.i.);

b. O veículo “Mitsubishi Space Cargo” – Modelo DG4LNDFL6D e o veículo “Mitsubishi Space Star DG0” são esteticamente idênticos mas têm designações, fins e homologações diferentes (cf. docs. n.ºs 3 a 5 e 7 da p.i.)

48.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrida deixar de impugnar os pontos 1) a 11) do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que devem ser igualmente dados como provados os factos acima indicados e, de igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se considera implicitamente como não provados os factos acima indicados;

49.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrida integralmente procedente;

50.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto, e não procedendo os fundamentos em que a Recorrida decaiu na sentença recorrida, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sem conceder, deve esse Ilustre Tribunal apreciar das demais ilegalidades imputadas ao ato tributário sub judice e cuja apreciação ficou prejudicada face à decisão recorrida;

51.ª Conforme se invocou na impugnação judicial, a Recorrida entende ainda que as normas respeitantes à incidência do imposto mencionadas pela administração alfandegária estão incorretamente redigidas, violando o princípio da legalidade e da tipicidade fiscais;

52.ª Com efeito, não é aceitável que as normas de incidência consubstanciadas nos artigos 1.°, n.º 1, alínea c), n.º 2, alínea b) e artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro assentem exclusivamente na expressão “concebido a partir de”, sem definir qualquer tipo de características técnicas, dimensões, pesos, tipos de carroçaria ou outros fatores ou elementos de distinção;

53.ª Nestes termos, forçoso é de concluir que as normas respeitantes à incidência previstas do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro, no que respeita aos veículos ligeiros de mercadorias derivados dos veículos ligeiros de passageiros, são inconstitucionais, por violarem os princípios da legalidade e da tipicidade atrás referidos, pelo que a liquidação impugnada deve ser anulada;

54.ª Mas ainda que subsistissem dúvidas à administração alfandegária quanto à classificação deste veículo ligeiro de mercadorias, hipótese que apenas se admite como tal, as mesmas teriam necessariamente que ser dissipadas tendo em conta o tratamento fiscal “sancionado” pela mesma para as empresas concorrentes da ora Recorrida;

55.ª Considerando os veículos da concorrência no mesmo segmento como veículos ligeiros de mercadorias, não podem os Serviços Alfandegários adotar tratamento diferente para o veículo “Mitsubishi Space Cargo” - Modelo DG4ALNDFL6D que é um veículo ligeiro de mercadorias e como tal homologado;

56.ª Acresce que a posição assumida pela administração alfandegária não só violaria os princípios da equidade e da igualdade fiscal, como também afrontaria, de uma forma clara, a competência da DGV para proceder à homologação de veículos e a própria legislação comunitária aplicável;

57.ª Com efeito, permitir que a DGAIEC tratasse fiscalmente de forma diversa veículos homologados com a mesma categoria seria aceitar a violação do Decreto-Lei n.º 484/99, de 10 de novembro e todos os diplomas que transpuseram a Diretiva n.º 70/156/CEE, inserindo um carácter de discricionariedade na decisão dos serviços fiscais violador do princípio da igualdade das várias entidades perante a lei, bem como a Diretiva n.º 70/156/CEE, no que diz respeito ao regime de homologação dos veículos a motor e à caracterização dos veículos em causa, conforme definida no Anexo II A da referida Diretiva;

58.ª Em conclusão, a liquidação está também, por isso, ferida do vício de violação de lei nos termos atrás expostos, pelo que deve ser anulada.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por provado, mantendo-se, nesta parte, a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»


*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Com dispensa de vistos, cumpre, agora, decidir.

II – Fundamentação de Facto

O julgamento de facto em 1ª instância ficou sedimentado na sentença recorrida nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão, alinha-se a seguinte factualidade:

1. A impugnante exerce a actividade de comercialização de veículos automóveis da marca Mitsubishi, os quais são adquiridos às fábricas desta marca espalhadas pelo mundo;

2. No âmbito da sua actividade efectuou uma encomenda à fábrica na Holanda para aquisição de veículos "Mitsubishi, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo)";

3. O referido veículo está homologado pela Direcção-Geral de Viação como veículo ligeiro de mercadorias, correspondente ao código CE N1 (homologação nacional nº2……..) - cf "folha de aprovação de modelo, com despacho do Sr. Director-Geral, de 25/02/2004. ajls.80 do apenso de reclamação graciosa;

4. Os Certificados Europeus de Homologação se Sistemas emitidos pelas competentes autoridades holandesas qualificam aquele veículo como veículo ligeiro de mercadorias com a categoria N1 - cf docs. a fls. 69 e 71 do apenso de reclamação graciosa;

5. Desde Fevereiro/2004, a impugnante vem declarando, nas respectivas Declarações Aduaneiras do Veículo (DAV), aquele veículo "Mitsubishi modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo)" como veículo ligeiro de mercadorias, excluído de incidência do Imposto Automóvel;

6. Por ofício nº2512, de 13/09/2004, subscrito pelo Sr. Director da Alfândega de Alverca (cj jls.56 a 64 do apenso de reclamação graciosa), foi a impugnante notificada do que, por extracto, se transcreve:

«Considerando o despacho do Exmo. Senhor Subdirector-Geral, B........, de 28/07/2004, constante da informação nº334/2004, da Divisão do Imposto sobre os Veículos Automóveis, cabe à Alfândega de Alverca proceder à correcção da liquidação dos veículos da marca Mitsubishi Space Cargo, com a homologação técnica 2……, já matriculados, devendo ser declarados "veículos de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros” e, consequentemente, tributados pela Tabela III do Imposto Automóvel, anexa ao DL nº40/93, de 18 de Fevereiro, sendo, assim, efectuada a cobrança "a posteriori" das imposições em divida, conforme comunicado a V. Exa. através do fax nº390, de 30/07/2004, da Divisão do Imposto sobre os Veículos Automóveis.

Nestes termos, deverá ser efectuado o pagamento dos montantes em dívida, no valor total de €721.862,91..., sendo €718. 759,38 de Imposto Automóvel e €3.103,53 de juros compensatórios ..., com o registo de liquidação 2004/645240, na Tesouraria desta Alfândega, nos 10 dias seguintes à recepção da presente notificação (...)».

7. Em 22/12/2004, a impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação do IA e juros compensatórios (fls.34 do atinente apenso);

8. Do projecto de decisão da reclamação, notificado à impugnante para audição prévia, consta, para além do mais que damos por reproduzido, a seguinte fundamentação:

"A circunstância de o veículo Mitsubishi Space (Star) Cargo (DG4ALNDFL6D) ter sido homologado pela Direcção-Geral de Viação (DGV) como um veículo de mercadorias N1 não releva para efeitos da sua classificação fiscal como veículo de mercadorias derivado de veículo de passageiros, porquanto:

1.1.- Tal categoria é uma categoria exclusivamente fiscal, com efeitos restrito ao âmbito de incidência do Imposto Automóvel (não existindo paralelo nem no Código da Estrada, nem na legislação nacional ou comunitária relativas à homologação de veículos);

1.2.- O veículo derivado de um veículo de passageiros é sempre, mesmo para a legislação fiscal, um veículo de mercadorias, ou seja, deve ter um peso bruto inferior a 3.500kgs e destinar-se ao transporte de carga (v/ artº 2 n.º2 do DL n.º40/93, de 18 de Fevereiro);

1.3. - A circunstância que afasta tais veículos da incidência negativa do imposto automóvel, que está prevista para os veículos de mercadorias, é o facto de se considerarem veículos de mercadorias derivados de veículos ligeiros de passageiros, ou seja. de terem sido concebidos a partir de veículos ligeiros de passageiros (art.º2°, n. º4 do DL n.º40193).

1.4.- Para a DGV ..., para efeitos de homologação técnica do veículo como veículo de mercadorias é indiferente que este tenha sido concebido a partir de um veículo de passageiros, bastando tão só que cumpra as directivas específicas que asseguram que o veículo está apto a desempenhar a sua função de transporte de mercadorias, mas já não é assim para a Administração fiscal, a quem compete a classificação fiscal do veículo para efeitos da competente tributação em imposto automóvel.

1.5. - Pelo que não relevam nesta parte os argumentos da reclamante quando invoca que o veículo em causa, Mitsubishi Space Cargo, reúne todos os requisitos técnicos e legais (nacionais e comunitários) para assim ser classificado fiscalmente como veículo de mercadorias, pois tal não bastaria para o excluir da incidência do imposto automóvel, o que só acontecerá "desde que os veiculas de mercadorias em causa não sejam considerados veículos derivados de automóveis ligeiros de passageiros" (artº 1 º nº2 b),parte final do DL nº40/93).

1.6. - Tal circunstância só é, como já referido, indiferente para efeitos da sua homologação técnica como veículo de mercadorias, o que se julga acontecer quer porque tal categoria só existe na legislação fiscal, que porque o veículo derivado de passageiros é sempre um veículo de mercadorias, mesmo na legislação fiscal.

2. -Assim, é no significado do conceito "concebido a partir de veículos ligeiros de passageiros" que deve encontrar-se o critério para efeitos de diferenciar os veículos de mercadorias que legitimamente têm direito a ficar excluídos da incidência do IA daqueles que o legislador quis penalizar com o pagamento da taxa de 40% de IA pela adulteração do fim para que foi inicialmente concebido o veículo - o transporte de pessoas.

3. - Pelo que a questão essencial a apurar no caso concreto é se o veículo em causa foi, ou não, concebido a partir de um veículo ligeiro de passageiros, o que, face à circunstância de o veículo ter já saído de fábrica adaptado à sua função de transporte de mercadorias, inviabiliza a sua demonstração, em concreto, por parte da Administração fiscal, que não está no local para assistir à transformação do veículo (..).

4. - (...) há que recorrer a outros critérios de interpretação das normas em causa, nomeadamente, os previstos nos n.ºs 2 e 3 do artº 11º da LGT, este último relativo à substância económica do facto tributário, como critério de último recurso na averiguação da vontade do legislador fiscal e da finalidade do tributo em causa.

5. - E é na aplicação destes principias de interpretação que o conceito e os tipos de carroçarias definidos na legislação técnica para os veículos de passageiros e para os veículos de mercadorias constituem o único critério legalmente sustentável para aferir da existência prévia de um veículo ligeiro de passageiros, nos casos em que se verifique, como no presente, a impossibilidade de demonstrar em concreto que a concepção do veículo de mercadorias ocorreu a partir de um veículo de passageiros, sem assim colocar em crise a substância económica do facto tributário.

6. -Ou seja, desde que o veículo que se apresente à AF, não obstante já ajustado à sua função de transporte de mercadorias, exiba uma carroçaria típica de um veículo ligeiro de passageiros, tal bastará para concluir que o mesmo derivou de um veículo de passageiros e seja tributado em conformidade como um veículo de mercadorias derivado de veículo de passageiros.

7. -E é o que, por todo o analisado, nos parece acontecer com o veículo em causa Mitsubishi Space Cargo (DG4ALNDFL6D), o qual, tem uma carroçaria do tipo AC - Carrinha (break), prevista na legislação comunitária para os veículos de passageiros, aliás, em tudo idêntica à carroçaria do congénere veículo de passageiros Mitsubishi Space Star DGO.

(,..)

10. - (...) a mesma Direcção-Geral (de Viação)... referenciou no seu já referido fax, o seguinte: "Para além da definição de veículos de passageiros e de mercadorias constante da Directiva 70/156/CEE, o n.º1 do ponto C do anexo II à directiva 2001/116/CEE estabelece um critério claro que impede veículos com capacidade de carga superior ao peso dos passageiros de poderem ser considerados veículos de passageiros, sendo por exclusão de partes considerados de mercadorias (estabelecendo o n.º3 do mesmo ponto idêntica disposição, mas de sentido inverso)".

11. - Ora, no primeiro caso, estão os veículos com o tipo de carroçaria AF - veículos para fins múltiplos que, não obstante constituir um tipo de carroçaria de veículo de passageiros, uma vez observadas determinadas circunstâncias relacionadas com a capacidade de carga dos veículos que a apresentam, fá-los cair na sua classificação técnica como veículos de mercadorias.

12. - É o que tem acontecido com muitos dos veículos, como os citados pela reclamante, que têm sido quer tecnicamente homologados, quer fiscalmente classificados como veículos de mercadorias com base em tal critério.

13. -Já o mesmo não se verifica com o veículo em apreço, que se apresenta com uma carroçaria típica de veículo ligeiro de passageiros do tipo AC - carrinha (break), e, por isso, não integra o tipo AF referido, o que nos parece igualmente acontecer com o veículo com o veículo Toyota Yaris Verso NLP22, de acordo com os elementos disponíveis no processo.

14. - Igualmente, não se vislumbra que o veículo em causa possa apresentar uma carroçaria do tipo BB, como pretende a reclamante, não só pelas razões já referidas, mas sobretudo pelas circunstâncias que vêm referidas no ponto 3 da parte C do anexo II da Directiva 2001/116/CEE, por o veículo cumprir as condições que ai vêm equacionadas, o que verificando-se e a ser verdade apresentar o mesmo uma carroçaria do tipo BB, determinaria que o mesmo não tivesse sido, sequer, homologado como veiculo de mercadorias N1 pela DGV (para quem tais critérios, relacionados com a capacidade de carga dos veiculas, não são indiferentes ...) e foi-o efectivamente, como resulta da respectivo ficha de homologação técnica.

15. -Quanto à designação DG (comum a ambos os veículos), resulta da folha 5 do doc.1 enviado pela reclamante ..., que o mesmo se refere ao "Body Style".. ou seja, ao estilo de carroçaria ou tipo de carroçaria, o qual sendo comum a ambos os veículos (DGO no caso do veículo de passageiros e DG4 no caso do veículo em análise) nos faz concluir que ambos têm a mesma carroçaria, que no caso concreto é do tipo AC - carrinha (break), que é uma carroçaria típica de um veículo ligeiro de passageiros.

(...)»

9. A impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto decisório da reclamação, nos termos que constam de fls. 558 a 562 do respectivo apenso, em que salienta entre o mais que damos por reproduzido, que "...a administração fiscal tem o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretende exercer no procedimento tributário. No caso dos autos, a prova de que o Mitsuhishi Space Cargo, modelo DG4ALNDFL6D é um veículo de mercadorias concebido de fábrica a partir de um veículo de passageiros é um pressuposto absolutamente indispensável para sustentar a tese (errada) da Administração Alfandegária de que o mesmo estaria sujeito a IA à taxa de 40%".

10. Por despacho de 29/07/2005 foi a reclamação indeferida, constando da respectiva notificação à impugnante, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte:

3. - ... não obstante já ajustado à sua função de transporte de mercadorias, mediante a aposição da antepara e do estrado contínuo (e, por isso, classificado tecnicamente como N1) quando exiba carroçaria idêntica à de um veículo ligeiro de passageiros, dever-se-á concluir, para efeitos de aplicação da lei fiscal, que o mesmo derivou de um veículo de passageiros e seja tributado em conformidade como um veículo ligeiro de mercadorias derivado de veículo ligeiro de passageiros.

4. - É o que, em resultado da instrução feita, acontece com o veiculo em causa Mitsubishi Space Cargo (DG4ALNDFL6Dj, o qual tem uma carroçaria em tudo idêntica à carroçaria do congénere veículo de passageiros Mitsubishi Space Star DGO, a saber ...

(...)

5.1. - A circunstância de não existir nenhum veículo Mitsubishi Space Cargo modelo DG4ALNDFL6D homologado como veículo e passageiros é um argumento de ordem meramente formal que não contesta as razões expostas em 4) supra.

5.2. - Quanto ao invocado regime legal do ónus da prova, a administração demonstra pelas razões supra enunciadas que o veículo em causa, ostentando uma "caixa" em tudo idêntica à do veículo da marca Space Star DGO (com excepção da antepara e do estrado contínuo, obviamente), é um veiculo ligeiro de mercadorias concebido a partir de um veículo ligeiro de passageiros pelo que não se verifica a fundada dúvida sobre o facto tributário susceptível de justificar, em sede judicial, a anulação dos actos de liquidação, nos termos do artº 100.º do CPPT. Tal dúvida, que persistiu com a aplicação subsidiária da legislação técnica, ficou sanada com a aplicação sucessiva do critério da substância económica do facto gerador, tal como permitido pelo n.º 3 do art.º 11°, da LGT.

(...)».

11. A impugnação foi apresentada em 17/08/2005 conforme carimbo de entrada aposto a fls.4.

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.»


*

III - De Direito

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir as seguintes questões:

i) Défice instrutório e ampliação da matéria de facto;

ii) Erro de julgamento quanto à classificação do veículo;

iii) Ampliação do objecto do recurso, na eventual procedência do recurso.

Está em causa, nos presentes autos, Imposto Automóvel (IA) liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira à Recorrida M........, S.A., por entender, em síntese, que os veículos automóveis da marca "MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), são fiscalmente considerados como automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, nos termos do n.°4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 40/93, de 18 de Fevereiro, na redacção dada pelo n.° 1 do artigo 40.° da Lei n.° 109 - B/2001, de 27 de Dezembro, e deste modo, incluídos no âmbito de incidência do imposto automóvel.

Vejamos, então.

Do défice instrutório e requerida ampliação da matéria de facto

Nas suas alegações, defende a Recorrente que, muito embora considere que nos autos figuram elementos suficientes e credíveis para legitimar a classificação fiscal do veículo em questão (tendo como pressuposto a identidade de carroçaria entre este e o veículo ligeiro de passageiros de que derive), ainda assim, requereu a produção de prova pericial.

E que, por não ter sido promovida tal diligência probatória, é necessária a ampliação da matéria de facto, com a anulação da sentença recorrida por défice instrutório.

Recordemos que a sentença recorrida entendeu não ser de realizar a perícia requerida nos termos seguintes:

“Consentir na produção de prova pericial em sede judicial (cf art.º23 da douta contestação, a fls.285) para comprovar a identidade das carroçarias seria deslocar o ónus da prova para a impugnante, quando a Administração tributária não cumpriu o seu, recolhendo prova credível sobre a identidade das carroçarias do veículo génese e derivado, nos termos do disposto no art.º74.º, n.º 1, da LGT, que nesta sede o contribuinte pudesse esclarecidamente rebater.”

Entendemos que a sentença recorrida decidiu com acerto. Efectivamente, a produção de prova pericial relativamente à identidade da carroçaria, em nada alteraria a conclusão a que chegou a sentença recorrida de que a AT não logrou recolher prova credível sobre a identidade das carroçarias do veículo génese e derivado em momento anterior à liquidação de IA impugnada, pelo que improcede este segmento do recurso.

Do erro de julgamento quanto à classificação do veículo

Comecemos por dizer que a sentença recorrida considerou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de IA impugnada por ter concluído não ter sido, previamente a esta, demonstrada a identidade de carroçarias entre o veículo ligeiro de passageiros e o veículo em causa nos autos.

Recuperemos o teor da sentença recorrida:

“(…) O que a Administração tributária deveria ter feito, confrontada com a resposta da DGV de que com base no ordenamento jurídico que conforma a sua actividade homologatória, não poderia confirmar ser o mesmo o tipo de carroçaria do veículo génese e o do derivado em causa, era prosseguir a instrução no sentido de obter a comprovação técnica de que os elementos da carroçaria de ambos os veículos - o veículo génese e o derivado - são rigorosamente os mesmos, ressalvada a adaptação do último ao transporte de mercadorias mediante a colocação de antepara e estrado, se necessário com recurso a adequada peritagem.

O que não parece aceitável é concluir pela identidade do tipo de carroçaria unicamente assente na semelhança dos elementos visíveis ou exibidos pelo veículo génese e derivado - que foi o apoio que restou à Administração tributária na sustentação da sua posição depois da informação prestada pela DGV - prescindindo dos elementos técnicos da estrutura da carroçaria e atendo-se meramente à estética da carroçaria.(…)”

Ou seja, para a sentença recorrida, a Recorrente deveria ter obtido, antes da liquidação, a comprovação técnica de que os elementos da carroçaria de ambos os veículos - o veículo génese e o derivado - são rigorosamente os mesmos, ressalvada a adaptação do último ao transporte de mercadorias mediante a colocação de antepara e estrado, se necessário com recurso a adequada peritagem.

Não o tendo feito a AT, concluiu a sentença pela procedência da impugnação judicial.

Relativamente a esta matéria, em processo no qual estava, igualmente, em causa a classificação fiscal da mesma viatura (marca e modelo), foi proferido Acórdão, por este TCAS, em 05/02/2015, p. nº 7395/14, do qual nos permitimos transcrever o seguinte:

“(…)A sentença recorrida, entendeu, em síntese, que “[n]ão resultando provado que o tipo de carroçaria do veículo Space Star é o mesmo do veículo Space Cargo, também não se pode ler como provado, como pretende a Administração Aduaneira, que o veículo "Mitsubishi" Space Cargo trata-se de um veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros. Atenta esta carência de prova, sempre resultaria duvidosa a existência do facto tributário subjacente às liquidações, incerteza esta que, nos termos do 100." do CPPT, reverte contra a Fazenda Pública, devendo os actos de liquidação serem anulados.”

A Recorrente Fazenda Pública não se conformando com a sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida das liquidações de imposto automóvel (IA) em causa nos autos, invoca, desde logo, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento porquanto, para efeitos fiscais, o veículo MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) é considerado um automóvel ligeiro de mercadoria derivados de ligeiros de passageiros, e deste modo, sujeito a Imposto Automóvel (conclusões A) a G)), tendo errado a sentença:
_ ao ter adoptado a noção restrita da palavra “derivados”, sendo a questão essencial é a de saber se o veículo em causa foi concebido a partir de um ligeiro de passageiros, sendo fiscalmente irrelevante que os veículos sejam, ou não, construídos de raiz como ligeiros de mercadorias (conclusões H) a T);
_ ao ter fundamentado a sua decisão na classificação técnica da DGV, e por seu turno, na classificação do tipo de carroçaria por ela atribuído, quando deveria ter considerado a classificação fiscal para efeitos de tributação (conclusões U) a X).

Vejamos, então, se para efeitos de IA o veículo "Mitsubishi", modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) deve considerar-se como um veículo de mercadorias derivado de veículo ligeiro de passageiros.

Dispõe do seguinte modo a alínea c) do n.º 1 do art. 1.º do DL n.° 40/93, de 18 de Fevereiro [diploma que adapta o IA aos procedimentos aduaneiros decorrentes da realização do mercado interno] na redacção dada pela Lei n°. 109-B/2001, de 27 de Dezembro: “1-O imposto automóvel (IA) é um imposto interno que incide sobre os veículos a seguir referidos, admitidos ou importados, no estado de novos ou usados, incluindo os montados ou fabricados em Portugal, que se destinem a ser matriculados:
(…)
c) Veículos automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros; (…)”.

Por outro lado, o n.º 2, alínea b) daquele preceito legal exclui do âmbito de incidência do IA os “[v]eículos ligeiros de mercadorias, de caixa aberta, fechada ou sem caixa, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, desde que não sejam considerados derivados de automóveis ligeiros de passageiros;”.

No que diz respeito ao conceito de veículos automóveis ligeiros de mercadorias
derivados de ligeiros de passageiros que deve ser considerado para efeitos do IA dispõe o art. 2.º, n.º 4. Deste modo, para efeitos daquele diploma consideram-se “[v]eículos automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros os veículos automóveis de mercadorias, concebidos a partir de automóveis ligeiros de passageiros, nos quais tenha sido colocado uma antepara inamovível que separe completamente o espaço destinado ao condutor e passageiro do destinado às mercadorias, apresentando a caixa de carga um estrado contínuo. (…)” Sublinhado nosso.

Neste contexto, a sentença recorrida entendeu, que o sentido a dar à palavra "derivados", é o da noção mais restrita, a Recorrente Fazenda Pública, insurgindo-se contra tal entendimento restrito, pugna que é fiscalmente irrelevante que os veículos sejam, ou não, construídos de raiz como ligeiros de mercadorias (conclusões H) a T).

Sucede que, para o caso dos autos, é irrelevante que se adopte um ou outro sentido, pois, o que há que determinar é se a AT demonstrou, ou não, a identidade de características entre os veículo Space Star é o veículo Space Cargo, de modo a que se possa concluir que o veículo Space Cargo tem a sua génese num veículo ligeiro de passageiros, ou seja, o que está em causa nos presentes autos é saber se a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação.

Vejamos, então.

No que diz respeito à classificação do modelo o veículo "Mitsubishi", modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), há que ter e em consideração que os Certificados Europeus de Homologação de Sistemas emitidos pelas autoridades holandesas qualificam-no como um veículo NI - "concebido e construído para o transporte de mercadorias com massa máxima não superior a 3,5 toneladas", de acordo com a definição constante do Anexo II da Directiva 70/156/CEE do Conselho, de 6 de Fevereiro (cfr, alínea b) dos factos provados).

De igual modo, há ainda que considerar que aquele veículo foi homologado por despacho de 25/02/2004 da Direcção-Geral de Viação (homologação nacional n02…….), como veículo ligeiro de mercadorias, correspondente ao código CE NI (cfr. alínea c) dos factos provados).

No Ac. do TCA Sul de 17/04/2007, proc. n.º 01309/06, decidiu-se que a homologação técnica atribuída pela Direcção-Geral de Viação (DGV) aos veículos em questão, não vincula a AT, para efeitos de tributação:

“a homologação levada a cabo pela DGV ao classificar um qualquer veículo numa determinada categoria prende-se apenas com a respectiva legitimação como tecnicamente apto a fazer parte do parque automóvel nacional desde logo no que concerne à respectiva matriculação.

(…) - Mas, o que a DGV não tem é competência para aferir ou condicionar a sujeição dessas mesmas viaturas a regras de incidência fiscal, sendo certo que estas se não encontram limitadas por aquela, ou seja, o legislador , observados que sejam os limites impostos pela Constituição e pelas convenções e tratados internacionais devidamente transpostos para ordem jurídica interna , é livre de estabelecer as categorias de veículos automóveis que muito bem entender , no sentido de as sujeitar a imposto , bem como dos termos em que o devam ser; por isso que, essas mesmas categorias possam, ou não, ser coincidentes com aquelas a que se encontra adstrita a DGV na actividade da respectiva homologação.” (sublinhado nosso).

Sufragando aquela jurisprudência, pese embora seja a Direcção-Geral de Viação (DGV) que detenha a competência exclusiva de classificar os veículos no que concerne à sua matriculação em território nacional, tal classificação não vincula a AT, e deste modo, in casu, e o veículo "Mitsubishi" Space Cargo, em causa nos autos, apesar de ter sido homologado pela Direcção Geral de Viação como veículo de mercadorias, pode ser classificado, para efeitos fiscais, de modo diverso.

Sucede que, não é nem pode ser despicienda a classificação que resulta quer da certificação europeia, quer da homologação da DGV, e que está subjacente à declaração da Impugnante e assim sendo, pese embora a AT possa classificar para efeitos fiscais aquele veículo de modo diferente daquele que foi homologado, cabe-lhe, no entanto, o ónus da prova dos factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT.

Na verdade, conforme resulta da alínea d) factos dados como provados, desde Fevereiro/2004, a impugnante vem declarando, nas respectivas Declarações Aduaneiras do Veículo (DAV), o veículo "Mitsubishi" modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) como veículo ligeiro de mercadorias, ou seja, de acordo quer com o certificado europeu, quer com a homologação da DGV.

Deste modo, estabelecendo o art. 75.º, n.º 1 da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte (“[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (…)”), cabe a AT o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Dito de outro modo, cabe à AT a prova de que, não obstante o veículo "Mitsubishi", modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo) se encontrar classificado por aqueles organismos, como veículo ligeiro de mercadorias, aquele possui características técnicas que sustentam a sua classificação, para efeitos fiscais, enquanto veículo ligeiro de mercadoria derivado de ligeiro de passageiro.

Por outro lado, e como facilmente se compreenderá, a prova que deverá ser efectuada pela AT para afastar a veracidade do declarado pelo Impugnante com base na classificação que resulta quer da certificação europeia, quer da homologação da DGV deverá ser uma prova consistente, sólida e com rigor técnico.
Ora, no que diz respeito ao cumprimento do ónus da prova pela AT, a sentença recorrida, entendeu que “a Administração Tributária limitou-se a concluir pela identidade do tipo de carroçaria unicamente assente na semelhança dos elementos visíveis ou exibidos pelo veículo ligeiro de passageiros e o derivado, atendo-se meramente à estética da carroçaria, prescindindo dos elementos técnicos da estrutura da carroçaria, constante do Dec-Lei n.°72-B/2003
/ de 14/04/2003, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.°2001/116/CE, da Comissão, de 20 de Dezembro.”. E deste modo, concluiu que “[n]ão resultando provado que o tipo de carroçaria do veículo Space Star é o mesmo do veículo Space Cargo, também não se pode ler como provado, como pretende a Administração Aduaneira, que o veículo "Mitsubishi" Space Cargo trata-se de um veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros.”.

O decidido não nos merece censura, pois adoptou-se, no fundo, um parâmetro de exigência de prova técnica, que não se basta com meras semelhanças visíveis, e limitadas à carroçaria do veículo. Tal juízo valorativo da sentença recorrida está adequado às exigências probatórias do caso concreto.

De igual modo, a conclusão a que chega a sentença recorrida, é acertada, pois, não resultando provado que o tipo de carroçaria do veículo Space Star é o mesmo do veículo Space Cargo, também não se pode ler como provado que o veículo "Mitsubishi" Space Cargo trata-se de um veículo ligeiro de mercadorias derivado de ligeiro de passageiros.

Com efeito, a AT não demonstrou, como lhe competia, que a carroçaria do veículo Space Star é o mesmo do veículo Space Cargo, limitando-se a uma mera assunção de semelhança, de estética, sem qualquer análise ou invocação de parâmetros técnicos para demonstrar essa identidade.

Tal como já referimos, não é nem poderia ser despicienda a classificação que resulta quer da certificação europeia, quer da homologação da DGV, e que está subjacente à declaração da Impugnante que goza da presunção de veracidade estabelecida no art. 75.º, n.º 1 da LGT.

Daí ser razoável exigir-se à AT, na demonstração dos pressupostos da sua actuação, em cumprimento do art. 74.º, n.º 1 da LGT, que efectue uma prova dos pressupostos da tributação que vá para além da mera semelhança estética das carroçarias.

A Recorrente Fazenda Pública, relativamente a este ponto, invoca que o veículo em causa, MITSUBISHI, modelo DG4ALNDFL6D (Space Cargo), tem uma carroçaria em tudo idêntica à carroçaria do congénere veículo de passageiros Mitsubishi Space Star DGO, sendo suficiente para suportar tal conclusão, a parte C do anexo II da Directiva 2001/116/CE da Comissão, de 20 de Dezembro de 2001, que adapta ao progresso técnico a Directiva 70/156/CEE do Conselho, transposta para o direito interno pelo D.L. n.° 72/2000, de 06 de Maio, em matéria de homologação dos veículos a motor e seus reboques e da análise das normas ISSO 3833 e 612, bem como a Directiva n.° 97/27/CE, da qual resulta que a carroçaria do veículo Space Star, modelo DGO é uma carroçaria típica de veículo ligeiro de passageiros do tipo AC - carrinha (break).

Sucede que o alegado não se encontra vertido na fundamentação subjacente aos actos impugnados, e deste modo, nem sequer pode ser considerado, pois independentemente de se saber se daqueles diplomas resulta a prova técnica necessária, tal constituiria fundamentação a posteriori do acto tributário, o que não é admissível (nesse sentido, vide, Acórdãos do STA de 04/12/2013, proc. n.º 01111/13, de 30/11/2011, proc. n.º 0619/11).
Pelo exposto, improcedem, in totum, os fundamentos do recurso.(…)”

Por concordarmos, inteiramente, com o decidido, acolhemos, expressamente, o teor do Acórdão supra transcrito.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerações, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em apreciação.

Face à decisão de negar provimento ao recurso fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso apresentada pela Recorrida.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)