Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1468/12.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
CPCV
TRADIÇÃO
ESCRITURA
Sumário:I. Para efeitos de sujeição a IRS dos ganhos obtidos com mais-valias, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato, nos casos de promessa de compra e venda ou troca.

II. Verificado que seja o facto tributário, o mesmo deve ser oportunamente declarado / comunicado à AT.

III. Se não foi feita declaração ou comunicação à AT e não resulta demonstrado que o promitente comprador pagou a respetiva Sisa ou IMT no ano em que a Impugnante afirma ter-se verificado a tradição do imóvel para aquele, e não tendo a AT outra forma de conhecer a transmissão, nem estando obrigada a conhecê-la oficiosamente, tem de se considerar verificado o facto tributário, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda.

IV. Só no momento mencionado em III. a AT deverá considerar-se conhecedora da transmissão e não no momento da celebração do contrato promessa ou de qualquer ato revelador da transmissão que não lhe foi comunicado.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

M. C. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 15.12.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2011.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“- Contrariamente ao que veio a ser sentenciado pelo Tribunal “a quo”, as constatações expostas na presente peça processual, conduzirão julga-se, à procedência da impugnação e à anulação da liquidação que lhe subjaz;

- A liquidação foi realizada – erradamente para o ano de 2011 - e contempla o rendimento resultante da consideração indevida no Anexo G da Declaração Mod. 3 de rendimentos, da base tributável referente ao imóvel 110301, Tipo R - Fracção/Secção G G 1 (€ 750.000,00 - € 5.426,58);

- Valor este respeitante às mais-valias referentes à venda do terreno que melhor resulta identificado em 12. da P. I.;

- As quais, apenas por mero lapso foram declaradas e participadas à AT, como rendimento deste exercício de 2011;

Na verdade,

- o contrato promessa de compra e venda referente ao dito imóvel, outorgado em 10/11/2007, acompanhado da entrega efectiva do imóvel objecto da presente impugnação à Sociedade então promitente compradora, por parte da recorrente e sua enteada, constituíu a “venda” para efeitos fiscais de acordo e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS (tal como emerge de 9. a 35. da P. I.);

- E a emissão da procuração a que se alude em 30. da P. I., o culminar do negócio realizado;

- Porque assim e verificados que foram os pressupostos de facto estabelecidos no aludido preceito, deverá em sede fiscal, considerar-se que a venda - transmissão – ocorreu na citada data de 10/11/ 2007;

- E não na data da respectiva escritura notarial de compra e venda, outorgada em 2011, a qual deverá considerar-se já, inócua para efeitos fiscais;

- Porquanto, deverão prevalecer aqui, os conceitos e preceitos legais de índole fiscal sobre os respeitantes à natureza civilista do acto;

- Não havendo assim razão fáctica nem legal, para a declaração das mais-valias em apreço, no exercício de 2011;

- O que – repita-se - se ficou a dever apenas a mero lapso da Técnica que procedeu à elaboração da Declaração de rendimentos, como ficou provado em A.J.;

- Erro declarativo que a manter-se sem rectificação, desprezaria não só a substância das operações realizadas, como o conteúdo das normas legais da sujeição a imposto;

Como se deixou dito,

- A Sentença sob recurso, veio a validar a liquidação aqui impugnada, mantendo-a na ordem jurídica, em síntese e em suma, por considerar que não resultou provada a tradição ou posse do prédio objecto do contrato promessa de compra e venda a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS na data invocada, ou seja, no ano de 2007.

- Ao ter decidido como decidiu, a Sentença “sub-judice” fez errónea avaliação da factualidade ali expressa e dada como provada e errada subsunção dos factos ao direito, por consequência, pecando por erro de julgamento, advindo das seguintes circunstâncias:

- Desde logo, fazendo errada interpretação da prova documental;

- Por outro lado, ignorando a prova testemunhal produzida, no particular atinente à tradição operada;

- Prima facie, mesmo abstraindo da prova testemunhal, o que é um facto, é que se nos afigura linear a conclusão, de que a Sentença recorrida fez errada e deficiente leitura dos termos e estipulações do contrato promessa, quando devidamente conjugado e concatenado com o conteúdo da procuração, pois que a entrega e tradição, implicitamente emergem do seu conteúdo;

- A factualidade ali vertida e dada como provada, se na Sentença, devidamente avaliada e considerada, é face à jurisprudência citada na P. I., de molde a impor decisão diversa daquela que veio a ser tomada;

- Isto, é de que a tradição para efeitos d a alínea a) do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS ocorreu na data invocada, ou seja, no ano de 2007.

- Acresce que o V. Tribunal “a quo”, não conheceu (por alegadamente irrelevante), do depoimento das testemunhas depoentes, em particular o da Dr.ª F. G.;

- Contrariamente ao decidido pela Sentença sob recurso, o depoimento da aludida testemunha, afigura-se-nos assaz relevante;

- Dele se extraindo designadamente a conclusão, de que se verificaram actos que consubstanciam inquestionavelmente, tradição do imóvel a partir de 2007 - data do contrato promessa - tendo sido a dita testemunha inclusivamente, protagonista e ou participante de alguns desses actos;

- Resultando da subsunção ao direito das suas declarações – as quais, tenha-se presente, o V. Tribunal “a quo” considerou como sérias e credíveis - que a tradição para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, ocorreu na invocada data do ano de 2007;

- Ignorando em absoluto o depoimento da aludida testemunha, omitiu a Sentença recorrida, factos essenciais para a descoberta da verdade material;

- Pecando por deficit de fundamentação, designadamente, por omissão e falta de exame crítico das provas;

- Omitindo factos essenciais com vista à boa decisão da causa;

- E d`estarte, devendo face a todo o exposto, revogar-se a Sentença sob recurso, por errada aplicação do direito advinda de erro na apreciação das provas, carência de conhecimento de questões que deveria ter conhecido com vista à boa decisão da causa, por omissão de conhecimento e falta de análise crítica das provas;

- Tudo razões que determinaram erro de julgamento;

- Concluindo-se pela procedência do recurso, pede-se se revogue a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a anulação da liquidação impugnada, e respectivos juros com as consequências legais;

- E por tudo o exposto, verificando-se erro de direito por violação das disposições constantes dos normativos da alínea a) do n.º 1 do Art.º 10.º do CIRS, quando conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 3 deste citado preceito e bem assim do Art.º 77.º n.º 1 da LGT;

- E ainda as dos Art.º 125.º do CPPT, do Art.º 615.º do CPC (aplicável ao processo fiscal, “ex - vi” do Art.º 2.º do CPPT), Art.º 125.º do CPA.

Excelentíssimos Senhores

Juízes Desembargadores:

Decidindo como se conclui e vai pedido, concedendo provimento ao presente recurso, assim o julgamos, fareis uma vez mais JUSTIÇA!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia?

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que foi demonstrado que a transmissão do imóvel em causa ocorreu em 2007?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em 12/07/2007, M. V. e J. V., casados no regime de comunhão geral, e M. C., aqui Impugnante, na qualidade de promitentes vendedoras e primeiras outorgantes, e a “S. A. Q. C. V., SAG”, pessoa coletiva n.º … 257, na qualidade de promitente compradora e segunda outorgante, celebraram entre si um “contrato promessa de compra e venda”, no qual declaram as primeiras outorgantes que são donas e legítimas possuidoras (a) do prédio rústico denominado “V. F.” ou “R. S.”, sito na Q. C., freguesia de A., concelho de Azambuja, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo .. secção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …4, e de (b) um prédio urbano composto por casa de R/C com duas divisões que servem de adega com cinco depósitos subterrâneos com a capacidade de 500 pipas e 12 aéreos com capacidade de 580 pipas, um alpendre com dois lagares e logradouro, sito em E., freguesia de M., concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …5.º e omisso na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, e que prometem vender à segunda outorgante, e esta promete comprar, os referidos prédios pelo preço de € 1.325.000,00, importância que a segunda outorgante entregou na data da presente escritura à primeira outorgante M. F., a quantia de € 550.000,00, e à primeira outorgante M. F., o montante de € 775.000,00 – (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial).

2) Da escritura referida no ponto anterior consta, ainda, que “O prédio objeto indicado na alínea a) do número anterior encontra-se onerado com um contrato promessa de arrendamento florestal celebrado entre A. C. e S. F.- S. P. P. S.A., pelo prazo de 29 anos, com início em 26 de Agosto de 1985, e termo em 26 de Agosto de 2014”, que “§1.° A escritura de compra e venda do prédio identificado na alínea a) do Considerando 1.º, será outorgada após Agosto do ano de 2014, e no prazo máximo de 90 dias a contar da interpelação efetuada pela SEGUNDA às PRIMEIRAS CONTRATANTES”, que “§3 ° A SEGUNDA CONTRATANTE poderá realizar a escritura antes da data referida no parágrafo primeiro desta cláusula salvaguardado o disposto na cláusula oitava no que se refere às responsabilidades que daí possam advir, nomeadamente na assunção de despesas judiciais e extrajudiciais, registos, honorários aos advogados das partes e direitos a indemnização a que haja lugar”, que “Até à outorga da escritura de compra e venda o valor das rendas do prédio identificado na aliena a) do Considerando 1.º, será integralmente percebido pelas PRIMEIRAS CONTRATANTES”, e que, “Atento o facto de que o prédio melhor descrito na alínea a) do Considerando 1.º do presente contrato se encontrar onerado com contrato de arrendamento comercial a que se refere o n.º 2 dos considerandos, o que lhe confere até ao termo do mesmo, direito de preferência na aquisição do prédio, e na hipótese de essa situação se vir a verificar, a SEGUNDA CONTRATANTE, assume desde já todas as responsabilidades daí possam advir, nomeadamente despesas judiciais e extrajudiciais, registos, honorários aos advogados das partes e direitos a indemnização a que haja lugar.” - (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3) Em 12/07/2007, a Impugnante e M. V., declararam, através de escritura pública, constituir sua bastante procuradora, a “S. A. Q. C. V., SAG”, pessoa coletiva n.º … 257, a quem conferem “todos os poderes necessários para, podendo fazer negócio consigo mesmo, comprar, vender, prometer comprar, prometer vender, permutar, arrendar, o prédio rústico denominado Q. C., sito em V. F. ou R. S., na freguesia de A., concelho da Azambuja, inscrito na matriz sob o artigo n.º .. da Secção …, descrito no Registo Predial da Azambuja sob o numero … quatro, dar ou receber quitação, podendo outorgar e assinar contratos promessa e as respetivas escrituras. Mais lhe confere poderes para as representar junto de quaisquer Repartições Públicas e Administrativas, designadamente no Serviço de Finanças, onde pode requerer certidões, pedir avaliações, fazer participações, pagar impostos e pedir isenção dos mesmos e ainda para nas Conservatórias do Registo Predial respetivas, requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, retificações, podendo lá prestar declarações complementares e desistir do pedido, para junto das Câmaras Municipais, requerer vistorias e licenças de obras ou de utilização, apresentar requerimentos, pedir certidões e ainda para junto das entidades competentes requisitar instalação de água, luz, gás ou telefone, ou para cancelar o seu fornecimento, podendo em seu nome requerer, praticar e assinar tudo o que se relacione ou for necessário para os indicados fins.” - (cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial).

4) Por escritura pública de “Compra e venda” celebrada no Cartório Notarial em Lisboa, A. A., outorgando na qualidade de Gerente, com poderes para o ato em representação da sociedade comercial por quotas com a firma “S. A. Q. C. V., SAG”, pessoa coletiva n.º … 257, e ainda em representação da dita sociedade, esta como Procuradora, com poderes para celebrar negócio consigo mesma, em representação de M. C. e M. V., declarou que as representadas da sociedade por si representada são donas e legítimas possuidoras do prédio rústico, composto por terreno de charneca, denominado V. F. ou R. S., localizado em A., freguesia de A., concelho de Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número ..4, e inscrito na respetiva matriz sob o número .., da secção “…”, com o valor patrimonial global para efeitos de IMT de 148.997,70 €, e que vendem à sociedade sua representada o referido prédio, pelo preço de € 1.300.000,00 - (cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5) Em 31/05/2012, a Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2011, integrando, para além de outros anexos, o anexo “F – Rendimentos prediais”, declarando que auferiu o montante de € 8.636.35 a título de rendas do prédio rústico da freguesia ..1, artigo .., fração/secção .., com retenção na fonte de IRS do montante de € 1.425,00 pela entidade com o NIPC … 630, mais declarando no anexo “G – Mais-valias e outros incrementos patrimoniais”, a venda do prédio rústico da freguesia …1, artigo .., fração/secção …, em julho de 2011, pelo valor de € 750.000,00, prédio adquirido em abril de 2000 pelo preço de € 5.426,58 – (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial).

6) Em 17/06/2012, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2012 5004202399, com valor de “Imposto apurado” de € 163.991,42, de “Sobretaxa – resultado” de € 13.253,31, perfazendo o total de € 177.244,73, com data de pagamento voluntário até 31/08/2012 - (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial).

7) Em 4/10/2012, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto antecedente, que foi objeto de decisão de indeferimento por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, de 12/11/2012 - (cfr. documentos n.º 3 e 4 juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos).

8) Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que se alude no ponto anterior, consta, para o que ora interessa, a seguinte fundamentação:

“(…)

8. O prédio em causa foi adquirido por óbito de A. C., marido da reclamante, na proporção de 2/3, tendo sido atribuído o restante 1/3 a M. V..

9. Da leitura do contrato promessa de compra e venda, celebrado em 12.07.2007, junto ao processo, constata-se que aquele prédio, à data do contrato promessa de compra e venda, se encontrava onerado com um contrato de arrendamento florestal celebrado entre o anterior proprietário e a “S. F. — S. P. P., S.A.”, pelo prazo de 29 anos que terminaria em 2014 (2.º ponto dos considerandos do contrato promessa).

10. Na cláusula 5.ª do contrato promessa de compra e venda consta: "Até à outorga da escritura de compra e venda o valor das rendas do prédio identificado na alínea a) do Considerando 1.º, será integralmente percebido pelas PRIMEIRAS CONTRATANTES

11. A reclamante declarou as rendas recebidas pelo referido arrendamento, nas declarações modelo 3 de lRS, anexo F, até ao ano de 2011 inclusive.

12. A empresa S. F., S.A. efectuou as retenções na fonte relativas ao referido contrato de arrendamento até ao ano de 2011 inclusive.

13. A empresa compradora do prédio pediu isenção do mesmo desde a data da compra, ou seja, desde o ano 2011.

14. Ora, a reclamante não logrou provar que a transmissão do imóvel ocorreu de facto em 2007.

15. Pelo contrário, a percepção das rendas acima mencionadas apenas vem provar que a reclamante ainda detinha o prédio e se comportava como proprietária do mesmo, recebendo os rendimentos que este gerava.

Conclusão

16. Considero que a presente reclamação deve ser indeferida, mantendo-se a liquidação reclamada.

(…)” - (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial).

9) A petição de impugnação deu entrada no Serviço de Finanças das Caldas da Rainha em 5/12/2012 – (cfr. carimbo aposto na primeira página da petição inicial).

Mais se provou que,

10) A Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2007, declarando no anexo “F – Rendimentos prediais”, que recebeu o montante de € 7.181,68 a título de rendas do prédio rústico da freguesia …1, artigo .., fração/secção .., com retenção na fonte de IRS do montante de € 1.077,25 pela entidade com o NIPC … 630 – (cfr. fls. 1 e 2 do documento do SITAF 005332359).

11) A Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2008, declarando no anexo “F – Rendimentos prediais”, que recebeu, entre outros, o montante de € 7.181,68 a título de rendas do prédio rústico da freguesia ..1, artigo .., fração/secção .., com retenção na fonte de IRS do montante de € 1.077,25 pela entidade com o NIPC … 630 – (cfr. fls. 3 e 4 do documento do SITAF 005332359).

12) A Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2009, declarando no anexo “F – Rendimentos prediais”, que recebeu, entre outros, o montante de € 7.677,22 a título de rendas do prédio rústico da freguesia …1, artigo.., fração/secção .., com retenção na fonte de IRS do montante de € 1.151,58 pela entidade com o NIPC … 630 – (cfr. fls. 5 e 6 do documento do SITAF 005332359).

13) A Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2010, declarando no anexo “F – Rendimentos prediais”, que recebeu o montante de € 7.677,22 a título de rendas do prédio rústico da freguesia …1, artigo 1, fração/secção .., com retenção na fonte de IRS do montante de € 1.151,58 pela entidade com o NIPC … 630 – (cfr. fls. 7 e 8 do documento do SITAF 005332359).

14) A Impugnante apresentou a declaração de IRS respeitante ao ano de 2012, integrando o anexo A e H – (cfr. fls. 9 do documento do SITAF 005332359).

15) A Impugnante efetuou o pagamento do IMI respeitante aos prédios referidos em 1), desde 2007 até à data da escritura de compra e venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …4, e inscrito na respetiva matriz sob o número .., da secção “..”, referido em 4) – (facto não controvertido; prova testemunhal)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Factos não provados

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto dada como provada resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, que integra o Processo de Reclamação Graciosa, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. artigo 76.º n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório. No que concerne à prova testemunhal produzida, não obstante as testemunhas terem prestado depoimentos sérios e credíveis, demonstrando conhecimento direto dos factos, nada de relevante foi acrescentado à prova documental já constante dos autos, servindo o depoimento apenas para corroborar o facto não controvertido respeitante ao pagamento do IMI do prédio objeto da presente ação, desde o ano de 2007 até à data da escritura de compra e venda. Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo não conheceu questões que deveria ter conhecido. Ou seja, ainda que inominadamente, a Recorrente invoca omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciada toda a prova produzida.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, o alegado, mesmo a verificar-se, não se configura como qualquer nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo, sim, consubstanciar um erro de julgamento da decisão proferida sobre a matéria de facto, o que também foi invocado.

Como tal, carece de razão a Recorrente, ao referir que houve “carência do conhecimento de questões que deveria ter conhecido”, na medida em que, independentemente do eventual erro de julgamento, o Tribunal a quo conheceu todas as questões que lhe foram colocadas.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que, na sua perspetiva, foi demonstrado que a transmissão do imóvel em causa ocorreu em 2007.

Vejamos, então.

Nos termos dos art.ºs 9.º e 10.º do CIRS, são tributadas em sede de IRS as mais-valias, ali definidas, designadamente, como “os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (…) [a]lienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

Atento o disposto no art.º 10.º, n.º 3, al. a), do CIRS, nos casos de promessa de compra e venda, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato.

In casu, como resulta provado:

a) Em 2007, a Impugnante e a sua enteada celebraram um contrato-promessa de compra e venda dos prédios m.i. em 1) do probatório, que se encontravam arrendados;

b) No mesmo dia, foi outorgada uma procuração irrevogável por parte, designadamente, da Impugnante a favor da sociedade promitente compradora;

c) Em 2011, a referida sociedade, por si e em representação da Impugnante e sua enteada, celebrou uma escritura de compra e venda, tendo por objeto os prédios em causa;

d) No tocante ao IRS relativo a 2007, nada foi declarado pela Impugnante atinente a mais-valias imobiliárias;

e) Em 2012, a Impugnante declarou a venda do referido prédio no seu anexo G, por referência ao IRS de 2011, tendo sido emitida liquidação nesse seguimento;

f) Esta liquidação foi objeto de reclamação graciosa e, ulteriormente, impugnada judicialmente, nos presentes autos;

g) Entre 2007 e 2011, a Impugnante sempre recebeu as rendas e pagou os IMI relativos ao prédio em causa.

A questão central em que se foca a Impugnante prende-se com considerar que ficou provada a tradição do imóvel em causa em 2007.

Não obstante, pela mesma não foi posto em causa aquele que, para nós, é o fundamento central da sentença: o que de que a Impugnante não se pode valer de uma presunção relativa a uma alegada tradição que nunca comunicou à AT.

Aliás, não resulta sequer que tenha sido pago o IMT pela promitente compradora, no ano em análise, única situação, para além da declaração da própria Impugnante, que permitiria à AT ter informação suficiente para poder atuar em conformidade.

Neste quadro, aliás, a Impugnante não foi tributada em 2007 por eventuais mais-valias, tendo apenas alegado a dita tradição já em sede de reclamação graciosa, num momento em que o prazo de caducidade do direito à liquidação do ano de 2007 estava ultrapassado.

Sobre questão idêntica à presente já se pronunciou este TCAS, em Acórdão de 13.01.2022 (Processo: 671/07.7 BELRA), subscrito pela ora relatora na qualidade de 2.ª adjunta e onde se refere:

“Dispõe o artigo 10º, nº 3, a) do CIRS, após estabelecer no seu nº 1 a noção de mais valias para efeitos do Código, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo de nos casos de promessa de compra e venda ou de troca se presumir que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato.

Estamos aqui perante uma presunção estabelecida a favor da Fazenda Pública, de modo a evitar que os contribuintes, em caso de tradição ou posse do bem ou direito, pudessem protelar indefinidamente a liquidação do imposto, bastando-lhes arrastar a data da celebração da respectiva escritura de compra e venda.

Deste modo, existindo a tradição do imóvel, e mesmo que não celebrada a escritura definitiva, o ganho considera-se obtido logo que verificada a tradição ou posse do bem, pelo que o contribuinte deverá comunicar o facto à Fazenda Pública ou esta poderá efectuar a respectiva liquidação oficiosamente, se o facto chegar ao seu conhecimento.

Tratando-se de liquidação oficiosa, poderá o contribuinte ilidir a presunção provando que não se verificou a tradição ou posse ou que a mesma não teve lugar na data considerada pela Fazenda Pública.

No caso dos autos, o que os recorrentes pretendem é inverter o sentido e alcance da referida norma, isto é, pretendem ser eles a provar que a data da tradição e posse por parte do promitente comprador é anterior à data da respectiva escritura e que, em consequência, será essa a data da obtenção do ganho.

Porém, salvo o devido respeito, os recorrentes carecem de razão.

É que a lei apenas permite que o contribuinte (sujeito passivo) faça prova de que a tradição se não verificou em certa data considerada pela Administração Tributária, a fim de ilidir a presunção acima referida e tendo em vista beneficiá-lo.

No caso de se verificar a tradição é o próprio sujeito passivo que está obrigado a comunicar à Administração o facto tributário, para que se proceda à liquidação do respectivo imposto.

Se o sujeito passivo o não fizer, para além de se sujeitar ao respectivo procedimento contra-ordenacional, poderá ter lugar a liquidação oficiosa do imposto se o facto chegar ao conhecimento da Administração Tributária.

Se esse facto não chegar ao seu conhecimento, o prazo para a caducidade do direito de liquidação só começa a correr após esse conhecimento. No caso dos autos, só com a comunicação da realização da celebração da escritura pública a Administração tributária teve conhecimento da transmissão e da obtenção do ganho sujeito a IRS, sendo certo que nem a existência do contrato promessa lhe foi comunicada, nem a lei lhe exige e nem seria possível estar a apurar a existência de contratos promessa em que se verificasse a tradição ou posse do imóvel ou do direito.

É que a caducidade do direito de liquidação, tal como a prescrição, constitui, de certo modo uma “punição” para o não exercício atempado do direito. Porém, o exercício do direito depende do conhecimento da sua existência por parte do seu titular. Ora, se os recorrentes não comunicaram à Administração Tributaria, oportunamente, os factos que agora pretendem serem-lhes favoráveis, aquela não poderia exercer o referido direito.

A tese dos recorrentes viria premiar os contribuintes faltosos nos casos em que, havendo tradição, a não comunicassem à Administração Tributária e deixassem propositadamente passar o prazo de caducidade, só celebrando o contrato definitivo após decorrido esse prazo e confiando em que aquela não descobrisse a verificação do facto tributário, antes da caducidade.

Temos então que os recorrentes, a ter-se verificado a tradição e posse para o promitente comprador anteriormente à escritura, deveriam ter efectuado à Administração Tributária a competente comunicação e pedido de liquidação (no caso, deveriam ter declarado o rendimento na declaração do IRS do ano em que diz ter ocorrido a tradição).

Não o tendo feito e uma vez que se prova que a Administração Tributária só teve conhecimento do facto tributário com a celebração das escrituras públicas (…), são essas as datas relevantes para efeitos de caducidade do direito à liquidação”.

Também em sentido idêntico já se pronunciou o TCAN, em Acórdãos de 25.03.2021 (Processo: 0377/09.2BEBRG) e de 21.10.2004 (Processo: 00092/04).

Atento este entendimento, ao qual se adere, consideramos que não assiste razão à Recorrente, sendo, por força do mesmo, irrelevante apreciar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de julho de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)