Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:52/23.5BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PUNIÇÃO DISCIPLINAR
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
LEI MAIS FAVORÁVEL
Sumário:I – A inscrição de qualquer agente desportivo está sujeita a registo obrigatório na FPF sendo que, no caso do recorrido, o mesmo constava dos registos da FPF desde 13-8-2021, como dirigente, com a função de S. C. F. do C. 2…, situação que perdurou, até 30-6-2022. Deste modo, pelo menos até àquela data, o mesmo detinha a qualidade de “agente desportivo”, uma vez que a demissão apresentada por carta de 11-1-2022, e aceite pela Direcção do C. 2. em 15-1-2022, só seria oponível à FPF após comunicação e pedido de cancelamento da inscrição em vigor.
II – Como tal, deve concluir-se que o recorrido detinha, à data dos factos pelos quais foi disciplinarmente punido, a qualidade de “agente desportivo”, na acepção constante do artigo 4º, alínea b) do Regulamento Disciplinar da FPF, relativo à época de 2020/2021 (b) «Agente desportivo»: os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, elementos da equipa de arbitragem, observadores dos árbitros, delegados da FPF, intermediários desportivos, agentes das forças de segurança pública, coordenadores de segurança, assistentes de recinto desportivo, médicos, massagistas, maqueiros dos serviços de emergência e assistência médicas, bombeiros, representantes da protecção civil, apanha-bolas, repórteres e fotógrafos de campo e, em geral, todos os sujeitos que desempenhem funções ou exerçam cargos no decurso das competições organizadas pela FPF e nessa qualidade estejam acreditados, bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF, pela LPFP ou pelas associações distritais e regionais, nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial, ou ainda outro responsável pelos assuntos técnicos, médicos e administrativos perante a FIFA, uma confederação, federação, associação, liga, clube ou sociedade desportiva).
III – De acordo com o disposto no artigo 37º, nº 4 do RD da FPF 2020/2021, “os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo”, previsão que veio a ser alterada no artigo 37º, nº 5 do RD da FPF 2021/2022, para “os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo”, alargando desde modo para todo o recinto desportivo – e não apenas para a zona técnica daquele – a interdição de permanência dos agentes desportivos.
IV – As sanções são determinadas pelas normas sancionatórias vigentes no momento da prática dos factos que constituem a infracção disciplinar, só sendo aplicadas as normas posteriores se o regime aí estabelecido se mostre mais favorável ao infractor (cfr. artigo 10º, nºs 1 e 4 do RD da FPF).
V – Assim sendo, a pena de 135 dias de suspensão aplicada ao recorrido no âmbito do processo nº 133 - 2020/2021 apenas o impedia de estar presente na “zona técnica” dos recintos desportivos («Zona técnica»: área determinada em conformidade com o regulamento da respectiva competição, na acepção da alínea rr) do artigo 4º do RD da FPF), mas não já no “recinto desportivo”, ou seja, no local destinado à prática do futebol ou onde esta tenha lugar, confinado ou delimitado por muros, paredes ou vedações, em regra com acesso controlado e condicionado (cfr. alínea jj) do artigo 4º do RD da FPF), pois era esse o âmbito da sanção à data em que foram praticados os factos que a determinaram.
VI – A aplicação do disposto 37º, nº 5 do RD da FPF 2021/2022 estava vedada pelo disposto artigo 29º da CRP, que prevê no seu nº 1 que “ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”, além de que o disposto no seu nº 2 determina que “ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”, uma vez que aquele Regulamento de Disciplina continha uma previsão sancionatória mais gravosa para o arguido, não prevista – pelo menos com tal extensão – no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos.
VII – E, de igual modo, também o recorrido C. C. 2.. não incumpriu o dever resultante do artigo 104º do RD da FPF (o clube que não acate ou não faça cumprir ordem ou deliberação emanada de órgão social competente da FPF, ou órgão jurisdicional especialmente previsto nos seus Estatutos ou no presente Regulamento, é sancionado com multa entre 5 e 100 UC), razão pela qual não poderia ter o mesmo sido sancionado, por falta de preenchimento dos elementos típicos da infracção.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Federação Portuguesa de Futebol, inconformada com a decisão arbitral proferida pelo TAD, que julgou procedente o recurso apresentado pelos demandantes F. M. e C. C. 2.. no âmbito do processo nº 48/2022 (Arbitragem Necessária), veio, ao abrigo do disposto no artigo 8º, nºs 1, 2 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, e interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 30 de Dezembro de 2022, que julgou procedente o recurso apresentado pelos ora recorridos, que correu termos sob o nº 48/2022, que decidiu absolver o recorrido F. M., da sanção de 10 (dez) meses e 15 (quinze) de suspensão, correspondentes ao total de 315 (trezentos e quinze) dias de suspensão, por força do disposto no artigo 14º, nº 2, do RDFPF e, cumulativamente, da sanção de multa de 35 UC, correspondente a € 3,570,00, pela prática de 7 (sete) infracções disciplinares ao artigo 137º, nº 1, do RDFPF, por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21 – jogos aos quais assistiu, nas bancadas ou camarotes dos recintos desportivos onde os mesmos se realizaram, estando naquelas datas ainda a cumprira sanção de 135 (cento e trinta e cinco) dias de suspensão que lhe haviam sido aplicada no processo disciplinar nº 133 – 2020/2021;
2. O presente recurso versa também sobre a decisão do Colégio Arbitral em absolver o recorrido C. C. 2.., da sanção de 100 UC de multa, correspondente a 10.200,00 € (dez mil e duzentos euros), pela prática de 4 (quatro) infracções disciplinares ao artigo 104º do RDFPF, praticadas por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 9, 13, 15 e 17 –, todos disputados no seu Estádio, na qualidade de equipa visitada, a contar para a Liga 3, da corrente época desportiva 2021/2022, por não ter feito cumprir a deliberação emanada pelo CD da recorrente, praticando assim a infracção disciplinar p. e p. no artigo 104º, nº 5 do RDFPF;
3. A decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe um erro na matéria de facto dada como provada e não provada, e bem assim, erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passa a demonstrar;
4. Entendeu o Tribunal a quo que o recorrido F. M. não podia ser punido, porquanto, à data dos factos em crise nos autos – a presença em recinto desportivo, no decorrer de sete jogos do recorrido C. C. 2.. – não era agente desportivo, porque havia apresentado a demissão do cargo que exercia no recorrido C. 2.. e nessa medida, não podia ter sido sancionado disciplinarmente;
Sem razão, senão vejamos,
5. Dispõe o artigo 3º, nº 1 do RDFPF que "O presente Regulamento é aplicável a todas as entidades desportivas, incluindo aos clubes, e a todos os agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções no âmbito das competições de futebol, por qualquer forma nelas intervenham ou desenvolvam actividade compreendida no objecto estatutário da Federação";
6. Acresce que dispõe o artigo 4º, alínea b) do RDFPF que se considera Agente Desportivo: "os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, elementos da equipa de arbitragem, observadores dos árbitros, delegados da FPF, intermediários desportivos, agentes das forças de segurança pública, coordenadores de segurança, assistentes de recinto desportivo, médicos, massagistas, maqueiros dos serviços de emergência e assistência médicas, bombeiros, representantes da protecção civil, apanha-bolas, repórteres e fotógrafos de campo e, em geral, todos os sujeitos que desempenhem funções ou exerçam cargos no decurso das competições organizadas pela FPF e nessa qualidade estejam acreditados, bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF, pela LPFP ou pelas associações distritais e regionais, nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial, ou ainda outro responsável pelos assuntos técnicos, médicos e administrativos perante a FIFA, uma confederação, federação, associação, liga, clube ou sociedade desportiva" – sublinhados nossos;
7. O recorrido F. M. tinha inscrição em vigor na FPF, enquanto dirigente, com licença desportiva nº 8…, encontrando-se inscrito com a função de S. F. do C. 2.., desde 13.08.2021, não tendo a mesma sido cancelada ou cessada, permanecendo activa e válida até 30.06.2022 – cfr. facto nº 4 dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo;
8. Tal factualidade encontra-se demonstrada nos autos, designadamente por análise do detalhe de inscrições do recorrido F. M., a fls. 33 e 38, do seu Player Passport, a fls. 35 e 36, e da listagem dos seus sancionamentos disciplinares, a fls. 37;
9. Mantendo a sua inscrição activa junto da FPF, aqui recorrente, até 30.06.2022, último dia da época desportiva 2021/2022, uma vez que em momento algum foi solicitado o seu cancelamento ou sequer comunicada a cessação do seu mandato ou funções no clube, pelo próprio ou pelo C. 2.., o recorrente F. M. mantinha todas as prerrogativas inerentes a tal estatuto, como a possibilidade de, caso não existisse outro impedimento (nomeadamente disciplinar), ser inscrito nas Fichas Técnicas e exercer funções no quadro das competições organizadas pela FPF;
10. Nesse sentido, o recorrido F. M. é considerado «agente desportivo», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º, alínea b), do RDFPF – que adopta uma definição ampla de agente desportivo – estando, como tal, sujeito ao exercício do poder disciplinar por parte da FPF, ao abrigo do preceituado no artigo 3º, nº 1, do mesmo Regulamento;
11. Em suma, subsumindo os factos dados como provados pelo próprio Colégio Arbitral à norma prevista no artigo 4º, alínea b) do RDFPF, constatamos que o recorrido era/foi agente desportivo até 30.06.2022, porquanto: (i) estava inscrito na FPF como dirigente do recorrido C. 2..; (ii) estava, nessa qualidade, autorizado a participar nas competições organizadas pela FPF; (iii) nomeadamente mediante inscrição; (iv) estava presente no recinto desportivo por ocasião de jogo oficial – no caso, sete jogos oficiais;
12. Ora, recordemos que o RDFPF, no seu artigo 4º, alínea b), considera Agentes Desportivos, " (...) os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes (...) bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF (...) nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial;
13. Neste conspecto, conclui-se que o recorrido F. M., se encontrava inscrito como Dirigente do recorrido C. 2…, até 30.06.2022, estando nessa medida autorizado a participar em competições organizadas pela aqui recorrente, "nomeadamente mediante inscrição", encontrando-se presente nos complexos desportivos por ocasião dos sete jogos oficiais a que aludem os factos provados nºs 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21);
14. Impendia sobre os recorridos o dever de actualização de tal factualidade junto da recorrente, o que, conforme resulta dos autos, não sucedeu, como aliás, o próprio Tribunal a quo dá como provado, não colhendo o argumento de que o recorrido F. M. deixou de exercer funções no C. 2.. em 15 de Janeiro de 2022, porquanto, reitere-se, nenhum dos recorridos cuidou de prestar e registar para os devidos efeitos, tal informação;
15. Ter-se-á como relevante in casu, não a vida interna de cada clube, designadamente as eleições internas e os pedidos de demissão, mas sim a comunicação e inscrição que os clubes e agentes desportivos fazem junto da FPF, a cada época desportiva, sendo que a mesma será válida até o clube ou o dirigente informar a FPF de que tal inscrição deve ser dada sem efeito, ou, na ausência de tal comunicação, no fim de cada época desportiva, como sucedeu no caso concreto, só assim se garantindo, a segurança e certeza jurídica quanto aos efeitos das sanções disciplinares aplicadas e dos respectivos sujeitos;
16. Nesse sentido, considerando que o recorrido F. M., era à data dos factos, agente desportivo, como bem sabia que era, porquanto nunca tinha assegurado que assim não se encontrava registado junto da FPF, tinha de saber que ao agir como agiu – marcar presença nos recintos desportivos dos jogos em crise nos autos – estava a incumprir a sanção de suspensão que lhe havia sido aplicada;
17. Pelo exposto, dever-se-á considerar provado o facto que o Tribunal à quo deu como não provado, aditando-se à factualidade dada como provada o seguinte segmento:
"O demandante F. M. assistiu a todos os jogos oficiais supramencionados, nos respectivos recintos desportivos, o que fez e quis fazer, com a intenção de violar a decisão de suspensão que lhe havia sido aplicada, sabendo ainda, e não podendo ignorar, que a sua conduta constituía a prática de infracção disciplinar prevista e sancionada pelo RDFPF e, ainda assim, não se absteve de a adoptar";
Em suma, não se verifica qualquer violação do princípio da tipicidade, incorrendo o Tribunal à quo em erro na interpretação e aplicação do artigo 4º, alínea b) do RDFPF, havendo que concluir que andou bem o CD da recorrente ao sancionar o recorrido F. M. por prática de sete infracções previstas no artigo 137º, nº 1 do RDFPF, devendo o Acórdão de que ora se recorre ser revogado;
18. Mais entendeu o Tribunal a quo que o recorrido C. C. 2…, também não poderia ser punido, porquanto o Conselho de Disciplina da recorrente errou na aplicação da Lei no tempo, sendo que, da aplicação do Regulamento Disciplinar que o Tribunal a quo entende ser aplicável in casu, não se verifica qualquer infracção disciplinar;
Sem razão, senão vejamos,
19. O artigo 37º, nº 4 do RDFPF 20/21 dispõe que "Os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes na zona técnica dos recintos desportivos", enquanto o artigo 37º, nº 5 do RDFPF 21/22 dispõe que "Os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes em recintos desportivos";
20. O artigo 37º, nº 4 do RDFPF 20/21 esteve em vigor até 30 de Junho de 2021; o artigo 37º, nº 5 do RDFPF 21/22 entrou em vigor a 1 de Julho de 2021 e esteve em vigor até 30 de Junho de 2022;
21. O recorrido F. M. foi sancionado em pena de suspensão por Acórdão do Conselho de Disciplina no âmbito do PD 133-20/21, decisão que foi proferida a 7 de Janeiro de 2022 e posteriormente, o recorrido F. M. marcou presença em recinto desportivo, nos jogos em crise nos presentes autos, nas datas melhor identificadas nos factos dados como provados 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21;
22. Dispõe o artigo 10º do RDFPF que "As sanções são determinadas pelas normas sancionatórias vigentes no momento da prática dos factos que constituem a infracção disciplinar...";
23. No caso concreto, os jogos melhor descritos realizaram-se entre Fevereiro e Abril de 2022, posteriormente ao Acórdão do Conselho de Disciplina da demandada no âmbito do PD nº 133- 21/22, datado de 7 de Janeiro de 2022, pelo que, o Regulamento Disciplinar aplicável era o RDFPF 21/22, sendo que, andou bem o CD da recorrente, nesta sede;
24. O artigo 37º, nº 5 do RDFPF 2021/2022 dispunha que "Os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo";
25. De acordo com a referida norma disciplinar, uma vez suspenso, o recorrido F. M. encontrava-se impedido de exercer a actividade desportiva na qual a infracção que originou a suspensão foi cometida, estando também impedido de exercer durante o período de tempo da suspensão qualquer cargo ou actividade desportiva nas competições que se encontrem sujeitas ao poder disciplinar da FPF, e bem assim de estar presente em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo;
26. Ora, uma vez tendo tido conhecimento de tal decisão, datada, reitere-se, de 7 de Janeiro de 2022, bem sabia o recorrido F. M. que estava sujeito ao que previa o artigo 37º, nº 5 do RDFPF 2021/22, Regulamento aplicável à data da decisão, carecendo de sentido, com o devido respeito afirmar que a sanção de suspensão aplicada ao recorrido em 7 de Janeiro de 2022, é regulada pelo disposto no Regulamento Disciplinar 2020/2021, quando existe um Regulamento Disciplinar em vigor na época desportiva em crise, ou seja, na data de 7 de Janeiro de 2022, o Regulamento Disciplinar 2021/2022;
27. O recorrido não viu a sua sanção alterada, não tendo havido um agravamento do número de dias de suspensão, em virtude da entrada em vigor de norma mais desfavorável, o que consubstanciaria, isso sim, uma violação do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e uma errada aplicação da Lei no tempo;
28. O que se alterou no decurso do cumprimento da sanção de suspensão que sobre si impendia foi o âmbito da sanção de suspensão;
29. Não se verifica qualquer erro na aplicação da Lei no tempo, e bem assim qualquer violação do artigo 29º da CRP, por parte do Conselho de Disciplina, sendo que, andou mal o Tribunal a quo ao entender nesse sentido;
Sem prescindir,
30. Como bem afirma o Tribunal a quo "A título de esclarecimento inicial refira-se que a não qualificação do demandante F. M., como Agente Desportivo" considerada na secção antecedente não absolve "automaticamente" o demandante C. 2…";
31. Dispõe o artigo 3º, nº 2 do RDFPF que "A responsabilidade disciplinar prevista neste Regulamento mantém-se independentemente da manutenção da qualidade de agente desportivo ou da alteração do vínculo existente à data da infracção entre os agentes da infracção e as entidades colectivas que representem".
32. Dispõe o artigo 104º do RDFPF que "O clube que não acate ou não faça cumprir ordem ou deliberação emanada de órgão social competente da FPF, ou órgão jurisdicional especialmente previsto nos seus Estatutos ou no presente Regulamento, é sancionado com multa entre 5 e 100 UC";
33. O recorrido C. 2.., tendo sido notificado da decisão de suspensão do recorrido F. M., no âmbito do processo disciplinar nº 133-2020/2021, não cuidou de evitar ou adoptar qualquer providência no intuito de fazer cumprir aquela sanção, permitindo ao invés, que o recorrido F. M. acedesse aos quatro jogos realizados no seu recinto desportivo e a que aludem os factos provados nºs 9, 13, 15 e 17, quando sabia, não podendo ignorar que, por força de tal sanção de suspensão, o recorrido F. M., o RDFPF não permitia a presença do mesmo no seu recinto desportivo;
34. Pelo exposto, dever-se-á considerar provado o facto que o Tribunal a quo deu como não provado, aditando-se à factualidade dada como provada o seguinte segmento:
35. "O Demandante C. 2.., enquanto clube qualificado para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabia, e não podia ignorar, que, por força da mencionada sanção de suspensão aplicada ao agente desportivo F. M. (que lhe fora notificada por correio electrónico expedido em 07.01.2022), o RDFPF não permitia a presença do mesmo no seu recinto desportivo, tendo agido de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que, ao permitir a presença do arguido F. M. no seu recinto desportivo, não estava a fazer cumprir deliberação emanada de órgão social competente da FPF e contrariava os deveres que lhe são impostos pelos regulamentos e, portanto, consubstanciava ilícito disciplinar, previsto e sancionado pelo RDFPF e, ainda assim, não se absteve de a adoptar".
36. Em suma, não se verifica qualquer erro na aplicação da Lei no tempo, e bem assim qualquer violação do artigo 29º da CRP, incorrendo o Tribunal a quo em erro na interpretação e aplicação dos artigos 10º, nº 1 do RDFPF e 29º da CRP e no regime aplicável in casu, havendo que concluir que andou bem o CD da recorrente ao sancionar o recorrido C. 2.. por prática de quatro infracções previstas no artigo 104º do RDFPF, devendo o Acórdão de que ora se recorre ser revogado;
37. Deste modo, andou mal o Tribunal a quo, devendo a decisão arbitral ser revogada e substituída por outra que mantenha o Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da ora recorrente e confirme as sanções aplicadas aos recorridos”.
2. Os recorridos F. M. e “C. C. 2...” apresentaram contra-alegação, na qual formularam as seguintes conclusões:
1. As contra-alegações versam sobre o recurso jurisdicional apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol para a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, por não se encontrar em concordância com a decisão proferida no Acórdão Arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, que julgou procedente o recurso apresentado pelos aqui recorridos, referente o processo nº 48/2022.
2. Em concreto, o recurso apresentado versa sobre a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no processo nl 48/2022, que decidiu pela absolvição dos recorridos F. M., da sanção de 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de suspensão, num total de 315 (trezentos e quinze) dias de suspensão e na sanção de multa no valor de 35 UC's, isto é, em 3.570,00 € (três mil quinhentos e setenta euros), por força da prática de 7 (sete) infracções disciplinares, em violação do artigo 137º, nº 1, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (doravante RDFPF), a par do recorrido C. C. 2.. que foi condenado, pela prática de 4 (quatro) infracções disciplinares previstas pelo artigo 104º do RDFPF, na sanção de multa no valor de 100 (cem) UC’s, isto é, em 10.200,00 € (dez mil e duzentos euros).
3. A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto que revogou as sanções que lhe foram aplicadas no âmbito do acórdão proferido pela secção não profissional do Conselho de disciplina da Federação Portuguesa de Futebol no processo disciplinar nº 110 – 2021/2022, não nos merece qualquer critica quanto às matérias pelas quais se pronunciou, traduzindo-se numa decisão justa e imparcial.
4. Inexiste, na decisão proferida pelo Tribunal a quo, qualquer erro na matéria de facto dada como provada e não provada, bem como erros de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado.
5. O recorrido F. M. não tem, nem tinha qualidade de "Agente Desportivo'' à data da prática dos factos em causa, não sendo por isso sujeito processual susceptível de acção disciplinar por parte da Federação Portuguesa de Futebol, caindo, desde logo "por terra" a pretensão de aplicação de suspensões/sanções.
6. O Regulamento de Disciplina aplicável para efeitos de determinação do escopo de uma determinada sanção é o Regulamento em vigor à data da prática dos factos que motivaram a aplicação dessa mesma sanção, ou seja, o RDFPF 2020-2021, que apenas impedia o recorrido de aceder a zonas técnicas.
7. A interpretação que a recorrida faz do artigo 10º RDFPF traduz-se numa violação do direito fundamental de aplicação da lei criminal, nos termos do disposto no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa.
8. Na base de todo o processo está a norma do artigo 37º, nº 5 do RDFPF 2021-2022, segundo a qual "Os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo".
9. A redacção do artigo 37º do RDFPF é inconstitucional da norma, uma vez que, é manifesta a lesão de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tutelados.
10. É manifesta a desproporcionalidade da punição prevista na norma disciplinar, pois uma coisa aceitável será limitar que um agente desportivo prevaricador possa exercer as suas funções, coisa completamente diferente, é proibir-se o agente desportivo de assistir a uma partida de futebol, como se de um qualquer adepto se tratasse.
11. Interditar-se alguém a aceder a um estádio de futebol não é matéria cabível num mero processo disciplinar, muito menos a uma entidade como a FPF, mas caberá sim ao Direito Penal, processual penal e, portanto, ao Estado na sua função judicial.
12. Em nenhum outro Regulamento Disciplinar nacional ou internacional se encontra uma norma com este conteúdo, sejam ligas profissionais ou amadoras.
13. A interdição de acesso a recintos desportivos é uma sanção acessória do plano criminal, nos termos do artigo 35º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, devidamente actualizada, ou, no máximo, de um ilícito de mera ordenação social, nos termos do artigo 42º da mesma Lei. As aplicações das mesmas sanções incumbem a entidades administrativas ou judiciais e nunca a uma entidade como o Conselho de Disciplina da FPF.
14. A sanção de interdição de acesso a recintos desportivos só pode ser aplicada quando estejam em causa violações afectas a matéria como segurança, combate ao racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos, nos termos do artigo 18º, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, o teste da proporcionalidade no plano da adequação, suficiência e necessidade é válido, até porque as afectações dos bens jurídicos em causa têm guarida constitucional, percebendo-se a limitação do prevaricador também ao nível de garantias constitucionais.
15. A proibição pelo processo disciplinar de acesso a qualquer recinto desportivo RDFPF 2022-2023) é manifestamente inválida do ponto de vista constitucional, é uma limitação desproporcional ao direito à liberdade. Constitucionalmente protegido pelo artigo 27º da CRP, refere o nº 2 desse artigo que "Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
16. Sem esquecer do ponto de vista do direito dos consumidores, previsto pelo artigo 60º da CRP, dado que não deixa de ser um acto de consumo aquele em que alguém adquire um bilhete, pagando-o, e acede a um recinto desportivo para assistir, enquanto adepto e nos espaços afectos ao mesmo, o evento respectivo ao bilhete adquirido, constituindo uma limitação a um direito económico.
17. A actualização da norma a que nos referimos, não deixa, obviamente, de afectar direitos culturais, tais como o direito à fruição cultural e o direito à cultura física e ao desporto, ambos previstos pelos artigos 78º e 79º da CRP, respectivamente.
18. Aplicar o artigo 37º, nº 5 do actual RDFPF 2021-2022 é obrigar-se alguém a adoptar actos claramente contrários às possibilidades que a CRP permite, desde logo porque carece de legitimidade para tamanha sanção um Conselho de Disciplina da FPF e porque coarcta desproporcionalmente direitos fundamentais que são constitucionalmente tutelados.
19. Admitir que um dispositivo normativo e positivista como o é o RDFPF, que nem carácter de lei, decreto-lei ou sequer de qualquer diploma legal tem, possa restringir direitos fundamentais é do mais antijurídico que já se conheceu. Não é técnico- legalmente admissível, como se sabe, que assim o seja e não pode, em momento algum, um regulamento que nem em Diário da República é publicado limitar direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. artigo 119º, nº 1 da CRP).
20. Quando falamos da interdição a recintos desportivos falamos não dos direitos de pessoas em exercício de funções desportivas como os agentes desportivos, mas sim de direitos dos cidadãos como os que já mencionámos, tais como os previstos pelos artigos 27º, 69º, 78º e 79º da CRP.
21. Não se quer assacar aqui ao Conselho de Disciplina da FPF a competência para os processos disciplinares e aplicação de sanções no âmbito objectivo e subjectivo e das atribuições e fundamentos da FPF, contudo quando as sanções aplicáveis restringem direitos fundamentais desproporcionalmente e que extravasam as qualidades de agentes desportivos ou outros sobre quem tem legitimidade o CDFPF para aplicar sanções então a querela de perceber a guarida constitucional coloca-se.
22. O artigo 37º, nº 5 do RDFPF na sua actual redacção não merece ter guarida constitucional, de modos que a legitimidade para a afectação a direitos fundamentais é nula e a mencionada norma está ferida de inconstitucionalidade.
23. O Tribunal a quo entendeu, e bem, dando como provado no ponto 3), que "o demandante F. M. deixou de ocupar qualquer cargo nos órgãos sociais da Demandante C. 2. desde dia 15 de Janeiro de 2022", acto que também se comprova através da consulta da carta de demissão do mesmo que consta de fls. 45 do respectivo processo disciplinar.
24. Nos termos do douto Acórdão é possível aferir que a esta conclusão se chegou, não só através da posição das partes, mas também do teor dos documentos juntos ao processo.
25. Os próprios documentos "falam por si", o Tribunal a quo nunca os podia ignorar, nomeadamente os emails enviados pela Comissão de Instrução Disciplinar, ao aqui recorrido C. 2.., a requerer os comprovativos, ratificações e actualizações acerca da demissão de F. M. – fls. 42.
26. E, ao contrário do que ainda alega a recorrente, foi igualmente junto ao processo a Acta da Reunião da Direcção 1/22, cuja ordem de trabalhos identifica análise e deliberação do pedido de demissão do recorrido F. M. – fls. 44, além de uma declaração onde identificava os órgãos do clube – fls. 46.
27. A recorrente nas suas alegações de recurso refere que "Ora, mantendo a sua inscrição activa junto da FPF, aqui recorrente, até 30.06.2022, último dia da época desportiva 2021/ 2022, uma vez que em momento algum foi solicitado o seu cancelamento ou sequer comunicada a cessação do seu contrato ou funções no clube, pelo próprio ou pelo C. 2.. o recorrente F. M. mantinha todas as prerrogativas inerentes a tal estatuto, como a possibilidade de, caso não existisse outro impedimento nomeadamente disciplinar, ser inscrito nas fichas técnicas exercer funções no quadro de competições organizadas pela FPF". (sublinhado nosso).
28. O que é falso, conforme se encontra documentalmente comprovado no processo disciplinar, o recorrido C. C. 2..comunicou à Federação Portuguesa de Futebol que o recorrido F. M. se tinha demitido do cargo de s.C. F. do C. C. 2.., juntou a carta demissão, e acta da reunião de direcção que ratificou a demissão e identificou todos os elementos que constituíam os órgãos sociais do clube.
29. O recorrido C. C. 2.. nada mais poderia fazer além do que fez, até porque como é conhecimento da recorrente na época desportiva 2021-2022, todos os clubes pertencentes à A. F. P., só tinham acesso ao módulo "e-arbitro" da plataforma score da FPF, isto é, não tinham acesso ao modulo que lhes permitia inscrever, alterar ou cancelar inscrições, a única forma que disponha para o efeito era dar conhecimento à Federação Portuguesa de Futebol, o que fez.
30. Alega, convenientemente que o que releva não é aferir a qualidade de agente desportivo em sentido material, mas sim a inscrição e comunicação que os clubes e agentes desportivos fazem junto da Federação Portuguesa de Futebol, salvo o devido respeito, a recorrente tropeça nos seus próprios argumentos, até como deu o Tribunal nota.
31. Não podemos ignorar, nem o Tribunal, como fez e bem, o facto de ter sido a própria entidade de Comissão de Instrução Disciplinar que, no dia 3 de Março de 2022, após a comunicação do C. C. 2.. veio solicitar, através de email – fls. 42 – os documentos oficiais que comprovassem a demissão do recorrido F. M. do cargo que ocupava; os documentos oficiais que comprovassem a ratificação do acto de demissão e um documento descritivo e actualizado que reflectisse a estrutura orgânica dos órgãos de direcção e dos órgãos sociais do clube, o que, nas palavras do TAD é demonstrativo da relevância da materialidade subjacente à qualificação de agente desportivo, independentemente da existência de um registo como tal.
32. Refere, e bem, o Tribunal o quo que não é cabível o facto de a ora recorrente ter ignorado tal factualidade, a FPF tinha conhecimento do facto da demissão do ora recorrido F. M., não podendo ser responsabilizado, nem tão pouco o clube, e também aqui recorrido, C. C. 2.. pelo facto de a FPF não ter procedido às devidas alterações nos seus sistemas e registos.
33. O recorrido F. M. deixou de exercer qualquer função nos órgãos sociais no C. C. 2.., assim sendo, por inerência, perdeu a qualidade a qualidade que lhe permitiu a inscrição junto da Federação Portuguesa de Futebol como agente desportivo, logo com a comunicação da sua demissão a Federação Portuguesa de Futebol opera um cancelamento tácito da sua inscrição.
34. Deixando de existir legitimidade para ser aplicadas as sanções disciplinares desportivas nos termos em que as mesmas se verificaram.
35. O Tribunal a quo entendeu, e bem, que a qualificação de agente desportivo é uma questão de Direito e não uma questão factual, com vista à aplicação das normas regulamentares, pois que o RDFPF é apenas e só aplicável às entidades e agentes desportivos, conforma consta do artigo 3º, nº 1 do RDFPF. Sendo que só as pessoas elencadas naquele artigo são susceptíveis de acção disciplinar em sede desportiva.
36. À luz do disposto no artigo 4º do RDFPF, o recorrido, indubitavelmente, deixou de ter materialmente qualquer cargo nos órgãos sociais do C. C. 2.., desde o dia 15 de Janeiro de 2022, data do envio da carta de demissão do cargo de S. C. F. do clube, foi este o entendimento do Tribunal a quo, que subscrevemos, uma vez que, a alegada falta de comunicação (que como já se demonstrou não aconteceu) não é suficiente para que seja qualificado como agente desportivo, à luz da alínea b) do artigo 4º do RDFPF.
37. Não podendo considerar o recorrido F. M. como agente desportivo o RDFPF não é passível de ser tratado disciplinarmente em sede desportiva, pois que não cabe na aplicação do artigo 3º do RDFPF, ora, dúvidas não o recorrido F. M. assistiu aos jogos no processo identificados, para o qual remetemos, na qualidade de adepto e nunca como agente desportivo.
38. Muito menos poderíamos como concluir, como alega a recorrente, que os recorridos tenham actuado intencionalmente, com vontade de violaras deliberações do órgão disciplinar, se alguém actuou intencionalmente, duvidas não restam que foram os órgãos da recorrente que, quando foi comunicada a demissão do recorrido F. M. estes nem sequer informaram o clube recorrido da sua posição, limitando-se a instaurar o procedimento disciplinar.
39. Atento o manifesto se conclui que a decisão recorrida não padece de qualquer erro de interpretação e aplicação do artigo 4º, alínea b) do RDFPF, devendo assim manter-se a decisão do douto Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto.
40. Dúvidas não restam que o bem andou e bem decidiu o Tribunal a quo pela inexistência de responsabilidade disciplinar por parte do recorrido F. M., uma vez que, à data dos factos já não era agente desportivo.
41. O recorrido C. 2.. foi condenado na sanção de 100 UC's de multa, que correspondem a 10.200,00€ (dez mil e duzentos euros), pela prática de quatro infracções disciplinares previstas no artigo 104º do RDFPF, pois a recorrente considerou que o C. C. 2.., estava obrigado a garantir o cumprimento da sanção de suspensão que foi aplicada a F. M., pelo período de 135 dias, por força da decisão proferida no dia 7 de Janeiro de 2022, no âmbito do processo disciplinar nº 133 – 2020/2021, não tendo, os primeiros, diligenciado nesse sentido.
42. Mas, a recorrente FPF não se considera obrigada a fazer cumprir as deliberações emanadas pelos próprios órgãos, isto porque, permitiu que durante o período da suspensão do recorrido estivesse presente na final da taça de Portugal, sem que daí resultasse qualquer consequência para o promotor do evento desportivo, in casu, a Federação Portuguesa de Futebol ou para o recorrido F. M., o que é contraditório e revelador de um tratamento de desigualdade que a recorrida (recorrente?) tem com os seus filiados.
43. Subjaz atentar no teor da sanção, supra-referida, aplicada ao recorrido F. M., de forma a aferirmos se esta chegou sequer a ser incumprida por ambos os recorridos.
44. Coloca-se a questão de saber qual o Regulamento Disciplinar aplicável ao caso concreto, de forma a atentar ao exacto escopo que atinge a sanção de suspensão aplicada ao recorrido F. M..
45. O Acórdão do Conselho de Disciplina FPF, proferido no âmbito do processo disciplinar nº 133 – 20/21, proferido a 7 de Janeiro de 2022, que puniu o recorrido F. M. teve por base o Regulamento Disciplinar 2020-2021, que o impedia apenas de estar presente nas zonas técnicas dos eventos desportivos em questão.
46. Pelo que, não incumpriu qualquer deliberação emanada pela secção não profissional do Conselho Disciplina da FPF, no âmbito do processo disciplinar 133 – 2020-2021.
47. O que a recorrente, erradamente, pretende é aplicar o Regulamento Disciplinar 2021-2022 a uma decisão proferida ao abrigo do Regulamento Disciplinar 2020- 2021 e que agrava sobremaneira o alcance do regulamento disciplinar anterior.
48. O recorrido F. M. esteve presente nos jogos melhor identificados nos factos provados da decisão do TAD, nomeadamente nos números 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21), e o mesmo assume esse facto como verdadeiro, pois tinha plena consciência que já não era um agente desportivo do recorrido C. C. 2... (todos os jogos são posteriores à sua demissão) e que, portanto, não estava impedido de se deslocar aos referidos eventos desportivos.
49. E que mesmo que, por mero exercício académico, se considerasse ainda um agente desportivo que a punição apenas o impedia de estar presente das zonas técnicas dos recintos desportivos.
50. E, tal como defende o Tribunal a quo, a questão é bastante relevante, pois as aplicações dos Regulamentos distintos encaminham-nos para soluções jurídicas bastante dispares, em que pela aplicação de um é obrigatória a condenação e pela aplicação do outro há uma necessária absolvição.
51. A verdade, e como diz e bem o Tribunal a quo, é que resulta dos factos provados que o recorrido F. M. esteve presente nos jogos elencados, mas sempre nas bancadas ou nos camarotes, em momento algum, nem sequer mencionado pela ora recorrente, o recorrido assistiu aos jogos na zona técnica.
52. Não poderia nunca ser outra a conclusão do TAD, ao aplicar o regulamento em vigor à data da prática dos factos que motivaram a aplicação da suspensão, à luz do disposto no artigo 10º, que era o Regulamento de 2020/2021, ou seja, apenas não poderia assistir aos jogos na zona técnica, como se verificou no caso sub iudice.
53. Não poderia ser de outra forma, caso contrário, poderíamos cair no ridículo de que sempre que uma norma fosse alterada durante o período de suspensão de um determinado agente desportivo, aplicava se sempre a norma mais actual independentemente de ser mais prejudicial ao arguido.
54. A decisão do colégio arbitral quanto a este ponto foi unânime, o Regulamento Disciplinar a aplicável é o Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol de 2020-2021.
55. Se assim não fosse entraríamos em confronto com um direito fundamental, que consta do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, que prescreve que "Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior".
56. Sendo, por isso, aplicável o Regulamento Disciplinar de 2020/2021, o recorrido F. M. não incumpriu qualquer sanção, pois, quando muito, apenas estava impedido de estar presente na zona técnica dos recintos desportivos.
57. Não pode o recorrido C. 2..ser punido com a sanção que lhe foi aplicada, pois sobre este não recaia a obrigação de assegurar o cumprimento da sanção aplicada ao recorrido F. M., uma vez que além de, à data dos factos, não ser agente desportivo o mesmo só estava impedido de estar presente na zona técnica do recinto desportivo.
58. Deste modo, reiteramos a posição do Tribunal a quo, devendo a decisão arbitral ser mantida na íntegra.
3. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
4. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
5. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
6. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se o acórdão do TAD incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao conceder provimento ao recurso interposto por F. M. e pelo “C. C. 2..”, absolvendo-os da aplicação da sanção de 10 (dez) meses e 15 (quinze) de suspensão, correspondentes ao total de 315 (trezentos e quinze) dias de suspensão, por força do disposto no artigo 14º, nº 2, do RDFPF e, cumulativamente, da sanção de multa de 35 UC, correspondente a € 3,570,00, pela prática de 7 (sete) infracções disciplinares ao artigo 137º, nº 1, do RDFPF, por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21 – jogos aos quais assistiu, nas bancadas ou camarotes dos recintos desportivos onde os mesmos se realizaram, estando naquelas datas ainda a cumprira sanção de 135 (cento e trinta e cinco) dias de suspensão que lhe haviam sido aplicada no processo disciplinar nº 133 – 2020/2021 (F. M.), e da sanção de 100 UC de multa, correspondente a 10.200,00 € (dez mil e duzentos euros), pela prática de 4 (quatro) infracções disciplinares ao artigo 104º do RDFPF, praticadas por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 9, 13, 15 e 17 –, todos disputados no seu Estádio, na qualidade de equipa visitada, a contar para a Liga 3, da corrente época desportiva 2021/2022, por não ter feito cumprir a deliberação emanada pelo CD da recorrente, praticando assim a infracção disciplinar p. e p. no artigo 104º, nº 5 do RDFPF (C. C. 2..).

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
7. O acórdão arbitral considerou assente a seguinte factualidade:
i. Na época desportiva 2021/2022, o C. 2..disputou, além de outras competições, a Liga 3, prova organizada pela FPF;
ii. À data da realização do primeiro jogo oficial a que aludem os autos, 13.02.2022, e por referência à Liga 3, o demandante C. 2..tinha averbadas, em sede de cadastro disciplinar, a prática das seguintes infracções disciplinares: por 7 (sete) vezes, a prevista e sancionada pelo artigo 116º, por 5 (cinco) cinco vezes, a prevista e sancionada pelo artigo 109º, nº 1, por 1 (uma) vez, a prevista e sancionada pelo artigo 192º, nº 1, por 3 (três) vezes, a prevista e sancionada pelo artigo 209º, nº 1, e por 1 (uma) vez, a prevista e sancionada pelo artigo 205º, nº 2, todos do RDFPF;
iii. O demandante F. M. deixou de ocupar qualquer cargo nos órgãos sociais da Demandante C. 2.. desde o dia 15 de Janeiro de 2022;
iv. O demandante F. M., na época desportiva 2021/2022, tinha inscrição em vigor na FPF, enquanto dirigente, com licença desportiva nº 8…, encontrando-se inscrito com a função de S. C. F. do C. 2.., desde 13.08.2021, não tendo a mesma sido cancelada ou cessada, permanecendo activa e válida até 30.06.2022;
v. À data da realização do primeiro jogo oficial a que aludem os autos, 13.02.2022, na época desportiva 2021/2022, o demandante F. M. apresenta averbada a prática, por 1 (uma) vez, da infracção disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 130º, nº 2, alínea a), do RDFPF, relativamente a jogo oficial da Liga 3; na época desportiva anterior, 2020/2021, apresentava a prática, por 1 (uma) vez, das infracções disciplinares previstas e sancionadas pelos artigos 130º, nº 2, alínea a), 138º, nº 1, 140º e 137º, todos do RDFPF;
vi. Por acórdão proferido em 07.01.2022 nos autos de processo disciplinar nº 133 – 2020/2021, o demandante F. M. foi sancionado com 135 (cento e trinta e cinco) dias de suspensão, por incumprimento de deliberação de suspensão, tendo essa decisão sido notificada aos ali arguidos, C. 2.. e F. M., por mensagem de correio electrónico expedida naquele mesmo dia, 07.01.2022;
vii. Para o dia 1...0...2022, estava prevista a realização do jogo oficial nº 2...0..,1...0, a disputar entre o C. 2. e a O. SAD, no Estádio C. 2.. a contar para a 19ª jornada da Liga 3, sendo a equipa de arbitragem composta por H. T., árbitro, V. S., árbitro assistente nº 1, J. M., árbitro assistente nº 2, e C. D., 4º árbitro;
viii. Esse jogo oficial, que contaria com a presença de observador da equipa de arbitragem, F. L., em que a segurança estaria a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teria acompanhamento de Delegado da FPF, S. O., acabou por não se iniciar nesse dia, por decisão do árbitro da partida, tendo sido remarcado para o dia seguinte;
ix. No dia 1...0...2022, no Estádio C. 2.. realizou-se o jogo oficial nº 2..,01.1...1, disputado entre o C. 2.. a O. SAD, a contar para a 19ª jornada da Liga 3, dirigido peia mesma equipa de arbitragem identificada no facto provado vii., com a presença do mesmo observador da equipa de arbitragem e da mesma força policial identificada no facto provado viii., com o acompanhamento de diferente Delegado da FPF, estando agora presente A. M.;
x. O demandante F. M., esteve presente no recinto desportivo do C. 2.., tanto no dia 1...0...2022, data inicialmente aprazada para a realização daquele jogo, como no dia 1...0...2022, data em que o jogo viria efectivamente a realizar-se, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada do Estádio do C. 2..;
xi. No dia 2...0...2022, no Estádio M. F. realizou-se o jogo oficial nº 2..,0….5, entre a AD F. SAD e a AD S. SAD, a contar para a Liga 3, dirigido peia equipa de arbitragem composta por T. N., árbitro, A. F., árbitro assistente nº 1, D. S, árbitro assistente nº 2, e T. M., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, J. F.;
xii. O demandante F. M. esteve presente no Estádio M. F., por altura da realização daquele jogo oficial nº 2..,0….5, tendo assistido ao mesmo a partir de um camarote do recinto desportivo;
xiii. No dia 2...0...2022, no Estádio do C. 2.., realizou-se o jogo oficial nº 2...0....4, entre o C. 2... e o CDC M., a contar para a Liga 3, dirigido pela equipa de arbitragem composta por V. A., árbitro, P. C., árbitro assistente nº 1, R. L., árbitro assistente nº 2, e F. C., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, J. C.;
xiv. O demandante F.. M. esteve presente no Estádio do C. 2.., por altura da realização daquele jogo oficial nº 2.,0..,…4, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada daquele recinto desportivo;
xv. No dia 1...0...2022, no Estádio do C. 2.., realizou-se o jogo oficial nº 2...0...2, entre o C. 2.. e a A. FC SAD, a contar para a Liga 3, dirigido pela equipa de arbitragem composta por J. P., árbitro, E. H., árbitro assistente nº 1, B. C., árbitro assistente nº 2, e G. N., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, J. F.;
xvi. O demandante F. M. esteve presente no Estádio do C. 2.., por altura da realização daquele jogo oficial nº 2...0......2, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada daquele recinto desportivo;
xvii. No dia 0...0...2022, no Estádio do C. 2.., realizou-se o jogo oficial nº 2...0….3, entre o C. 2. e a AD F. SAD, a contar para a Liga 3, dirigido pela equipa de arbitragem composta por A. N., árbitro, D. B., árbitro assistente nº 1, I. L., árbitro assistente nº 2, e A. S., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, A. R.;
xviii. O demandante F. M. esteve presente no Estádio do C. 2., por altura da realização daquele jogo oficial nº 2..,0….3, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada daquele recinto desportivo; 
xix. No dia 0..0..2022, no Estádio do L. L. FC, realizou-se o jogo oficial nº 2...0...006, entre o L. L. FC e o C. 2.., a contar para a Liga 3, dirigido pela equipa de arbitragem composta por A. R., árbitro, N. P., árbitro assistente nº 1, C. F., árbitro assistente nº 2, e M. P., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, C. J.;
xx. O demandante F. M. esteve presente no Estádio do L. L. FC, por altura da realização daquele jogo oficial n° 2..,0..,..6, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada daquele recinto desportivo;
xxi. No dia 1..0...2022, no Estádio E. S. C., realizou-se o jogo oficial nº 2..,0.....8, entre a A. FC SAD e o C. 2., a contar para a Liga 3, dirigido pela equipa de arbitragem composta por R. S., árbitro, P. G., árbitro assistente nº 1, P. F., árbitro assistente nº 2, e R. I., 4º árbitro, tendo a segurança estado a cargo da Guarda Nacional Republicana, e teve acompanhamento do Delegado da FPF, H. G.;
xxii. O demandante F. M. esteve presente no Estádio E. S. C., por altura da realização daquele jogo oficiai nº 2...0.....8, tendo assistido ao mesmo a partir da bancada daquele recinto desportivo;
xxiii. Ao ter estado presente nos recintos desportivos onde se realizaram os jogos oficiais identificados nos factos provados 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21), o demandante F. M. agiu de forma livre, voluntária e consciente.
8. O acórdão arbitral considerou ainda como “Não Provados” os seguintes factos;
a) O demandante F. M. assistiu a todos os jogos oficiais supramencionados, nos respectivos recintos desportivos, o que fez e quis fazer, com a intenção de violar a decisão de suspensão que lhe havia sida aplicada, sabendo ainda, e não podendo ignorar, que a sua conduta constituía a prática de infracção disciplinar prevista e sancionada pelo RDFPF e, ainda assim, não se absteve de a adoptar.
b) O demandante C. 2.., enquanto clube qualificado para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabia, e não podia ignorar, que, por força da mencionada sanção de suspensão aplicada ao agente desportivo F. M. (que lhe fora notificada por correio electrónico expedido em 07.01.2022), o RDFPF não permitia a presença do mesmo no seu recinto desportivo, tendo agido de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que, ao permitir a presença do arguido F. M. no seu recinto desportivo, não estava a fazer cumprir deliberação emanada de órgão social competente da FPF e contrariava os deveres que lhe são impostos pelos regulamentos e, portanto, consubstanciava ilícito disciplinar, previsto e sancionado pelo RDFPF e, ainda assim, não se absteve de a adoptar.

B – DE DIREITO
9. São várias as questões a abordar no presente recurso jurisdicional, interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, a saber:
a. Se, ao contrário do que decidiu o acórdão arbitral, o recorrido F. M. detinha a qualidade de "Agente Desportivo" à data da prática dos factos em causa, devendo como tal o mesmo ser susceptível de acção disciplinar por parte da Federação Portuguesa de Futebol;
b. Determinar se o Regulamento de Disciplina aplicável para efeitos de determinação do escopo de uma determinada sanção (in casu, sanção de suspensão) é o Regulamento existente e em vigor à data da prática dos factos que motivaram a aplicação dessa mesma sanção;
c. Determinar se a interpretação dada pela FPF ao artigo 10º do Regulamento de Disciplina referente à aplicação da lei no tempo não envolve uma extensão com carácter retroactivo do escopo da sanção aplicada, não sendo, como tal, inadmissível à luz dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, designadamente no disposto no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa; e,
d. Determinar se foi correcto o entendimento vertido no acórdão arbitral, segundo o qual à luz do Regulamento Disciplinar aplicável o demandante F. M. não violou a sanção de suspensão que lhe foi aplicada, por consequência lógica, o demandante C. 2.. também não violou a obrigação que sobre este poderia recair de assegurar o cumprimento de tal sanção.
Vejamos então do acerto do acórdão arbitral, analisando cada uma das questões acima elencadas.
10. No recurso que interpuseram para o TAD os demandantes sustentaram que o 1º demandante F. M. não poderia ter sido objecto de condenação em sede disciplinar desportiva porquanto à data da ocorrência dos factos em causa não era sequer um "Agente Desportivo". Em concreto, alegaram que apesar de o 1º demandante ter sido efectivamente s. do C. F. do 2º demandante C. C. 2…(doravante "C. 2..”) e nessa medida "Agente Desportivo" sob a licença nº 8…, a verdade é que deixou materialmente de o ser a partir do dia 15-1-2022, data em que a Direcção do C. 2… aceitou a sua carta de demissão que havia sido apresentada no dia 11-1-2022.
11. Diversamente, sustenta a FPF que, para todos os efeitos, o demandante F. M., independentemente da ocorrência da referida demissão, encontrava-se inscrito como "Agente Desportivo" junto da Federação Portuguesa de Futebol para a época de 2021/2022, pelo que, considerando que os demandantes não procederam à comunicação da aludida demissão junto da Federação Portuguesa de Futebol nem requereram a consequente alteração do registo, então, a qualificação de “Agente Desportivo” deveria manter-se e sustentar a sujeição do mesmo à tutela disciplinar da FPF.
12. Como decorre dos autos, o acórdão arbitral considerou que não tendo o demandante F. M. a qualificação de “Agente Desportivo” desde o dia 15-1-2022 – data em que o mesmo deixou de ter materialmente qualquer cargo nos órgãos sociais do C. C. 2.., nomeadamente o de dirigente com a função de S. do C. F. do C. 2.., tal como constava dos registos de inscrição da FPF desde 13-8-2021, sem que a mesma tenha sido cancelada ou cessada, permanecendo activa e válida até 30-6-2022 – aquele não podia ter sido punido disciplinarmente, nessa qualidade, embora nessa matéria a decisão não tenha sido unânime, já que um dos árbitros dissentiu desse entendimento, por considerar que tendo o arguido válida e activa a sua inscrição como s. do c. f. do C. 2.. até ao dia 30-6-2022, o mesmo detinha, à data da prática dos factos, a qualidade de “agente desportivo”.
E assim deve ser entendido, efectivamente.
13. A inscrição de qualquer agente desportivo está sujeita a registo obrigatório na FPF sendo que, no caso do recorrido F. M., o mesmo constava dos registos da FPF desde 13-8-2021, como dirigente, com a função de S. do C. F. do C. 2.., situação que perdurou, até 30-6-2022. Deste modo, pelo menos até àquela data, o mesmo detinha a qualidade de “agente desportivo”, uma vez que a demissão apresentada por carta de 11-1-2022, e aceite pela Direcção do C. 2.. em 15-1-2022, só seria oponível à FPF após comunicação e pedido de cancelamento da inscrição em vigor
14. Como tal, deve concluir-se que o recorrido F. M. detinha, à data dos factos pelos quais foi disciplinarmente punido, a qualidade de “agente desportivo”, na acepção constante do artigo 4º, alínea b) do Regulamento Disciplinar da FPF, relativo à época de 2020/2021 (b) «Agente desportivo»: os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, elementos da equipa de arbitragem, observadores dos árbitros, delegados da FPF, intermediários desportivos, agentes das forças de segurança pública, coordenadores de segurança, assistentes de recinto desportivo, médicos, massagistas, maqueiros dos serviços de emergência e assistência médicas, bombeiros, representantes da protecção civil, apanha-bolas, repórteres e fotógrafos de campo e, em geral, todos os sujeitos que desempenhem funções ou exerçam cargos no decurso das competições organizadas pela FPF e nessa qualidade estejam acreditados, bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF, pela LPFP ou pelas associações distritais e regionais, nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial, ou ainda outro responsável pelos assuntos técnicos, médicos e administrativos perante a FIFA, uma confederação, federação, associação, liga, clube ou sociedade desportiva).
15. Porém, tal não significa que a punição do mesmo tenha sido legal, como concluiu o acórdão arbitral. Como decorre dos autos, o recorrido F. M. havia sido punido por acórdão do Conselho de Disciplina da FPF, datado de 7-1-2022, proferido no âmbito do processo disciplinar nº 133 - 2020/2021, na pena de 135 (cento e trinta e cinco) dias de suspensão por incumprimento de deliberação de suspensão e cumulativamente em multa no valor de 10,5 UC, correspondente a 1,071,00 € (mil e setenta e um euros), por factos ocorridos na vigência do Regulamento Disciplinar 2020/2021 da FPF.
16. Ora, de acordo com o disposto no artigo 37º, nº 4 do RD da FPF 2020/2021, “os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo”, previsão que veio a ser alterada no artigo 37º, nº 5 do RD da FPF 2021/2022, para “os agentes desportivos suspensos não podem, durante a suspensão, estar presentes em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF, tal como definida no regulamento da respectiva competição, desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo”, alargando desde modo para todo o recinto desportivo – e não apenas para a zona técnica daquele – a interdição de permanência dos agentes desportivos. 17. Porém, como se salientou na declaração de voto do árbitro S. C., exarada no acórdão arbitral, as sanções são determinadas pelas normas sancionatórias vigentes no momento da prática dos factos que constituem a infracção disciplinar, só sendo aplicadas as normas posteriores se o regime aí estabelecido se mostre mais favorável ao infractor (cfr. artigo 10º, nºs 1 e 4 do RD da FPF).
18. Assim sendo, a pena de 135 dias de suspensão aplicada ao recorrido F. M. no âmbito do processo nº 133 - 2020/2021 apenas o impedia de estar presente na “zona técnica” dos recintos desportivos («Zona técnica»: área determinada em conformidade com o regulamento da respectiva competição, na acepção da alínea rr) do artigo 4º do RD da FPF), mas não já no “recinto desportivo”, ou seja, no local destinado à prática do futebol ou onde esta tenha lugar, confinado ou delimitado por muros, paredes ou vedações, em regra com acesso controlado e condicionado (cfr. alínea jj) do artigo 4º do RD da FPF), pois era esse o âmbito da sanção à data em que foram praticados os factos que a determinaram.
19. A aplicação do disposto 37º, nº 5 do RD da FPF 2021/2022 estava vedada pelo disposto artigo 29º da CRP, que prevê no seu nº 1 que “ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”, além de que o disposto no seu nº 2 determina que “ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”, uma vez que aquele Regulamento de Disciplina continha uma previsão sancionatória mais gravosa para o arguido, não prevista – pelo menos com tal extensão – no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos.
20. Bem andou, por isso, o acórdão arbitral recorrido ao concluir que o arguido F. M., enquanto “agente desportivo”, não estava impedido de entrar no recinto desportivo, mas apenas na respectiva zona técnica, razão pela qual o mesmo não incorreu na violação do disposto no nº 4 do artigo 37º do RD da FPF 2020/2021, não podendo, por conseguinte, ter sido punido como foi, por falta de preenchimento dos elementos típicos da infracção.
21. E, de igual modo, também o recorrido C. C. 2.. não incumpriu o dever resultante do artigo 104º do RD da FPF (o clube que não acate ou não faça cumprir ordem ou deliberação emanada de órgão social competente da FPF, ou órgão jurisdicional especialmente previsto nos seus Estatutos ou no presente Regulamento, é sancionado com multa entre 5 e 100 UC), razão pela qual não poderia ter o mesmo sido sancionado, por falta de preenchimento dos elementos típicos da infracção.
22. Donde, e em conclusão, se o recorrido F. M. não violou a sanção de suspensão que lhe foi aplicada, por consequência lógica, também o recorrido C. C. 2.. não podia ter violado a obrigação de assegurar o cumprimento de uma sanção inexistente, com o que improcede o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
23. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar, com a presente fundamentação, o acórdão arbitral recorrido.
24. Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)