Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1276/19.5BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:ELIANA PINTO
Descritores:ADMISSIBILIDADE DO USO DE IMAGENS CCTV PARA EFEITOS DISCIPLINARES
DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA
APLICAÇÃO SUBSIDIARIA DO PRINCÍPIO DE PROCESSO PENAL PRESENTE NO ARTIGO 125.º DO CPP E, BEM ASSIM, DO PREVISTO QUANTO À PROIBIÇÃO DE MEIOS DE PROVA, NO ARTIGO 126.º DO CPP
PONDERAÇÃO DE INTERESSES, NA TUTELA CAUTELAR, QUANDO ESTÁ EM CAUSA SANÇÃO DE DEMISSÃO DE TRABALHADOR CONDENADO EM PROCESSO CRIME.
Sumário:I - Em matéria de meios de prova que se podem usar no procedimento disciplinar, teremos todos os meios de prova em direito permitidos (aplicação subsidiaria do princípio de processo penal presente no artigo 125.º do CPP e, bem assim, do previsto quanto à proibição de meios de prova, no artigo 126.º do CPP); convocando-se, ainda, quanto à inquirição de testemunhas, as regras de processo penal (com as devidas adaptações, o regime dos artigos 128.º a 139.º do CPP).
II - O artigo 4.º/1, alínea b) da Lei 35/2014, de 20 de junho remete para o Código de Trabalho toda a regulamentação dos direitos de personalidade dos trabalhadores, aplicável por remissão do artigo 7.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo DL 3/2014, de 9 de janeiro, na redação dada pela Lei 6/2017, de 2 de março, aplicável aos autos.
III - Fundamenta o Acórdão proferido em 28.11.2022, no Processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, pelo Tribunal da Relação do Porto, sobre o assunto, que “... sendo certo que o n.º 4 do artigo 28.º da Lei n.º 58/2019 dispõe que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou de outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, o n.º 5 desse mesmo preceito acrescenta que, nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal...”, que acompanhamos.
IV - Os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador mas poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar:
a. se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador, e
b. caso os factos possam ter relevância criminal, independentemente de existir procedimento criminal.
V - A lei consente a instalação de sistemas de videovigilância pelas forças de segurança e as que exercem funções de prevenção e de investigação criminal, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º, da Lei n.º 1/2015, de 10 de janeiro, revista e alterada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, visando: a) a proteção de edifícios, instalações públicas, instalações com interesse para a defesa e a segurança; b) a proteção de pessoas e bens; c) a prevenção da prática de crimes; d) a prevenção e repressão de infrações rodoviárias; e) a prevenção de atos terroristas; f) e a proteção e deteção de incêndios florestais.
VI - Prevê o Regulamento Geral dos estabelecimentos Prisionais, aprovado pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, aplicável aos autos, que “... 1 - O recurso ao sistema de videovigilância só é admitido nos espaços comuns e na área circundante do estabelecimento prisional, com salvaguarda da intimidade da vida privada, para assegurar a ordem e a segurança no estabelecimento prisional, nos termos estabelecidos nos artigos 88.º e 90.º do Código e nos demais termos legais...”.
VII - As imagens CCTV, gravadas no Estabelecimento Prisional, deveriam fazer parte do PA e, em consequência, ter sido admitidas com esse enquadramento. O artigo 1.º/2 do CPA define “processo administrativo”, ou “processo instrutor”, como o conjunto de documentos, em sentido amplo, devidamente ordenados em que se traduzam os atos, factos e formalidades que integraram o procedimento administrativo que deu lugar à decisão impugnada, ou seja, que serviu de base à formação, manifestação e decisão dos órgãos da Administração Pública (e foi o caso, uma vez que o seu visionamento esteve, também, na base da decisão administrativa e constituiu, aliás, parte do seu fundamento).
VIII - Não tendo as imagens CCTV sido incluído no PA, é inquestionável que, considerando que o direito à prova surge como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20.º, n.º 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), conclui-se que ser uma clara manifestação do princípio geral da tutela jurisdicional efetiva.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

S......, requerente, intentou providência cautelar contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, requerida, visando a suspensão de eficácia do despacho proferido em 25/02/2019, pelo Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, que determinou a aplicação de sanção disciplinar de demissão.
Foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 22/01/2021, que, conhecendo do mérito da causa, por força do artigo 121.º do CPTA, julgou a ação principal parcialmente procedente, anulando o aludido despacho e absolvendo a entidade recorrida da condenação à prática do ato devido, por o mesmo envolver valorações exclusivas da função administrativa.
Inconformado com a decisão, o Ministério da Justiça recorreu da mesma para o TCA Sul que, por Acórdão de 18/02/2021, concedeu provimento ao recurso e ordenou a baixa dos autos à 1ª instância, por considerar que a sentença proferida se mostrava confusa, não se concretizando quais as razões jurídicas que determinaram a anulação do ato punitivo e, nessa medida, declarou nula a sentença por falta de fundamentação jurídica.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi proferida sentença a 22/03/2021, que, retificando a fundamentação jurídica, apreciou as questões suscitadas no processo principal n.º 1000/19.2 BESNT e no presente processo cautelar, ao abrigo do artigo 121.º do CPTA, mantendo o segmento decisório exarado na sentença de 22/01/2021.
O requerido, aqui recorrente, discordando da decisão proferida pelo Tribunal a quo, recorreu.
***
Formula o, aqui, recorrente MINISTÉRIO, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...
1) O presente recurso tem como fundamento os vícios que inquinam a sentença recorrida, a saber: violação de lei, omissão de pronúncia por não apreciação da prova junta, erro nos pressupostos de facto e de direito, erro de julgamento e falta de fundamentação;
2) Ao não aceitar o CD Rom como prova dos factos, a sentença recorrida ignora o que preceitua a Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro (Regulamentação da Tramitação Eletrónica dos Processos nos Tribunais Administrativos de Círculo, nos Tribunais Tributários, nos Tribunais Centrais Administrativos e no Supremo Tribunal Administrativo), designadamente ao que toca à tramitação de documentos que não têm suporte físico, como o CD Rom com as imagens captadas pelas câmaras do CCTV do Estabelecimento Prisional do Linhó;
3) A sentença recorrida ignora o previsto nas alíneas a) e b) do n.º 5 do art.º 24.º do CPTA, que autoriza que, em situações especiais como o da tramitação de um CD Rom com imagens, se proceda à remessa ou entrega do “documento” na secretaria judicial;
4) O não acatamento da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, e do CPTA em sede de tramitação eletrónica fulmina a sentença recorrida do vício de violação de lei;
5) Regista-se igualmente vício de violação de lei na medida em que o Tribunal a quo acolheu o CD Rom que continha o Processo Administrativo – em obediência ao n.º 1 do art.º 10.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro -, procedendo de forma distinta – como se sinalizou – quanto ao CD Rom com as imagens captadas pelas câmaras do CCTV do Estabelecimento Prisional do Linhó;
6) E não hesitou o Tribunal a quo em, aqui e acolá, no domínio do probatório, remeter para o Processo Administrativo contido num CD Rom.
7) Naqueles termos, a sentença recorrida fica inquinada de omissão de pronúncia por não apreciação da prova junta aos autos, daí decorrendo necessariamente erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação de lei;
8) Erro sobre os pressupostos de facto, que legitima a impugnação dos factos provados, e designadamente, os constantes dos artigos 7º a 9º do probatório e os demais assinalados a fls. 26 da sentença,
9) Em clara divergência com o que se decidiu no processo, e conforme consta das fls. 11, 12 e 13 da sentença, das imagens da camara de segurança, do auto de visualização delas, e da “legendagem” assinalada no processo, atesta-se que o recluso H...... agiu manifestamente em legitima defesa.
10) Aliás, o referido visionamento permite outrossim perceber que, ao contrário do que igualmente se sustenta na sentença, a pena de demissão aplicada ao Autor considerou os factos ilícitos e concretos do próprio, e assinalados nas conclusões (VII), do RF (fls. 21 e 22 da sentença), e de acordo com a sua culpa.
11) O Tribunal a quo não visionou as imagens contidas no CD Rom, tendo prolatado a sentença sem entrar em linha de conta com aquele elemento probatório fundamental;
12) A par das imagens constantes do CD Rom (não visualizado pelo Tribunal a quo) foi feita uma “legendagem” do seu visionamento, legendagem que integra o art.º 37.º da Contestação apresentada na Ação Administrativa interposta pelo ora Recorrido, sob o n.º 1000/19.2BESNT;
13) A “legendagem” retro referida não contraria ao Auto de Visualização de fls. 94 e 95 do PA. apenas se apresenta mais desenvolvida e pormenorizada;
14) A sentença que se impugna assenta em pressupostos de facto e de direito que não têm a mínima correspondência com a realidade, conduzindo a uma inevitável situação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
15) Diferentemente do sustentado na sentença em crise, o que se constata é que a agressão do recluso é, antes do mais, uma resposta a outra perpetrada pelo Recorrido, com o auxílio dos guardas M...... e N......;
16) Ao invés de um contencioso de anulação, como se assistia com a LPTA, hoje o princípio da plena jurisdição impera no CPTA, acompanhado de uma marcada valorização do princípio do inquisitório aliado à tutela jurisdicional efetiva;
17) Da concatenação dos art.ºs 411.º e 436.º do CPC e do art.º 90.º do CPTA resulta que o Tribunal a quo deveria, por sua iniciativa, ter requisitado os elementos necessários ao esclarecimento da verdade material, quanto mais não fosse ter determinado ao ora Recorrente a disponibilização das imagens num outro formato, o que não aconteceu;
18) Neste contexto foi desrespeitado o princípio do inquisitório e a busca da verdade material, sinalizando-se uma clara violação de lei, fulminando a sentença recorrida de erro de julgamento;
19) O Tribunal a quo não concretiza as razões que o levaram a considerar que o Recorrido teria agido em legítima defesa, de não lhe ser exigida conduta diversa e de ter mais de 10 anos de exemplar comportamento e zelo, fulminando a sentença recorrida de falta de fundamentação;
20) Não se encontra demonstrado ter havido “descarada provocação do recluso”, verificando-se, mais uma vez, falta de fundamentação, porquanto não se consegue discorrer sobre o iter que conduziu a sentença recorrida a assim concluir;
21) De igual sorte não se representa se para o Tribunal a quo a conduta do Recorrido consubstancia um ilícito disciplinar e, em caso afirmativo, qual a medida da pena a aplicar;
22) A existência de causas excludentes da culpa e da ilicitude, bem como a relevância de circunstâncias atenuantes especiais parecem conduzir, na ótica da sentença recorrida, ao desvanecimento da censura sobre o comportamento do Recorrido;
23) Assim sendo, resta saber como é que o Tribunal a quo pretende que o Recorrente “reaprecie” a situação, designadamente se entende ser de aplicar uma sanção menos gravosa que a da demissão;
24) Torna-se inviável essa “reapreciação” – cujos contornos não foram definidos pela sentença recorrida -, uma vez que o Tribunal a quo faz vingar causas de exclusão de ilicitude e de culpa, a par de circunstâncias atenuantes, entendimento não subscrita pela Entidade Recorrente;
25) Finalmente, e nos termos do disposto no CPTA, ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito;
26) Naqueles termos, há lugar, no tribunal de superior, a produção de prova que, ouvidas as partes pelo prazo de cinco dias, for julgada necessária, sendo aplicável às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o disposto quanto à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância.
...”.
***
O recorrido, S......, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
A) O Tribunal a quo decidiu bem, não padecendo a sentença de violação de lei, omissão de pronuncia por não apreciação da prova junta, erro nos pressupostos de facto e de direito, erro de julgamento e falta de fundamentação.
B) O Recorrente invoca vícios na sentença como se tratasse de um ato administrativo, não elencando em momento algum qualquer vicio que consubstancie nulidade da mesma e previsto no artigo 615.º do CPC por força do artigo 1.º do CPTA, não identificando ainda a espécie do recurso interposto.
C) O recorrente não cumpriu o previsto no artigo 7.º n.º 1 alínea b) da Portaria 380/2017 de 19 de dezembro com as alterações introduzidas pela Portaria 267/2018 de 20 de setembro, que diz respeito ao formato do documento em vídeo/imagens CCTV a submeter via SITAF.
D) Sendo a entrega através da secretaria judicial de um CD Rom em que as imagens/vídeo estão em formato mini player, legalmente inadmissíveis.
E) O artigo 24.º n.º 5 alínea a) e b) do CPTA invocado pelo recorrente para fundamentar a entrega do documento na secretaria judicial, aplica-se apenas quando não tenha sido constituído mandatário e, consequentemente a parte não esteja patrocinada.
F) O que não é o caso do recorrente, estando devidamente representado nos termos do artigo 11.º n.º 2 e 3 do CPTA, por mandatário.
G) O procedimento administrativo, que o recorrente refere também ter sido enviado num CD Rom, encontra-se integralmente e individualmente inserido no SITAF, em formato PDF, o que cumpre o previsto no artigo 7.º n.º 1 alínea a) da Portaria 380/2017 de 19 de dezembro.
H) Pelo que, o Tribunal a quo no domínio do probatório não remete para o conteúdo de um CD Rom mas para o teor de documentos constantes no SITAF, no formato legalmente admissível, ou seja, em PDF.
I) Não é dever do Tribunal a quo dispor de computadores com suporte para CDs, porém, é dever do recorrente cumprir o previsto na lei no que diz respeito ao formato dos documentos juntos, in casu, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria 380/2017 de 19 de dezembro.
J) A legendagem do CD realizada pelo recorrente das imagens CCTV são uma narrativa produzida pela imaginação do recorrente, em que os diálogos e as condutas do recorrido são pura ficção, tratando-se de um argumento de um filme, que além de extrapolar o vertido na acusação disciplinar, entra em conflito com esta, bem como com o auto de visionamento e, viola o principio da descoberta da verdade material.
K) Através do principio da livre apreciação da prova e da livre convicção do juiz, o Tribunal a quo, fundamenta e bem, como concluiu pela verificação das circunstâncias atenuantes e dirimentes da responsabilidade disciplinar, nomeadamente as vertidas no artigo 190.º n.º 1 alínea c) e artigo 19.º n.º 2 alínea a) da LTFP.
L) As sanções disciplinares são atos discricionários cujo limite é a lei e os princípios norteadores do regime disciplinar, nomeadamente a proporcionalidade e adequação da medida da pena disciplinar aplicada, impondo-se assim o seu controlo pelo poder judiciário.
M) Pelo que, não compete ao Tribunal a quo face ao controlo jurisdicional que realizou, decidir qual a medida da pena a aplicar.
N) Estando o recorrente em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre esta matéria.
O) Aliás sobre esta matéria, pugna o douto acórdão do TCA Sul de 8.5.2017, processo 2483/12.7BELSB que “(…) não cabe aos tribunais administrativos apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro (…), ou seja, o juiz pode afirmar que pena disciplinar é desproporcionada, de que resultará a anulação do ato administrativo punitivo e a devolução da questão à Administração Pública”.
P) O facto do recorrente discordar da sentença prolatada pelo Tribunal a quo, que entendeu que a pena de demissão aplicada ao recorrente é desproporcional e desadequada, não pode fazer com que o mesmo se exima de a cumprir, sob pena de violar o artigo 158.º do CPTA e artigo 205.º da CRP, pelo que não pode proceder o argumento do recorrente que perante a reapreciação do procedimento disciplinar para a aplicação de uma sanção menos gravosa que a demissão, o entenda como inviável por não subscrever o entendimento do Tribunal a quo, sob pena de atuar em ilegalidade e desobediência.
Q) Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente, e consequentemente manter-se, nos precisos termos a douta sentença prolatada pelo Tribunal a quo em 22.03.2021, com o que se fará a costumada e inteira JUSTIÇA!
...”.
Conclui pelo acerto da sentença recorrida e que a mesma deve ser confirmada.
Pede que seja negado provimento ao recurso.

***
O Tribunal a quo admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo, no mesmo despacho, sustentando, nos termos do artigo 617.º/1 do CPC, ex vi artigo 1 do CPTA, a inexistência de qualquer das nulidades imputadas à decisão recorrida, nos seguintes termos:
“...
a) Compulsada a sentença dos autos, verifica-se que se encontra fundamentada de facto e de direito, ali se verificaram os fundamentos fácticos de que resultou aplicação do direito naquele sentido, e não noutro.
b) Assim, com a fundamentação de facto e de direito aduzida na sentença recorrida, e que aqui se dá por reproduzida, outra não poderia ser a solução encontrada, senão aquela que se encontra plasmada no respetivo segmento decisório, pelo que não se verifica nenhuma das nulidades invocadas, não se podendo confundir erro de julgamento c o m nulidade da sentença, nem a alegada falta de fundamentação da decisão com o facto de não se concordar com o sentido de tal decisão, o que se configura in casu.
c) Conforme nos ensina o Eminente e por nunca de mais citado Conselheiro Rodrigues Bastos, “...não deve confundir-se «questões a decidir» com «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença, também não integrando o vício de “omissão de pronúncia” sobre questões efectivamente suscitadas pelas partes quando a sua apreciação se encontre prejudicada pela solução encontrada para alguma ou alguma delas...”.
***
O Ministério Público (DMMP) deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º e do n.º 2 do artigo 147.º, ambos do CPTA, não emitiu parecer.
*
Com dispensa dos vistos, atenta a manutenção da natureza urgente dos autos, apesar de ter sido decidido o mérito da causa, ao abrigo do artigo 121.º do CPTA, vem o processo à conferência desta Subsecção Administrativo Social para decisão.
***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
I) erro de julgamento na apreciação dos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na violação de lei, omissão de pronúncia por errada valoração da prova junta - ao não admitir como elemento probatório o CD Rom, violando, no entender do Recorrente, o disposto na Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro e do CPTA; e;
II) falta de fundamentação, desrespeitando o princípio do inquisitório e a busca da verdade material.
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III – FUNDAMENTOS

III.1. DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade que não vem impugnada, pelo que se mantém:
“...
1) O recluso H........ participou de cinco guardas prisionais, entre eles o agora Autor - S...... - por factos alegadamente ocorridos em 23/12/2017 (agressões), tendo dado origem ao Processo de Inquérito n° 18/INQ/2017, que correu termos no EP do Linhó - resulta do p.a., vol I. - capa do p.a.
2) O recluso H........ era o recluso n° ……4 no EP do Linhó - fls. 5, vol I do p.a.
3) Consta de fls. 11 do p.a. que o autor, S......, a desempenhar funções de chefe de Ala, informou que " ...O recluso acima mencionado, dirigia-se para o pátio das Cds para cumprir 2 horas de pátio, por ordem superior, o referido recluso no caminho começou a insultar os Guardas, sempre numa postura agressiva e hostil já no átrio de acesso ao pátio este ficou em posição imóvel e disse que não ia para aquele pátio e que só saía dali quando fosse colocado no pátio com os seus companheiros, ao aproximar-me dele e ao dar-lhe um ligeiro toque no peito, para que este olhasse para mim, o mesmo levantou os braços e desferiu-me um soco no sobrolho esquerdo continuando sempre a desferir golpes em todos os presentes (murros e pontapés), perante esta situação foi necessário intervir no sentido de o imobilizar, o recluso manteve a agressividade tendo atingido na cara o elemento de vigilância Rui Oliveira, com recurso ao uso do bastão e força física conseguimos imobilizar o recluso e algemá-lo (...) Os elementos S........ e R........ precisaram de assistência médica no Hospital de Cascais e Santa Maria. O recluso recusou ser observado peio Sr. Enfermeiro e não autorizou que lhe fossem tiradas fotografias...” -fls. 11 do p.a.
4) A fls. 13 constam os traumatismos sofridos pelos Guardas, sendo que o Requerente acusou traumatismo ocular esquerdo - fls. 13 do p.a.
5) O Relatório da ocorrência consta de fls. 16 do p.a., que se dão como reproduzidas.
6) Foi elaborado Auto de notícia nos termos seguintes:
“(texto integral no original; imagem)”

- fls. 26 do p.a.
7) Em 22 Janeiro 2018 foi elaborado Relatório, nos termos seguintes, no que ora interessa:
Processo 18/INQ/2017
Assunto: Utilização de Meios Coercivos sobre o recluso H........ (n.º 158)
RELATÓRIO
(Nos termos do n.º 1 do Artigo 231º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho)
Introdução:
O presente processo de inquérito, mandado instaurar por despacho da Senhora Directora do EP do Linho, datado de 27.12.2017, teve origem na participação de uso de meios coercivos, subscrita pelo senhor Guarda S........, em 23.12.2017.
Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 229º da Lei Gerai do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, o inquérito tem por fim apurar factos determinados.
No que respeita as diligências instrutórias, foram inquiridos os seguintes intervenientes:
§ H........ (recluso sobre o qual foram aplicados os meios coercivos);
§ S...... (guarda prisional interveniente);
§ R........ (guarda prisional interveniente);
§
§ M........ (guarda prisional interveniente);
§ P........ (guarda prisional não interveniente.
Foram ainda anexos os seguintes documentos:
¨ Participação de uso de meios coercivos (anexo I) - fls 1 a 8;
¨ Relatório de ocorrência n.º 109/2017 - fls 9 e 10;
¨ Email de 27.12.2017, comunicando ao SAI a utilização de meios coercivos – fls
¨ informação n.º 176/Serviços Clínicos/2017, datada de 23.12.2017 - fls 12 e 13;
¨ Registo de observação (agressão/auto-mutilação), referente ao dia 23.12.2017, pelas 10h40mn - fls 14;
¨ Declaração de consentimento para captação de fotografias - fls 15;
¨ Informação subscrita pelo senhor guarda M...... - fls 16;
¨ Oito fotografias - fls 17 e 18;
¨ Cópia da participação que deu origem ao processo disciplinar n.º1/2018 - fls 19 e 20;
¨ Requerimento para disponibilização de imagens de CCTV, referentes ao dia 23.12.2017, peias 8h30/8h40 - fls 21 e 22;
(…)
Dos factos:
Inquiridos os elementos de vigilância supra identificados, é de concluir que alegam os mesmos, em síntese, o seguinte:
1. No dia 23.12.2017, pelas 08h30, os senhores Guardas R........ e N......, procederam à abertura do recluso H........, afecto ao sector de segurança do EP Linhó, por forma a que o mesmo fosse conduzido ao pátio pequeno {também conhecido como pátio das celas disciplinares ou CD's).
2. O recluso foi informado que usufruiria do recreio a céu aberto sozinho, por determinação da senhora Directora.
3. O recluso não esboçou qualquer reacção e acompanhou os senhores Guardas - S........, N......, P........ e M...... - pelo corredor do sector de segurança, até à porta do pátio.
4. O senhor Guarda R........ ficou para trás, juntando-se instantes depois ao grupo de colegas e recluso.
5. Considerando que, no dia anterior (22.12.2017), o recluso H........ teria insultado e ameaçado os senhores guardas S........ e M...... e que, na sequência dessa ocorrência, a senhora Directora determinou que o mesmo tivesse pátio sozinho, acautelando eventual reacção do recluso, foi reforçado o número de efectivos a acompanhá-lo.
6. Quando chegaram à porta do pátio pequeno, o senhor Guarda S........ terá explicado ao recluso o porquê de estar a ter pátio sozinho, aludindo ao episódio do dia anterior.
7. O recluso fixou os olhos no chão e o senhor Guarda S........ ter-lhe-á solicitado que olhasse para ele, colocando a mão à frente do recluso e fazendo um movimento ascendente (com a mesma mão) e pedindo-lhe que olhasse para si.
8. Nesta sequência, num movimento brusco, o recluso H........ desferiu dois socos na face do declarante que o atingiram no olho e cabeça.
9. De imediato os senhores Guardas presentes tentaram agarrar o recluso, imobilizando-o, mas este não permitiu, desferindo socos e pontapés, para o ar, mantendo assim os elementos de vigilância afastados.
10. O senhor Guarda S........ desferiu uma ou duas bastonadas nas pernas do recluso, assim vencendo um pouco da resistência do mesmo, que se manteria agressivo.
11. O senhor Guarda R........ tentou conversar com o recluso e agarrá-lo pelo braço, tendo o recluso respondido com um soco desferido na cabeça do referido elemento de vigilância.
12. Nesta altura, em conjunto, conseguiram agarrar o recluso, imobilizando-o no chão e algemando-o à retaguarda, apesar da resistência do mesmo.
13. Depois de algemado o recluso foi colocado no pátio e os senhores guardas S........ e R........ dirigiram-se ao Hospital.
14. Cerca de dez minutos depois o recluso foi desalgemado, por já se encontrar mais calmo.
15. Num primeiro momento o recluso recusou ser fotografado ou observado pelos serviços clínicos. Posteriormente, foi o próprio a solicitar a observação clínica e o registo fotográfico, que foram efectuados.
16. Os senhores guardas P........ e N...... apenas assistiram ao sucedido, não tendo intervenção na concreta utilização dos meios coercivos.
Inquirido o recluso, alega o mesmo que:
(…) (...) (...)
Dos Meios de Prova:
No que respeita aos senhores guardas S........, N...... e M......, resulta evidente que, no dia 23.12.2017, peias 8h38, no sector de segurança, ofenderam, por diferentes formas, designadamente chutos, murros, pontapés e bastonadas, a integridade física do recluso H.........
(…).
8) Do cadastro do Requerente - SRH 4180 - nada consta em relação a penas disciplinares, entrou para o EP do Linhó em 23/10/1995, data em que foi admitido na função pública, e desde 2008, com nomeação definitiva, com classificações de serviço de dois Boms (1998 e 2000 e seis MUITO BOM, desde 2002 a 2007, com repetição da notação de Muito Bom no ano de 2018) - fis. 75 e ss. do p.a. e fis. 19 dos autos.
9) Conforme Acusação de 26 de Junho de 2018, o Requerente (juntamente com outros) foi acusado da violação cumulativa dos seguintes deveres profissionais: - Prossecução do Interesse Público, previsto no artigo 73.° n.° 2 alínea a) e n.° 3 da mesma norma da LGTFP; Zelo, previsto no artigo 73.° n.° 2 alínea e) e n.° 7 da mesma norma da LGTFP; Lealdade, previsto no artigo 73.° n.° 2 alínea g) e n.° 9 da mesma norma da LGTFP; Correção, previsto no artigo 73.° alínea h) e n.° 10 da mesma norma da LGTFP e Dever especial de ser urbano com os reclusos, previsto no artigo 18.° alínea h) do Estatuto Profissional do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 3/2014 de 9 de janeiro - fls. 202 e ss. do p.a.
10) No Despacho acusatório foi considerado que não existiam circunstâncias atenuantes especiais previstas no art° 190° da LGTFP (art° 62° da Acusação, fls. 214 do p.a.)
11) O Requerente - SRH 4180 - foi alvo de Louvor (juntamente com outros), publicado no DR 2ª série de 11/11/2015, fls. 32559, Louvor n° 928/2015, de 28/10/2015, da Ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz - fls. 103, vol III do p.a.
12) No Relatório Final, datado de 14/02/2019, e referente, não só ao Requerente, mas também a outros colegas, foi proposta a pena de demissão para o Requerente, pena esta que veio a ser acolhida no Despacho do Director Geral de 25/02/2019 (aqui impugnado), após o Parecer da Inspectora Coordenadora de 15/02/2019 - fls. 163 e ss. do p.a., vol III, que se dão por inteiramente reproduzidas, passando a reproduzir-se, no que ora importa:
“(…)
“(texto integral no original; imagem)”







“(texto integral no original; imagem)”



13) Não obstante interposição de recurso hierárquico, manteve-se a sanção - resulta do p.a.»

***
Nada se consignou quanto a factos não provados e motivação da matéria de facto.


III.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.
Em causa está saber se deve ser anulado o Despacho aqui impugnado de 25/02/2019 que aplicou ao Autor a pena de Demissão, e melhor identificado nos n.ºs 12 e 13 do probatório.



Omissão de Pronúncia

Alega o recorrente que o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre prova junta aos autos – prova em vídeo – que motivou uma decisão, que entende, errada por erro nos pressupostos de facto. Sustenta que no que respeita aos senhores guardas S........, N...... e M......, resulta evidente que, no dia 23.12.2017, pelas 8h38, no setor de segurança, ofenderam, por diferentes formas, designadamente chutos, murros, pontapés e bastonadas, a integridade física do recluso H........, concluindo, por isso, não estar em causa um cenário de utilização de meios coercivos, mas antes uma agressão a um recluso. A entidade recorrida, da análise da prova recolhida, em particular das imagens do CCTV, concluiu que os guardas prisionais, S........, N...... e M......, ofenderam a integridade a integridade física do recluso H.........
O recorrente, Ministério, prosseguiu defendendo que o Tribunal a quo ao não aceitar o CD Rom como prova dos factos ignorou a Portaria 380/2017, de 19 de dezembro, bem como o artigo 24.º/5, alíneas a) e b) do CPTA quanto à admissibilidade de documentos que não têm suporte físico, como é o caso do CD Rom onde constavam as imagens captadas pelas Câmaras do CCTV do Estabelecimento Prisional do Linhó.
É que, prossegue, do visionamento das imagens vídeo que se pretenderam juntar resulta que o recluso H...... agiu em legítima defesa, ou seja, em resposta a uma agressão perpetrada pelo recorrido, guarda prisional, sendo evidente pelo seu simples visionamento que a pena de demissão aplicada ao autor, aqui recorrido, resulta da sua conduta ilícita.
Em conclusão, afirma que o Tribunal a quo não visionou as imagens juntas, omitindo-se da obrigação de as considerar e de sobre ela se pronunciar e violou o artigo 411.º do CPC a que está obrigado (princípio do inquisitório) para descobrir a verdade material.
Ao contrário, o recorrido entende que o Tribunal a quo decidiu de acordo com o direito, uma vez que foi o recorrido que desrespeitou o disposto no artigo 7.º/1, alínea b) da Portaria 380/2017, de 19 de dezembro, na redação da Portaria 267/2018, de 20 de setembro, não juntando a prova pretendida em vídeo, imagens CCTV, no formato legalmente exigido.
Alega que o artigo 24.º/5, alínea a) e b) do CPTA apenas se aplica aos casos em que a parte não tenha patrocínio de mandatário, sendo então aceitável a sua junção na secretaria judicial, mas que não é o caso.
Ainda recorda que o Tribunal a quo não tem de dispor de computadores com suporte CD, sendo dever do recorrente cumprir a previsão legal.
Vejamos.
O procedimento disciplinar no contexto da relação jurídica de emprego público apresenta-se como uma subespécie da espécie procedimento administrativo sancionatório, inclusos na família do procedimento administrativo geral.
Neste enquadramento, emerge como pressuposto e limite constitucional, plasmado no artigo 267.º, n.º 5 da CRP, a existência de uma regulação procedimental da atividade da Administração Pública.
O procedimento que a Administração Pública segue na sua facies de empregador está sujeito a um diálogo permanente com a lei procedimental por excelência da Administração Pública: o CPA. Desde logo, esse último corpo normativo funcionará quanto ao primeiro como direito subsidiário, aplicando-se ao procedimento disciplinar supletivamente as normas do diploma geral regulador do procedimento administrativo. Sem olvidar, todavia, a exortação no procedimento disciplinar das normas do processo civil (maxime quanto à confiança do processo, vide artigos 165.º a 167.º do CPC, ex vi artigo 217.º da LTFP ou normas especiais, de existirem no Regulamento disciplinar próprio de alguns corpos especiais) e, primacialmente, dos princípios gerais de processo penal (cf. n.º 2 do artigo 201.º da LTFP).
Na verdade, o CPA funciona como o “código geral da atividade administrativa”, na qual se integra a atividade sancionatória, por ser essa a solução postulada pelo legislador quando, no artigo 2.º, do n.º 5 do CPA, estabelece que as “...disposições do presente Código, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais...”.
Sendo o poder disciplinar um denominador comum à relação jurídico-laboral privada e pública, a finalidade com que o mesmo é exercido não é, todavia, convergente. No direito laboral privado o poder disciplinar visa preservar a satisfação de necessidades económicas da empresa, ao passo que o direito laboral público ostenta como finalidade precípua o prestígio e organização indispensáveis à prossecução do interesse público, a restituição da legalidade e a reintegração do bom funcionamento nos serviços. Diríamos que, num caso, a finalidade do poder disciplinar é autocentrada nos interesses do empregador privado, no outro, pelo interesse público a que empregador e trabalhador públicos estão adstritos. Mas em ambos o direito à prova por parte do trabalhador visado é um direito fundamental.
Pois bem, em matéria de meios de prova que podem ser usados pelo trabalhador e pela entidade empregadora no procedimento disciplinar teremos todos os meios de prova em direito permitidos (aplicação subsidiaria do princípio de processo penal presente no artigo 125.º do CPP e, bem assim, do previsto quanto à proibição de meios de prova, no artigo 126.º do CPP); convocando-se, ainda, quanto à inquirição de testemunhas, as regras de processo penal (com as devidas adaptações, o regime dos artigos 128.º a 139.º do CPP).
Ora, em abstrato são consideradas provas proibidas as provas de vídeo, enquanto gravações obtidas mediante intromissão na vida privada, sem o consentimento do respetivo titular (conforme n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal). Isto porque, do vasto leque existente de direitos de personalidade, toda e qualquer pessoa é titular do direito à imagem e à reserva da sua vida privada, mas esses direitos, todavia, são suscetíveis de serem limitados e restringidos em função da prossecução de outros direitos ou fins, nomeadamente, a perseguição penal ou disciplinar, de acordo com o princípio da proporcionalidade e do mínimo indispensável e mediante autorização.
Considerando a forma como na LTFP o direito à prova se encontra regulamentado, de modo distinto consoante a fase processual, teremos de atender aos artigos 212.º e 218.º: no momento da instrução preparatória, o trabalhador pode solicitar ao instrutor que promova as diligências para que tenha competência e consideradas, por aquele, essenciais para apuramento da verdade (n.º 3 do artigo 212.º).
Sendo inequívoco o acolhimento do legislador da produção de prova como uma garantia do trabalhador (de tal modo que a sua recusa, sem uma fundamentação exaustiva, equivale à violação do direito de defesa, e, nessa medida representa nulidade insuprível), virá, inelutavelmente, acompanhada da concretização de princípios transversais à investigação disciplinar como os do inquisitório e descoberta da verdade material, concedendo deveres de investigação ao empregador em busca da verdade material.
E, por isso, deve a entidade empregadora usar, igualmente, todos os meios de prova admitidos em direito, em busca da verdade material.
Ora, o artigo 4.º/1, alínea b) da Lei 35/2014, de 20 de junho remete para o Código de Trabalho toda a regulamentação dos direitos de personalidade dos trabalhadores, aplicável por remissão do artigo 7.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo DL 3/2014, de 9 de janeiro, na redação dada pela Lei 6/2017, de 2 de março, aplicável aos autos.
Por isso, releva referir, sobre o assunto, o Acórdão proferido em 28.11.2022, no Processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, pelo Tribunal da Relação do Porto, que acompanhamos, e que decidiu que o artigo 28.º da Lei da Proteção de Dados Pessoais não exige que exista procedimento criminal para uso das imagens captadas através do sistema de videovigilância, sendo a ideia subjacente: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens - pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar:
a) se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador, e
b) caso os factos possam ter relevância criminal, independentemente de existir procedimento criminal.
Aquele Tribunal entendeu ser admissível a utilização das referidas imagens como meio de prova, pois as mesmas tinham por finalidade, única e exclusiva, a proteção e segurança de pessoas e bens e não o controlo do desempenho dos trabalhadores. Fundamenta, sobre o assunto, que “... sendo certo que o n.º 4 do artigo 28.º da Lei n.º 58/2019 dispõe que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou de outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, o n.º 5 desse mesmo preceito acrescenta que, nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal...”.
De resto, recorda-se que a lei consente a instalação de sistemas de videovigilância pelas forças de segurança, Policia de Segurança Pública e a Guarda Nacional República entre outras, e que exercem funções de prevenção e de investigação criminal, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º, da Lei n.º 1/2015, de 10 de janeiro, revista e alterada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, a autorização para a utilização de sistemas de videovigilância só deve ser concedida se prosseguir os seguintes fins: a) visar a proteção de edifícios, instalações públicas, instalações com interesse para a defesa e a segurança; b) a proteção de pessoas e bens; c) a prevenção da prática de crimes; d) a prevenção e repressão de infrações rodoviárias; e) a prevenção de atos terroristas; f) e a proteção e deteção de incêndios florestais. É o caso.
Aliás, prevê o Regulamento Geral dos estabelecimentos Prisionais, aprovado pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, aplicável aos autos, que “... 1 - O recurso ao sistema de videovigilância só é admitido nos espaços comuns e na área circundante do estabelecimento prisional, com salvaguarda da intimidade da vida privada, para assegurar a ordem e a segurança no estabelecimento prisional, nos termos estabelecidos nos artigos 88.º e 90.º do Código e nos demais termos legais...”.
O recorrente invoca ter junto aos autos prova em vídeo que alegadamente demonstraria, sem mais, a culpabilidade do trabalhador sancionado com a sanção de demissão.
Na verdade, o Tribunal a quo decidiu que “... No processo principal, o R. veio alegar que a captação das imagens, quanto ao evento, permite concluir por uma neutralidade comportamental por parte do recluso, sendo de desconsiderar a eventual existência de palavras – sejam injúrias ou ameaças – e ao mesmo tempo, por um comportamento do Autor contrário ao aconselhado pelo Regulamento de Utilização de Meios Coercivos, ao assentar o bastão violenta e claramente na cabeça/pescoço do recluso...”. De resto na oposição à providência cautelar, cuja decisão de mérito foi antecipada, refere que “... O que interessa é perceber se o Requerente agrediu o recluso H........, se a agressão cometida consubstancia uma infração e, em caso afirmativo, se a pena de demissão se manifesta como justa...”.
Mas sobre o assunto, o Tribunal a quo decidiu na sentença recorrida que “... Ora, a apreciação judicial não é (nem deve ser) uma repetição da prova levada a cabo em processo disciplinar. Aliás, nem o Tribunal dispõe de meios para visionar os CDs, já que os computadores fornecidos pelo IGFEJ aos Magistrados, não dispõem de suporte para Cds, nem foram fornecidos suportes externos para esse efeito. Todo o processo é digitalizado no SITAF, e o que não estiver digitalizado no sistema informático é, para todos os efeitos, inexistente...”.
E decidiu assim, sem acerto.
Na verdade, desde logo olvidou que, assim como, se o arguido vier a adotar, no processo administrativo especial disciplinar, comportamento silencioso, não apresentando prova ou prescindindo do seu direito de defesa, isso não preclude o dever de averiguação oficiosa por parte da Administração sobre os factos, também quando as sanções aplicadas foram impugnadas judicialmente, não pode deixar o Tribunal de averiguar o direito do arguido e a existência de eventuais erros de facto, se invocados, como aqui sucedeu.
Assim tanto a Administração, com ou sem a colaboração do arguido, está sujeita a um dever de descoberta da verdade em vista a adotar para o caso a solução mais justa, o que implica que qualquer erro na apreciação ou na fixação dos factos materiais inquina o ato punitivo de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto ( artigo 58.º do CPA), também os Tribunais estão vinculados à descoberta da verdade material, fazendo uso do princípio do inquisitório, previsto no artigo 411.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.
Por isso se acompanha o decidido pelo TCA Norte, no processo 00232/10.2BEMDL, proferido em 15 de julho de 2020, onde consta, em especial que “... No plano sancionatório disciplinar, pese embora a fundamentação da decisão disciplinar não revista o mesmo grau de exigência que é reclamada no âmbito da decisão penal, é exigível que a fundamentação da decisão punitiva se apresente dotada de suficiente robustez para que o Tribunal possa julgar como provados os factos configuradores da prática da infração pelo arguido, o que exige que se apresentem provas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos para a punição: a ilicitude da atuação e a culpabilidade...”.
Na verdade, o uso de poder disciplinar permite ao respetivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando, por esse modo, os factos pressupostos da infração disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento, mas tal não deixa de ficar na disponibilidade da censura judicial, sobretudo quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva. E é o caso.
Ora, se é certo que dispõe o artigo 7.º/alínea b) da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro, que os ficheiros e documentos referidos no n.º 1 do artigo 5.º devem ter os seguintes formatos: b) Moving Pictures Expert Group 4 Part 14 (MP4) com codificação vídeo H.264 AVC e codificação áudio MPEG-2 Audio Layer III (MP3) ou Advanced Audio Coding (AAC), quando se trate de documento vídeo, a verdade é que o Tribunal não teve o cuidado de, na busca da verdade material, ordenar a conversão das imagens CCTV que se pretendiam juntar aos autos para o formato exigido, dando prazo para o efeito.
Na realidade, o Tribunal a quo decidiu ignorar a prova vídeo, justificando o seu raciocínio invocando um Acórdão do TCA Sul, proferido no processo 06944/10, a 20 de dezembro de 2012, onde consta efetivamente “... Tal como se tem manifestado a jurisprudência dominante, No processo disciplinar vigora a regra da livre apreciação da prova pelo julgador administrativo, sem prejuízo dos limites gerais do poder discricionário da Adm. P., citando-se a este propósito, o seguinte Acórdão do TCa Sul: 1. A acusação em processo disciplinar pode conter os factos apurados no auto de notícia e outros apurados posteriormente. 2. No processo disciplinar vigora a regra da livre apreciação da prova pelo julgador administrativo, sem prejuízo dos limites gerais do poder discricionário da Adm. P....”.
Mas omite que o mesmo Acórdão refere, todavia, que “... O poder disciplinar é discricionário, mas com aspectos vinculados, sendo um destes o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais...”.
Contudo não ocorreu omissão de pronúncia, uma vez que na decisão judicial recorrida o Tribunal a quo fundamenta, em desacerto, a razão da sua desconsideração desta prova que se pretendeu juntar, sob a forma de imagens CCTBV. Saber se essa decisão de desconsideração é lícita ou não já é outra questão que se prende com a correta interpretação do direito.
Ora, estas imagens CCTV deveriam, de resto, fazer parte do PA e, em consequência, ter sido admitidas com esse enquadramento. Na verdade, o artigo 1.º/2 do CPA define “processo administrativo”, ou “processo instrutor”, como o conjunto de documentos, em sentido amplo, devidamente ordenados em que se traduzam os atos, factos e formalidades que integraram o procedimento administrativo que deu lugar à decisão impugnada, ou seja, que serviu de base à formação, manifestação e decisão dos órgãos da Administração Pública (e foi o caso, uma vez que o seu visionamento esteve, também, na base da decisão administrativa e constituiu, aliás, parte do seu fundamento). Ora o PA constitui objeto do dever de remessa ao Tribunal e, caso esteja incompleto, deve motivar o Tribunal de 1.ª instância a ordenar a sua completude, conforme artigos 7.º e 8.º do CPTA.
Na verdade, o artigo 362.º do CC define “documento” como qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Existem duas modalidades de documentos, os escritos e as reproduções mecânicas, sem esquecer que há múltiplas fontes desta prova documental: uma coisa, uma planta, um objeto, traduzido por definição num documento que pode ser um CD, um registo PDF, um chip eletrónico, fotografias, um registo fonográfico, um registo vídeo cinematográfico (artigo 428.º do CPC).
Não tendo as imagens CCTV sido incluído no PA, é inquestionável que, considerando que o direito à prova surge como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20.º, n.º 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), conclui-se que ser uma clara manifestação do princípio geral da tutela jurisdicional efetiva que deve ser salvaguardada.
Sublinha-se, ainda, que resulta das disposições conjugadas dos artigos 83.º/4; 84.º/1, 90.º/1 e 95.º/3 do CPTA que o juiz administrativo dispõe, de resto, de poderes inquisitórios mais amplos que aqueles que são conferidos, em processo civil, pelos artigos 5.º e 6.º do CPC ao juiz comum, uma vez que este juiz pode promover diligências oficiosamente, mas deve entender-se que elas estarão delimitadas pelos seus poderes de cognição e pelo princípio do dispositivo que limita e enquadra o inquisitório, ao contrário do juiz administrativo. O juiz administrativo não dispõe de meros poderes instrutórios, como admitido pelo artigo 6.º/1 do CPC, mas amplos poderes inquisitórios que vão muito além do que nesse domínio consente o artigo 5.º/2 do CPC .
Por fim, reitera-se que o Tribunal só não deve realizar uma diligência instrutória requerida se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.
Assim, considerando a antecipação da decisão de mérito da causa, no presente processo cautelar, a admissão de tal “documento” digital (imagens CCTV), com a sua consequente apreciação pelo Tribunal a quo, no uso da sua livre convicção, se impõe, razão pela qual a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se pode manter.
*
IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, tudo visto e ponderado, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e em consequência:
a) anular todos os atos subsequentes com ele incompatíveis;
b) julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto relativamente à decisão final;
c) ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de se proceder à diligência instrutória em causa e outras consideradas adequadas no respeito pelo princípio do inquisitório, e, após, prosseguirem os ulteriores termos se a isso nada mais obstar.
Custas pelo recorrido.
Registe e Notifique.

Lisboa, dia 19 de março de 2024.
(Eliana de Almeida Pinto - Relatora)

(Maria Helena Filipe – 1.º adjunto)
(Frederico Branco– 2.º adjunto)