Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:128/23.9 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:RECLAMAÇÃO
PENHORA
ACIDENTE LABORAL
INDEMNIZAÇÃO
IMPENHORABILIDADE
Sumário:I A reparação dos sinistros laborais tem um cunho marcadamente social e proteccionista.
II - Os valores devidos em virtude de acidente de trabalho, previstos na LAT, além de irrenunciáveis, são inalienáveis, nos termos do disposto no artigo 78º da LAT em conjugação com o preceituado no artigo 739º do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO


A…., melhor identificado nos autos, deduziu reclamação ao abrigo do artigo 276º do CPPT contra a penhora de conta bancária da sua titularidade determinada pelo IGFSS, IP, no âmbito do PEF nº 0801201900113875.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença proferida em 30 de setembro de 2023, julgou procedente a reclamação.

Não concordando com a decisão, veio o IGFSS interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

a) Por Douta Sentença proferida nos referidos autos em 30/09/2023, o Meritíssimo Juiz a quo
considerou procedente a reclamação e em consequência anulou o ato de penhora do saldo da conta bancária titulada pelo Reclamante.
b) Na sentença recorrida foi também considerado que a penhora foi efetuada no montante de 23.964,70€ quando na verdade o valor penhorado e transferido para o IGFSS, IP foi de 13.747,48€.
c) Em boa verdade, o que aqui está em causa é saber se incorreu em erro de julgamento a sentença impugnada ao anular o ato de penhora do saldo da conta bancária titulada pelo Reclamante, por aplicação do disposto no artigo 735.º e 736.º, alínea a) do CPC, 601.º do Código Civil e artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
d) Diz-nos o Artigo 738.º, n.º 1 do CPC que são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
e) O Tribunal a quo cita o Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 09/02/2017, proferido no Proc. n.º 1501/15.1T8GRD-A.C1 e no Acórdão da Relação de Guimarães de 25/06/2015, proferido no Proc. n.º 309/09.8TTBCL.C.P1.G1, porém outro entendimento é expresso na jurisprudência mais recente.
f) Com efeito, conforme se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18/01/2018, proferido no processo n.º 442/13.1T2SNS-A.E1 é admitida a impenhorabilidade parcial dos montantes a título de indemnização por acidente de trabalho, veja-se: “(…)De acordo com o estatuído no artigo 735.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
(…)
Contudo, nos termos do n.º 1 do artigo 738.º do Código de Processo Civil, são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado; mas se o crédito exequendo for por alimentos é apenas impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo (n.º 4 do mesmo artigo).
Em face da letra do artigo 78.º da LAT, no confronto com o Código de Processo Civil, máxime com os referidos artigos 736.º, alínea a) e 738.º, tem-se questionado se a impenhorabilidade nele prevista é absoluta ou relativa.
(…)
O recorrente entende ser absoluta, ancorando-se, além do mais, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-02-2017 (Proc. n.º 1501/15.1T8GRD-A.C1, disponível em www.dgsi.pt), em que foi relatora a aqui 1.ª adjunta.
Efetivamente, no referido acórdão concluiu-se que à luz do disposto no artigo 736.º do Código de Processo Civil – que prevê que são absolutamente impenhoráveis os bens isentos de penhora por disposição especial – deve entender-se por absoluta a impenhorabilidade prevista no artigo 78.º da LAT.
(…)
Do entendimento que considera absoluta a impenhorabilidade prevista no artigo 78.º da LAT parece dissentir Rui Pinto, quando em anotação ao artigo 738.º do Código de Processo Civil conclui (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 525) que face ao mesmo e ao artigo 78.º da LAT, «mantém-se o status quo de eficácia normativa instituído em 1 de Janeiro de 1998 quanto aos limites à penhora de indemnização por acidente de trabalho. Trata-se de um rendimento que pretende assegurar a subsistência do trabalhador, sujeito ao regime de penhorabilidade parcial constante do presente artigo, mesmo que seja irregular ou único».
(…)
Importa desde logo ponderar que, como faz notar Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, págs. 838-839), «[a] indemnização em sede de acidentes de trabalho apresenta duas vertentes: a primeira que respeita à recuperação física e psíquica do sinistrado e a segunda que corresponde ao pagamento de uma quantia pecuniária em função da morte ou da incapacidade de trabalho. (…) Denota-se uma clara preocupação do legislador de, a todo o custo, indemnizar o trabalhador, pondo cobro aos danos por ele sofridos; em especial, repondo a sua capacidade de trabalho, seja mediante tratamentos, ou pela via da compensação pecuniária»; ou, como se afirma na instância recorrida, citando Menezes Leitão, «(…) a reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho não tem um carácter estritamente reparatório, sendo a sua função antes de carácter alimentar. As suas características são como as que de uma obrigação de alimentos fundada numa situação de necessidade o que, só por si explica o seu carácter limitado (cf. o artigo 2004 do Código Civil)».
Ou seja, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho visa, em última instância,
salvaguardar a dignidade do sinistrado (cfr. artigos 1.º e 59.º, n.º 1, alínea f) da CRP): daí se
compreende, e se justifica, que a pensão por acidente de trabalho tenha uma função reparadora e, simultaneamente, alimentar, assim se procurando assegurar ao sinistrado (ou beneficiários legais) um rendimento que lhe garanta um mínimo de sobrevivência condigna.
Para além desse direito a mínimo de sobrevivência condigna por parte do sinistrado haverá também que ponderar que este é, igualmente, sujeito de deveres (…)”.
(sublinhados nossos)
g) Em face da letra do artigo 78.º da LAT, no confronto com o Código de Processo Civil, máxime com os referidos artigos 736.º, alínea a) e 738.º, tem-se questionado se a impenhorabilidade nele prevista é absoluta ou relativa.
h) O tribunal a quo entende ser absoluta, ancorando-se, além do mais, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-02-2017 (Proc. n.º 1501/15.1T8GRD-A.C1 e efetivamente, no referido acórdão concluiu-se que à luz do disposto no artigo 736.º do Código de Processo Civil – que prevê que são absolutamente impenhoráveis os bens isentos de penhora por disposição especial – deve entender-se por absoluta a impenhorabilidade prevista no artigo 78.º da LAT.
i) Porém e na esteira de Rui Pinto em Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 525 - anotação ao artigo 738.º do Código de Processo Civil, a indemnização por acidente de trabalho é um rendimento que pretende assegurar a subsistência do trabalhador, e por isso está sujeito ao regime de penhorabilidade parcial constante do artigo 738.º do CPC, mesmo que seja irregular ou único.
j) Também Menezes Leitão refere que «(…) a reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho não tem um carácter estritamente reparatório, sendo a sua função antes de carácter alimentar. As suas características são como as que de uma obrigação de alimentos fundada numa situação de necessidade o que, só por si explica o seu carácter limitado (cf. o artigo 2004 do Código Civil)».
k) Assim, é também nosso, o entendimento que a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho visa, em última instância, salvaguardar a dignidade do sinistrado (cfr. artigos 1.º e 59.º, n.º 1, alínea f) da CRP): daí se compreende, e se justifica, que a pensão por acidente de trabalho tenha uma função reparadora e, simultaneamente, alimentar, assim se procurando assegurar ao sinistrado (ou beneficiários legais) um rendimento que lhe garanta um mínimo de sobrevivência condigna.
l) Mas, para além desse direito ao mínimo de sobrevivência condigna por parte do sinistrado haverá também que ponderar que este é, igualmente, sujeito de deveres.
m) Logo, com todo o devido respeito, os montantes rececionados na sequência de acidente de trabalho não podem ser tidos como totalmente/absolutamente impenhoráveis, devendo-o ser, sim, impenhoráveis de forma parcial, garantindo-se e salvaguardando-se a função reparadora e alimentar do sinistrado.
n) Acresce ainda que, no presente caso, o montante penhorado foi de 13.747,48€ e não de 23.964,70€.

o) Mais acresce que foi solicitada por este órgão de execução, informação à referida instituição bancária sobre se o valor respeitava o limite de impenhorabilidade legal, ao que a instituição bancária, Caixa Económica Montepio Geral, informou que o valor correspondente foi penhorado ao abrigo da cativação de novas entradas, nos termos do n.º 4 do artigo 223.º, do CPPT e do n.º 5 do artigo 738.º do CPC e que o Banco Montepio salvaguarda o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez por mês nas contas dos clientes, conforme legislação atualmente prevista.
p) Importa ainda trazer à colação, o facto do IGFSS, IP não dispor da identificação da(s) conta(s) da titularidade dos executados, nem dos respetivos saldos à data da solicitação da penhora, nem de informação sobre a proveniência do saldo a penhorar.
q) O órgão de execução apenas solicita as penhoras às Instituições Bancárias por via eletrónica e alerta para os limites da penhorabilidade.
r) Não obstante, salvo melhor opinião, não deveria o Tribunal a quo ter anulado o ato de penhora, mas sim, ter concluído pela impenhorabilidade parcial e determinado a redução do valor penhorado aos limites previstos no artigo 738.º do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso obter provimento e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, na parte em que anulou o ato de penhora e concluir-se pela impenhorabilidade parcial, determinado-se a redução do valor penhorado aos limites previstos no artigo 738.º do CPC.”

*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


A) Contra A…, ora Reclamante, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 0801200701055534 e apensos (0801200701055542, 0801201100547077 e 0801201900113875), para cobrança coerciva de dívidas relativas a contribuições e cotizações à segurança social, referentes ao período de 02/2007 a 04/2007 e a contribuições de TI, referentes ao período de 11/2006 a 03/2019 – processo de execução fiscal apenso aos autos;

B) O Reclamante intentou contra o Fundo de Acidentes de Trabalho ação especial emergente de acidente de trabalho, que correu termos no Juízo do Trabalho de Portimão, sob o n.º 999/19.3T8PTM – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;

C) No âmbito da ação referida na alínea antecedente, o ora Reclamante e o Fundo de Acidentes de Trabalho transigiram sobre o objeto do litígio que os opunha nos referidos autos, nos seguintes termos:
«(…)

O Réu Fundo de Acidentes de Trabalho reconhece e aceita como sendo de trabalho o acidente sofrido pelo sinistrado A… em 29-11 2017, ao serviço de C…– Unipessoal, Lda.

Mais aceita que o mesmo sofreu um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 30-11-2017 e 29-05-2019, data em que tal ITA se converteu em incapacidade permanente absoluta (IPA), conforme auto de exame por junta médica realizado no Apenso de Fixação de Incapacidade.

O Autor e o Réu FAT aceitam que o sinistrado auferia a retribuição anual de 7 840,00€.

Por força desse reconhecimento e em substituição da entidade empregadora dissolvida e liquidada, o Réu FAT aceita a responsabilidade pela reparação do acidente sofrido pelo sinistrado A…, designadamente:
a) Pela indemnização por incapacidade temporária no período compreendido entre 30-11-2017 e 29-05-2019, no montante de 8 387,73€, à qual será deduzida a quantia de 3 930,00€ liquidado pela entidade empregadora, pelo liquidada, o Réu FAT aceita a responsabilidade pela reparação do acidente sofrido pelo sinistrado A…, designadamente:
a) Pela indemnização por incapacidade temporária no período compreendido entre 30-11-2017 e 29-05-2019, no montante de 8 387,73€, à qual será deduzida a quantia de 3 930,00€ liquidado pela entidade empregadora, pelo que o valor efetivo a liquidar é de 4 457,73€;

b) Pela pensão anual e vitalícia correspondente à incapacidade permanente absoluta (IPA), no montante de 6 272,00€, devida a partir de 30-05-2019;

c) Pelo subsídio por elevada incapacidade permanente, no montante de 5 561,42€.

O pagamento das prestações aludidas em 4º será efetuado pelo Réu no prazo de 20 dias, após a homologação da presente transação, através de transferência bancária para conta PT50 0036 0……….. titulada pelo sinistrado.

Às prestações referidas em 4º não acrescem juros de mora pelo Réu FAT, atendendo a que os mesmos não são devidos pelo Réu nos termos do art. 1º, n.º 6 do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio e em substituição da empregadora C….– Unipessoal, Lda.
(…)»
- cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
D) A transação foi homologada nos seus precisos termos por sentença de 21-02-2022 do Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 2 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
E) Em 23-02-2022, a secção de processo executivo de Faro do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Socia, I.P. remeteu à Caixa Económica Montepio Geral solicitação de penhora, relativa ao ora Reclamante – cfr. informação a fls. 69-70 do sitaf; fls. 114 do sitaf;

F) Por despacho de 28-02-2023 da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Faro do IGFSS, foi declarada prescrita a dívida dos processos de execução fiscal n.ºs 0801200701055542, 0801201100547077 e 0801200701055534, apenas subsistindo a dívida referente ao processo apenso n.º 0801201900113875, no valor total de € 13.747,48 – cfr. fls. 9 e 10 do registo do sitaf n.º 004769785; fls. 91-93 do sitaf;

G) Em 08-03-2022, o Fundo de Acidentes de Trabalho transferiu para a conta titulada pelo Reclamante no Banco Montepio o montante de € 27.781,10 – cfr. fls. 12 do registo do sitaf n.º 004769785; fls. 17 do registo do sitaf n.º 004769784;

H) Em 10-03-2022, foi penhorado o montante de € 23.964,70 – cfr. fls. 13 do
registo do sitaf n.º 004769785

*
IV.2 FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos:
- O Reclamante vive de empréstimos de amigos e familiares (artigo 5.º da p.i.);
- O Reclamante foi forçado a mudar de casa e não consegue pagar a renda da mesma (artigo 6.º da p.i.);
- O Reclamante não tem qualquer outro meio de subsistência para além do valor que se encontra na sua conta bancária (artigo 8.º da p.i.).
*
IV.3 MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, decorreu da análise crítica dos documentos juntos aos autos, tal como se fez referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório e cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Quanto aos factos julgados não provados, refira-se que sobre os mesmos não logrou o Reclamante produzir qualquer prova.


- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente a reclamação por entender que a penhora incidiu sobre bens absolutamente impenhoráveis.

A sentença recorrida, para assim decidir, alinhou a seguinte fundamentação:

“(…) o artigo 736.º, alínea a) estipula que são absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial, as coisas ou direitos inalienáveis.

Ou seja, não podem ser penhorados os bens ou direitos que uma lei especial declare isentos de penhora ou que por serem inalienáveis, não há possibilidade de serem ulteriormente transmitidos (v.g. pela sua venda).

Ora, importa convocar o disposto no artigo 78.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, que prevê a impenhorabilidade e a inalienabilidade dos créditos provenientes do direito à reparação por acidente de trabalho.

Estatui esta disposição legal que “Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho”.

E refira-se que a impenhorabilidade dos direitos de crédito, estende-se à quantia em dinheiro ou ao depósito bancário que resulte da sua satisfação, por força do disposto no artigo 739.º do CPC.

Volvendo ao caso vertente, decorre do probatório que a quantia penhorada resulta do depósito na conta bancária do Reclamante de valores respeitantes a indemnização por acidente de trabalho.(…)

Não sendo controvertido nos presentes autos que a penhora em causa incidiu sobre quantia proveniente de indemnização por acidente de trabalho e atendendo ao disposto no artigo 78º da Lei 98/2009, de 4/09 e no artigo 739.º do CPC, conclui-se que a penhora incidiu sobre bem absolutamente impenhorável.(…)”

Dissente o Recorrente do assim decidido, invocando, em síntese, que a indemnização recebida em resultado de acidente de trabalho é parcialmente penhorável, contrariamente ao entendimento preconizado na sentença recorrida no sentido de ser absolutamente impenhorável, de acordo com o preceituado no artigo 78º da LAT (Lei que regula os acidentes de trabalho).

Invoca, por outro lado, o Recorrente que a sentença refere ter sido penhorado o montante de 23.964,70 € quando, na realidade, o montante penhorado foi de 13.747,48 €.

Não é controvertida nos autos a origem dos valores depositados na conta alvo da penhora ora em causa. De facto, não vêm colocadas dúvidas quanto à circunstância de os montantes depositados na mencionada conta terem origem em indemnização paga ao Reclamante, ora Recorrido, em resultado de acidente de trabalho, na sequência de decisão judicial.
Nos termos do preceituado no artigo 78º da Lei 98/2009, de 4/09, sob a epígrafe “Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos e garantias”:
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.
Da leitura da norma em causa, que especialmente regula a matéria dos acidentes de trabalho, resulta, cristalinamente, a impenhorabilidade das quantias alvo da penhora dos autos. A sentença recorrida, convocou, na sua apreciação, a norma transcrita e concluiu pela ilegalidade da penhora, em virtude de ter recaído sobre quantias absolutamente impenhoráveis.

Por outro lado, a sentença recorrida citou jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido da impenhorabilidade das quantias em causa.

Adiante-se que concordamos com o entendimento vertido na sentença recorrida, que decidiu com acerto.

Permitimo-nos recuperar o que se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Junho de 2015, nos seguintes termos:

“(…) A reparação dos sinistros laborais tem um cunho marcadamente social e protecionista, visando dar cumprimento aos comandos constitucionais dos artigos 59º, 1, al. f) e 63º, 3 da CRP. Este último normativo reporta-se designadamente à proteção na invalidez enquanto direito social (vd. epigrafe do normativo – “segurança social e solidariedade”).
Em casos de sinistro laborais, o direito é assegurado pelo sistema de seguro privado instituído pelo CT, nos termos da LAT - impõe-se à entidade patronal o dever de transferir a sua responsabilidade para entidade legalmente autorizada a realizar este seguro – artigo 283º, 5 do CT e 79 da LAT -.

Mas o cunho social impõe que se este sistema não funcionar competirá ao Estado em substituição, assegurar o direito, e é, prevenir que o sinistrado deixe de receber as prestações que lhe sejam devidas, em função das regras imperativas fixadas na LAT.
Assim é que o artigo 82 da LAT refere:

Garantia e atualização de pensões

1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.


3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.


Este cunho social tem a sua natural tradução no caráter imperativo das normas relativas aos acidentes de trabalho.

Dispõe o artigo 78º da LAT (L. 98/2009):

Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos e garantias
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.

O normativo reporta-se claramente a créditos, às quantias já fixadas, aos montantes devidos.
Assim o direito à reparação destes danos, além de irrenunciável é de exercício necessário.
Parece evidente em face do artigo 78º da LAT, os valores devidos em virtude de acidente de trabalho, previstos na LAT, além de irrenunciáveis (o trabalhador não pode prescindir deles), são inalienáveis (o trabalhador não pode cedê-los).(…)”
De salientar, ainda, como o fez a sentença recorrida, que, nos termos do preceituado no artigo 739º do CPC,
São impenhoráveis a quantia em dinheiro ou o depósito bancário resultantes da satisfação de crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente existente.
Não se vislumbram razões para dissentir do entendimento acolhido na sentença que é, assim, de manter.

Resta dizer que a questão da diferença de valores constante na sentença face ao montante penhorado não tem qualquer relevância na economia do presente recurso, por se ter concluído pela manutenção do decidido quanto à ilegalidade da penhora, independentemente do seu valor concreto. O que vale por dizer que é, igualmente, irrelevante, levar em consideração a prescrição parcial da dívida, entretanto, declarada pela Recorrente.

Concluímos, assim, pela improcedência das alegações recursivas, pelo que será de negar provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Sub-Secção de Execução Fiscal de recursos contra-ordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024

(Isabel Vaz Fernandes)

(Lurdes Toscano)

(Catarina Almeida e Sousa)