Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05686/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ACCIONAMENTO DE GARANTIAS CONSTITUÍDAS POR SEGURO-CAUÇÃO.
NATUREZA DA SUA CESSÃO A TERCEIROS.
Sumário:I).- Uma vez que as AA. e as seguradoras não tiveram intervenção na cessão da posição contratual decorrente do accionamento das garantias presta , tal contrato é inválido e nulo, nos termos dos artigos 286º. 292°. 294°. 424° do CC e 185°. n.°1 alínea b), do CPA, na parte correspondente à Base XLIV, n° 2, do contrato de concessão.

II) - A forma de lei, designadamente o facto de as bases da concessão estarem aprovadas pelo Decreto-Lei n.°393ºA/98, de 04.12. não afasta a obrigação do Estado de respeitar as normas de direito civil que enquadram o direito das obrigações, não se apresentado a Base XLIV, n.°2, como uma estatuição geral e abstracta, mas antes como um comando individual e concreto já que ali se determina que as garantias prestadas pelas AA. no âmbito de um dado contrato de empreitada deverão ser transferidas para a R., o que vale por dizer que aquela norma configura um contrato administrativo com objecto passível de um contrato de cessão da posição contratual, contrato privado.

III) – Na situação versada não estamos em presença de um contrato administrativo, pelo qual a JAE tenha transmitido a sua posição à R. ou sequer um acto administrativo mas, tão simplesmente, perante uma mera declaração negocial, sendo indevida, pois, a invocação, porque inexiste acto administrativo, da violação do artigo 133. n° 2, al. c), do CPA, cuja violação é inverosímil

IV) - Dado que a cláusula do Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e o Estado Português, que verte a Base XLIV, n.°2, do Decreto-Lei n° 393ºA/98, de 4 de Dezembro, não é válida conforme o entendimento do Tribunal a quo, que reputa aquela cláusula está ferida de nulidade, contrariando frontalmente a tese da Recorrente que sustenta que não se verificou qualquer cessão da posição contratual, não tendo sido omitido o necessário consentimento do sujeito cedido, porquanto a transferência das garantias sub judice consubstancia, juridicamente, uma cessão de créditos, regulada nos artigos 577° e seguintes do Código Civil, a qual não carece do consentimento do devedor, não estando a transferência das garantias prestadas a pedido das Recorridas sujeita ao preceituado no artigo 424° do Código Civil, mas ao disposto nos artigos 577° e seguintes do referido código.

V) - Ao exigir o consentimento das Recorridas e das entidades emissoras das garantias, o Tribunal a quo não violou o disposto nos artigos 577° e seguintes do Código Civil, bem como o artigo 424° ao considerar aplicável o regime da cessão da posição contratual.

VI) – É que a cessão de créditos é um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito. Assim, a cessão de créditos verifica-se quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Ocorre, por isso, uma substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo

VIII) - A cessão de créditos não é de afastar no caso concreto em virtude de estarmos perante a despersonalização do crédito, sendo certo que na cessão de créditos sustentada pela Recorrente e pelo interveniente Estado, ocorre a eficácia translativa imediata da questionada cessão (independentemente da notificação ao devedor), nas relações entre as partes, e afastando, portanto, a tese da eficácia translativa diferida quer em relação ao devedor e a terceiros, quer em relação às próprias partes, o que significa que só depois da aceitação, que não ocorreu no caso concreto, o cessionário será, para todos os efeitos o credor.

IX) – No caso cabe chamar à colação o disposto no artigo 100° do Decreto-Lei n.°235/86, de 18.08, do qual decorre que as cauções prestadas pelos empreiteiros aos donos de obras públicas, têm a função de fiança, visam o exacto e pontual cumprimento das obrigações que assumem com a celebração do contrato de empreitada.

X) - Do teor das garantias e seguros-caução prestadas e da aplicação conjugada dos artigos 424° e ss. do CC e 9°, n.°3. do Decreto-Lei n° 183/88, de 24.05, retira-se que não estava vedado à JAE, que nos contratos acima referidos assume a posição de segurado, transmitir a sua posição contratual a terceiro, transmitindo-lhe os direitos que detinha por força dos contratos celebrados. Mas com um limite: uma vez que a relação que se estabelece nesses contratos é manifestamente, uma relação tripartida, por força dos artigos 424º e ss,. 595° do CC. as contrapartes tinham de consentir naquela transmissão, o que não ficou provado que tivesse ocorrido no caso vertente.

XI) – Assim, quer as AA. quer as correspondentes seguradoras teriam de intervir no negócio celebrado entre a JAE e a R. ratificando o contrato translativo ou intervindo directamente nesse contrato e, ainda que se concluísse pela validade da cessão da posição contratual, a R. só poderia accionar as garantias e seguros, nos termos do artigo 100° do Decreto-Lei n° 235/86, de 18.08, ou seja, só poderia recorrer às garantias «nos casos em que o empreiteiro não pugne nem conteste no prazo legal as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais liquidas e certas». E, mesmo neste caso, quer o terceiro cessionário, quer as AA., manter-se-iam vinculadas ao regime imposto e previsto pelo Decreto-Lei nº235/86, de 18.08. regime ao abrigo do qual foram prestadas as garantias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I - RELATÓRIO

BENTO …………………., S.A. e CONSTRUTORA DO .............., S.A. intentaram, no então, Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures (Lisboa 2) acção administrativa especial contra a AUTO – ……………………………………………, S.A. pedindo a declaração de nulidade da deliberação Ré, vertida na carta de 26.04.2007, que procedeu ao accionamento das garantias prestadas no âmbito da empreitada de construção do Itinerário Complementar 1- Variante à Estrada Nacional 8 – entre Torres Vedras e Bombarral.
Indicaram como contra-interessados: a EP-…………, s.a., o Banco …………………, s.a; o M …………, s.a.; a C ………………., s.a. a M ………………...s.a.; a A ………… e a C ………- Companhia …………………., s.a.
Citadas contestaram a contra-interessada, Aig ..., pugnado pela procedência da acção e formulando, a final, pedidos diversos do apresentado na p.i., conforme fls. 159 e ss. que aqui se dão por reproduzidas.
A Ré, também contestou, defendendo-se por excepção, alegando a excepção de erro na forma do processo e, por impugnação, defendeu a improcedência da acção.
Contestou igualmente a contra –interessada EP –………………., S.A. invocado como questão prévia que é a sucessora das Estradas de Portugal , E.P.E., e defendeu-se por impugnação sustentado a improcedência da presente acção.
Por despacho de 28.01.2010, a fls.403 e 403v, foram suscitadas oficiosamente as excepções da ilegitimidade passiva e da ineptidão da petição inicial.
As. A.A. notificadas para diligenciar no sentido de suprir as apontadas excepções, vieram em requerimento constante de fls. 413 e 414, alterar o meio processual utilizado para o de acção administrativa comum e o pedido, onde se passou a solicitar que seja declarado a que a R. não dispõe de fundamento para accionar as diversas garantias bancárias e seguros de caução que asseguram o cumprimento das obrigações das AA. emergentes do contrato de empreitada de construção do Itinerário Complementar 1- Variante à Estrada Nacional 8 – entre Torres Vedras Bombarral”.
Em 27.02.2009, as A.A. apresentaram novo articulado onde se referiu tratar-se “da petição inicial da presente acção”.
De seguida, pela M.ma Juiz “a quo” foi proferido em 25.06.2009, saneador-sentença, [rectificado por despacho de 13.07.2019], onde se decidiu que: “…a presente acção siga a forma de acção administrativa comum;
- absolver os contra-interessados da instância por as AA. os não terem demandado através da PI corrigida como RR:
- julgar procedentes as excepções de ilegitimidade passiva e de ineptidão parcial da PI para efeitos de impugnação de actos e omissões praticados pela JAE no âmbito da interpretação, validade e execução do contrato de empreitada de construção do Itinerário Complementar 1 - Variante à Estrada Nacional 8 - entre Torres Vedras e Bombarral;
- julgar procedente a presente acção e declaro a nulidade da cláusula contida na Base XLIV, nº2 do contrato de concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal, por aplicação dos artigos 286°, 292°, 204°, 424° do CC e 185°, n°3, alínea h), do CPA e em consequência declaro a ilegalidade da conduta da R, para ao abrigo dessa cláusula determinar o accionamento das garantias e seguros caução prestados pelas AA. à JAE, no âmbito do contrato de empreitada de construção do Itinerário Complementar 1 Variante à Estrada Nacional 8 - entre Torres Vedras e Bombarral”.
Inconformada com o decidido, veio a Ré interpor recurso para este Tribunal Central, tendo formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
«1. A cláusula do Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e o Estado Português, que verte a Base XLIV, n.°2, do Decreto-Lei n° 393ºA/98, de 4 de Dezembro, é válida.
2. Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, a referida cláusula não se encontra ferida de nulidade.
3. A Recorrente não foi a dona de obra do contrato de empreitada ao abrigo do qual foram prestadas as garantias em crise nestes autos, nem acompanhou a execução da obra.
4. Através da cláusula do Contrato de Concessão sub judice, a Recorrente não sucedeu na posição contratual do dono de obra dessa empreitada.
5. Pelo que não se verificou qualquer cessão da posição contratual, não tendo sido omitido o necessário consentimento do sujeito cedido.
6. A transferência das garantias sub judice consubstancia, juridicamente, uma cessão de créditos, regulada nos artigos 577° e seguintes do Código Civil.
7. Conforme dispõe o artigo 577° do mencionado Código, a cessão de créditos não carece do consentimento do devedor.
8. Assim sendo, a transferência das garantias prestadas a pedido das Recorridas não está sujeita ao preceituado no artigo 424° do Código Civil, mas ao disposto nos artigos 577° e seguintes do referido código.
9. Ao exigir o consentimento das Recorridas e das entidades emissoras das garantias, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 577° e seguintes do Código Civil, bem como o artigo 424° ao considerar aplicável o regime da cessão da posição contratual.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Excelências, se deverá julgar procedente o presente recurso e, em consequência, se deverá revogar a Sentença recorrida, apreciar o pedido de declaração de nulidade deduzido pelas Recorridas, julgando-o improcedente e absolvendo a Recorrente do pedido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

As A.A contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso sem, no entanto, apresentarem conclusões.

O DMMP junto deste tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, nada disse.

Posteriormente, a 06.01.2012, o Estado Português, representado pelo InIR – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., veio deduzir incidente de intervenção principal espontânea alegando que o seu interesse em vir aos autos decorre da repercussão que a declaração de nulidade da cláusula contida na Base XLIV, nº2, das Bases da Concessão, declarada na sentença recorrida, tem no Contrato de Concessão que celebrou com as AA., o qual foi aprovado pela RCM nº140-A/98, de 13.11.
Termina pedindo, no que ora importa, que o incidente seja apreciado antes do recurso interposto pela Ré e que seja admitida a sua intervenção nos autos, como parte principal, enquanto titular de um interesse igual ao da Ré/ora Recorrente.
Ouvidas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o incidente deduzido, estas nada disseram.
Em 09.06.2016, foi proferido despacho a admitir o Estado Português a intervier neste autos como parte principal.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Dos Factos

A Mmª Juíza «a quo» deu como provados, com interesse para a decisão do processo, os seguintes factos:

«a) As AA. são sociedades comerciais que tem por objecto a actividade de construção civil e obras públicas (acordo).
b) Em 04.11.1994 as AA. organizadas em consórcio externo, como empreiteiras, celebraram com a JAE:, enquanto dona da obra, um contrato de empreitada para a construção do itinerário complementar 1 - variante à estrada Nacional 8 - entre Torres Vedras e Bombarral, conforme doc. de fls.38a 44 destes autos e de fls.81 a 87 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido (acordo).
c) A obra em questão foi executada em 2 fases, correspondendo a primeira fase à execução dos trabalhos entre o Ponto Kilométrico 0+000 e o Ponto Kilométrico 5+000 e a 2ª fase à execução dos trabalhos entre o Ponto Kilométrico 5+500 e o Ponto Kilométrico 24+087 (acordo: cf. doc. de fl. 38 a 44 destes autos e de fls.81 a 87 dos autos cautelares).
d) No decurso da execução da empreitada de obra, as AA. foram prestando à JAE garantias bancárias e seguros caução (acordo: cf. doc. de fls. 38 a 44 destes autos e de fls. 81 a 87 dos autos cautelares).
e) As AA. prestaram à JAE a garantia bancária n°2254600267, emitida em 26.09.1994. pelo BCP, cfr. doc. de fls. 45 e de fls. 246 a 248 (acordo).
f) A A. Construtora do .............., prestou à JAE diversas garantias bancárias e seguros caução nomeadamente as seguintes:
- garantia bancária n°………………….., emitida em 26.09.1994, pelo B……, cf. doc. de fls. 45:
- garantia bancária nº…………, emitida em 24-04-1995 pelo B……, cf. doc. de fls. 47 e de fls. 246 a 248:
- garantia bancária n°……………., emitida em, 08.05.1995 pelo B…………, cf. doc. de fls. 48 e de fls. 246 a 248:
- garantia bancária n°………….., emitida cm 03.09.1996 pelo Banco …………., ora B………., cf. doc. de fls. 49 ede fls. 246 a 248:
- garantia bancária nº………….3, emitida em 21.03.1997 pelo Banco …………., ora C……….., cf. doc. de fls. 50 e de fls. 246 a 248:
- garantia bancária n°………, emitida em 21.05.1997 pelo B…….., cf. doc. de fls. 51 e de fls. 246 a 248:
- garantia bancária n°…………, emitida em 21.05.1997 pelo B………, cf. doc. de fls. 51 e de fls. 246 a 248;
- garantia bancária nº.………, emitido em 06.03.1998 pelo B……., no valor de EUR 19.951.92. cf. docs. de fls. 52 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°……………., emitido em 05.03.1996 pela ……….; doc. de fls. 53 e 54 e de fls. 246 a 248;
- Seguro caução n°…………………, emitido em 24.05.1996 pela …………….. doc. de fls. 56 e de fls. 246 a 248;
- Seguro caução n°…………., emitido em 24.06.1996 pela ……………….. doc. de fls. 57 e 58 e de fls. 246 a 248;
- Seguro caução n°………………., emitido em 06.08.1996 pela ……….. doc. de fls. 59 e 60 e de fls. 246 a 248:
- Seguro caução nº……………., emitido em 16.08.1996 pela ……….doc. de fls. 61 e 62 e de fls. 246 a 248:
- Seguro caução n°………………, emitido em 28.10.1996 pela …………... doc. de fls.63 e 64 e de fls. 246 a 248:
- Seguro caução n°……………., emitido em 20.12.1996 pela ……………., no valor de EUR 158.114,83, doc. de fls. 65 e 66 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°……………, emitido em 07.07.1997 pela ……………, no valor de EUR 19.951.92; doc. de fls. 67 e 68 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°……………….., emitido em 16.12.1998 pela ……………., doc. de fls. 69 e 70 e de fls. 246 a 248.
g) A A Bento ……………….., prestou à JAE diversas garantias bancárias e seguros caução e nomeadamente os seguintes:
- garantia Bancaria n°………. emitida em 26.09.1994 pelo ……………, (doc. de fls. 71 e de fls. 246 a 248;
- Seguro caução n°…………….., emitido em 11-10-1995 pela …………., no valor de EUR 24.939.89; cfr. doc. de fls. 72 e 73 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°………….., emitido em 09-11-1995 pela …….., no valor de EUR 74.819.68. cf. doc. de fls. 74 e 75 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n° ………….., emitido em 22-12-1995 pela ………….., no valor de EUR 149.639.37, cf. doc. de fls. 76 e 77 e de fls. 246 a 248 (acordo)
- Seguro caução n°…………., emitido em 23-05-1996 pela …………, no valor de EUR 29.927,87. cf. doc. de fls. 78 e 79 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n° ……………, emitido cm 25-06-1996 pela ……….., no valor de EUR 149.639.37, cf. doc. de fls. 80 e 81 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°…………….., emitido em 17-12-1998 pela ………………, no valor de EUR 13.860.20, cf. doc. de fls. 82 e 83 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°……………., emitido em 06-03-1998 pela ………………….., no valor de EUR 29.907.03. cf.doc. de fls. 84 e 85 e de fls. 246 a 248 (acordo).
- Seguro caução nº …………………., emitido em 27-03-1995 pela ………………., no valor de EUR 249.398,95. cf. doc. de fls. 86 e 87 e de fls. 246 a 248; (acordo);
- Seguro caução n°……………, emitido em 3-07-1998 pela …………….., no valor de EUR 19.009.15, cf., doc. de fls. 88 e 89 e de fls. 246 a 248 (acordo):
- Seguro caução n°………….., emitido em 14-08-1996 pela ………………, no valor de EUR 29.927.87, e cf. doc. de fls. 90 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução nº………………., emitido em 30-08-1996 pela …………….., no valor de EUR 199.519,16, cf. doc. de fls. 91 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°……………….., emitido em 13-09-1996 pela ………………, no valor de EUR 34.915.85, cf. doc. de fls. 92 e 93 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução na ……………., emitido em 16-10-1996 pela ... ..., no valor de EUR 24.939.89, cf. doc. de fls. 94 e 95 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução na A950041/45, emitido em 06-12-1996 pela A….. ..., no valor de EUR 99.759.58, cf. doc. de fls. 96 e 97 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n° A950041/46, emitido em 06-12-1096 pela ... ..., no valor de EUR 24.939,89, cf. doc. de fls. 98 a 99 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°A950041/63, emitido em 24-02-1997 pela ... ..., no valor de EUR 99.759.58,cf. doc. de fls. 100 e 101 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°A950041/67, emitido em 10-03-1997 pela ... ..., no valor de EUR 59.855.75, cf. doc. de fls. 102 e 103 e de fls. 246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°A950041/90, emitido em 25-07-1997 pela A…. ..., no valor de EUR 74.819.68, cf. doc. de fls. 104 e 105 e de fls.246 a 248 (acordo);
- Seguro caução n°A950041/88, emitido em 07-07-1997 pela A...., no valor de EUR 39.903.83, cf. doc. de fls. 106 e 107 e de fls. 246 a 248 (acordo).
h) Em 15.01.1998 foi lavrado o auto de recepção provisória parcial da empreitada de obra, subscrito pelos representantes do dono da obra, relativo ao troço aberto ao tráfego em 29.08.1997, ficando de fora desta recepção os troços de intervenção da Brisa, e foi declarado pela Comissão de Recepção designadamente o seguinte: «Tendo-se verificado que os trabalhos foram executados de harmonia com as prescrições do projecto que serviu de base à adjudicação, designadamente o respectivo Caderno de Encargos, pelo que se encontram em condições de serem recebidos provisoriamente, a Comissão /de Recepção da Empreitada/ é de parecer que para efeitos de garantia de trabalhos que é de três (3) anos para os trabalhos de estrada e de cinco (5) para os trabalhos de obras de arte, sejam consideradas as respectivas aberturas ao trafego e que são: Troço entre o PK 0+000 e 5+500 da Plena- Via. Ramo A do Nó 1, restabelecimentos 11.9.9A e rotunda neste restabelecimento, aberto em 12 de Setembro de 1995.
Restante troço excluindo as obras de intervenção da Brisa aberto em 29 de Agosto de 1997.78» (cf. doc. de fls. 110 e 111 dos autos e de fls. 151 e 152 dos autos cantelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
i) Esse auto foi aprovado em 18.03.1998 pelo Director de Serviços da Direcção dos Serviços de Construção da JAE (cf, doc. de fls. 110 e 111 dos autos e de fls. 151 e 152 dos autos cautelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
j) Em 22.10.1998, a A. ……………………… solicitou a JAE a vistoria para eleitos de recepção definitiva do troço entre o PK 0+000 e 5+50 da Plena Via, ramo A do Nó 1, estabelecimentos 6. 6ª. 7. 7B. 8. 9. 9ª. 10. 11 e 11 A, 11B e 11 C e rotunda, conforme doc. de fls. 112 dos autos e de fls. 153 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
k) Em 11.12.1998 a A. ……………………. solicitou a JAE a devolução e extinção das garantias bancarias e seguros caução prestadas na sequência da empreitada de obra, conforme doc. de fls. 116 dos autos e de fls.157 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
l) Em Dezembro de 1998 por contrato de concessão celebrado com o Estado Português, o R. Auto-Estradas do Atlântico tornou-se concessionária da concepção, projecto, construção, licenciamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal (acordo).
m) As bases dessa concessão foram aprovadas pelo Decreto-Lei n°393-A/98, de 04.12.
n) As AA. não foram partes e não deram a sua aceitação ou ratificaram qualquer contrato celebrado entre a JAR, agora EP. e a R. (acordo).
o) A obra construída pelas AA. para a JAE em execução do Contrato de Empreitada foi integrada, já depois de construída, nesta mesma concessão (acordo).
p) Em 10.08.1999 a Auto-Estradas Atlântico enviou ao IEP o ofício constante de fls. 256 dos autos e de fls. 434 dos autos cautelares e o relatório fotográfico de fls. 257 a 272 dos autos e de fls.437 a 450 dos autos cautelares, documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dando conhecimento ao IEP que o pavimento do lanço Torres Vedras Norte/Bombarral entre o km 54 e 57 apresentava deficiências.
q) Com data de 29.08.2000 o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) enviou às AA. o ofício de fls. 291 e 292, que aqui se dá por reproduzido, referindo que o IEP remeteu, proveniente da Auto-Estradas Atlântico, um relatório com a indicação de patologias detectadas no troço de auto-estrada construído pelas AA.
r) Em 30.08.2000 as AA solicitaram à JAE a vistoria para efeitos de recepção definitiva dos trabalhos de estrada do troço compreendido entre PK 5+500 e o final da obra, aberto ao trânsito em 29.08.97. conforme doc. de fls. 113 dos autos e de fls. 154 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
s) Com data de 05.09.2000 o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) enviou às AA. o ofício de fls. 293, que aqui se dá por reproduzido, referindo que só após a correcção das anomalias apontadas «será possível a marcação de data para a realização da vistoria para efeitos de recepção Definitiva dos trabalhos de estrada».
t) Com data de 29.09.2000 a A. Bento ……………. enviou ao ICOR o ofício de fls. 294, que aqui se dá por reproduzido.
u) Com data de 16.11.2000 o ICOR enviou às AA. o ofício de fls. 295 a 297, que aqui se dá por reproduzido, no qual conclui que o dono da obra considera a obra não recebida e entende que não há fundamento legal para a restituição das cauções.
v) Com data de 30.10.2002 as AA. enviaram ao IEP o ofício de fls, 299 a 301, que aqui se dá por reproduzido, no qual indicam os trabalhos que entendem necessários para que seja efectuada a recepção definitiva a da empreitada.
w) Em 06.06.2003 foi lavrado o auto de vistoria para a recepção definitiva da obra, conforme doc. de fls. 302 a 347, que aqui se dá por reproduzido, que indica terem-se detectado deficiências, que aponta no relatório anexo.
x) Em 18.07.2003. foi lavrado o auto de recepção definitiva das obras de arte, tendo esse auto sido subscrito por representantes da dona da obra e das empreiteiras e sido declarado designadamente o seguinte: «Depois de ter sido efectuada a vistoria aos trabalhos de Obras de Arte correntes que constituíram a empreitada acima referida, a Comissão concluiu que os mesmos não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez pelos quais deva responsabilizar-se o empreiteiro, ocorridos no respectivo prazo de garantia que decorreu até vinte e nove de Agosto de dois mil e dois, pelo que foi deliberado recebê-los», conforme doc. de fls. 114 e 115 dos autos e de fls. 155 e 156 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
y) Esse auto foi homologado em 21.07.2003 pelo Director Assessor da Administração, por delegação do Conselho de Administração do IEP, conforme doc. de fls. 155 e 156 dos autos cautelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
z) Em 01.03.2007 foi elaborado o termo de entrega constante de fls. 244 e 245 dos aulos e de fls. 277 a 278 dos autos cautelares, segundo o qual a E.P - Estradas de Portugal entregou a Auto-Estradas Atlântico todas as garantias prestadas a favor do dono da obra pelo Consórcio ………………… Construções e Construtora .............., no âmbito do Contrato de Empreitada nº 5941, garantias e seguros caução que foram listados em anexo a este termo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
aa) Com data de 26.04.2007 a Auto Estradas Atlântico enviou às ora AA. o ofício constante de fls. 108 e 109 dos autos e de fls. 149 a 150 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente o seguinte: «1. A Auto-Estradas do Atlântico - Concessões Rodoviárias de Portugal. S.A. é a entidade concessionária da auto-estrada AR, na qual se encontra integrado o Lanço Torres Vedras Bombarral, construído por V.Exa.s. no âmbito do Contrato de Empreitada.
2. O Lanço em causa padece de vários defeitos resultantes de deficiências de construção, cuja responsabilidade (nomeadamente no que respeita à respectiva reparação) recai sobre os empreiteiros da obra, ou seja, sobre as empresas que compõem o consórcio.
Apesar de V. Exa.s. terem sido interpelados, pelo respectivo dono da obra [e pelos meios próprios], para procederem à reparação dos mencionados defeitos ao abrigo do Contrato de Empreitada, a verdade é que, até à presente data, não foram cumpridas por V. Exas. as inerentes responsabilidades contratuais.
Tal facto obrigou esta Concessionária a realizar várias intervenções no Lanço em causa, necessárias para manter a integridade da infra-estrutura e as condições de segurança na circulação.
A realização de tais obras - de natureza normalmente pontual e superficial - foi imposta em virtude da omissão do cumprimento das obrigações de reparação por parte das empresas consorciadas. Nessas intervenções, já despendeu a esta Concessionária o valor de Euros 2.006. 871, 11.
E de sublinhar que as intervenções já realizadas não tiveram o propósito de solucionar todas as patologias existentes no Lanço e que são da vossa responsabilidade, e para cuja resolução será necessário realizar outros trabalhos, cujos custos não poderão deixar de ser imputados a V. Exas. e, como tal, considerados no âmbito das garantias prestadas no âmbito do Contrato de Empreitada.
3. Por imposição do nº 2 da Base XLIV da Concessão, aprovada pelo Decreto-Lei nº393-A/98, de 4 de Dezembro, todas as garantias prestadas a favor do dono da obra pelo Consórcio ………………….. S.A. Construtora do .............., S.A., e que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas no âmbito do Contrato de Empreitada, devem ser transferidas para a Concessionária por forca da integração do referido Lanço no objecto da Concessão.
Ao abrigo da mencionada disposição legal, recebeu esta Concessionária um conjunto de Garantias bancárias Seguros Caução (as "Garantias") prestadas pelos membros do Consórcio no âmbito do Contrato de Empreitada, e que ainda se encontram em vigor.
Em virtude do supra exposto, vimos pela presente informar que, não nos sendo apresentada por V Exas., no prazo de 8 dias a contar da presente, uma solução satisfatória para resolver, de forma consensual, os problemas acima descritos iremos proceder ao accionamento das Garantias como forma de esta Concessionária ser ressarcida dos montantes despendidos nas obras efectuadas no Lanço Torres Vedras / Bombarral».
bb) Em 07.05.2007 as ora AA. enviaram à Auto-Estradas do Atlântico a carta constante de fls. 250 dos autos e de fls. 428 dos autos cautelares, que aqui se da por integralmente reproduzida, na qual responde ao ofício de 26.04.2007, acima referido.
cc) Até 27.08.2007, data da entrada em juízo da PI. a JAE não resumiu às AA as mencionadas garantias bancárias e seguros caução ou promoveu a sua extinção (acordo: cf. PI de fls.1).
dd) Lm 09,08.2007 a EP. Estradas de Portugal enviou às ora AA. o ofício constante de fls. 252 dos autos e de fls. 430 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual informa as AA. designadamente que as garantias e seguros caução foram transferidos para a concessionária Auto-Estradas do Atlântico.
ee) Em 30.08.2007 a EP. Estradas de Portugal enviou às ora R. o ofício constante de fls. 254 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual informa designadamente que a obra nunca foi recebida definitivamente e que dentro do prazo de garantia as AA. foram informadas dos defeitos da construção.»
*

2.2. – Motivação de Direito

Atentas as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, cabe determinar se a sentença padece de erro de julgamento sobre:
(i)- A nulidade da cláusula do Código Civil ínsita na Base XLIX, nº2, do DL nº 393-A/98, de 4.12- conclusões 1ª e 2ª;
(ii)- A cessão da posição contratual – conclusões 3ª a 5ª; e
(iii)- A transferência de garantias – conclusões 6ª a 9ª.
Vejamos.
Para julgar procedente a acção na parte recorrida-que é a de declaração da nulidade da cláusula contida na Base XLIV, nº2, do contrato de concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal, por aplicação dos artigos 286°, 292°, 204°, 424° do CC e 185°, n°3, alínea h), do CPA e a consequente declaração da ilegalidade da conduta da R, para ao abrigo dessa cláusula determinar o accionamento das garantias e seguros caução prestados pelas AA. à JAE, no âmbito do contrato de empreitada de construção do Itinerário Complementar 1 Variante à Estrada Nacional 8 - entre Torres Vedras e Bombarral.
Quid juris?
Vê-se da fundamentação adoptada pelo Mº Juiz de 1ª Instância que nela começa por identificar a causa de pedir e o pedido em decorrência do aperfeiçoamento feito pelas AA.e fazendo-o, enuncia- a nosso ver, bem- que a primeira questão a resolver era a de saber se a R. - Auto-Estradas Atlântico tinha «fundamento para accionar as diversas garantias bancárias e seguros caução» ou se a sua interpelação pode produzir efeitos jurídicos.
Resulta de tal enunciação, cristalinamente, que o que está em causa fundamentalmente é a aferição da natureza das garantias prestadas no âmbito do contrato de empreitada e do seu regime jurídico e verificar se as mesmas poderiam ter sido transmitidas a R. na qualidade de concessionária de obra pública, assim delas podendo beneficiar directamente.
No contexto assim precisado, decorre do probatório que as AA. prestaram as garantias bancárias e seguros caução no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas que celebraram com a JAE.
E é incontrovertível que por causa da celebração desse contrato e da sua execução, as mencionadas garantias e seguros mantiveram-se na posse da JAE, que as transmitiu, depois, à Auto Estradas do Atlântico, por o Estado Português haver concessionado a esta última empresa a exploração do lanço de auto-estrada no itinerário complementar 1 Variante a Estrada Nacional 8 entre Torres Vedras e Bombarral, construído pelas AA.
É também pacífico que, conforme reconhecido pelas próprias AA., é na qualidade de concessionária da obra que a Auto Estradas do Atlântico requereu o accionamento das garantias.
Perante esta factualidade, o Mº Juiz procedeu ao enquadramento legal que a situação reclamava, concretamente, chamou à colação o disposto no artigo 100° do Decreto-Lei n.°235/86, de 18.08, do qual flui com clareza e segurança que as cauções prestadas pelos empreiteiros aos donos de obras públicas, (in casu as já nomeadas garantias e seguros-caução prestadas pelas AA. à JAE), têm a função de fiança, visam o exacto e pontual cumprimento das obrigações que assumem com a celebração do contrato de empreitada.
Para reforçar essa conclusão, faremos um breve excurso sobre a conceituação desse tipo de garantias.
Começando precisamente pelo seguro caução, diremos que esta espécie de seguro cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval.
Já a caução é o meio pelo qual se assegura ou garante o cumprimento duma obrigação – J. A. Reis, CPC Anotado, 2º-141.
Esta palavra designa as garantias que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, são impostas ou autorizadas para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada – Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed.-612.
Por sua vez, a fiança – que é nuclear na análise da questão que nos ocupa - é a garantia especial pela qual uma pessoa assegura o cumprimento duma obrigação, de que não é realmente sujeito passivo, ficando responsável pelo devedor se a obrigação não for cumprida. –vide Paulo Cunha, Garantia das Obrigações, 2º-36.
Traduz-se, pois, no facto de um terceiro garantir com todo o seu património o cumprimento da obrigação, constituindo desta maneira uma obrigação acessória da contraída pelo devedor. Nesse sentido, ver Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., 1º, 342.
Em suma e segundo o já longínquo Acórdão do STJ de 11-2-88, in BMJ, 374 a 455, a fiança é a garantia das obrigações, pela qual terceiro assegura a satisfação dum direito de crédito. Ela tem carácter de obrigação acessória, resulta da vontade do fiador e constitui-se sempre por negócio jurídico.
Por fim e em reforço do acabado de concluir, evocamos a figura jurídica do aval.
Este é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título de crédito que titula determinada dívida garante, por algum dos co- obrigados nesse título, o pagamento das obrigações que nele se incorpora (cfr. Paulo Cunha, Garantia das Obrigações, 2º-85).
Com melhor esclarece Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed.-614, nota 1, esta figura anda ligada a certos títulos de crédito – v.g. letras, livranças. Consiste numa declaração escrita no próprio título em que uma pessoa (avalista) garante, por um dos subscritores que expressa ou tacitamente se indica, o pagamento, total ou parcial, da obrigação pecuniária naquele incorporada.
Diga-se, por pertinente e esclarecedor, que o “aval do Estado” como medida de fomento, é normalmente entendido como obrigação (garantia) assumida pelo Estado, perante um financiador, de cumprir todas as obrigações pecuniárias emergentes do contrato de financiamento, caso a empresa financiada (avalizada) não as venha a cumprir. Trata-se, portanto, de um instituto destinado a facilitar as operações de crédito interno e externo e daí o seu carácter de medida de fomento- nesse sentido, veja-se Manuel Afonso Vaz, Direito Económico, ed. De 1984-149.
Posto isto e volvendo ao caso dos autos, como bem se assinala na sentença em face da pretensão das AA, importava determinar se era lícito à JAE, o dono da obra, transmitir a um terceiro - no caso a Auto-Estradas Atlântico- aquelas garantias e seguros-caução e esta poderá accioná-las.
E a resposta dada pelo julgador é exímia: do teor das garantias e seguros-caução prestadas e da aplicação conjugada dos artigos 424° e ss. do CC e 9°, n.°3. do Decreto-Lei n° 183/88, de 24.05, retira-se que não estava vedado à JAE, que nos contratos acima referidos assume a posição de segurado, transmitir a sua posição contratual a terceiro, designadamente à Auto-Estradas do Atlântico, transmitindo-lhe os direitos que detinha por força dos contratos celebrados.
Mas com um quid: uma vez que a relação que se estabelece nesses contratos é manifestamente, uma relação tripartida, por força dos artigos 424º e ss,. 595° do CC. as contrapartes tinham de consentir naquela transmissão, o que não ficou provado que tivesse ocorrido no caso vertente. Quer as AA. quer as correspondentes seguradoras teriam de intervir no negócio celebrado entre a JAE e a R. ratificando o contrato translativo ou intervindo directamente nesse contrato, Mais se diga, que mesmo que se concluísse pela validade da cessão da posição contratual, ainda assim, a R. só poderia accionar as garantias e seguros, nos termos do artigo 100° do Decreto-Lei n° 235/86, de 18.08, ou seja, só poderia recorrer às garantias «nos casos em que o empreiteiro não pugne nem conteste no prazo legal as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais liquidas e certas». Mesmo neste caso quer a Auto-Estradas Atlântico, quer as AA. manter-se-iam vinculadas ao regime imposto e previsto pelo Decreto-Lei nº235/86, de 18.08. regime ao abrigo do qual foram prestadas as garantias.
E essa conclusão a que assertivamente chegou o julgador está respaldada em abundante e autorizada jurisprudência e na melhor doutrina, que seguramente aponta para que é a necessidade de acautelar as obrigações que se estabeleceram entre as AA. e a JAE, através do contrato de empreitada que celebraram, as obrigações que se estabeleceram entre as AA. e as seguradoras e as obrigações que se estabeleceram entre as seguradoras e o dono da obra, autónomas daquele contrato, mas com ele relacionadas, por ser ao seu abrigo que foram estabelecidas estas últimas obrigações, que se impõe que na cessão da posição contratual haja a intervenção de todos os obrigados (sublinhado nosso).
Eis a jurisprudência e a doutrina citadas na sentença e que se sufraga inteiramente:
-jurisprudência:- Acs. do STJ n.° 99B777. de 20.01.2000: n.º 66376. de 03.03.1977: n.°98b883. de 05.11.1998: 03ª2079, de 01.07.2003: Ac. STA nº 560/08. de 25.03.2009: Ac. da RP n.° 652133. de 05.06.2006: Ac. RC n.°1622/2005-8. de 02.06.2005. todos in http//www.dgsi.pt:;
-doutrina: Pedro Romano Martinez. Direito dos Seguros. Apontamentos. Editora Principia, Cascais, 2006. pág. 99 e do mesmo autor e de Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento. Livraria Almedina, Coimbra. 4° edição, pág. 72 a74: José Vasques. Contrato de Seguro. Coimbra editora. Coimbra. 1999, págs. 72, 120 e 279;Carlos Alberto Mola Pinto, Cessão da Posição Contratual, págs 472 e ss.).
O artigo 424° dá-nos a noção e estabelece os requisitos a que obedece a cessão da posição contratual, dispondo:
“1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem
a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição' contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
2.Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.”
Assim e na senda de Raul Ventura, Cessão de Quotas, 12 a 17, a cessão não é um acto abstracto, nem um acto com causa genérica. Cada cessão integra-se num contrato translativo típico
Com a expressão «prestações recíprocas», o legislador pretendeu resolver o problema de saber se existe possibilidade de cessão de posição contratual, quando essa posição resulte de um contrato unilateral e resolveu-o negativamente. Para que haja cessão da posição contratual é necessário que derivem créditos e dívidas para ambas as partes
A cessão da posição contratual é, pois, um negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (vide A. Varela, Das Obrigações, 2.ª ed., 2.°-347; 3.a ed., 2.°-351).
Numa outra formulação, a cessão da posição contratual — é a faculdade concedida a qualquer dos contraentes— cedente—, em contratos com prestações recíprocas de transmitir a sua inteira posição contratual, isto é, o complexo unitário constituído pelos créditos e dívidas que para ele resultaram do contrato, a um terceiro — cessionário — desde que o outro contraente — o cedido — consinta na transmissão (cfr. Almeida Costa, Dir. Obrigações, 3ª ed.-578;4.ª ed.-571).
É a transmissão a um terceiro do acervo de direitos e deveres que, para uma parte, emergem de determinado contrato. A parte que transmite a sua posição diz-se cedente, a outra parte, cedida; e o terceiro, cessionário. (Menezes Cordeiro, Dir. Obrigações, 1980, 2ª-121)
Em suma: a figura da cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes, em qualquer Contrato bilateral ou sinalagmático — contrato com prestações recíprocas — transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse, contrato
Sucede que na sentença recorrida se convocou o regime do artº 595º do Código Civil por força do qual, sinteticamente, a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem, operando desta forma uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.
No caso, releva também a interpretação da norma do art.º 595.° do Código Civil, que a sentença considera ser aplicável aos factos dados como provados nos autos, quanto à transmissão de dívida, relativamente aos respectivos pressupostos necessários para que a mesma possa ter lugar e desta forma liberar o primitivo devedor.
É a seguinte a redacção de tal artigo, com que se inicia a Secção III, Transmissão singular de dívidas, tendo por epígrafe, (Assunção de dívida):
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor;
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Ora, como imana da sentença recorrida, não foi efectuada a transmissão da dívida nos termos do art.º 595.° do Código Civil, sendo certo que uma eventual ratificação do contrato entre antigo e novo devedor poderia não ser expressa, mas teria que traduzir por parte do credor um assentimento implícito de tal negócio, como por ex. aceitando juros do novo devedor (Cfr. neste sentido, Código Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, pág. 580, nota 1).
Só que, em caso de ratificação não expressa, por força do n.°2 do citado artigo 595.°, o primitivo devedor não ficava desonerado perante o credor, por sempre se exigir declaração expressa nesse sentido por banda deste, cuja norma é imperativa quanto a este requisito. Declaração expressa do credor, que bem se compreende tenha de existir, já que o primitivo devedor deixa de ser obrigado pelo cumprimento da prestação perante o credor.
Postos estes considerandos à guisa de enquadramento e em reforço do exímio discurso fundamentador da sentença, porque as AA. e as seguradoras não tiveram intervenção na cessão da posição contratual, tal contrato é inválido e nulo, nos termos dos artigos 286º. 292°. 294°. 424° do CC e 185°. n.°1 alínea b), do CPA, na parte correspondente à Base XLIV, n° 2, do contrato de concessão, referido nos artigos l ) e m) dos factos provados.
E, em nosso critério secundando o expresso na sentença, a forma de lei, designadamente o facto de as bases da concessão estarem aprovadas pelo Decreto-Lei n.°393ºA/98, de 04.12. não afasta a obrigação do Estado de respeitar as normas de direito civil que enquadram o direito das obrigações, não se apresentado a Base XLIV, n.°2, como uma estatuição geral e abstracta, mas antes como um comando individual e concreto já que ali se determina que as garantias prestadas pelas AA. no âmbito de um dado contrato de empreitada deverão ser transferidas para a R., o que vale por dizer que aquela norma configura um contrato administrativo com objecto passível de um contrato de cessão da posição contratual, contrato privado.
Do que ficou dito, resulta que não estamos em presença de um contrato administrativo, pelo qual a JAE tenha transmitido a sua posição à R. ou sequer um acto administrativo mas, tão simplesmente, perante uma mera declaração negocial, sendo indevida, pois, a invocação, porque inexiste acto administrativo, da violação do artigo 133. n° 2, al. c), do CPA, cuja violação é inverosímil
Conclui-se, pois, que a sentença não incorreu nos erros de julgamento que lhe são imputados no presente recurso e supra elencados dado que a cláusula do Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e o Estado Português, que verte a Base XLIV, n.°2, do Decreto-Lei n° 393ºA/98, de 4 de Dezembro, não é válida conforme o entendimento do Tribunal a quo, que reputa aquela cláusula está ferida de nulidade.
Essa conclusão contraria frontalmente a tese da Recorrente que sustenta que não se verificou qualquer cessão da posição contratual, não tendo sido omitido o necessário consentimento do sujeito cedido, porquanto a transferência das garantias sub judice consubstancia, juridicamente, uma cessão de créditos, regulada nos artigos 577° e seguintes do Código Civil, a qual não carece do consentimento do devedor, não estando a transferência das garantias prestadas a pedido das Recorridas sujeita ao preceituado no artigo 424° do Código Civil, mas ao disposto nos artigos 577° e seguintes do referido código.
Conclui, por isso, a Recorrente, secundada pelo Estado Português, representado pelo InIR – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., que ao exigir o consentimento das Recorridas e das entidades emissoras das garantias, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 577° e seguintes do Código Civil, bem como o artigo 424° ao considerar aplicável o regime da cessão da posição contratual.
Analisemos melhor essa argumentação por forma a demonstrar a sua invalidade atentos os contornos da situação fáctico-jurídica já ex abundantis explanada.
Na verdade, a cessão de créditos é um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito.
Assim, a cessão de créditos verifica-se quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Ocorre, por isso, uma substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo – cfr. Almeida Costa, Dir. Obrigações, 4ª ed., pág. 554.
A propósito, escrevem os professores Antunes Varela e Pires de Lima, a seguinte passagem do seu Código Civil Anotado, volume l, pág. 413:
«É de notar que esta disposição (a do n.º 1 do artigo 578.º) apenas visa os efeitos entre as partes. Quanto ao devedor, são outros os princípios legais (cfr. art.º 583.º)».
Tal afirmação pode incutir a ideia errada de que os efeitos concretos de uma cessão de créditos serão unicamente oponíveis ao cedente e ao cessionário, o que equivale a negar a eficácia externa na medida em que tais efeitos resultariam oponíveis ao devedor, estando este sujeito «a outros princípios legais».
Todavia, o n.º 1 do artigo 578.º tem de conjugar-se com o disposto no artigo 583.º. E, assim, negociada uma cessão de créditos entre as respectivas partes, os seus efeitos serão, desde logo, unicamente oponíveis ao cedente e ao cessionário. O contrato de cessão é imediatamente eficaz entre ambos, solução cuja consagração já remonta ao Código de 1867 que no seu artigo 789.º rezava: «Pelo que respeita ao cedente, o direito cedido passa ao cessionário pelo facto do contrato; mas em relação ao devedor ou a terceiro, a cessão só pode produzir efeito desde que foi notificada ao devedor, ou por outro modo levada ao seu conhecimento, contando que o fosse por forma autêntica».
Assim estabelecida a nível dos efeitos do negócio (relativamente ao cedente -cessionário, por força do contrato; relativamente ao devedor, por facto da notificação ou equivalente), esta cisão constitui uma dualidade de regimes.
O professor Antunes Varela in Das obrigações em geral 2.ª edição, volume II, págs. 268 e seguintes, demonstra, porém, que o contrato de cessão é de eficácia translativa imediata (independente da notificação do devedor) nas relações entre as partes, mas tem eficácia diferida para o momento da notificação enquanto concerne à oponibilidade ao devedor (nº 1 do artigo 583.º).
Deste enquadramento decorre, pois, que, contra a ideia apoiada na literalidade do nº 1 do artigo 578.º, a cessão de créditos não produz apenas «efeitos entre as partes».
Ainda sobre a eficácia externa da cessão de créditos, adite-se que a generalidade dos autores, de que se destaca Ennecerus, Derecho de Obligaciones, I, pág. 377, afirma a sua natureza obrigacional e convergem no entendimento de que esta figura não constitui um contrato típico.
Mas já é duvidoso que a cessão de créditos seja um negócio jurídico abstracto, já que do n.º 1 do artigo 578.º, que vimos citando, decorre que o tipo de contrato de cessão de créditos é, variavelmente, o tipo concreto que pertença ao negócio jurídico que o preenche.
Ou seja, o negócio jurídico é abstracto enquanto nele se faz abstracção da causa, a qual aparece substituída pela forma pelo que, pela aparência do negócio -base se vê que a sua causa poderá variar e diferenciar-se qualitativamente. É assim que a cessão de créditos poderá ter uma causa adquirendi, uma causa donandi, uma causa solvendi, uma cause credendi. E a ligação entre a causa concreta e a cessão (que através dela se funcionaliza) é de tal ordem incindível que lhe resulta inaplicável o velho princípio das Institutas e do Digesto, segundo o qual causa falsa non nocet -Cfr. Institutas: 2, 20, 31. Digesto: 35 1, 17, 2. Cfr: no Diccionario de derecho romano, de Guttierrez Alviz, 1948, pág. 86.
E isso tem enorme relevância quanto à eficácia externa, já que o devedor pode opor ao cessionário (ao tempo da verificação do vício, um terceiro, relativamente, ao crédito) todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, naturalmente com a ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (artigo 585.º do Código Civil).
A cessão de créditos, pode, com a sua causa variável, concretizar-se numa compra e venda (artigo 874 º do Código Civil), numa doação (artigo 940.ºn.º 1), na datio (aliás cessio) in solutum (artigo 837.º), na datio (cessio) pro solvendum (artigo 840.º), na constituição de um novo direito de crédito através do penhor de direitos (artigo 679.º).
A essa luz, a validade da cessão depende da verificação e um cúmulo de requisitos: - o somatório daqueles que, por força do n.º 1 do artigo 578.º, variam consoante o tipo de negócio que lhe serve de base, com aqueles outros que são comuns a todos os contratos de cessão, varie neles como variar, a causa em concreto.
Como ensina o professor Almeida Costa, Direito das obrigações, 3.ª edição, 1979, pág. 561, «Devemos considerar os efeitos da cessão de créditos sob um tríplice ponto de vista: as relações entre o cedente e o cessionário, entre este e o devedor cedido, e entre os participantes na cessão e terceiros».
No nº56 do 2º volume das suas Instituições, Guilherme Moreira expendia que «Para se determinarem os efeitos que derivam da cessão, é necessário verificar se o devedor foi notificado ou dela tem conhecimento».
E depois de analisar os efeitos que derivam da cessão antes da notificação, escreve aquele doutrinador:
«Pelo que respeita aos efeitos da cessão posteriores à sua notificação ao devedor, esses efeitos dão-se entre o cedente e o devedor cedido, entre este e o cessionário, e entre o cessionário e terceiros. Quanto às relações entre o cedente e o devedor, este, pela notificação, fica obrigado só para com o cessionário, perdendo o cedente a qualidade de credor. Não pode portanto o devedor cedido pagar ao cedente, embora este lhe exija o pagamento (artigos 789.º e 791.º)».
Anote-se que, não obstante estes preceitos serem do Código de 1867, a sua doutrina corresponde à actual, decorrente dos artigos 577.º e 583.º do Código de 1966.
Ora, o facto da transmutação de posições é extremamente importante nos efeitos da cessão, já que o credor perde a qualidade de credor ao mesmo tempo que ganha a de terceiro. Dito de outro modo: estamos perante a despersonalização do crédito, que vem traduzida no n.º 1 do artigo 577.º do nosso Código Civil e que mostra como a acção do cessionário, um terceiro (relativamente ao crédito) pode interferir na esfera patrimonial do devedor, por sua vez também um terceiro (relativamente à cessão).
Há, todavia e com relevo para o caso dos autos, que aludir à eficácia externa da cessão de créditos quanto à transmissão de garantias e outros acessórios.
Resulta do artigo 582.º do Código Civil, que é uma manifestação do princípio accessorium, que na falta de convenção em contrário, a cessão de créditos importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (n.º1 do preceito citado); e acrescenta o nº 2 que a coisa empenhada que estiver na posse do cedente será entregue ao cessionário, mas não a que estiver na posse de terceiro.
Sob esse prisma, pode afirmar-se que a cessão de créditos pode ter por objecto créditos presentes (já vencidos a prazo, ainda por vencer; condicionais, etc.) e também créditos futuros (artº 211º do CC), desde que determináveis (vd. A. Varela, Obrigações, 2º.274).
Ora, «in casu», a sentença recorrida baseou a sua decisão de afastar a cessão de créditos no facto de estarmos perante a despersonalização do crédito, sendo certo que na cessão de créditos sustentada pela Recorrente e pelo interveniente Estado, ocorre a eficácia translativa imediata da questionada cessão (independentemente da notificação ao devedor), nas relações entre as partes, e afastando, portanto, a tese da eficácia translativa diferida quer em relação ao devedor e a terceiros, quer em relação às próprias partes, o que significa que só depois da aceitação, que não ocorreu no caso concreto, o cessionário será, para todos os efeitos o credor.
Ora, como se viu supra, o Mº Juiz procedeu ao enquadramento legal chamando à colação o disposto no artigo 100° do Decreto-Lei n.°235/86, de 18.08, do qual decorre que as cauções prestadas pelos empreiteiros aos donos de obras públicas, (in casu as já nomeadas garantias e seguros-caução prestadas pelas AA. à JAE), têm a função de fiança, visam o exacto e pontual cumprimento das obrigações que assumem com a celebração do contrato de empreitada.
Assim e como também se afirma na sentença, do teor das garantias e seguros-caução prestadas e da aplicação conjugada dos artigos 424° e ss. do CC e 9°, n.°3. do Decreto-Lei n° 183/88, de 24.05, retira-se que não estava vedado à JAE, que nos contratos acima referidos assume a posição de segurado, transmitir a sua posição contratual a terceiro, designadamente à Auto-Estradas do Atlântico, transmitindo-lhe os direitos que detinha por força dos contratos celebrados.
Mas com um limite: uma vez que a relação que se estabelece nesses contratos é manifestamente, uma relação tripartida, por força dos artigos 424º e ss,. 595° do CC. as contrapartes tinham de consentir naquela transmissão, o que não ficou provado que tivesse ocorrido no caso vertente.
Donde que, quer as AA. quer as correspondentes seguradoras teriam de intervir no negócio celebrado entre a JAE e a R. ratificando o contrato translativo ou intervindo directamente nesse contrato.
E ainda que se concluísse pela validade da cessão da posição contratual, a R. só poderia accionar as garantias e seguros, nos termos do artigo 100° do Decreto-Lei n° 235/86, de 18.08, ou seja, só poderia recorrer às garantias «nos casos em que o empreiteiro não pugne nem conteste no prazo legal as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais liquidas e certas». E mesmo neste caso quer a Auto-Estradas Atlântico, quer as AA. manter-se-iam vinculadas ao regime imposto e previsto pelo Decreto-Lei nº235/86, de 18.08. regime ao abrigo do qual foram prestadas as garantias.
Não é configurável por todas as razões expostas, a figura da cessão de créditos como pretende a Ré e o próprio Estado conforme declaração prestada no requerimento de intervenção.
Conseguintemente, improcedem todas as conclusões de recurso, a impor a manutenção do julgado da 1ª instância na ordem jurídica por nele se ter decidido correctamente a matéria de facto e operado a sua adequada subsunção jurídica.

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3 - DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença

Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa,01-06-2017
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Pedro Marchão)