Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1585/10.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR ATRASO DA JUSTIÇA E POR FACTO ILÍCITO;
PRESCRIÇÃO; OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I.Ocorre o fundamento de nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ao decidir-se no despacho-saneador relegar-se o conhecimento da exceção peremptória de prescrição para final e a sentença não ter conhecido dessa questão.
II.Releva como facto relevante para a determinação do início do cômputo do prazo de prescrição do direito à indemnização fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, a data do trânsito em julgado da decisão judicial.
III. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de processo-crime por dez anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.
IV. O quantum da indemnização deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a intensidade dos danos na esfera jurídica do Autor, pelo que, estando em causa a constituição como arguido em processo crime, que durou dez anos, de que veio a resultar a sua absolvição, não obstante se reputar como atraso do funcionamento da justiça o período de sete anos, por se reputar de três anos o período adequado à tramitação e decisão da causa, afigura-se adequado fixar o montante de indemnização em € 10.000,00.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Estado português, representado pelo Ministério Público, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 28/11/2014, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária instaurada por ....., julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu, Estado português, a pagar ao Autor a título de indemnização, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

O Autor, Recorrente, igualmente não se conformando com a sentença proferida, veio igualmente interpor recurso jurisdicional.

Em consequência do recurso interposto pelo Autor, o Réu, Estado português veio interpor recurso subordinado.


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Formula o aqui Recorrente, Estado português, representado pelo Ministério Público, nas respetivas alegações do recurso principal (cfr. fls. 788 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. É sabido que a responsabilidade pela demora de decisão em prazo razoável não dispensa a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos.

2. A ilicitude, segundo a sentença recorrida, residiu, tão só, na circunstância objectiva da demora no atraso de decisão, de cerca de 10 anos, e baseou-se na ilicitude objectiva consubstanciada no “defeituoso funcionamento do serviço da justiça”.

3. Enquanto, se deu como provada a culpa como efeito directo e imediato, ou, como presunção derivada da ilicitude do acto do atraso na decisão.

4. A culpa do serviço, abarca a culpa colectiva, atribuível a um deficiente funcionamento do serviço, e a culpa anónima, resultante de um concreto comportamento de um agente cuja autoria não foi possível determinar.

5. Porém, a culpa de serviço funciona residualmente quando não seja possível descobrir os verdadeiros autores do facto/omissão, “por se tratar de um facto anónimo e colectivo de uma administração em geral mal gerida”, e não existindo presunção geral, deveria a sentença sustentar-se em concretos factos necessários para a materializar, maxime, que fossem susceptíveis de consubstanciar qualquer das modalidades acima referidas e que excluíssem a culpa pessoal determinável.

6. Ora, nem o A alegou nem a sentença refere facto algum, real, preciso e específico susceptível de fundamentar a concreta culpa na demora da conclusão do Inquérito, ou seja, de revelar a modalidade dessa culpa se anónima, colectiva ou pessoal mas identificável.

7. Sendo que, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa

8. E quanto aos danos, foi contabilizado como atraso todo o tempo de pendência do processo respectivo, havendo, por isso, de descontar o prazo normal e adequado que demoraria a ultimar um tal processo.

9. Como há que tomar em consideração outros actos lesivos ou outras causas, maxime, ligadas à exclusão do A. do Curso Superior de Guerra e a decisões proferidas em processo disciplinar e processo-crime, idóneas, para, de per si, originarem os invocados danos morais.

10. Pelo que, ao não ser afastada a ilicitude e culpa, deverá o montante dos danos ser substancialmente reduzido.

11. Ao não decidir de tal forma fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do preceituado, mormente, dos art.s 2º, 4º e 6º do DL nº 48051, de 21/11, 7º, 9º e 10º da Lei nº 67/2007, de 31/12 e 342º, 483º, 487º e 494º do Cod. Civil, pelo que deverá a mesma ser revogada e proferida outra que julgue, também nesta parte, a acção improcedente ou que reduza o montante indemnizatório fixado na sentença, pelo menos para metade.”.


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O Autor, ....., ora Recorrente, nas suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

A – Vem o presente recurso interposto da douta sentença, proferida em 28.11.2014, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu/Recorrido a pagar ao Recorrente a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento;

B – Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não efectuou correcta apreensão, valoração, enquadramento e ponderação da prova documental e testemunhal constante dos autos, com consequências na resposta à matéria de facto e inerente erro de julgamento.

Impugnação da Matéria de Facto:

C – O Recorrente impugna a decisão da Mmª Juiz “a quo” em considerar Não Provados os factos 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 que, no entender do Recorrente, deveriam ter sido considerados por provados, com a fundamentação constante das presentes Alegações;

D – No que se refere ao Facto 2, dos Factos Não Provados, a testemunha ..... - Instrutor e Escrivão, do processo de inquérito subsequente à inspecção –em sede de produção antecipada de prova, afirmou que a inspecção ao campo de tiro de Alcochete visava, fundamentalmente, o tenente-coronel ….. e não o coronel……., ora Recorrente.

Mais afirmou, no mesmo depoimento, que a recusa do Recorrente em aceitar a imputação exclusiva das responsabilidades ao seu subordinado, 2º comandante, em obediência aos princípios aprendidos e transmitidos na Academia Militar, assumindo ele próprio essas responsabilidades e acusações, até à demonstração que aquele tivesse agido à sua revelia (dep. prestado em sede de produção antecipada de prova, em 06.04.2014 – 56m58s a 58m23s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal).

A testemunha……., também a este propósito, afirmou que a inspecção inopinada que despoletou todo o processo o visava a ele próprio e não Recorrente, porque o sucessor deste no comando do Campo de Tiro, o coronel……., tinha contra ele depoente questões pessoais decorrentes do facto de, no tempo da guerra colonial, ter sido colocado em Nacala, Moçambique, por proposta dele testemunha.

Reafirmando que a inspecção em causa tinha sido determinada para o atingir a ele depoente, corroborou o depoimento da testemunha …… quanto às razões da “propagação” das consequências dos efeitos da inspecção ao Recorrente, esclarecendo que este se recusou a aceitar a imputação das acusações aos seu subordinado (ele depoente), uma vez que se trata de um militar íntegro e disciplinado, que não poderia aceitar que o sub-comandante fosse acusado de situações e de acções que já constavam do seu relatório de posse e que eram do conhecimento do Estado Maior da Força Aérea (Dep. prestado em sede de produção antecipada de prova, em 06.04.2014 –1h45m17s a 1h57m50s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal).

Em abono da conclusão manifestada pelas testemunhas supra mencionadas está o facto de, como se provou, o Recorrente ter sido nomeado para a frequência do curso Superior de Guerra Aérea, já após a realização da inspecção à sua acção de comando (136, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB) e de, em “vésperas” do início do mesmo, ter sido desnomeado (YY dos factos provados).

Efectivamente, à luz das regras da experiência comum, sendo conhecidas do Estado Maior da Força Aérea as conclusões do relatório de inspecção, o Recorrente jamais teria sido nomeado para o curso, caso as mesmas lhe fossem imputadas, num primeiro momento, facto que demonstra a sustentabilidade, fundamento e veracidade da tese defendida por este.

Consequentemente, dos depoimentos prestados, conjugados com os sobreditos factos dados por provados, deve a factualidade em causa ser considerada como provada.

E – No que tange aos facto 4 e 5 dos Factos Não Provados, o que o Recorrente pretendeu comprovar foi a omissão, por parte das entidades que tutelavam o Campo de Tiro de Alcochete, de um conjunto alargado de factos, fundamentados em documentos, práticas e procedimentos vigentes, com o intuito de imputar aos então arguidos acusações que bem sabiam, como não podia deixar de ser, carecerem de completo fundamento, não fosse essa deliberada omissão.

Como já se afirmou, o que esteve em causa foi manipulação e omissão de factos e documentos, cuja existência os ordenantes da inspecção não podiam deixar de conhecer.

Desde logo, grande parte das acusações imputadas ao Recorrente decorrem da completa omissão da existência e do teor do seu Relatório de Tomada de Posse, datado de 14.07.1992, do conhecimento do Estado Maior da Força Aérea e onde se destacam as principais linhas de orientação da futura acção de comando, com expressas preocupações na área da prevenção e combate a incêndios e com a aquisição meios para o efeito, com a segurança da unidade, com a rede de energia, que apresentava frequentes variações de tensão, com a necessidade de reparação dos arruamentos e caminhos existentes na unidade, face ao elevado estado de degradação de alguns deles, como viria a ficar evidenciado no julgamento do processo-crime.

Na questão específica da denominada “saibreira”, o Instrutor do processo de inquérito subsequente à inspecção (Sr. General……) omitiu, de forma flagrante e grosseira o Relatório da Direcção de Infra-estrutura, de 29.09.1995 - de cuja necessidade tinha feito eco o próprio inspector (pag. 35 do relatório de inspecção) e que avalia a disparidade entre o material “saibro” cedido e o custo da realização da carreira de tiro, relatório esse que demonstra as manifestas vantagens financeiras da opção então tomada pelo ora Recorrente.

Mais se omitiu o teor do relativo ao incêndio de 08.07.1992 (102, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB), onde se apontavam falhas nos meios de combate a incêndio, designadamente a falta de viaturas para esse fim.

Omitiu-se, também, um rol extenso de factos, cujo desconhecimento não pode ser invocado ou levado em consideração, factos esses que sustentavam, de forma irrefutável, as boas práticas seguidas pelo Recorrente, na execução da sua acção de comendo, a saber:

Omitiram a existência de um Parecer Favorável para a venda do rebanho ao Engº….. , por parte da Comissão de Análise criada para o efeito (119, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB) e que parte deste negócio permitiria manter um efectivo de ovelhas e receber o respectivo subsídio (120, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB);

Omitiram a verdadeira razão da cedência das pastagens, do ovil e da casa do pastor, que permitia o efectivo referido na alínea anterior (124, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB);

Omitiram todos os factos que se relacionavam com a necessidade de resolução das questões contratuais relativas ao pessoal civil da unidade, com a necessidade de proceder à sua desvinculação e, muito especialmente, da necessidade de venda do rebanho, para resolução da situação laboral do pastor (121, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB);

Omitiram, de forma cínica e provocatória, a realização de almoços e recepções oficiais no CT, efectuadas na herdade da “……..”, bem como de eventos de caça e provas desportivas, com convidados, imputando o consumo de gasóleo ao arrendatário (112, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB), quando bem sabiam que parte significativa do mesmo era realizada no interesse da unidade e mesmo de interesses particulares, que se aboletam à custa do erário público;

Omitiram a existência de auditoria / certificação da contabilidade do CT, pelo Tribunal de Contas, com os naturais reflexos no conhecimento da forma de pagamento encontrada para pagar os salários dos trabalhadores civis do CT, através de facturação de serviços por parte da ........ imputando, ao invés, o recebimento dessas verbas aos então arguidos, em proveito próprio.

F – Tais factos, documentos e procedimentos eram, de forma irrecusável, do conhecimento do Estado Maior da Força Aérea, situação incompatível com a interpretação “ligeira” da Mmª Juiz “a quo”, quando classifica as omissões de mera falta de rigor ou de correcta percepção das situações verificadas, importando realçar que a inspecção e o inquérito foram realizadas por “especialistas” / militares experientes, integrados numa estrutura especialmente preparada para o efeito (Inspecção Geral da Força Aérea).

Em consequência, também estes factos deverão dados por provados, atentas as evidências demonstradas de ocultação e manipulação de factos e documentos a as consequências dessa prática na imputação aos então arguidos, das acusações de que foram alvo, com conhecimento inevitável da falta de fundamento das mesmas.

G – Relativamente aos factos 6 e 7, dados por não provados, entende-se demonstrado, pela conjugação da prova constante dos autos com o confronto entre a prova produzida em sede de julgamento do processo-crime e o relatório de inspecção, que as entidades responsáveis pela inspecção e com tutela da unidade militar em causa sabiam, de forma irrefutável, que os factos e práticas imputados ao Recorrente, durante o período do seu mandato, estavam plenamente sustentados em documentação anterior a sua verificação, num conjunto de práticas e procedimentos levadas a cabo durante anos e mesmo em ordens superiores que determinavam a busca das soluções encontradas para problemas concretos;

Dando por reproduzido o que supra se alega na conclusão E, decorre do Relatório do Auto de Posse do Recorrente, quando assumiu comando do CT, um conjunto de prioridades de acção, dos quais se podem destacar a feitura de furos e barragens, a vedação do perímetro de uma unidade com 7.500 HA, a electrificação de áreas onde poderiam ocorrer entradas de intrusos, a realização de aceiros e melhoramentos nos arruamentos internos do CT, tendo em vista melhorar o combate aos incêndios e a segurança das instalações.

Por outro lado, não podia o Estado Maior da Força Aérea desconhecer a realidade do pessoal civil do CT, com mais de 10 anos de ligação contratual efectiva à instituição bem como o facto de, a partir de 1992 (78, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB) tal pessoal deixar de poder integrar a despesa oficial do CT, deixando imputar a acusação do recebimento das verbas destinadas ao pagamento dos salários, por parte dos “arguidos”, em proveito próprio, quando bem sabiam os seus responsáveis, que tal não podia corresponder à verdade.

H – Na consideração e apreciação de todo o enquadramento da questão da inspecção e subsequente inquérito, não pode este Tribunal deixar de valorar o conteúdo dos depoimentos do Sr. Inspector (…….), à luz das circunstâncias concretas das qualificações técnicas em que interveio no processo, destacando-se o facto de se tratar de inspector experiente, especialista em administração financeira e, portanto, particularmente “competente” para as mais importantes áreas que estavam sob investigação na inspecção;

I – Esclarecedor, quanto aos factos em causa, não pode deixar de ser a “infeliz” coincidência de o Senhor Chefe do Estado Maior da Força Aérea ter determinado a realização de uma inspecção singular, quando a prática generalizada eram inspecções colegiais, abrangendo várias especialidades, como atestaram as testemunhas …….. (Dep. prestado em 13.06.2014 - 30m36s a 30m37s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal) e ……. (Dep. prestado em 13.06.2014 - 30m36s a 30m37s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal), que especificaram a habitual composição colegial das inspecções, quer fossem elas programadas, quer fossem inopinadas, como foi o caso;

J – Tanto mais que, como o próprio inspector viria a admitir, no depoimento prestado perante o Tribunal de Benavente (doc. nº3, pag. 26) que a inspecção havia sido um equívoco, porque devia ter sido acompanhado por peritos de outras especialidades, o que se percebe, uma vez que o objecto da mesma envolvia questões técnicas relacionadas com várias especialidades e áreas de intervenção, como sejam infra-estruturas, electrotecnia, segurança e incêndios, implantanção de furos e captação de água, armamento, etc;

K – Alheia a esta particularidade não estará o facto de ser bem mais fácil ao departamento jurídico do Estado Maior da Força Aérea “assessorar” apenas um inspector, neste vasto conjunto de especialidades, do que ter que o fazer em relação aos eventuais outros especialistas das várias áreas, que pudessem ter sido chamados a intervir;

L – Porque, de facto, esta “singularidade” da assessoria jurídica do departamento jurídico do Estado Maior da Força Aérea, amplamente proclamada pelo Sr. inspector, estendeu-se à forma como relatório devia ser elaborado, como decorre do seu depoimento prestado em 13.06.2014 – (1h53m42s a 1h54m40s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal), onde o mesmo reconhece que a sua especialidade era administração financeira mas, devido ao facto de o objecto da inspecção ter sido mais abrangente (que a sua especialidade, entenda-se), foi-se socorrendo da assessoria jurídica da força aérea, na condução do processo, com reuniões semanais na força aérea, onde falava com os juristas que, durante o decurso da inspecção lhe davam-me as indicações necessárias…durante três meses esta foi a metodologia seguida.

M – A matéria factual supra descrita (G a L) elucida, de forma muito concreta, no entender do Recorrente, a verdadeira motivação da inspecção / inquérito e, concretamente, no que concerne à inevitável prova dos factos 6 e 7 (não provados), como provados, tanto mais que, a prova do primeiro implica, necessariamente, a prova do segundo;

N – Facto 8, dos facto não provados – Não tendo o Recorrente dúvidas acerca do objectivo do “processo” entendido como um todo, até à sua permanência na Polícia Judiciária Militar este facto, só por si, não assume especial relevância na qualificação jurídica da decisão mas deverá, igualmente, ser julgado provado;

O – Outra conclusão se não pode retirar, face às regras da experiência comum e à ausência de outra explicação plausível ou até aceitável, é que, de facto, o que se visou atingir com o processo foi a honra, reputação e bom nome de dois militares, pois tais são as consequências normais da imputação de acusações semelhantes, seja a quem for;

P – Tanto mais que, em 1992 e 1994 o co-arguido ……. fora louvado pela Força Aérea, precisamente pelos méritos decorrentes da sua participação na reestruturação do CT e pelo desempenho das suas funções na unidade (135, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB) e de o Recorrente ter sido nomeado para o curso de Brigadeiro, já após a realização da inspecção à sua acção de comando, facto que só acontecia nos casos de reconhecimento do mérito (136, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB);

Q – Entende o Recorrente que se encontram demonstrados os pressupostos, processuais e de facto, que permitem a este Tribunal alterar a matéria de facto, nos termos requeridos e, consequentemente, revogar a decisão, no que diz respeito à parte em que foi julgada improcedente;

Do Mérito da Decisão

R – Apesar disso, mesmo sem a prova deste segmento da matéria de facto, entende-se que a decisão recorrida, na parte que julgou inverificada a existência de ilicitude dos órgãos do Réu, responsáveis pela instauração e condução do processo, efectuou deficiente valoração da restante matéria de facto;

S – A Mmª Juiz “a quo” considerou a inexistência de um procedimento persecutório e conspirativo contra o A., concluindo daqui que existirá, quando muito, alguma falta de rigor ou de correcta percepção das situações verificadas…

T – Salvo o devido respeito, entre um procedimento persecutório e conspirativo contra o A. e a considerada falta de rigor ou de correcta percepção das situações verificadas, regista-se face à matéria de facto que considerou provada, uma situação de verdadeira negligência grosseira, tendo em conta a natureza das matérias e a qualidade da entidade lesante, que a Mmª Juiz desconsiderou;

U – O Estado responde civilmente perante terceiros, pelos actos ou omissões dos seus agentes, nos termos previstos no nº 1, do artº 2º e do artº 6º, ambos do Dec. Lei nº 48.051, sendo que, em termos de apreciação da culpa, rege o disposto no artº 487º, do Cód. Civil, por remissão do nº 1, do artº 4º, daquele outro diploma;

V – Dando por reproduzida a douta exposição sobre o conceito de ilicitude, vertido na douta sentença (pag. 55), dúvidas não pode restar, face ao que supra se alegou, que ocorreu violação de direitos do Recorrente, decorrente de omissão grave dos órgãos do réu, a quem competia efectuar a avaliação prudente dos pseudo-factos apurados na inspecção, à luz de um especial critério de exigência elementar que deve presidir a uma instituição militar, desde logo, tendo em conta a importância da unidade inspecionada, a latitude e vastidão dos assuntos tratados, a inerentes implicações para os visados e a especial qualificação das entidades inspectivas em causa;

X – Acresce que, atendendo às especificidades técnicas e à diversidade das questões tratadas na inspecção – que o instrutor do inquérito subscreveu – impendia sobre o Estado Maior da Força Aérea o especial dever de sindicância sobre o documento em causa, enquanto entidade ordenante, em ordem a assegurar a licitude das acções levadas a cabo, o que manifestamente não aconteceu o que, todavia, não será de estranhar, atenta a estrita “colaboração” prestada para o resultado final;

Y – Constata-se, assim, que se verifica comportamento ilícito do Réu/Recorrido, decorrente da ofensa de direitos de personalidade do Recorrente, em resultado de omissão configurável como negligência (grosseira) de um dever acrescido de vigilância sobre actos passíveis de provocar danos em terceiros;

Z – Sendo certo que a decisão recorrida não apreciou a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, afigura-se claro - mesmo tendo só por base a matéria de facto aceite pela 1ª instância – que os danos evidentes causados ao Recorrente resultaram de negligência dos órgãos do Réu responsáveis pelo “processo”;

AA – E, atendendo ao que supra se alegou em V e X, a apreciação da culpa deverá seguir um critério bem mais apertado que o exigido ao simples “bom pai de família”, previsto como critério supletivo, no nº2, do artº 487º, do Cod. Civil;

BB – Mas, nas circunstâncias referidas, mesmo que a culpa/negligência fosse apreciada mediante este critério, ainda assim se concluiria pela sua verificação, tal deve ser considerada a gravidade das omissões verificadas;

CC – A eventual modificação da matéria de facto dada por provada, como alega, defende e espera o Recorrente, tipificará o comportamento dos agentes implicados como doloso;

DD – Com as naturais implicações em termos de qualificação da culpa e da integração dos comportamentos verificados na previsão do nº1, artº 369º, do Cód. Penal;

EE – Entende o Recorrente que, para além da demonstração da ilicitude e da culpa, por parte dos agentes do Recorrido, se verificam os restantes pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, ao abrigo do disposto do citado nº1, do artº 2º, do Dec. Lei nº 48.051.

FF – Em suma: Entende-se que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, no que se refere aos factos 2 a 8, dos factos não provados, com violação do disposto no nº1, do artº 2º e artº 6º, ambos do Dec. Lei nº 48.051.”.

Pede que seja concedido provimento ao presente recurso e seja revogada a decisão quanto à matéria de facto constante dos factos 2 a 8, dos factos não provados, considerando-se os mesmos provados e decidindo-se pela procedência da acção ou, em caso de improcedência da alteração da matéria de facto, que seja revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção procedente e condenando-se o Réu no pedido.


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Contra-alegou o Réu, Estado Português (cfr. fls. 834 e segs.) o recurso interposto pelo Autor, expendendo a final o seguinte quadro conclusivo:

1. Na análise da prova produzida em julgamento há que ter presente a regra estabelecida no art. 607º/5 do CPC, segundo a qual o Juiz aprecia livremente as provas de acordo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, no caso em apreço, a Mmª analisou os depoimentos das testemunhas em conjugação com o teor do relatório da inspecção inopinada e os elementos constantes no processo-crime;

2. Do depoimento das testemunhas Coronel ….. e o Tenente-General Piloto-Aviador……., que foi visto com toda a clarividência, objectividade e isenção pela Mmª Juiz, resultou que a inspecção inopinada ao CTA, não teve por fito atingir pessoalmente o A., para prejudicar a sua carreira.

3. Até porque, a inspecção foi ordenada pelo mais alto superior hierárquico na carreira militar da Força Aérea, Chefe do Estado Maior da Força Aérea, a quem, nunca, o recorrente, imputa qualquer tipo de responsabilidade nas alegadas condutas lesivas.

4. A absolvição do recorrente no Processo-crime não implica, necessariamente, a ilegalidade ou a ilicitude dos factos, actos e omissões que o recorrente imputa em sede da inspecção.

5. De resto, a própria sentença admite a prática de ilegalidades pelos arguidos, mas só que irrelevantes em sede criminal: «Os arguidos … socorreram-se de “engenharias financeiras”, ou “esquemas contabilísticos”, eventualmente censuráveis do ponto de vista moral, ou consubstanciando mesmo ilícitos de carácter administrativo ou outro, mas não são seguramente de carácter criminal. - sic»

6.A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque prosseguida por seres humanos e resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em provas, como, vg. a testemunhal, cuja fiabilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico

7. Por outro lado, o processo de inspecção ou investigação inopinada, configura-se como um processo administrativo gracioso, simples e sumário, com um prazo extremamente curto para a respectiva ultimação, o que pressupõe, como é óbvio, o uso de procedimentos processuais expeditos e limitações de vária ordem, não se compadecendo, por isso, com uma profunda e rigorosa na recolha da prova. (cfr. art.s 332º, 336º e 339º do CJM)

8. Donde, nenhuma censura merece, a nosso ver, a decisão recorrida, na parte em que o Estado foi absolvido do pedido, já que analisou devidamente a prova e aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, devendo a mesma, nessa parte, ser mantida.”.


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O Réu, Estado Português, notificado do recurso interposto pelo Autor, veio também apresentar recurso subordinado contra o despacho-saneador, proferido em 08/04/2014 e da sentença recorrida, na parte em omitiu a pronúncia sobre a exceção perentória de prescrição, tendo terminado com as sequentes conclusões:

1. Tendo, no despacho saneador, de 8/4/2014, sido relegado para final o conhecimento da invocada excepção peremptória de prescrição do direito do A., a sentença recorrida foi completamente omissa a esse respeito, o que reconduz à sua nulidade, por força do prescrito nos art.s 608º/2 e 615ª-1/d) do CPC

2. A presente Acção respeita a factos ocorridos no âmbito de uma denominada inspecção inopinada, ao Campo de Tiro de Alcochete, pela Força Aérea Portuguesa, que decorreu entre 31/5/1995 e 20/7/1995, tendo o respectivo relatório sido elaborado em 1/8/1995, e à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, no Proc. nº 13256/06.4TDLSB, que correu termos no Tribunal Judicial de Benavente, onde o A. foi absolvido por acórdão de 9/7/2007, transitado em julgado em 24/7/2007.

3. A referida inspecção não se confunde com um inquérito crime, tratando-se de um procedimento autónomo do inquérito, em que os eventuais vícios acolá existentes, se esgotam aí, sem se comunicarem a este último processo.

4. Por outro lado, a data do trânsito em julgado da sentença no processo-crime (24/7/2007), nunca poderá servir de bitola para o início da contagem do prazo prescricional, mas a data da prolação da sentença (9/7/2007, face ao prescrito no art. 214º-1/d) do Cod. Proc. Penal.

5. Perante o descrito quadro factual e tendo em conta que a interrupção do prazo prescricional deverá considerar-se verificada em 5/9/2010, sempre deveria declarar-se prescrita a dívida peticionada, com a absolvição do pedido, do Estado, nos temos dos art.s 576º, nºs 1 e 3 e 579º do C.P.C.

6. Ao não decidir de tal forma fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do preceituado, mormente, nos art.s 498º-1 do C. Civil, aplicável «ex vi» art. 5º do DL nº 48051 de 21/11/1967 e art. 71º-2º da LPTA ou art. 5º da Lei nº 67/2007, de 31/12, 576º, nºs 1 e 3, 579º, 608º/2 e 615ª-1/d) do CPC, pelo que deverá a mesma ser revogada e proferida outra que declare, nesta parte, a absolvição do Estado do pedido, por efeito da prescrição.”.


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Contra-alegou o Autor o recurso subordinado, com as seguintes conclusões:

A - Autor e Réu recorreram da Decisão constante da douta sentença, através de recurso independente, em 11.02.2015 e 09.02.2015, respectivamente;

B - Na sequência do recurso do Autor, veio o Réu interpor recurso subordinado, onde suscita a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto à questão da prescrição;

C - Nos termos do nº 1, do artº 141º, do CPTA, Pode interpor recurso de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido... ao passo que, nos termos do nº 1, do artº 633º, do CPC - aplicável por força do nº3, do artº 140º, do CPTA - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente OU (sublinhado nosso) subordinado;

D - Resulta das disposições em causa, que cada uma das partes apenas pode apresentar UM recurso, podendo optar por recurso independente ou subordinado;

E - O Réu apresentou dois recursos, sendo que, podia (devia) deduzir a questão objecto deste último, no recurso independente que apresentou;

F - O recurso subordinado ora interposto é, apenas, uma tentativa ilegal, de suprir a omissão da questão ora levantada, no recurso independente, facto que, para além do mais, se afigura violar o princípio vertido no Estatuto do Ministério Público (artº 2º, nº2), quanto aos critérios de legalidade que presidem à actuação do Ministério Público;

G - E viola, igualmente, os princípios que regem a disciplina dos Recursos, concretamente o nº1, do artº 141º, do CPTA e o nº1, do artº 633º, do CPC, "a contrário", bem como, o princípio constitucional da igualdade de armas, vertido no nº4, do artº 20º, da Constituição da República Portuguesa;

H - Neste contexto, deve o presente Recurso ser objecto de decisão de não admissão, por violação manifesta da lei, concretamente dos preceitos e princípios supra mencionados.”.

Pede a rejeição do recurso.


*

Por despacho de 15/06/2016, o Tribunal a quo não admitiu o recurso subordinado apresentado pelo Estado Português.

Apresentada reclamação contra o despacho de rejeição do recurso, nos termos do disposto no artigo 643.º do CPC, a mesma foi deferida por decisão deste Tribunal Central Administrativo Sul.


*

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA e dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas são as seguintes, em relação a cada um dos recursos interpostos:

A. Recurso interposto pelo Réu, Estado português

1. Erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação dos artigos 2.º, 4.º e 6.º do D.L. n.º 48051, de 21/11, 7.º, 9.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e artigos 342.º, 483.º, 487.º e 494.º do Código Civil, quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do quantum indemnizatório.

B. Recurso interposto pelo Autor

1. Erro de julgamento de facto, quanto aos factos não provados 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, os quais devem ser dados como provados;

2. Erro de julgamento de direito, quanto ao pressuposto da ilicitude dos órgãos do Réu, responsáveis pela instauração e condução do processo, em violação dos artigos 2.º, n.º 1 e 6.º do D.L. n.º 48051 e quanto aos restantes pressupostos da responsabilidade civil.

C. Recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português contra o despacho-saneador e a sentença

1. Nulidade, por omissão de pronúncia em relação à exceção peremptória de prescrição do direito, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, d), do CPC;

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.º do D.L. n.º 48051, de 21/11/1967 e artigo 71.º, n,º 2 da LPTA ou do artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, 576.º, n.ºs 1 e 3, 579.º, 608.º, n.º 2 e 615.º, nº 1, d) do CPC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 1995, o então Chefe do Estado-Maior da Força Aérea determinou a realização de uma inspecção inopinada ao Campo de Tiro de Alcochete (CTA) – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i. e doc. nº 1 e 2, juntos com a contestação.

B) Em 01 de Agosto de 1995 foi elaborado o Relatório de Inspecção da Inspecção da Área Financeira (IAF) ao Campo de Tiro de Alcochete, realizada pelo Sr. Coronel ……., entre 31.05.1995 e 20.07.1995 – cfr. fls. 2 a 51 – doc. nº 1 junto com a p.i..

C) Por despacho de 23/08/1995 do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea foi ordenado o envio de certidão do Relatório da Inspecção da Inspecção da Área Financeira (IAF) ao Campo de Tiro de Alcochete relatório e correspondentes documentos ao Serviço de Polícia Judiciária Militar “por existirem indícios de matéria passível de procedimento criminal” – cfr. fls. 4, do PA.

D) Em 31/08/1995 foi proposto a instauração de inquérito militar – cfr. fls. 2, do PA.

E) Em 29/09/1995 o A. (arguido nos autos) foi ouvido – cfr. fls. 56, do PA.

F) Em 03/10/1995 foi junto relatório circunstanciado da Polícia Judiciária Militar – cfr. fls. 160 e s., do PA.

G) Entre 23/02/1996 e 15/01/1997 inquirição pela Polícia Judiciária Militar de 16 testemunhas e junção aos autos de prova documental – cfr. fls. 206-566, do PA.

H) Em 21/03/1997 o A. foi constituído arguido, sujeito a interrogatório e termo de identidade e residência – cfr. fls. 665-670, do PA.

I) Em 03/07/1998 foi junto relatório de peritagem contabilística à escrita do Campo de Tiro de Alcochete – cfr. fls. 735-790, do PA.

J) Entre 03/03/2000 e 26/11/2001, inquirição pela Polícia Judiciária Militar de 7 testemunhas – cfr. fls. 814-857, do PA.

K) Em 13/09/2004 remessa dos autos ao DIAP de Lisboa com fundamento na entrada em vigor do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15/11 – cfr. fls. 885, do PA.

L) Em 28/12/2004 o DIAP de Lisboa excepciona a sua competência e remete os autos ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa [NUIPC 13.256/04.0TDLSB] – cfr. fls. 888-892, do PA.

M) Em 28/01/2005 a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa excepciona a sua competência e remete os autos ao Ministério Público da Comarca de Benavente – cfr. fls. 897-900, do PA.

N) Em 01/06/2005 é proferido despacho do Ministério Público a remeter os autos à Polícia Judiciária Militar a fim de serem concluídas as diligências de investigação - cfr. fls. 903, do PA.

O) Entre 13/12/2005 e 30/10/2006 inquirição de duas testemunhas pela Polícia Judiciária Militar – cfr. fls. 921-993, do PA.

P) Em 22/11/2006 o Ministério Público profere despacho a solicitar a conclusão urgente das diligências de investigação e envio de relatório final atenta a iminência de decurso do prazo da prescrição – cfr. fls. 1003, do PA.

Q) Em 06/12/2006 a Polícia Judiciária Militar entrega o relatório final – cfr. fls. 1006- 1011, do PA.

R) Em 12/12/2006 foi deduzida acusação contra o ora A. ..... pela prática, em co-autoria com........, de 8 crimes de peculato, 19 crimes de participação económica em negócio, 1 crime de peculato de uso e 1 crime de abuso de poder – cfr. fls. 1015-1082, do PA.

S) Os crimes de peculato de uso e de abuso de poder viriam a ser considerados prescritos, ainda antes do início do julgamento – cfr. fls. 1262, do PA.

T) No âmbito dos referidos autos o Ministério Público, em representação do Estado Português, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos pedindo a sua condenação no pagamento ao Estado Português da quantia de € 133.728,97, acrescido do valor que vier a ser fixado em sede de liquidação da sentença e de juros legais vencidos e vincendos – cfr. fls. 1050-1080 do PA.

U) O A. exerceu as funções de Comandante do Campo de Tiro de Alcochete entre 22 de Maio de 1992 e Março de 1995 – acordo.

V) Tendo como seu 2º Comandante, durante todo este período, o Tenente-Coronel........, co-arguido no processo-crime – acordo.

W) O Ministério Público deduziu acusação contra o A. E ……, imputando ao A. os seguintes comportamentos/ omissões:

a) ter autorizado o pagamento de facturas para a construção de dois furos de captação de água, um no prédio denominado "….." e outro no "…." quando, no dizer da acusação, tais obras teriam sido realizadas no exclusivo interesse dos arrendatários (fls. 72, 73, 78 e 79);

b) ter autorizado o pagamento da construção de uma estrada para o " …..", sendo a mesma do exclusivo interesse do arrendatário (fls. 73 e 74);

c) ter fornecido e pago, pelo orçamento do CTA, 1.025 litros de gasóleo consumidos pelo gerador existente no "….", entre 13.10.1994 e 31.03.1995, nos exclusivos interesses dos arguidos e do arrendatário (fls. 74 e 75);

d) ter vendido o rebanho do CTA sem para tal ter poderes - sem audição do Capitão….., que seria obrigatória - beneficiando um dos concorrentes, quando a manutenção do rebanho seria mais vantajoso, economicamente, para a institituição (fls. 75 e 76);

e) ter cedido a título gratuito, ao Engº….., uma pastagem com a área de 600 hectares, ovil e habitação para o pastor, por um período de três anos, no exclusivo interesse do arrendatário e contra os interesses do CTA, por este ter deixado de poder auferir uma renda portal cedência (fls. 77) – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i..

X) O A. foi, também, acusado de:

a. ter celebrado com o arrendatário........ um protocolo para a construção, no "…..", de uma pista arenosa para treino de cavalos de corrida e outros com idêntica finalidade, sem ter competências próprias ou delegadas para o efeito (fls. 78);

b. ter assinado as Notas de Autorização de Despesa para pagamento à empresa …… de um quadro eléctrico e protecção para um grupo gerador, bem como a instalação eléctrica e montagem de cabos até um furo de captação de água e outros acessórios de ligação à bomba, equipamentos instalados no "….." e na "…..", cujas despesas, no dizer da Acusação, teriam sido efectuadas no exclusivo interesse dos arrendatários (fls. 78 e 79);

c. ter autorizado o pagamento da factura nº 22773, de 31.12.1992, à empresa…., Lda, referente a materiais destinados ao furo de captação de água, obra que teria sido efectuada, repete-se, no exclusivo interesse dos arrendatários;

d. ter autorizado o pagamento da realização de obras de reparação no " …..", tal como consta do art9 68), da acusação (fls. 81);

e. ter visado, favoravelmente, os Pareceres dados pelo 2º comandante para adquirir um grupo electro bomba submersível, acessórios e respectiva montagem, bem como um coluna de suspensão para a electro bomba e um sistema hidro-pneumático para abastecimento de água sob pressão, destinados ao furo de captação de água do " ….", tudo realizado no exclusivo interesse do arrendatário (fls. 82 a 84);

f. ter visado, favoravelmente, o Parecer dado pelo 2º comandante, para aquisição e montagem de um boca de incêndios para abastecimento de auto-tanques, a instalar no "….." (fls. 84);

g. ter "autorizado" o pagamento dos portões de acesso ao "….", tudo no exclusivo interesse do arrendatário;

h. ter realizado os consumos de gasóleo e óleo identificados no artº 102), da Acusação (fls. 87), nos geradores instalados no "…..", custeados pelo CTA, no exclusivo interesse do arrendatário e dos arguidos, ou seja, também do Autor;

i. ter autorizado a troca de 24.200 m3 de saibro retirado de um fosso para instrução de tiro, por terra vegetal e barro gomoso, em menor quantidade e qualidade, sendo que esse saibro valeria entre 10.000$00 a 15.000$00 por camioneta (fls. 88);

j. ter autorizado a compra de diverso material de vedação, que viria a ser utilizado na construção de um canil, na moradia do CTA, atribuída ao 2º comandante (fls. 89) – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i..

Y) Finalmente, o Autor viria a ser acusado de:

a. de se ter apropriado, conjuntamente com o 2º comandante, das verbas das facturas emitidas pela….., Lda, (arts. 116) a 210), da Acusação - fls. 89 a 100 - que corresponderiam a serviços efectuados por pessoal do CTA, fora das horas de serviço permitindo, assim, que desviassem os montantes em causa em proveito próprio;

b. de ter cedido, em finais de 1993, ao seu filho, para utilização particular, a carrinha Renault 4L, com matrícula …..(fls. 100 e 101), registada a favor do….., que viria a ficar destruída num acidente de viação, sem que a instituição fosse ressarcida dos prejuízos daí decorrentes - doc. nº 1 junto com a p.i..

Z) De acordo com a acusação, os arguidos “praticaram todas as supra descritas condutas em comunhão de esforço e de intenções. Os arguidos previram, quiseram e conseguiram, no exercício de funções de militares do Estado Português:

- fazerem seu, em proveito próprio e terceiro, de dinheiro e de objectos colocados sob o domínio público que lhe foram entregues e que lhe eram acessíveis em razão das suas funções,

- celebrar negócios, nomeadamente contratos de compra e venda, bem como de arrendamento e protocolos relativos interesses patrimoniais do Campo de Tiro de Alcochete e do Estado Português com o propósito de obter, para si e para terceiro, participação económica ilícita relativamente a interesses patrimoniais que em razão da função, lhes competia administrar, fiscalizar e defender, vantagens essas de que fruíram;

- permitir que o filho do arguido ..... utilizasse a titulo particular veículo automóvel registado a favor do Estado Português, não obstante saberem que não podiam autorizar o uso do referido veículo, por o mesmo estar afecto ao uso dos militares do Campo de Tiro de Alcochete e que lhes cabia administrar a utilização do referido veículo e guardá-lo;

- ordenar a militares que estavam sob a sua direcção e comando a realização de trabalhos no interesse exclusivo dos arrendatários, apesar de saberem que a tal estes não se encontravam obrigados por não serem tais trabalhos realizados no interesse do Estado (fls. 101 e 102) – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i..

AA) Em 26/11/2006, o A. não tinha averbada qualquer ocorrência, em termos de registo criminal (fls. 135) – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i..

BB) Em 19 de Abril de 2007 teve início a audiência de julgamento – cfr. 1689- 1757, do PA.

CC) Em 09/07/2007 foi proferido Acórdão, tendo o A. e o co-arguido........ sido absolvidos dos crimes de que vinham acusados e do pedido de indemnização civil – cfr. fls 1763-1812, do PA.

DD) No âmbito da referida decisão foram considerados provados os seguintes factos:

1. O Campo de Tiro de Alcochete situa-se a cerca de 5 Kms da vila de Alcochete, contíguo à estrada nacional Barreiro - Salvaterra do Extremo, na denominada Charneca do Infantado;

2. Inicialmente, o Campo de Tiro tinha a área de 1.680 Ha, com cerca de catorze Kms de comprimento, no sentido Oeste / Este e destinava-se, sobretudo, a ensaios de material de guerra;

3. A partir de 1954, o Campo de Tiro passa a ser utilizado, também, como carreira de tiro ar-solo e, em 1955, foram actualizadas as sua missões para estudos e ensaios de bocas de fogo, munições, explosivos e pólvoras, bem como treino dos pilotos da Força Aérea;

4. A partir da década de 80 o Campo de Tiro, que funcionava como órgão de apoio aos três ramos das forças armadas, viu serem alargadas as suas missões para ensaios de viaturas e realização de semanas de campo, daquelas forças e até de forças militarizadas;

5. Em finais de 1991, em resultado de um processo de alargamento, por expropriação, o Campo de Tiro passou a ter a área de 7.450 Ha, que resultou num alargamento do seu perímetro para cerca de 54 Kms;

6. Na área de terreno referida em 2, para além da zona utilizada para fins militares, permaneceram arrendadas várias parcelas de terreno, já do tempo da Companhia das Lezírias, destinadas a fins agrícolas e ocupando parte do perímetro exterior do Campo de Tiro, encontrando-se a mesma tratada (limpa e aceirada, em quadrícula de 500m x 500m) e com vias de acesso e pontos de reabastecimento de água colocados, de forma estratégica, para um mais eficaz combate a incêndios;

7. A nova área do Campo de Tiro, resultante da expropriação referida em 5, tinha elevado índice de florestação e de mato, com escassos acessos e confinava, numa grande extensão, com a EN 119;

8. As principais actividades desenvolvidas no Campo de Tiro são a prática/ensaio de tiro -terrestre e aéreo - envolvendo munições de alto calibre e potência e com zonas de protecção e segurança bastante exigentes;

9. O Campo de Tiro, em termos de comando de administração, esteve na dependência do exército, até 31 de Dezembro de 1993, passando para a dependência da Força Aérea, a partir de 01 de Janeiro de 2004, tendo sido, durante cerca de duas décadas, comandado pelo Sr……., oficial da Força Aérea Portuguesa (FAP);

10. O arguido........ exerceu as funções de Segundo Comandante do Campo de Tiro de Alcochete desde 29 de Janeiro de 1992 e até ao dia 24 de Março de 1995;

11. O arguido ..... exerceu as funções de Comandante do Campo de Tiro de Alcochete, desde o dia 22 de Maio de 1992 a finais de Março de 1995;

12. O Engenheiro Técnico Agrário, ….. ........ era, até data não concretamente determinada de 1990, funcionário do Ministério da Agricultura e Pescas, tendo sido requisitado pelo Campo de Tiro de Alcochete a partir dessa data para ficar responsável pela preservação da floresta e controlo das espécies cinegéticas do Campo de Tiro;

13. Em 19.11.91, foi celebrado um acordo, denominado de "contrato de arrendamento rural" entre o Campo de Tiro de Alcochete, representado pelo então comandante ….e o Engenheiro Técnico….., relativamente ao prédio denominado "…..", pertença do Campo de Tiro, com a área de 250 hectares, descrito na CRP de Benavente sob o n9 11../061088, da freguesia de Samora Correia;

14. No âmbito desse acordo, foi declarado por ambas as partes que ajustavam entre si, um contrato misto de arrendamento e parceria agrícola, destinando—se os terrenos referidos à produção agro-pecuária, pelo prazo de dez anos, com início a 01.11.91, mediante o pagamento, pelo Eng….., da renda anual de Esc. 150.000500 e 10% das crias da produção, que passam a ser pertença do Campo de Tiro, com a sua manutenção a cargo do Eng…..;

15. Nesse acordo, foi ainda estipulado, que o Eng. …. obrigava—se a efectuar os seguintes trabalhos: Conservação das vedações existentes; Limpeza de matos para instalação de pastagens; Manutenção das linhas de água; Manutenção das construções existentes nos terrenos que sejam complementares ou acessórias da exploração agro-pecuária;

16. Nos termos da cláusula sétima, desse acordo, o Campo de Tiro, através dos seus serviços florestais e agrícolas, colaboraria com maquinaria disponível na implantação de aceiros e pastagens na área referida, e demais conteúdo concreto constante de fls. 23-24 do Anexo 1, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

17. Em 5.06.92, foi executado um furo para captação de água no prédio denominado "….", tendo para o efeito sido celebrado um contrato entre o Campo de Tiro e a sociedade comercial "….., Lda.";

18. Em 26.05.92, foi também realizado um furo para captação de água, no terreno do Campo de Tiro, denominado de "……", tendo para o efeito sido celebrado um contrato entre o Campo de Tiro e a sociedade comercial "….., Lda";

19. O valor de custo desses furos foi, no total, de Esc. 1.920.380$00, o qual foi fraccionado em três recibos, correspondendo a cada um deles, respectivamente, Esc. 910.310$0O; Esc. 505.035$00; e Esc. 505.035$00;

20. Para realização dos referidos furos de captação de água, foi realizado um ensaio prévio que importou a quantia de Esc. 46.110$00, valor que foi pago pelas dotações do Campo de Tiro;

21. O arguido........ requisitou a provisão para pagamento das despesas referidas em 19 e 20, e o arguido ……assinou as notas de autorização de despesa, tendo tais valores sido pagos pelo orçamento do Campo de Tiro;

22. Em data não concretamente determinada, mas entre 19.11.91 e 15.12.92, foram executadas obras de beneficiação da estrada em terra batida de acesso ao prédio denominado "….", pelo Regimento de Engenharia n.° 1, no valor de Esc. 600.000$00, montante que foi requerido pelo arguido M. J. às dotações do Campo de Tiro e foi pago pelo orçamento deste Campo de Tiro;

23. Nesse período temporal, foram também realizadas obras de beneficiação na estrada em terra batida do acesso a uma zona do campo do Tiro, denominada ….., e que também dava acesso à "……";

24. Na data referida em 12, no prédio denominado "….." encontrava-se um gerador de matrícula….., com motor Pitter PJ4W, Alternador Stamford C20B e Potência 27,5 KVA;

25. No período do 13.10.94 a 31.03.95, foi consumido polo referido gerador, 1025 litros do gasóleo, o qual foi fornecido o pago pelo orçamento do Campo do Tiro, tendo sido, pelo menos, em parte, despendido para as actividades do próprio Campo do Tiro, nomeadamente, na recepção de convidados para almoços e caçadas;

26. Em 18.10.84, o arguido ….. proferiu um despacho, no qual consta que o Sector Agro-Pecuário e Florestal, chefiado pelo Eng. ........, estava obrigado a permutar o efectivo de 381 ovelhas e 15 carneiros por borregos em fase do abate (com 8 a 10 quilos do peso, mortos), com entregas faseadas,

27. Para prosseguir esse objectivo, em 25.10.94, foram enviadas propostas a quatro indivíduos para se proceder à venda do citado rebanho, sendo um dos concorrentes o próprio Eng. ........, e essas propostas referiam que as ofertas poderiam ser realizadas em dinheiro ou espécie, não se especificando a forma de permuta do rebanho em espécie;

28. Na sequência disso, surgiram três propostas, sendo uma de ........, residente na ….de Esc. 2.400.000$00; outra de….., residente na…., do Esc. 2.440.000$00, o outra do Eng. ........, residente em…., de aquisição das 381 ovolhas o 15 carneiros com a entrega faseada durante 3 anos (1995,1996 e 1997) do 360 borregos em fase de abate;

29. O arguido........ autorizou e aceitou a proposta apresentada pelo Eng. ........;

30. O Eng. ........ tinha conhecimento prévio de que o Campo de Tiro pretendia a permuta do efectivo de gado ovino e caprino por borregos, por desempenhar as funções de Técnico Responsável pelo Sector Agro—Pecuário e Florestal do Campo de Tiro de Alcochete;

31. Neste processo, não foi realizado qualquer estudo económico prévio e não foi solicitado parecer ou intervenção, nem disso teve conhecimento o Comandante da Esquadrilha de Administração e Intendência do Campo de Tiro de Alcochete;

32. O arguido........, por despacho de 02.12.94, cedeu pastagem, a titulo gratuito, por um período de três anos (1995 a 1997) numa área de 600 hectares, ao Eng. ........ e foi cedido, também a titulo gratuito, a área de ovil e habitação para o pastor, por um período de 3 anos;

33. Em 28.04.92, o arguido........, na qualidade de Comandante Interino do Campo de Tiro de Alcochete e como primeiro outorgante, e........, filho do arguido, como segundo outorgante, celebraram um acordo escrito, denominado de "contrato de arrendamento", relativo ao prédio rústico denominado "........", pertença do Campo de Tiro, descrito na CRP de ….sob o n.° 11../061088, com a área de 206 hectares;

34. No âmbito desse acordo, foi declarado por ambas as partes que ajustavam entre si, um contrato misto de arrendamento e parceria agrícola, destinando-se os terrenos referidos a produção agro-pecuária, pelo prazo de vinte e cinco anos, com início a 01.05.92,mediante o pagamento, por…., da renda anual de Esc. 206.000$00;

35. Nesse acordo, foi ainda estipulado, que........ obrigava-se a efectuar os seguintes trabalhos: Conservação das vedações existentes; Limpeza de matos para instalação de pastagens; Manutenção das linhas de água; Manutenção das construções existentes nos terrenos que sejam complementares ou acessórias da exploração agro-pecuária;

36. Em 08.02.94, foi celebrado um protocolo entre o Campo de Tiro de Alcochete, representado pelo arguido........, e o arrendatário........, com vista à concretização de uma pista arenosa para o treino de cavalos de corrida e outros com idêntica finalidade;

37. Em data não concretamente determinada, mas entre 28.04.92 e 17.10.92, foram executadas obras de beneficiação da estrada em terra batida de acesso ao prédio denominado "........", no valor de Esc. 930.000$00, montante que foi requerido e autorizado o pagamento, pelo arguido …. às dotações do Campo de Tiro e foi pago pelo orçamento deste Campo de Tiro;

38. Em data não concretamente determinada mas entre 28.04.92 e 05.01.93, foram executadas obras de beneficiação de uma pista arenosa no........, no valor de Esc. 1.170.000$00, montante que foi requerido e autorizado o pagamento pelo arguido........ às dotações do Campo de Tiro;

39. Em data não concretamente determinada, mas entre 28.04.92 e 31.12.92, foi adquirido à sociedade comercial "….." os seguintes equipamentos destinados a serem montados no furo de captação de água: - um quadro eléctrico de comando e protecção para o grupo gerador 23 KVA e bomba de 4 CV com sondas, bem como uma instalação eléctrica na casa do grupo e montagem de cabos até ao furo, no valor de 354.727$00; e -um conjunto de acessórios de ligação à bomba, composto por diverso material, no valor de408.660$00;

40. O valor desse equipamento foi pago em 6 de Julho de 1994 e os custos da aquisição do mesmo foi suportada por dotações do Campo de Tiro, despesa essa com parecer favorável do arguido........ e aprovada pelo arguido .....;

41. Em data não concretamente determinada mas entre 28.04.92 e 17.10.92, foram adquiridos diversos materiais à sociedade comercial "…., Lda." para o supra identificado furo de captação de água;

42. Para pagamento desse equipamento foi emitida, por esta sociedade comercial, a factura n.° 22773 de 31.12.92, no montante de Esc. 401.744$00, valor que foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro, tendo o arguido........ autorizado o seu pagamento, tendo sido emitido o respectivo recibo com o n° 22724, com data de 31.12.02;

43. Em data não concretamente determinada de Dezembro de 1992, foram realizadas obras no "........", nomeadamente a substituição do telhado em chapa por telhas, incluindo montagem de barrotes e ripas em madeira para aplicação da telha e reparação de três vigas partidas, tratamento e aplicação de cuprinol de todo o madeiramento do telhado, substituição de caleiras antigas, reparação do vigamento e parede exterior e reparação da estrutura para implantação do grupo gerador, no montante total de Esc.928.000$00, tendo sido emitida a factura n.° 84, datada de 30.12.02, despesa essa cujo pagamento foi autorizado pelo arguido........;

44. Em data não concretamente determinada do ano de 1994, foi executado um furo de pesquisa e captação de água pela sociedade cemercial "........ — F. A., Lda.", no prédio deneminado "........", no montante de Esc. 2.022.344$00, correspondendo à factura n.° 453, emitida por aquela sociedade comercial;

45. Para a atribuição dessa obra, foi realizado o concurso limitado n.° 27/94, tendo o arguido........ dado o seu parecer administrativo e o supra referido montante foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro, tendo sido emitido o recibo n.° 442 daquela sociedade comercial;

46. Em data não concretamente determinada do ano de 1994, o arguido........ deu o seu parecer favorável no âmbito do precesso administrativo de consulta n.° 32/94 relativamente à aquisição de um grupo electro-bomba submersível destinado a ser montado no furo de captação de água e respectiva instalação no prédio denominado "........", no montante de Esc. 831.156$00;

47. O arguido........ apôs o seu visto no supra referido parecer administrativo de consulta;

48. O supra identificado grupo ….. submersível foi montado pela sociedade comercial "…..", pelo montante de Esc. 442.656$00, valor que foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro;

49. Em data não concretamente determinada do ano de 1994, o arguido........ deu o seu parecer favorável no âmbito do processo administrativo de consulta n.° 31/94 relativamente à aquisição de uma coluna de suspensão para ….. submersível, acessórios e respectiva montagem no furo de captação de água, no montante de Esc. 442.656$0O, a ser instalado no prédio denominado "........", valor que foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro;

50.O arguido ..... apôs o seu visto no supra referido parecer administrativo de consulta.

51. Em data não concretamente determinada do ano de 1994, o arguido........ deu o seu parecer favorável no âmbito do processo administrativo de consulta n.° 41/94 relativamente à aquisição de um sistema hidropneumático para abastecimento de água sob pressão, no montante de Esc. 359.000$O0, a ser instalado no prédio denominado "........", valor que foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro;

52. O arguido ..... apôs o seu visto no supra referido parecer administrativo de consulta.

53. Em 22.09.94, o arguido........ deu o seu parecer favorável no âmbito do processo administrativo de consulta n.° 37/94 relativamente à aquisição e montagem de uma boca de incêndios para abastecimento de auto-tanques, no montante de Esc. 373.224$00, a ser instalado no prédio denominado '"........", valor que foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro;

54. O arguido ..... apôs o seu visto no supra referido parecer administrativo de consulta;

55. Em 20.02.95, foi lançado o processo administrativo de consulta n.° 10/95, com vista à aquisição e reparação de diversos portões do Campo de Tiro de Alcochete, no âmbito dos quais se encontrava o portão de acesso ao prédio denominado "........";

56. A aquisição dos portões de acesso ao "........" e construção dos respectivos apoios foi adjudicada a….., pelo valor de Esc. 128.700$00, o qual foi pago pelo orçamento do Campo de Tiro;

57. Em 08.02.94, foi estabelecido um protocolo entre o Campo de Tiro de Alcochete, representado pelo arguido ....., e........;

58. Nesse protocolo foi consignado que: O Campo de Tiro de Alcochete apoiará a concretização da pista arenosa própria para o treino de cavalos de corrida, já projectada na zona arrendada, bem como a utilização de aceiros e caminhos arenosos existentes no Campo de Tiro de Alcochete; - O Campo de Tiro de Alcochete fornecerá a energia eléctrica indispensável à iluminação nocturna das infra-estruturas da zona, bem como ao funcionamento do sistema de abastecimento de água, utilizada não só pelo rendeiro, mas também para o reabastecimento de água a carros de combate a incêndios; - para tal, manterá um Grupo Gerador de apoio e concretizará o futuro transporte de energia eléctrica através do lançamento de um cabo e de um posto de transformação; - logo que concretizado o transporte por cabo eléctrico, a energia consumida em proveito próprio do rendeiro será contabilizada através de um contador específico;

59. O tosco da pista arenosa própria para o treino de cavalos de corrida e os trabalhos de beneficiação das estradas de acesso ao "........" foram executados por pessoal do regimento de Engenharia n.°1 do Campo de Tito de Alcochete, por ordem dos arguidos;

60. Em datas não concretamente determinadas dos anos de 1992 e 1995, foram realizadas limpezas a caminhos e lenhas secas existentes no "........" com máquinas do Campo de Tiro, por ordem dos arguidos;

61. O custo das horas de trabalho das máquinas não deu entrada na Tesouraria da Secção Financeira do Campo de Tiro;

62. No "........", existia, desde 1992, um gerador com a matricula ..-..-.. com motor VM/104, Alternador Stamford C20B e potência 25 KVA, o qual avariou em data não concretamente determinada de Janeiro de 1993;

63. A reparação desse motor foi realizada na O. – I. A. de P., S.A., em 29.06.94, tendo o seu custo atingido o montante de Esc. 1.787.595$00;

64. Para substituir o gerador referido em 62, o Campo de Tiro instalou o gerador de matricula …., com motor Pitter PJ4W, alternador Stamford C20B e potência 27,5 KVA;

65. Após a reparação, conforme referido em 63, o gerador foi reinstalado;

66. Em data não concretamente determinada de Janeiro de 1995, partiu-se a cambota do identificado gerador de matricula …., e em data não concretamente determinada de Fevereiro de 1995, foi esse gerador substituído pelo Campo de Tiro, pelo gerador de matricula …., com motor Deutz, A4L514A, Alternador Pillet DK 288-4/7 + KD 304/116 e potência 30 KVA;

67. Relativamente a estes geradores, no período de tempo compreendido entre 25.07.94 a 07.04.95, foram registados os consumos de gasóleo, no global, de 9.625 litros e de óleo, no total, de 140 litros;

68. Os geradores instalados no........ foram abastecidos com gasóleo agrícola que era atribuído ao campo de Tiro de Alcochete com recurso a subsídios comunitários ou, na sua falta, com gasóleo adquirido pelo Campo de Tiro;

69. Os consumos de gasóleo agrícola eram autorizados pelo arguido........;

70. Em datas não concretamente determinadas de Agosto e Setembro de 1994, numa zona localizada a Sul dos prédios denominados "…." e "........", pertença do Campo de Tiro, por ordem do arguido ….. "…. foi aberto um fosso com as dimensões aproximadas de 200 metros de comprimento por 45 metros de largura e 2 metros de altura, tendo dali sido retirado saibro na quantidade total de cerca de 24.200 metros cúbicos, que foi posteriormente transportado, por número não concretamente determinado, mas superior a duzentos carregamentos de camioneta;

71. Cada volume de saibro transportado por cada camioneta valia, à data do seu transporte, entre Esc. 10.000$00 e Esc. 15.000$00;

72. Em contrapartida da realização dos trabalhos para abertura desse fosso e retirada do saibro respectivo, as referidas camionetas transportavam para o........ terra vegetal e barro gomoso;

73. Em 12.01.95, foi lançada a consulta n.° 7/95 com vista à aquisição de diverso material para vedação e foi aceite, para o efeito, a proposta da sociedade comercial "….., Lda.", no valor de Esc. 439.325$00, tendo o parecer administrativo sido dado pelo arguido........ e autorizado o pagamento pelo arguido .....;

74. Do referido material, foram utilizados 110 paus e 400 metros de rede, no montante total de Esc. 302.649$00, para a construção da vedação de um canil na moradia do Campo de Tiro atribuída ao arguido........;

75. À data em que os arguidos assumiram o comando do Campo de Tiro existiam várias pessoas civis, incluindo o pastor, que prestavam serviço regular ao Campo de Tiro, pelo menos, ha mais de 10 anos, mas que não tinham regularizada a situação em termos de vínculo contratual;

76. O pagamento dos vencimentos dessas pessoas fazia-se com verbas do Campo Tiro, mediante mapas de controle efectuados pelo serviço dirigido pelo Eng.9 ........, validados depois pelos arguidos, para que fossem disponibilizadas as verbas respectivas;

77. Este procedimento para pagamento dos trabalhos dessas pessoas foi praticado no Campo de Tiro, durante muitos anos e os arguidos limitaram-se a seguir o mesmo;

78. A partir de Junho de 1992, por directivas emanadas do Comando da FAP, o Campo de Tiro deixou de poder apresentar as despesas com o pessoal civil, sem contrato ou com contratos sem possibilidade de renovação;

79. O pessoal em causa era indispensável para actividades no Campo de Tiro, consideradas importantes para o cumprimento da missão em curso e, nessa altura, o Campo de Tiro, era alvo de alguma contestação por parte das populações vizinhas, devido a um incêndio de grandes proporções que tinha ocorrido e os arguidos consideraram que não era uma boa altura para "dispensar" pessoas com um longo passado de colaboração com a instituição, abrindo uma nova frente de crispação;

80. Por isso, entenderam os arguidos que a melhor solução seria manter as pessoas a trabalhar no Campo de Tiro, encontrando-se uma solução para dar cobertura contabilística à saída das verbas correspondentes aos salários;

81. Assim, foram consultadas algumas empresas, tendo a "…." aceite facturar as verbas correspondentes aos ordenados desses trabalhadores, emitindo as facturas correspondentes aos serviços efectivamente prestados pelos mesmos ao Campo de Tiro e procedendo este ao pagamento real desses valores aos respectivos trabalhadores;

82. A contabilidade mensal relativa a esses trabalhadores era executada pelo Eng9 ........, confirmada pelo arguido........ e apresentada, mensalmente, ao arguido F. M., que validava os mapas para pagamento;

83. Dessa forma, e para efeitos contabilísticos, a "........" emitiu as facturas respectivas, correspondentes ao valor pago pelo Campo de Tiro aos referidos trabalhadores, concretamente, em 31.08.92, emitiu a factura n.° 00570 B, relativa à colocação de 2.000 metros de vedação na zona da escadaria, do E. da C. das L., Secção G.., adjacente à zona do arrendamento da ........I, no valor de Esc. 928.000$00;

84. Em 01.10.92, emitiu a factura n.° 00581 B, referente à colocação de 1.800 metros de vedação no prédio denominado "........" no valor de Esc. 916.400$00;

85. Em 30.11.92, emitiu a factura n.° 00591 B relativa à colocação de 2000 metros de vedação na Zona do eucaliptal da ........I, no valor de Esc. 928.000$00;

86. Em 29.12.92, emitiu a factura n.° 00617 B, relativa à colocação de 2.000 metros de vedação na zona de…….., no valor de Esc. 928.000$00;

87. Em 31.08.92, emitiu a factura n.° 00571 B, relativa a eliminações de mato por gradagem (duas passagens) de grade de disco semi-pesado, no valor de Esc. 928.000$00;

88. Em 01.10.92, emitiu a factura n.° 00582 B, relativa a eliminações de mato por gradagem (duas passagens) de grade de disco semi-pesado", no montante de Esc. 918.720$00;

89. Em 29.12.92, emitiu a factura n.° 00618 B, relativa a eliminações de mato por gradagem (duas passagens) de grade de disco semi-pesado", no montante de Esc. 916.400$00;

90. Em 31.12.92, emitiu a factura n.° 00619 B, relativa a eliminações de mato por gradagem (duas passagens) de grade de disco semi-pesado, no montante de Esc. 928.000$00;

91. De igual modo, no ano de 1993, de forma a continuar com os trabalhos dos supra referidos trabalhadores civis, em data não concretamente determinada do ano de 1993 mas anterior 8 de Maio, foi aberto processo administrativo para a realização de obras de desmatação e aceiramento numa área de cerca de 20 hectares;

92. Nessa sequência, o arguido ..... lançou processos de consulta às sociedades comerciais, Sociedade …… do……, Lda; ........, Sociedade de…., Lda. E…, Sociedade de….., Lda, as quais tem sócios comuns;

93. A sociedade comercial vencedora foi a ........, Sociedade de….., Lda, que emitiria as facturas, nos termos referidos em 81 e 83;

94. Nessa sequência, a ........, em 28.10.93, emitiu a factura n.° 657 B, no valor de Esc. 922.200$00; emitiu a factura n.° 658 B, no valor de Esc. 916.400$00; emitiu a factura n.° 659 B, no valor de Esc. 916.400$00; emitiu a factura n.° 661 B, no valor de Esc. 928.000$00; emitiu a factura n.° 660 B, no valor de Esc. 928.000$00;

95. Em 15.11.93, emitiu a factura n.° 667 B, no valor de Esc. 928.000$00;

96. Em 19.11.93, emitiu a factura n.° 668 B, no valor de Esc.916.400$00;

97. Em 23.11.93, emitiu a factura n.° 669 B, no valor de Esc. 928.000$00;

98. Relativamente a todos os valores das facturas referidas em 83 a 90 e 94 a 97, requisição compromisso foi assinada pelo arguido........ e a nota de autorização de despesa foi assinada pelo arguido ..... e os valores correspondentes foram debitados no orçamento do Campo de Tiro e foram entregues aos trabalhadores que realizaram esses serviços;

99. O arguido........, entendeu a sua missão de comandar o Campo de Tiro, e elegendo, entre outras, como tarefas prioritárias, a vedação do seu perímetro, tendo em vista impedir ou evitar a intrusão de estranhos; e a vigilância de detecção de fogos na área do mesmo, bem como seu combate, atenta a sua habitual deflagração, sobretudo com tempo seco, por força das actividades desenvolvidas e da enorme mancha florestal contígua;

100. Para concretização desses objectivos, o arguido........, propôs, entre outros, proceder à obtenção de viaturas de combate a incêndio, por parte do Campo de Tiro, bem como a manutenção da sua operacionalidade; obtenção de meios de comunicação para as referidas viaturas; limpezas (desmatações), realização de aceiros e melhoramento de caminhos interiores para intervenção rápida e segura de meios; garantir posições estratégicas de abastecimento de água, com respectivo equipamento; equipar o furo de ….. com um motor de tractor; instalação de um posto de vigia, durante o Verão, para detecção de incêndios, situado na torre de aeronáutica, com equipamento de comunicações cedido pelos serviços florestais, realizar patrulhamentos exteriores, cumprindo ordens da….; construção da barragem de …..; instalação de linha eléctrica para o........; manutenção da política de arrendamentos das zonas periféricas do Campo de Tiro;

101. Relativamente ao seu comando, o arguido........ subscreveu o relatório de posse, datado de 14.07.92, junto aos autos no apenso V, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi apresentando aos seus superiores hierárquicos;

102. No dia 08 de Julho de 1992, na sequência de ensaios com espoletas em bombas reais de 250 kg, deflagrou um incêndio no Campo de Tiro, que durou três dias, tendo sido realizado o respectivo relatório, no qual se mencionou a falta de viaturas de combate a incêndio e a necessidade de realizar o aceiramento do terreno e que o Campo de Tiro, cerca de 2 meses antes, já havia avançado com a abertura de dois furos para captação de águas em pontos estratégicos, por forma a evitar grandes deslocações dos meios móveis, bem como a compra de bombas e instalação de geradores, conforme consta de fls. 1369-1374, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

103. Esse incêndio obrigou à intervenção de várias corporações de bombeiros da região e de meios aéreos, sendo que o Campo de Tiro não dispunha de nenhuma viatura operacional de combate a incêndios, nem comunicações no terreno, nem pessoal especializado, e o reabastecimento dos bombeiros implicava deslocações médias de 20 Kms;

104. Ainda no ano de 1992, ocorreu um outro incêndio, na nova área expropriada, confinante com a EN 119;

105. Os furos referidos em 17, 18 e 44, foram colocados em locais estratégicos do Campo de Tiro, na área resultante do processo de expropriação referido em 5, o que permite um mais fácil acesso das viaturas dos bombeiros e menor dispêndio de tempo, nos reabastecimentos;

106. A construção desses furos e a aquisição dos geradores e equipamentos para enchimento de auto tanques dos bombeiros foram efectuados para execução de uma estratégia pré-definida de segurança interna, para detecção e combate de incêndios do Campo de Tiro;

107. A data da posse do Comando dos arguidos, e na área referida em 2, ja existia um poço e um outro furo no Campo de Tiro, sito em….., sendo a questão da detecção e combate a incêndios, era uma preocupação dos anteriores comandos;

108. Com o mesmo propósito de facilitar o combate aos incêndios, o arguido ….. promoveu o início da construção de uma barragem perto de …., a qual foi concluída apos o arguido ter deixado o comando do Campo de Tiro;

109. Anteriormente à construção dos furos referidos em 18 e 19, as propriedades denominadas "….." e "........", já possuíam água própria com poços e depósitos, suficientes à sua exploração normal para a agro-pecuária;

110. As obras de beneficiação dos caminhos referidos em 22, 23. 37 e 38, foram realizadas com o mesmo objectivo de facilitar o acesso rápido de viaturas dos bombeiros aos referidos furos de captação de água e, nessa altura, foram melhorados todos os acessos à nova área expropriada, por necessidades operacionais do Campo de Tiro;

111. O "........" confronta com a estrada nacional nº119, para onde tem saída directa;

112. O Campo de Tiro, por falta de instalações condignas próprias, utilizava a propriedade denominada "........", mesmo depois de arrendada, com regularidade não determinada em concreto, para a realização de almoços e recepções oficiais; eventos desportivos e encontros de caça, para convidados;

113. Os custos de construção dos referidos furos, a realização de ensaios e a aquisição dos vários equipamentos necessários ao seu correcto funcionamento, bem como as obras de beneficiação dos caminhos de acesso aos mesmos, foram realizados no interesse do Campo de Tiro e em execução de políticas anteriormente definidas e expressas no Relatório de Posse do arguido........, podendo os rendeiros deles ter beneficiado, reflexamente, nomeadamente na utilização da água proveniente dos furos;

114. Por forma a evitar avarias já sucedidas com equipamentos anteriores, na carta relativa ao envio do relatório final apresentado pela sociedade "........" destinado à realização do furo referido em 18, foi informado por essa sociedade ao Campo de Tiro que "...é conveniente que a captação funcione todos os dias, face à qualidade química da água captada, isto é, "água francamente mineralizada, agressiva, quimicamente potável";

115. Mesmo não funcionando diariamente, os geradores obrigavam, por razões de manutenção, à sua frequente utilização, de forma a manter activos os furos e todo o gasóleo gasto nestas operações era-o, no interesse do Campo de Tiro;

116. A realização do furo referido em 44, resultou da total inoperacionalidade do furo que primeiro ali foi aberto e referido em 18;

117. A reparação do telhado e a aquisição e reparação dos portões referidos em 44 e 56 dos factos provados foram realizadas para impedir a continuação da degradação do referido pavilhão e evitar a intrusão no Campo de Tiro de estranhos, tendo sido a reparação do portão do "........", nos termos em que o foi, por se pretender respeitar a traça arquitectónica existente, da altura em que essa propriedade pertencia à C. L.;

118. A vedação do perímetro do Campo de Tiro, foi realizada por razões de segurança do próprio campo, de forma a evitar a intrusão de estranhos no mesmo;

119. O arguido........ promoveu a venda do rebanho, nas condições referidas em 26 a 32, após parecer da comissão de análise, presidida pelo Cap. ........, que considerou a proposta do Eng.9 ........ a mais vantajosa;

120. O arguido........ aceitou a proposta do Eng.9 ........, conforme referido em 29, por ter considerado a mesma mais vantajosa, pois contribuía com 360 borregos, em três anos, que valeriam, no total, cerca de € 10.800 e mantinha 157 cabeças, como efectivo registado no Campo de Tiro, permitindo receber o subsídio do INGA, durante 3 anos, no montante de € 13.467,54.

121. O motivo que determinou a necessidade de venda do rebanho residia na impossibilidade de manter a situação laboral do pastor que, como outro pessoal civil, trabalhava para o Campo de Tiro e era pago pelo Orçamento respectivo, mas não estava integrado no quadro de pessoal respectivo;

122. O arguido........ teve indicações superiores para resolver o problema de "desvinculação" de todo o pessoal civil do Campo de Tiro, naquela situação, incluindo o pastor, que auferia € 349,16;

123. Na fase de consultas para a venda do rebanho, o Eng.º ........ foi confrontado com a necessidade de assumir o encargo do pastor, situação que aceitou, nas condições referidas em 28;

124. O arguido........ procedeu à cedência das pastagens, do ovil e da casa do pastor, conforme referido em 33, por permanecerem, durante os três anos em causa, 157 efectivos do rebanho pertença do Campo de Tiro, incluindo-se na contrapartida negocial efectuada;

125. O protocolo celebrado com o arrendatário "........" e referido em 37, inseria-se numa política de valorização e arrendamento dos espaços periféricos, visando potenciar a segurança, quer em termos de vigilância a incêndios, quer dissuadindo a intrusão de estranhos;

126. E o aí prometido apoio à concretização de uma pista arenosa, decorrida do facto da mesma passar a ser utilizada tanto para treino dos cavalos do arrendatário, como para teste das viaturas que se deslocavam ao Campo de Tiro, para esse efeito, uma vez que seria a única adequada ao efeito;

127. O Campo de Tiro não chegou a realizar quaisquer obras de construção para essa pista, tendo apenas sido feita uma movimentação de terras, que deixou em aberto um fosso, que se permitiu aproveitar para ensaios/testes das viaturas militares e, também, para actividade do treino de cavalos;

128. As limpezas dos caminhos e retirada das lenhas secas referidas em 60, foram-no de acordo com o planeamento dos Serviços Agro-Florestais, e, por isso, não foram contabilizadas, conforme referido em 61, o que era procedimento habitual, por se tratar de uma actividade corrente no Campo de Tiro;

129. O fosso referido em 70, foi aberto por o Campo de Tiro precisar construir uma carreira de tiro, com as dimensões de 200m x 45 x 2, destinada a instruendos que frequentavam as semanas de campo e na fase final da recruta, libertando a carreira de tiro esquerda de aeronáutica das limitações em termos de coordenação e da segurança dos utilizadores;

130. De acordo com o relatório elaborado pela Direcção de Infra-Estruturas da FAP, em termos estimativos, o volume de inertes retirado desse fosso, corresponderia a 24.200 m3; o custo da escavação e transporte a vazadouro seria entre 800$00 a 1.000$00 / m3, e o material retirado teria um valor de 150$00/m3, pelo que essa obra custaria Esc. 19.360.000$00 e o valor do saibro retirado seria de Esc. 3.630.000$00;

131. O "........" é constituído por montado de sobro, sendo a cortiça retirada dos mesmos, pertença do Campo de Tiro e não possui qualquer aptidão agrícola, mas era apto à actividade pretendida pelo filho do arguido….., constituindo um factor acrescido a confiança mútua, atento os principais objectivos do arrendamento periférico dos terrenos do Campo de Tiro, em termos de segurança contra intrusos e na detecção atempada de incêndios;

132. Para concretização deste objectivo, o arrendatário obrigou-se à instalação de um telefone, no Monte, para reportar todas as situações de emergência que detectasse;

133. Os arguidos são cidadãos exemplares, respeitados pais de família, considerados pelo que com eles privam e que os conhecem;

134. E foram, militares reputados, com excepcional desempenho profissional, reconhecidos pela instituição que serviram;

135. Em 10.02.92, foi atribuído ao arguido …., um louvor, pela FAP, por vários serviços prestados, referindo-se os seus méritos para ter sido chamado a colaborar, entre outros, na reestruturação do Campo de Tiro de Alcochete e foi-lhe atribuído outro louvor, pela FAP, em 15.11.94, por desempenho das suas funções;

136. O arguido........, já após a realização da Inspecção à sua acção de comando foi nomeado para o curso de Brigadeiro, o que só acontece nos casos de evidente reconhecimento do mérito e capacidade dos nomeados;

137. E desempenhou, a partir de 1992, as funções de Delegado Nacional da A., organismo que pertence à N.;

138. O arguido........ encontra-se reformado da FAP, com a patente de Coronel, auferindo € 2.500,00 de pensão, mensalmente;

139. Vive com a mulher, em casa própria;

140. Não tem antecedentes criminais;

141. O arguido …. encontra-se reformado da FAP, auferindo € 4.000,00 mensais, ilíquidos, de pensão;

142. Vive sozinho, em casa adquirida, mediante empréstimo bancário;

143. Não tem antecedentes criminais. – cfr. doc. nº 2, junto com a p.i..

EE) Não se provou que:

1. Os furos de captação de água e respectivos estudos prévios referidos em 17, 18 e 44 dos factos provados, foram realizados no exclusivo interesse do arrendatário;

2. As obras de beneficiação das estradas referidas em 22 e 23 dos factos provados, foram realizadas no interesse exclusivo do arrendatário do prédio denominado "........";

3. Os consumos de gasóleo e óleo do gerador referido em 25 dos factos provados, foram-no nos exclusivos dos arguidos e do arrendatário;

4. No processo destinado à alienação do rebanho, era obrigatório o conhecimento e a audição do Comandante da Esquadrilha e Intendência do Campo de Tiro;

5. A manutenção do rebanho seria mais vantajoso economicamente para o Campo de Tiro de Alcochete;

6. A cedência, a título gratuito, da pastagem, área de ovil e habitação para o pastor referida em 32 dos factos provados, foi contra os interesses do Campo de Tiro de Alcochete e foi realizada no exclusivo interesse do arrendatário Eng. ........;

7. O arguido........ celebrou o contrato referido em 33 dos factos provados, contra os interesses do Campo de Tiro e no interesse exclusivo do arrendatário;

8. As obras de beneficiação da estrada e pistas referidas em 37 e 38 dos factos provados, foram realizadas no interesse exclusivo do arrendatário do prédio denominado "........";

9. O grupo …, coluna de suspensão e sistema hidropneumático referidos em 48,49 e 51 dos factos provados, foram colocados no respectivo furo de água no exclusivo interesse do arrendatário do prédio;

10. A aquisição dos portões referidos em 56 dos factos provados, foi realizada no exclusivo interesse do arrendatário do "........";

11. O gerador referido em 62 dos factos provados, foi colocado nos termos aí referidos, em cumprimento do protocolo aludido em 57 dos factos provados;

12. O arguido........ não elaborava a documentação de requisição e ordem de entrega referente aos consumos de gasóleo aludidos em 69 dos factos provados;

13. A utilização dos geradores e os consumos de gasóleo e óleo dos mesmos, conforme referido em 62 a 69 dos factos provados, foram realizados no exclusivo interesse do arrendatário e dos arguidos;

14. No "........" existia uma linha de tiro identificada com o número 4 e que a utilização da mesma foi abandonada na data da celebração do protocolo referido em 58 dos factos provados, tanto a nível diurno como nocturno;

15. Nessa linha de tiro não existem infra-estruturas que necessitem de alimentação eléctrica, pois todo o conjunto de infra-estruturas existentes não tem utilização, nem existem infra-estruturas para holofotes de vigilância;

16. Os arguidos fizeram seus os valores constantes das facturas referidas em 83 a 90 e 94 a 97 dos factos provados;

17. Os arguidos previram, quiseram e conseguiram, no exercício das suas funções de militares, fazerem seu, dinheiro e objectos colocados sob o domínio público e que lhe foram entregues em razão dessas funções;

18. Os arguidos previram, quiseram e conseguiram celebrar contratos de compra e venda, de arrendamento e protocolos relativos a interesses do Campo de Tiro Alcochete com o propósito de obter para si e para terceiro, participação económica nos mesmos. – cfr. doc. nº 2, junto com a p.i..

FF) A referida decisão transitou em julgado em 24/07/2009 – cfr. doc. nº 2, junto com a p.i..

GG) Os alegados ilícitos imputados ao A. e........ foram do conhecimento geral na Força Aérea, sobretudo ao nível de oficiais e oficiais superiores, tendo causado enorme repercussão e alarido – cfr. depoimento das testemunhas …..

HH) Era do conhecimento público na Força Aérea que os arguidos eram suspeitos de um conjunto alargado de crimes, mas não era público o conteúdo do Relatório da Inspecção – cfr. depoimento das testemunhas…….

II) A inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete decorreu entre fins de Maio e Junho de 1995, logo após a saída do Autor do comando e na vigência do comando do seu sucessor, o ….– cfr. depoimento das testemunhas…….

JJ) Na sequência da inspecção inopinada e como consequência das conclusões do relatório da mesma, a acção de comando do Autor foi objecto de um inquérito determinado pelo General Chefe do Estado Maior da Força Aérea, por despacho de 28/08/1995 – acordo/cfr. doc. nº 1, junto com a p.i., [fls. 232 e s.].

KK) Inicialmente foi nomeado como instrutor do inquérito o Brigadeiro J. M. C. N. – cfr. depoimento das testemunhas ……

LL) Tendo posteriormente passado a escrivão – cfr. depoimento da testemunha ….

MM) E substituído pelo General …., Inspector-Geral da Força Aérea – cfr. depoimento das testemunhas …..

NN) Até à decisão do processo-crime o Autor viveu uma situação de permanente angústia, sensação de injustiça e revolta pela incerteza da decisão da acção e dos seus efeitos nos familiares e amigos – cfr. depoimento das testemunhas ….

OO) O Autor sentiu-se envergonhado e enxovalhado perante os seus pares no que respeita à apreciação do seu desempenho enquanto comandante do Campo de Tiro de Alcochete – cfr. depoimento das testemunhas…...

PP) A mulher do A. adoeceu em 1996, com uma doença incurável, da qual viria a falecer, em Dezembro de 2000 – cfr. doc. nº 5 e 6, juntos com a p.i..

QQ) O Autor era confrontado com a preocupação da sua mulher quanto ao futuro do processo, o que lhe provocava inquietação e sentimento de impotência – cfr. depoimento da testemunha .........

RR) Os factos imputados ao Autor foram do conhecimento da generalidade dos militares do Campo de Tiro de Alcochete e de outras unidades onde veio a prestar serviço, depois de abandonar o comando do Campo de Tiro de Alcochete – cfr. depoimento da testemunha .........

SS) O Autor sentiu-se incomodado no seu meio profissional e envergonhado com as acusações que lhe foram formuladas – cfr. depoimento da testemunha .........

TT) À data da absolvição do Autor, a esmagadora maioria dos militares com quem trabalhava já haviam abandonado funções efectivas, encontrando-se na reserva ou na reforma – cfr. depoimento da testemunha .........

UU) Não tendo tido conhecimento da absolvição nem dos precisos termos em que a mesma ocorreu – cfr. depoimento da testemunha .........

VV) A Força Aérea não promoveu o conhecimento da absolvição do autor - cfr. depoimento da testemunha…...

WW) O Autor era engenheiro aeronáutico, com a patente de Coronel, eleito para “Conselhos da Especialidade” e que, coincidente com a acção de comando do Campo de Tiro de Alcochete, era Delegado Nacional da A., organismo que pertence à N. – cfr. depoimento da testemunha .........

XX) Encontrava-se colocado no primeiro lugar da lista, da sua especialidade, para aceder ao curso de Brigadeiro, para o qual foi nomeado em 1995, o que só acontece em casos de evidente reconhecimento do mérito e capacidade – cfr. depoimento das testemunhas ........, ........, .........

YY) O Autor, por razões relacionadas com as acusações constantes do Relatório de Inspecção, foi desnomeado da frequência do Curso Superior de Guerra Aérea 1995/96, curso que constituía condição especial para a promoção a Brigadeiro, por despacho do CEMFA de 27/10/1995, que homologou o parecer do Conselho Superior da Força Aérea, de 27/10/1995 – cfr. doc. nº 11, junto com a contestação e depoimento das testemunhas ........, ........, .........

ZZ) O A. recorreu contenciosamente deste acto, por acórdão do STA de 09/10/1997 proferido no proc. 39266-Z 1ª Secção, foi decidido manter o acto do CEMFA impugnado e negar provimento ao recurso – cfr. doc. nº 11, junto com a contestação.

AAA) O A. passou à reforma com a patente de Coronel – cfr. depoimento da testemunha .........

BBB) Situação que contribuiu para a sensação de angústia, sensação de injustiça e revolta do A. – cfr. depoimento da testemunha .........


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II.2 FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que o processo instaurado contra o Autor e........ resultou da iniciativa de uma facção de poder, à data, na Força Aérea, como uma tentativa de ajuste de contas com situações ocorridas no passado colonial e por, alguns anos antes do seu ingresso no Campo de Tiro de Alcochete, o co-arguido........ se ter recusado a avalizar poderosos negócios ruinosos para a instituição militar relacionados com a compra de armamento que, por isso, não se realizaram – artº 19º, da p.i.

2. Que o processo instaurado contra o Autor resultou da sua recusa em deixar imputar apenas ao........ as consequências dos actos por que foram acusados e que, com excepção da situação de arrendamento do........, avalizou e considerou também da sua responsabilidade – artº 20º, da p.i.

3. Que tendo em vista a prossecução de tais objectivos, os mentores do referido processo e os respectivos apaniguados, actuando de forma grosseiramente dolosa, manipularam e omitiram factos e documentos cuja existência não podiam deixar de conhecer – artº 21º, da p.i.

4. Que efectuaram, de forma intencional, uma incorrecta interpretação de factos e de práticas levadas a cabo no Campo de Tiro de Alcochete, que bem sabiam não constituir qualquer tipo de ilícito-criminal ou violação de conduta disciplinar – artº 22º, da p.i.

5. Que insinuaram comportamentos e supostos benefícios dos arguidos, que bem sabiam não ter ocorrido – artº 23º, da p.i.

6. Que os factos/práticas que foram apurados e considerados provados, constantes da sentença no processo-crime, eram do conhecimento prévio das entidades que tutelavam o Campo de Tiro de Alcochete, designadamente o Chefe do Estado Maior da Força Aérea e demais chefias (e até os subalternos) – artº 24º, da p.i.

7. Que estas entidades sabiam que não correspondiam à verdade os factos que o Tribunal veio a considerar como não provados e que correspondem, na sua generalidade às conclusões da Inspecção/Inquérito realizados pela tutela – artº 25º, da p.i.

8. Que o objectivo único do processo movido aos arguidos foi o de enxovalhar e enlamear a reputação de dois ilustres militares e manter o labéu da suspeita e da calúnia na Força Aérea – artº 26º e 30º, da p.i.

9. Que a paragem do processo de inquérito entre Maio de 1997 e princípios de 2006 na Polícia Judiciária Militar (PJM) tinha o intuito de provocar a prescrição dos crimes por que os arguidos vinham acusados, promovendo-se a extinção do procedimento criminal, sem a apreciação da verdade dos factos de que vinham indiciados – artº 27º, 28º e 29º, da p.i.

10. Que o Coronel ……. já havia manifestado, por diversas vezes, a sua velha animosidade para com o 2º Comandante do Campo de Tiro de Alcochete,........, devido ao facto deste último ter sido o responsável pela sua colocação, em tempo de guerra colonial no norte de Moçambique, quando ele pretenderia ficar em Lourenço Marques – artº 36º, da p.i..

11. Que o General ….., seguiu a cartilha pré-determinada e a prática do Coronel ….– artº 51º, da p.i.


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II.3 MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência final, bem como do teor dos documentos constantes dos autos, e da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, como vem referido em cada uma das alíneas do probatório.

A matéria referida nas al. A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA), BB), CC), DD), EE), FF), JJ), PP), ZZ) resulta do teor dos documentos que aí vêm referidos, não impugnados pelas partes.

A matéria referida nas al. GG), HH), NN), OO), QQ), RR), SS), TT), UU), XX), YY), AAA) e BBB) resulta dos depoimentos das testemunhas que aí vêm referidas, que de modo isento e credível, confirmaram os respectivos factos.

A testemunha ........ referiu que a inspecção inopinada ao CTA foi conhecida em toda a Força Aérea, bem como a sua desnomeação para o Curso que deva acesso à promoção a General. Mais referiu que o A. era considerado um oficial brilhante e que aqueles acontecimentos foram um escândalo na Força Aérea. Referiu também que o A. ficou muito incomodado com tudo o que aconteceu, sendo que a maioria das pessoas não sabe o que aconteceu, tendo ficado convencidos que houve negócios e irregularidades no CTA. Também a sua mulher manifestava preocupação com tudo o que estava a acontecer, tendo morrido sem conhecer o desfecho do processo.

A testemunha ........ referiu que em consequência da inspecção o A. não frequentou o Curso Superior de Guerra Aérea o que foi motivo de conversa e abalou moralmente o A.. Mais referiu que o A. no quadro dos engenheiros aeronáuticos era considerado um exemplo nos quadros da Força Aérea. Referiu também que já saíram muitas pessoas que não chegaram a saber o que aconteceu.

A testemunha ........ referiu que na altura era do conhecimento geral a inspecção à acção de comando do A. no CTA, tratando-se de assunto comentado na organização. Mais referiu que uma grande parte das pessoas não sabe que o A. foi ilibado. Ele próprio não saberia se não tivesse falado com o A..

A testemunha ........ referiu que o A. era uma referência dentro do quadro e que a avaliação da sua acção de comando no CTA e a sua desnomeação do curso foi uma grande surpresa. Mais referiu que se tratou de assunto do conhecimento dos oficiais.

A matéria referida nas al. II), KK), LL), MM) e WW) resulta do depoimento das testemunhas que aí vêm referidas, que de modo isento e credível, mostrando conhecimento directo dos factos, confirmaram o que aí vem referido.

A matéria referida na al. VV) resulta do depoimento escrito prestado pela testemunha .........

Quanto à matéria não provada, constante dos pontos 1 a 11 não foi feita prova que permita sustentar o que aí vem alegado.

Com efeito, do depoimento das testemunhas arroladas pelo A., bem como das arroladas pelo R., concretamente o Coronel ........ e o Tenente-General Piloto-Aviador ........, não resultou que a inspecção inopinada ao CTA determinada pelo Chefe do Estado Maior da Força Aérea tivesse por fito atingir pessoalmente o A., prejudicando a sua carreira. Pela testemunha Coronel ........, que elaborou o relatório da inspecção ao CTA foi dito que actuou com a maior lisura e rigor, apoiado nos camaradas juristas. Mais disse que não se cruzou com o A. em nenhuma unidade. Disse também que foi o Chefe do Estado Maior da Força Aérea quem o nomeou para a realização da inspecção. Também do depoimento do Tenente-General ........ não se extrai que em causa estivesse unicamente um procedimento persecutório e conspirativo contra o A..

Também da leitura do relatório de inspecção e dos elementos carreados para o processo- crime não se extrai essa realidade. Quanto muito alguma falta de rigor ou de correcta percepção das situações verificadas, mormente quanto aos arrendamentos existentes, furos de água ou extracção de areias.

Quanto à restante matéria alegada, por se tratarem de meros juízos conclusivos, de valor ou considerações de direito não são os mesmos susceptíveis de ser objecto de juízo probatório (pese embora a sua pertinência nos respectivos articulados).”.

DE DIREITO

Tendo presente a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos de cada um dos recursos jurisdicionais interpostos.

Considerando que foram interpostos três recursos, dos quais dois são principais, interpostos pelo Réu, Estado português e pelo Autor e ainda um recurso subordinado, interposto pelo Réu, Estado português, na sequência do recurso interposto pelo Autor, o qual foi admitido por decisão proferida por este Tribunal Central Administrativo Sul, impõe-se conhecer dos seus respectivos fundamentos, segundo a sua ordem lógica e de precedência.

Incidindo o fundamento do recurso subordinado sobre a matéria de exceção perentória da prescrição do direito à indemnização do Autor, o conhecimento de tal questão precede o de qualquer outra, por em caso de procedência poder obstar aos fundamentos de algum dos demais recursos interpostos.

Atento o exposto, conhecer-se-á em primeiro lugar dos fundamentos do recurso subordinado e depois de cada um dos recursos principais.

A. Recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português

1. Nulidade, por omissão de pronúncia em relação à exceção perentória de prescrição do direito, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, d), do CPC

Considerando a interposição de recurso pelo Autor contra a sentença recorrida, na parte em que conheceu e decidiu da questão da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, decorrente da actuação dos órgãos da Força Aérea no âmbito da inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete, vem o Réu, Estado português, interpor recurso subordinado contra o Despacho-saneador, proferido em 08/04/2014 e a sentença ora recorrida, com o fundamento de terem omitido a pronúncia decisória sobre a excepção perentória do direito, invocada pelo Réu na contestação.

Alega o Recorrente que a sentença recorrida omitiu o conhecimento dessa questão, nada tendo dito sobre a matéria, o que se reconduz a uma situação de nulidade, por omissão de pronúncia, por força do disposto nos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

Vejamos.

Sobre essa concreta questão, foi proferido o seguinte despacho no âmbito do despacho-saneador (cfr. fls. 629 dos autos), que ora se reproduz:

Da excepção peremptória de prescrição do direito do A.

Relego para final o seu conhecimento, atenta a necessidade de produção de prova”.

Verifica-se, pois, que tendo sido relegada para a fase da sentença a pronúncia sobre a exceçao peremptória da prescrição, a sentença omitiu a respectiva pronúncia e decisão sobre essa matéria, nada tendo dito ou decidido a seu respeito.

Tal constitui a omissão de conhecimento na sentença de uma questão que havia sido suscitada pelas partes e sobre a qual existe o dever de pronúncia, sob pena de nulidade decisória, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A citada nulidade, com fundamento na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, preceitua que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A sentença é nula por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre a questão que ele próprio enunciou no Despacho-saneador e sobre o qual recai o dever de apreciar, por ter sido suscitada pelas partes, in casu, por omissão de pronúncia em relação à questão da prescrição do direito, nos termos invocados pelo Réu na contestação.

Assim, procede efectivamente tal omissão de pronúncia quanto à questão da prescrição, por não a ter a sentença recorrida decidido sobre tal questão.

Nestes termos, será de julgar procedente o fundamento do recurso, verificando-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia a respeito da alegada prescrição do direito invocado pelo Autor, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, procedendo as conclusões do recurso nesta parte.

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.º do D.L. n.º 48051, de 21/11/1967 e artigo 71.º, n,º 2 da LPTA ou do artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, 576.º, n.ºs 1 e 3, 579.º, 608.º, n.º 2 e 615.º, nº 1, d) do CPC

Em consequência do conhecimento do fundamento do recurso anterior e sendo o mesmo julgado procedente, fica prejudicado o conhecimento do alegado erro de julgamento da sentença sobre a questão da prescrição do direito.

Em rigor, julgando-se procedente a omissão de conhecimento quanto a certa questão, porque o Tribunal a quo não conheceu de questão que devia ter conhecido, nunca se poderá defender que a sentença errou o julgamento da questão que não conheceu.

Nestes termos, improcede, por não provado, o invocado erro de julgamento da sentença em relação à questão da prescrição.


*

Termos em que, será de conceder provimento ao recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, julgando-se procedente a nulidade decisória, por omissão de pronúncia em relação à questão da prescrição do direito invocada pelo Autor.

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Em consequência, julgando-se procedente a nulidade decisória, por omissão de pronúncia da sentença recorrida sobre a concreta questão da prescrição, dela se impõe tomar conhecimento, em substituição do Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPTA.

*

3. Da prescrição do direito

Nos termos invocados pelo Réu, Estado português, na contestação apresentada em juízo, mostra-se prescrito o direito à indemnização peticionado pelo Autor, no que concerne à questão de saber se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função administrativa, decorrente da actuação dos órgãos da Força Aérea no âmbito da inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete, que a sentença recorrida julgou improcedente, assim como quanto à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Benavente, que a sentença recorrida julgou procedente.

Tendo o Autor instaurado a acção de indemnização fundada em duas causas de pedir diferentes, mostra-se invocada a prescrição quanto a ambas, a da responsabilidade civil pelos danos causados no exercício da função administrativa e a responsabilidade civil pelos danos causados no exercício da função jurisdicional, por mau funcionamento do sistema de justiça e violação do direito a decisão em prazo razoável.

Segundo o Réu, ora Recorrente, o prazo geral de prescrição do direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual é de 3 anos, segundo o artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, sujeito ao alargamento previsto no seu n.º 3, aplicando-se o prazo de prescrição da lei penal desde que o facto ilícito constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.

É aceite pacificamente que o prazo começa a correr a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do direito à indemnização, ainda que não conheça nessa data a extensão integral dos danos.

Pelo que releva para o início do prazo de prescrição o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e não o momento em que cessou a sua eventual violação, independentemente do ilícito que fundamenta o pedido ser de produção instantânea ou duradoura/continuada.

Assim, alega o ora Recorrente que, atento o circunstancialismo de facto apurado, compreendido entre 31/05/995 e 24/07/2007, tendo a presente acção sido instaurada em 01/09/2010 e o Estado sido citado em 30/04/2012, já há muito que se encontrava esgotado o direito à indemnização.

Vejamos.

Decorre da alegação constante da contestação apresentada em juízo e, nos mesmos termos, na alegação do presente recurso jurisdicional, a descrição das datas dos factos relativos ao processo, com relevância para a contagem do prazo da prescrição.

Porém, como se mostra invocado, é alegada a exceção de prescrição relativamente a duas causas de pedir diferentes, cujos factos e pressupostos são diferentes, sem que logre o Réu, ora Recorrente, concretizar e fazer a devida distinção.

Mostra-se invocado que se estando perante causas de pedir, entidades visadas, procedimentos e pretensas ilegalidade diferentes e autónomas, cada uma das imputadas condutas ilícitas reclama a contagem própria e diferente de um prazo, no que toca ao momento inicial da contagem.

Porém, tal não se apresenta concretizado pelo Réu, nem nos termos da contestação apresentada em juízo, nem nos termos da presente alegação de recurso, já que não se mostram alegados os factos determinantes da prescrição em relação a cada uma das causas de pedir.

Significa isto que se limitou o Réu a alegar a prescrição do direito à indemnização, sem distinguir nos seus fundamentos os factos concretos em que a mesma se há-de basear em relação a cada uma das causas de pedir, ou seja, sem a necessária concretização factual.

Assim, desconhece-se, em concreto, qual ou quais as datas em que o Réu, que suscita a matéria de exceção, considera relevante(s), para a procedência da exceção da prescrição em relação a cada uma das causas de pedir invocadas pelo Autor.

Sem prejuízo, considerando os factos apurados, impõe-se considerar o seguinte:

- em 1995 foi determinada a realização da inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete;

- a inspecção decorreu entre 31/05/1995 e 20/07/1995;

- em 01/08/1995 foi elaborado o Relatório de Inspecção;

- em 23/08/1995 foi ordenado o envio de certidão do Relatório de Inspecção à Polícia Judiciária Militar;

- em 31/08/1995 foi proposta a instauração de inquérito militar;

- em 29/09/1995 o Autor foi ouvido no âmbito do inquérito;

- em 27/10/1995 o Autor foi desnomeado da frequência do Curso Superior de guerra Aérea 1995/96;

- em 21/03/1997 o Autor foi constituído arguido;

- por acórdão do STA, de 09/10/1997 foi negado provimento ao recurso interposto contra o ato de desnomeação da frequência do Curso Superior de guerra Aérea 1995/96;

- em 06/12/2006 a Polícia Judiciária Militar entrega o relatório final;

- em 12/12/2006 foi deduzida acusação contra o Autor;

- em 09/07/2007 foi proferido acórdão, tendo o Autor sido absolvido;

- a decisão transitou em julgado em 24/07/2009;

- a presente acção administrativa foi instaurada em 30/07/2010 (fls. 1 dos autos);

- a citação do Réu, Estado português ocorreu em 30/04/2012, após recurso de decisão de incompetência territorial interposto pelo Autor, julgado improcedente por decisão do TCAS (cfr. fls. 465 dos autos).

Tendo presente a factualidade antecedente, vejamos a questão da prescrição em relação a cada uma das causas de pedir.

Estabelece o disposto no artigo 498.º do Código Civil, sobre a prescrição:

“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”.

Quanto ao regime da interrupção da prescrição, promovida pelo titular do direito, nos termos do artigo 323.º do Código Civil:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”.

Os factos que foram imputados ao Autor revestem a natureza de crime, pelo que, tem aplicação o prazo mais longo de prescrição, previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, de cinco anos.

Este prazo de cinco anos deve ser contado de maneira diferente em relação a cada uma das causas de pedir.

Em relação ao pedido de indemnização pelos danos causados pelo exercício da função administrativa, decorrente da atuação dos órgãos da Força Aérea no âmbito da inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete, é de entender no sentido invocado pelo Réu, pela procedência da prescrição do direito.

Está em causa a atuação ocorrida em 1995, do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, ao determinar a realização de uma inspecção ao Campo de Tiro de Alcochete, em relação ao qual, em 01/08/1995 foi elaborado o relatório de inspecção e em 23/08/1995 foi enviado esse relatório para a Polícia Judiciária Militar, tendo em 31/08/1995 sido proposta a instauração de inquérito militar, o qual foi aberto e veio a determinar em 27/10/1995, a desnomeação do Autor para a frequência do Curso Superior de Guerra Aérea 1995/96.

Tais factos relativos à alegada actuação ilícita dos órgãos da Força Aérea ocorreram todos no decurso do ano de 1995, apenas tendo sido proferido o acórdão pelo STA, em 1997, que negou provimento ao recurso interposto pelo Autor.

Por outro lado, mesmo que se considere a data de 06/12/2006, em que a Polícia Judiciária Militar entregou o relatório final no processo-crime, considerando a data da citação do Réu, em 30/04/2012, já decorreu o prazo de cinco anos.

Pelo que, é seguro dizer que senão desde 1995, pelo menos desde 1997 ou mesmo de 2006, o Autor dispunha de todos os elementos que o levassem a agir em relação aos danos causados pelos órgãos da Força Aérea, no exercício da função administrativa, baseados na instauração do processo de inquérito.

Há muito que o Autor conhece os factos decorrentes da atuação dos órgãos da Força Aérea no âmbito do respectivo processo de inquérito, conhecendo os pressupostos e os elementos constitutivos do direito à indemnização, nada obstando que pudesse ter agido judicialmente.

Nestes termos é de concluir pela prescrição do direito em relação à indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função administrativa, imputáveis aos serviços da Força Aérea.


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No que respeita à responsabilidade civil pelos danos causados pelo atraso na justiça, releva que em 09/07/2007 foi proferido acórdão no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial de Benavente, essa decisão transitou em julgado em 24/07/2009, a presente acção administrativa foi instaurada em 30/07/2010 e a citação do Réu, Estado português ocorreu em 30/04/2012.

Mesmo se considerarmos a data da prolação do acórdão pelo Tribunal Judicial de Benavente, em 09/07/2007, e não a data do seu respectivo trânsito em julgado, 24/07/2009, iniciando-se o prazo de cinco anos a contar de qualquer dessas datas, o mesmo não se encontra excedido ou ultrapassado aquando a data da citação do Réu, em 30/04/2012.

No sentido de o início do prazo da prescrição da responsabilidade civil extracontratual por atraso na justiça tomar como referência o trânsito em julgado da decisão final no respectivo processo, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01214/17, de 16/11/2017.

Estando em causa a instauração de um processo-crime, tem aplicação o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, aplicando-se o prazo mais longo, não tendo decorrido o prazo de cinco anos de prescrição.

Mas mesmo que se considerasse o prazo mais reduzido de prescrição, de três anos, entre a data do trânsito em julgado da decisão judicial, em 24/07/2009 e a data da citação do Réu, em 30/04/2012, não decorreram três anos.

Por outro lado, sendo a causa de pedir fundada na delonga do processo judicial e na dilação da decisão judicial, apenas com o seu desfecho está o Autor em condições de conhecer os pressupostos do direito à indemnização, pelo que, não poderia o Autor antes de decidido o processo-crime instaurar a acção administrativa como a que deduziu em juízo, fundada em atraso e mau funcionamento do sistema de justiça.

Neste sentido, não assiste razão ao Réu, ora Recorrente, na parte em que defende que a data do trânsito em julgado não pode servir de marco para o início da contagem do prazo prescricional, nem que o Autor pudesse antes de decidida a causa agir judicialmente, por já durante o processo existirem atrasos e estarem preenchidos os requisitos objectivos aferidores do início da contagem do prazo prescricional.

Nestes termos, será de concluir pela improcedência da exceção perentória de prescrição em relação ao direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito a decisão judicial em prazo razoável.


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Pelo que, em face de todo o exposto, será de conceder parcial provimento à questão da prescrição, julgando prescrito o direito à indemnização fundada em danos causados pelos órgãos da Força Aérea, no exercício da função administrativa e em julgar não prescrito o direito à indemnização pelos danos causados pelo atraso da justiça, pela violação do direito à decisão judicial em prazo razoável.

B. Recurso interposto pelo Réu, Estado português

Erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação dos artigos 2.º, 4.º e 6.º do D.L. n.º 48051, de 21/11, 7.º, 9.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e artigos 342.º, 483.º, 487.º e 494.º do Código Civil, quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do quantum da indemnização

Nos termos do recurso interposto pelo Réu, Estado português, é invocado o erro de julgamento contra a sentença recorrida no que respeita aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do quantum indemnizatório.

Alega que a sentença recorrida no tocante ao pressuposto da ilicitude refere apenas a circunstância objetiva da demora no atraso da decisão de cerca de dez anos, não sendo relatados e muito menos demonstrados factos suscetíveis de traduzir ou indiciar um funcionamento anómalo do serviço, enquadrável no âmbito de previsão no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 67/2007, ou de configurarem a ilicitude prevista no artigo 9.º, n.º 2 da mesma lei.

Sustenta que a simples inobservância de prazos processuais não consubstancia a prática de um facto ilícito e culposo, por serem meramente ordenadores da prática da actividade judiciária.

Assim, defende o Recorrente que falta o requisito da ilicitude.

Do mesmo modo, invoca o Recorrente a falta do pressuposto da culpa, pois nem o Autor alegou, nem a sentença refere facto algum susceptível de materializar a culpa na demora da conclusão do inquérito.

Não foi apontada a culpa individual das pessoas em concreto e a culpa do serviço funciona apenas residualmente, quando não seja possível descobrir os verdadeiros autores do facto ou da omissão, cabendo ao Autor alegar e provar os factos para concretizar qualquer das modalidades de culpa.

Quanto ao dano, invoca que para os danos morais concorrem outros atos lesivos ou outras causas, como a exclusão do Autor do Curso Superior de Guerra e as decisões proferidas em processo disciplinar e em processo-crime.

Quanto ao quantum indemnizatório, sustenta que sendo jurisprudência aceite computar € 1.000,00 por cada ano de atraso, não podem ser atribuídos € 10.000,00 pelos dez anos de atraso, pois há que descontar o tempo razoável para a ultimação do processo, que se alvita em três anos.

Vejamos.

No presente recurso está em causa apurar do alegado erro de julgamento de direito da sentença recorrida sobre os pressupostos da ilicitude, da culpa e do dano, por entender o Recorrente que tais requisitos não resultam alegados pelo Autor ou demonstrados nos autos, sendo também posto em causa o quantum indemnizatório fixado.

A decisão recorrida traduz-se na condenação do Estado português ao pagamento de uma indemnização no valor de € 10.000, acrescida de juros legais, fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por danos decorrentes do mau funcionamento do sistema público de justiça, pela delonga da ultimação do processo em que o Autor foi durante vários anos arguido, o Processo n.º 13256/04.0TDLSB, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, ou seja, pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável.

Com relevo para a decisão a proferir sobre o invocado erro de julgamento acerca dos pressupostos da responsabilidade da ilicitude, da culpa e do dano, importa atender à matéria de facto apurada nos autos, pois será com base nela que recairá a aplicação dos normativos de direito e a solução jurídica a dar ao caso.

Encontra-se apurado em juízo que os factos que deram origem à instauração de inquérito militar contra o ora Autor e Recorrido remontam a 31/08/1995, data da proposta da instauração do referido inquérito, com a constituição do arguido em 21/03/1997 e a decisão judicial proferida em 09/07/2007.

Por relevante, remete-se no demais para o discurso fundamentador da sentença, por suficientemente explanador dos factos relevantes do presente caso:

Da tramitação adoptada no processo, que a selecção da matéria de facto provada revela, extrai-se, com relevo o seguinte:

Por despacho de 23/08/1995 do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea foi ordenado o envio de certidão do Relatório da Inspecção da Inspecção da Área Financeira (IAF) ao Campo de Tiro de Alcochete relatório e correspondentes documentos ao Serviço de Polícia Judiciária Militar “por existirem indícios de matéria passível de procedimento criminal”.

Em 31/08/1995 foi proposto a instauração de inquérito militar.

Em 29/09/1995 o A. (arguido nos autos) foi ouvido.

Em 03/10/1995 foi junto relatório circunstanciado da Polícia Judiciária Militar.

Entre 23/02/1996 e 15/01/1997 inquirição pela Polícia Judiciária Militar de 16 testemunhas e junção aos autos de prova documental.

Em 21/03/1997 o A. foi constituído arguido, sujeito a interrogatório e termo de identidade e residência.

Em 03/07/1998 foi junto relatório de peritagem contabilística à escrita do Campo de Tiro de Alcochete.

Entre 03/03/2000 e 26/11/2001, inquirição pela Polícia Judiciária Militar de 7 testemunhas.

Em 13/09/2004 remessa dos autos ao DIAP de Lisboa com fundamento na entrada em vigor do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15/11.

Em 28/12/2004 o DIAP de Lisboa excepciona a sua competência e remete os autos ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa [NUIPC 13.256/04.0TDLSB].

Em 28/01/2005 a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa excepciona a sua competência e remete os autos ao Ministério Público da Comarca de Benavente.

Em 01/06/2005 é proferido despacho do Ministério Público a remeter os autos à Polícia Judiciária Militar a fim de serem concluídas as diligências de investigação.

Entre 13/12/2005 e 30/10/2006 inquirição de duas testemunhas pela Polícia Judiciária Militar.

Em 22/11/2006 o Ministério Público profere despacho a solicitar a conclusão urgente das diligências de investigação e envio de relatório final atenta a iminência de decurso do prazo da prescrição.

Em 06/12/2006 a Polícia Judiciária Militar entrega o relatório final.

Em 12/12/2006 foi deduzida acusação contra o ora A. ..... pela prática, em co-autoria com........, de 8 crimes de peculato, 19 crimes de participação económica em negócio, 1 crime de peculato de uso e 1 crime de abuso de poder

Em 19 de Abril de 2007 teve início a audiência de julgamento.

Em 09/07/2007 foi proferido Acórdão, tendo o A. e o co-arguido........ sido absolvidos dos crimes de que vinham acusados e do pedido de indemnização civil.

A referida decisão transitou em julgado em 24/07/2009.”.

Perante a factualidade apurada nos autos, vejamos então as questões suscitadas pelo Recorrente sobre os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

1.1. Do requisito da ilicitude

Atenta a factualidade dada como assente, a qual não se mostra impugnada, não podem existir dúvidas quanto ao acerto da sentença recorrida quanto a dar por demonstrado o requisito da ilicitude, por ter sido excedido em muito o prazo razoável para a tramitação e o desfecho do processo judicial, até à obtenção de uma decisão judicial que, com força de caso julgado, dirima o litígio e defina o direito para o caso concreto.

Atendendo ao conceito de ilicitude, previsto nos termos do disposto no artigo 6.º do D.L. nº 48051, ora aplicável, “consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios jurídicos aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”, é de configurar o caso como a violação das normas jurídicas que regulam o acesso à justiça e o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.

Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, a doutrina propõe que a ilicitude considera a conduta objectivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano (Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, pp. 578 e 579 e pp. 518).

Essa omissão é violadora das normas legais aplicáveis respeitantes ao direito fundamental à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, nos termos do qual “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”.

Impõe-se sobre o Réu, Estado português, o dever legal de zelo e de adopção de todas as acções ou condutas de forma a dar resposta efectiva ao serviço público de justiça, apreciando e decidindo as pretensões dos particulares e resolvendo os processos instaurados, respondendo pelos danos causados decorrente da sua actuação lesiva.

Além do que resulta do citado preceito constitucional, tal como referido na sentença recorrida, encontra-se esse direito consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), datada de 04 de Novembro de 1950, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, em vigor na ordem jurídica interna desde 09/11/1978 [DR, I Série, n.º 89, de 16/06/1978] que estabelece sob a epígrafe de “Direito a um processo equitativo”:

1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…).”.

Estabelece ainda o artigo 13º da CEDH:

Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na (…) Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de Dezembro de 1948, publicada no Diário da República de 09/03/1978, prevê no seu artigo 8.º que:

Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competente contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”.

Também o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, datado de 07 de Outubro de 1976, aprovado pela Lei n.º 29/78, de 12/06, consagra no seu artigo 14.º, os direitos dos cidadãos perante os tribunais, prevendo que a causa no âmbito penal seja julgada “sem demora excessiva” [cfr. artigo 14.º, n.ºs. 1 e 3, alínea c)].

Dispõe o artigo 22º da Lei Fundamental, sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

Decorre ainda do n.º 1 do artigo 2.º do CPC:

A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.”.

A que acresce o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA:

O princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.”.

Da conjugação de todos os referidos preceitos resulta que no ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

Assim, existindo norma concretizadora no direito interno, que não ponha em causa o direito europeu e constitucional não há porque não a aplicar.

Tal como decidido pelo Tribunal a quo, os factos descritos, que resultam dados como assentes nos autos, são suficientes à demonstração da verificação do requisito da ilicitude, considerando que desde a constituição do Autor como arguido em 21/03/1997 até ser proferida decisão mediaram mais de dez anos, sem que se tenha apurado qualquer comportamento ou contribuição do Autor para o entorpecimento e a delonga do respectivo processo judicial.

Não é de todo razoável e excede largamente a noção de prazo razoável, o período de dez anos para o desfecho de uma causa.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a razoabilidade da duração de um processo é avaliada segundo as circunstâncias da causa e tendo em atenção os critérios consagrados pela jurisprudência, em particular, a complexidade do processo, o comportamento das partes e aquele que é atribuído às autoridades competentes, bem como, a importância do caso para os interessados (ver, entre muitos outros, Frydlender c. França [GC], n.º 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII).

Assim, em face dos factos que resultam provados, deve entender-se pela verificação do pressuposto da ilicitude, na vertente de uma omissão ilícito do dever de agir.

Acolhendo a fundamentação de direito da sentença recorrida, “Segundo a doutrina constitucional, em anotação ao artº 20º da Constituição, “No nº 4, a Constituição dá expresso acolhimento ao direito à decisão da causa em prazo razoável e ao direito ao processo equitativo.”, estando intimamente relacionado com o princípio da efectividade, cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 414 e 417.

O direito à decisão da causa em prazo razoável, também referido pela doutrina como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo.

Ser a causa examinada em prazo razoável, constitui um elemento essencial para a boa administração da justiça.

“A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo” – cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 417.

A razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo, o comportamento do recorrente e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros.

A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido relevante na densificação dos critérios a ter em conta, associando o respeito pelo prazo razoável à eficácia e credibilidade da justiça.

Por isso, se refere “mais uma das facetas da Europeização do Direito Administrativo e do Direito Processual Administrativo”, pois “a influência do Juiz de Estrasburgo tem sido tão significativa que o direito substantivo e processual de responsabilização por este tipo de danos tem traços muito idênticos nos diversos ordenamentos jurídicos” – cfr. ISABEL CELESTE M. FONSECA, A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?, Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, p. 8.

“A determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente” – cfr. IRINEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª edição, 2010, p. 184.

Segundo a mesma doutrina, “Os órgãos da Convenção consideram, como critérios gerais para a apreciação, a natureza do processo, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes (…)

a) A circunstância mais invocada para explicar um atraso fundado sobre a natureza do processo é a sua complexidade, evidenciada pelo número de pessoas envolvidas (arguidos, partes, testemunhas, peritos), pelas múltiplas questões de facto ou de direito suscitadas ou pelo seu volume.

b) O comportamento do requerente constitui um elemento objectivo, não imputável ao Estado requerido, e que entra em linha de conta para se determinar se houve ou não ultrapassagem do prazo razoável.

(…)

c) Apenas os atrasos devidos às autoridades competentes podem ser imputados aos Estados e, por isso, só eles permitem apurar se há ou não violação do n.º 1 do artigo 6.º.

Incumbe aos Estados organizar o seu sistema judiciário de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre as contestações relativas a direitos e obrigações de carácter civil, e sobre a acusação penal em prazo razoável.

(…), o facto de o processo estar sujeito ao princípio do dispositivo, não dispensa os juízes da obrigação de assegurarem o respeito das exigências do artigo 6.º em matéria do prazo razoável.” – cfr. IRINEU CABRAL BARRETO, ob. cit., p. 184-186.

Enquadrado normativamente o direito à decisão da causa em prazo razoável, dele decorre que a sua violação faz incorrer o Estado em responsabilidade civil.

Releva para efeitos de responsabilidade civil do Estado, o disposto no artº 22º da Constituição, assim como o regime jurídico que concretiza tal preceito constitucional, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo D.L. nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967 e, na actualidade, a Lei nº 67/2007, de 31/12 [que aprovou o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aplicável a factos ocorridos a partir de 30.01.2008 (cfr. artº 6º)].”.

Pelo exposto, nenhuma censura merece a sentença recorrida no tocante ao pressuposto da ilicitude, já que ao contrário do alegado pelo Recorrente a demora no atraso da decisão, em dez anos, decorridos entre a data da constituição de arguido e a prolação da decisão judicial, traduz um comportamento violador das normas jurídicas e traduz uma ilicitude objectiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.

Neste mesmo sentido, tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, de que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, consagrado no nº 4, do artº 20º da CRP, em sintonia com o nº 1, do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 09/04/2003, proc. nº 1833/02; de 17/03/2005, proc. nº 230/03; de 06/02/2007, proc. nº 1037/06; de 28/11/2007, proc. nº 308/07; de 09/10/2008, proc. nº 319/08; de 09/07/2009, proc. nº 0365/09 e de 08/07/2009, proc. n.º 122/09.

Termos em que improcedem as conclusões do recurso a respeito do requisito da ilicitude.

1.2. Do requisito da culpa

No tocante ao pressuposto da culpa, também não podem proceder as conclusões e respectiva alegação do recurso, pois que vigorando no direito da responsabilidade civil por atos praticados sob o regime de direito público, a presunção legal de culpa, atentos os factos descritos, que demonstram o mau funcionamento do serviço de justiça, tem de entender-se que a citada omissão ilícita, é também ela culposa.

No que se refere ao pressuposto da culpa, “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 571.

A culpa “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (Antunes Varela, obra cit., pp. 559), a qual resulta demonstrada, em face dos factos que resultam apurados.

Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do D.L. n.º 48051 que a culpa dos titulares dos órgãos ou dos agentes “é apreciada nos termos do artº 487º do Código Civil.”.

Segundo os n.ºs 1 e 2, do artigo 487.º do Código Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso concreto.

Pelo que, “na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.
Assim, a remissão contida no n.º 1, do artigo 4.º, do D.L. nº 48.051 abrange também o n.º 1, do artigo 487.º do Código Civil e daí a admissão de presunções legais de culpa nos termos do n.º 1, do artigo 493.º do Código Civil, por parte das entidades públicas.

Donde não existirem dúvidas de que, na vigência do D.L. n.º 48.051, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado admitia-se já como princípio geral, a culpa de um agente da Administração pela prática de um facto ilícito.
Assim, sendo, em princípio, ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre o Autor que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.
Beneficiando dessa presunção, o Autor não precisava de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa do Réu (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes ao Réu, Estado português ilidir essa presunção.
Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.

Para tanto, já então era conhecida a dificuldade em estabelecer a linha de fronteira entre a ilicitude e a culpa, pois que “a omissão negligente de deveres funcionais preenche simultaneamente os dois conceitos, concluindo-se, assim, que existindo o ilícito tem de existir a culpa” – neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 01/02/2001, Proc. nº 46805, publicado no Apêndice ao DR, de 21/07/2003, p. 846-855.
Beneficiando o Autor da presunção de culpa do Réu, Estado português, sobre quem recaía a obrigação de diligenciar pelo andamento do processo judicial e pela obtenção de uma decisão judicial em tempo oportuno e razoável, ao Autor lesado apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu a presunção de culpa, por não provar que a delonga do processo se deveu a conduta dilatória ou entorpecedora do andamento do processo por parte do Autor, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, n.ºs. 1 e 2, do Código Civil.
Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre o Réu uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liquet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção – neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, proc. nº 320/04.

O Código Civil consagra ainda a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstracto ou em sentido objectivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).
No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.
Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerado atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, proc. nº 41297.
Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.
A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável apenas às entidades públicas, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar dos serviços, na pressuposição de que funcionam normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização.

Por outro lado, embora a culpa se traduza no nexo de imputação do facto ao agente, não é forçoso que se traduza numa culpa pessoal, a qual, no caso concreto, pode nem sequer existir, bastando que exista a culpa do serviço, globalmente considerado.
Por outras palavras, para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.

Assim, sob a égide do D.L. n.º 48.051, a jurisprudência administrativa admitia a culpa do serviço globalmente considerado ou faut de service, imputável não ao agente individualmente considerado, mas ao serviço como um todo, decorrente do seu mau funcionamento generalizado, o que foi expressamente consagrado sob a vigência do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, prevendo-se a responsabilidade civil decorrente do funcionamento anormal do serviço nos termos do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 9.º.

Tal permite configurar, no presente caso, além da ilicitude, o juízo de imputação subjectivo do facto ao agente, ou seja, a culpa.
No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados a respeito da culpa do Autor, nem logrou o Réu demonstrar que procedeu com a diligência devida, respeitando os prazos aplicáveis à tramitação do processo ou que o processo revestisse uma dificuldade ou complexidade que justifiquem o tempo decorrido.
Pelo que, é inequívoco a culpa inerente à omissão da decisão judicial em prazo razoável, no sentido de não ter conseguido o Réu ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma omissão culposa, quer em função da presunção legal de culpa, quer em função de se encontrar provada a sua culpa, nos termos gerais, pois deveria ter existido determinada atuação quanto à prolação de decisão, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível.
O Réu apenas afastaria a ilicitude da sua omissão se tivesse provado qualquer facto que tivesse excluído o dever de agir em tempo razoável ou donde decorresse que esse dever não podia ter sido cumprido, isto é, que a omissão ilícita de falta de decisão em prazo razoável não decorreu da sua falta de organização e diligência, o que nos autos não logrou acontecer, pois que o Réu nem sequer alegou quaisquer factos a esse respeito, porventura suscetíveis de afastar a ilicitude da sua omissão.
Assim, o comportamento omissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pelo Autor, é também ele culposo.

A tramitação do processo e a emissão de decisão judicial em violação do prazo razoável, traduz um defeituoso funcionamento do serviço de justiça, o que permite configurar o juízo de imputação subjectivo do facto omissivo ao agente, ou seja, a culpa, enquanto padrão aferidor de conduta em termos inferiores ao mínimo exigido.

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, “a culpa resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e que constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.” – cfr. Acórdão do STA, de 09/10/2008, Proc. 0319/08.

Por isso, como se disse na sentença recorrida, se tende a considerar que o arrastamento de um processo “resulta tipicamente de uma massa de actos e omissões de funcionários e magistrados que se vão ocupando sucessivamente dos autos, bem como de deficiências organizatórias, escassez de meios e vicissitudes de toda a ordem, incluindo condutas das partes e dos restantes sujeitos com intervenção processual” – cfr. Luís Fábrica, “Notas sobre a Responsabilidade Civil por Violação do Direito a uma Decisão Judicial em Prazo Razoável”, AB INSTANTIA, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Abril 2013, Ano I, Nº 1, p. 52.

O Réu, Estado Português, sobre quem impende a presunção legal de culpa não conseguiu ilidir essa presunção, não se extraindo dos factos assentes, factualidade que afaste, quer a ilicitude, quer a culpa, no deficiente funcionamento da justiça, isto é, que desenvolveu todas as diligências ou adoptou as medidas necessárias para evitar o facto ilícito, nem se apresenta justificada a delonga na prolação da decisão judicial no âmbito da acção aqui em causa.

Todo o que antecede permite, negar a procedência do alegado pelo Recorrente no presente recurso, pois não sendo exigível a determinação da culpa individual ou pessoal, do concreto funcionário ou agente, nada obsta a que se considere a culpa colectiva ou indeterminada do ponto de vista do sujeito.

Em consequência, verifica-se o pressuposto da culpa, de que depende a condenação do Estado Português em responsabilidade civil extracontratual por dilações indevidas na administração da justiça, improcedendo as conclusões do recurso em causa.

1.3. Requisito do dano

Por último, em relação ao dano, também não assiste razão ao Recorrente, resultando dos factos dados como assentes, os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo Autor em consequência da atuação ilícita e culposa imputável aos órgãos e agentes do Réu,

Neste sentido, acolhe-se in totum a fundamentação vertida na sentença recorrida, por acertada e relevante para a decisão sobre o fundamento do recurso:

Como é sabido, a obrigação de indemnizar por facto ilícito (artigo 483.º n.º 1 do Código Civil) só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil).

Quando fixada em dinheiro, por ser impossível, a reconstituição natural, a indemnização deve medir-se pela diferença entre a situação actual do lesado e a situação hipotética em que se encontraria se não fosse o dano, atenta a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal.

O leque dos danos patrimoniais indemnizáveis é muito amplo, abrangendo quer os prejuízos causados (danos emergentes), quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

Cumpre desde já deixar estabelecido que não cabe neste âmbito [violação do direito a decisão em prazo razoável], o ressarcimento dos danos patrimoniais invocados pelo A., pois que aqueles, como aduz o A., decorrem directamente da sua exclusão do Curso Superior de Guerra Aérea, por razões atinentes às acusações constantes do Relatório de Inspecção da IAF da Força Aérea, e não da delonga do processo-crime.

Quanto aos danos não patrimoniais, dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito (n.º 1).

Os danos não patrimoniais traduzem-se nas lesões que não implicam directamente consequências patrimoniais, imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas e o sofrimento psicológico.

A gravidade do dano, medida para aferir da sua tutela pelo direito, tem de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos. Por isso, uma dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum considera como inerente às circunstâncias da vida, não atinge a gravidade merecedora da tutela do direito.

Assim, a jurisprudência tem entendido que em situações em que se mostre alegado e provado, sem mais, que alguém sofreu “desgaste”, “ansiedade”, “angústia”, “preocupações” ou “aborrecimentos”, em consequência de uma conduta ilícita e culposa, tal é insuficiente para qualificar os danos como graves para efeitos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.

Para o preenchimento do conceito de gravidade é necessário que estes sentimentos se encontrem objectivamente concretizados, pela sua amplitude, intensidade e duração.

Analisando o caso em apreço haverá que concluir que o A. sofreu danos, que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

Na verdade, o A. alegou e provou factualidade integradora de danos não patrimoniais susceptíveis de serem indemnizados.

Vejamos.

Com relevância para a aferição dos danos, resulta provado que até à decisão do processo-crime o Autor viveu uma situação de permanente angústia, sensação de injustiça e revolta pela incerteza da decisão da acção e dos seus efeitos nos familiares e amigos.

O Autor sentiu-se envergonhado e enxovalhado perante os seus pares no que respeita à apreciação do seu desempenho enquanto comandante do Campo de Tiro de Alcochete.

O Autor era confrontado com a preocupação da sua mulher quanto ao futuro do processo, o que lhe provocava inquietação e sentimento de impotência.

Os factos imputados ao Autor foram do conhecimento da generalidade dos militares do Campo de Tiro de Alcochete e de outras unidades onde veio a prestar serviço, depois de abandonar o comando do Campo de Tiro de Alcochete.

O Autor sentiu-se incomodado no seu meio profissional e envergonhado com as acusações que lhe foram formuladas.

À data da absolvição do Autor, a esmagadora maioria dos militares com quem trabalhava já haviam abandonado funções efectivas, encontrando-se na reserva ou na reforma.

Não tendo tido conhecimento da absolvição nem dos precisos termos em que a mesma ocorreu.

A Força Aérea não promoveu o conhecimento da absolvição do autor.

Em conclusão, o A. sofreu danos não patrimoniais os quais, pela sua amplitude, intensidade e duração, merecem a tutela do direito.”.

O probatório assente é bem revelador da demonstração dos danos produzidos na esfera jurídica do Autor, em consequência direta da atuação ilícita e culposa do Réu, pelo que, forçoso se tem de concluir pela verificação do requisito do dano, na vertente de danos não patrimoniais.

1.4. Do quantum da indemnização

No demais põe o Recorrente em crise o quantum da indemnização, por entender que foi considerado como atraso indevido todo o tempo decorrido entre a constituição de arguido e a decisão final, ou seja, todo o tempo de pendência do processo, sem descontar o prazo normal e adequado que sempre seria preciso para ultimar o processo.

Considera, por isso, que sendo prática jurisprudencial conceder 1.000,00 por cada ano de atraso, se deve descontar o período de três anos que seria o período razoável para a decisão do processo, reduzindo-se o valor da indemnização devida ao Autor.

Vejamos.

Compulsando o teor da sentença recorrida verifica-se que não é feita uma associação ou paralelismo entre o número de anos decorridos e o valor fixado da indemnização.

Com efeito, retira-se do discurso fundamentador da sentença recorrida, o seguinte, que ora se reproduz:

O Estado só deve, pois, responder pelos danos para cuja produção a sua conduta seja considerada adequada.

Os danos não patrimoniais sofridos pelo A. são consequência adequada do facto ilícito. Ou seja, se não tivesse ocorrido o facto ilícito – prolação de uma decisão judicial definitiva em prazo não razoável – o A. não teria sofrido os referidos danos.

Como ocorreu o facto ilícito o qual deu causa aos prejuízos, cujo ressarcimento é pedido nesta acção, verifica-se o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Do que fica exposto resulta que se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, o qual deve ser condenado a pagar ao A. uma indemnização cujo montante cabe agora determinar.

O A. pede € 175.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Cabe, dentro do limite estabelecido pelo pedido, proceder ao cálculo do montante da indemnização.

Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).

Como vimos, os danos não patrimoniais sofridos pelo A. são de molde a merecer a tutela do direito, face à sua amplitude, intensidade e, em especial, duração. Na verdade, os danos sofridos pelo A. assumem particular gravidade, por se verificarem durante um período tão longo.

O A. deve, pois, ser compensado pela atribuição de uma quantia pecuniária, da responsabilidade do lesante, cujo montante se fixa, por adequado e equitativo em € 10.000,00, atendendo também ao grau de culpa do Réu e à situação patrimonial que lhe é própria.

Sobre a quantia devida pelo Réu são, ainda, devidos juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento (cfr. artº 805º, nº 3, do CC).”.

A fundamentação da sentença não revela se foi ou não descontado o período considerado razoável para a tramitação e decisão do processo, pois que analisando os factos e ponderando a sua repercussão na esfera jurídica do Autor, considerando a sua intensidade e gravidade, se reputou ser o valor de € 10.000,00 adequado a ressarcir os danos verificados.

Não sendo, por isso, correto falar numa dilação indevida de dez anos, por esse período corresponder a todo o tempo em que o processo judicial andou a correr os seus termos e ser necessário considerar também o tempo em que, em condições normais, o mesmo se deveria desenrolar, reputa-se adequado considerar que existe uma dilação indevida de sete anos, tal como defende o ora Recorrente, considerando ser de três anos o período adequado para o desenrolar do processo.

Assim, sem que se possa afirmar que a sentença recorrida considerou efectivamente todo o tempo decorrido, sem considerar o tempo que seria razoável para o próprio desenrolar do processo, por a sua fundamentação não o revelar, considerando a prática jurisprudencial seguida, mas, simultaneamente, a gravidade e a intensidade dos danos não patrimoniais projectados sobre o Autor e o seu círculo familiar, relativos à constituição como arguido em processo do foro criminal, é de considerar adequado e correto o valor fixado na sentença recorrida, o qual, por isso, se mantém integralmente.

Nestes termos, será de negar razão ao Recorrente, ao sustentar o erro na fixação no quantum indemnizatório devido ao Autor, em consequência da prática do facto ilícito e culposo, gerador de danos não patrimoniais na esfera jurídica do Autor, mantendo o valor fixado na sentença recorrida.


*

Em consequência de todo o exposto, julga-se totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso interposto pelo Réu, Estado português, mantendo-se integralmente a sentença recorrida na parte em que o condenou ao pagamento de uma indemnização no valor de € 10.000,00, acrescida de juros legais, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.

C. Recurso interposto pelo Autor

Em consequência do anteriormente decidido, quanto ao juízo de procedência da questão da prescrição do direito em relação ao pedido de condenação do Réu, Estado português, ao pagamento de uma indemnização fundada na atuação ilícita e culposa dos órgãos da Força Aérea, julga-se prejudicado o conhecimento dos fundamentos do recurso interposto pelo Autor, no tocante ao erro de julgamento de facto, quanto aos factos não provados 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, que no entender do Autor deveriam ser dados como provados e ao erro de julgamento de direito, quanto ao pressuposto da ilicitude dos órgãos do Réu, responsáveis pela instauração e condução do processo, em violação dos artigos 2.º, n.º 1 e 6.º do D.L. n.º 48.051, bem como quanto aos restantes pressupostos da responsabilidade civil.

Encontrando-se prescrito o direito à indemnização, carece de fundamento o recurso jurisdicional interposto pelo Autor, cujo conhecimento fica prejudicado.

Termos, em que face ao antecede, será de julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo Autor.


*


Em face de todo o exposto, será de conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, em negar provimento ao recurso principal interposto pelo Réu, Estado português e em julgar prejudicado o recurso interposto pelo Autor.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Ocorre o fundamento de nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ao decidir-se no despacho-saneador relegar-se o conhecimento da exceção peremptória de prescrição para final e a sentença não ter conhecido dessa questão.

II. Releva como facto relevante para a determinação do início do cômputo do prazo de prescrição do direito à indemnização fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, a data do trânsito em julgado da decisão judicial.

III. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de processo-crime por dez anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.

IV. O quantum da indemnização deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a intensidade dos danos na esfera jurídica do Autor, pelo que, estando em causa a constituição como arguido em processo crime, que durou dez anos, de que veio a resultar a sua absolvição, não obstante se reputar como atraso do funcionamento da justiça o período de sete anos, por se reputar de três anos o período adequado à tramitação e decisão da causa, afigura-se adequado fixar o montante de indemnização em € 10.000,00.


***


Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em:

1. Conceder provimento ao recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, por nulidade decisória, por omissão de pronúncia em relação à questão da prescrição do direito à indemnização;

2. Em substituição, julgar prescrito o direito à indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos imputáveis aos órgãos da Força Aérea, no exercício da função administrativa, anulando a sentença recorrida nesta parte e absolvendo o Réu do pedido, e em julgar não prescrito o direito à indemnização fundada em responsabilidade civil do Estado, por violação do direito a decisão judicial em prazo razoável;

3. Negar provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, quanto à decisão de condenação ao pagamento de uma indemnização ao Autor no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida do pagamento de juros, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica;

4. Julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo Autor, atento o julgamento antecedente, de prescrição do direito.

Custas pelo Autor pelo decaimento do recurso subordinado.

Custas pelo Réu, pelo decaimento do recurso principal.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Cristina Santos)


(Catarina Jarmela)