Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1282/10.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMI
HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE
DOMICÍLIO FISCAL 
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I- As normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.
II- O pressuposto habitação própria e permanente, é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI, constante no artigo 42.º do EBF.
III- O facto de a morada constante do cadastro dos contribuintes ser diferente do local da situação do prédio não justifica, por si só, que habitavam nessa outra morada;
IV- Inexiste equiparação entre o conceito de habitação própria permanente e o conceito de domicílio fiscal, a isso não obstando o disposto no preceito legal 19.º da LGT, e o facto do n° 7 do artigo 42° do EBF presumir a afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.
V- A presunção referida no ponto antecedente é ilidível, sendo que o próprio pedido de reconhecimento da isenção do IMI tem inerente uma mudança de domicílio, pelo que a AT pode/deve estabelecer uma retificação oficiosa da residência.
VI- Não sendo controvertido e promanando assente que o Impugnante marido e todo o seu agregado familiar, incluindo a esposa, tinham a sua habitação própria e permanente no imóvel visado, e que só relativamente à mulher do Impugnante inexistia a aludida falta de correspondência entre a morada da residência e o domicílio fiscal, ter-se-á de concluir que estão reunidos os pressupostos para a concessão da isenção de IMI, nos visados períodos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por N…, contra as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), respeitantes aos anos de 2004 a 2008, no montante global de €3.426,35, referentes à fração autónoma designada pela letra “B”, para habitação própria e permanente do seu agregado familiar, sita na freguesia do Lumiar.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, intentada pelo ora recorrido contra as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativas aos exercícios de 2004 a 2008, no valor de €3.426,35.

4.2. Como fundamento da impugnação invocou o Impugnante, em suma, “apesar de em 2004 ter efectuado o pedido de isenção de IMI quanto à referida fracção autónoma, ao abrigo do artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), o mesmo apenas veio a ser indeferido pela Administração Tributária ("AT") em 2009, com o fundamento de que o seu cônjuge tinha um domicílio fiscal diferente da situação do prédio - decisão relativamente à qual interpôs recurso hierárquico, que veio a ser indeferido.

4.3. O Ilustre Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação, anulando três das liquidações sindicadas com base na preterição de que “Não sendo controvertido que o Impugnante e o seu agregado familiar (no qual se inclui o seu cônjuge) efectivamente habitavam, de forma permanente, no prédio sito na Rua A………,Lisboa, é patente que lhes deveria ter sido concedida a respectiva isenção de IMI, ao abrigo do disposto no então artigo 42.º n.º 1 (e n.º 5) do EBF”, pelo que nestes termos se a administração tivesse investigado a situação, como se impunha, desde o início do requerimento a solicitar a isenção tiveram o Impugnante e o seu agregado familiar como residência habitual, própria e permanente, a fracção autónoma sobre que incidia a isenção.

A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

4.4. Em matéria de benefícios fiscais prescreve o artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu n.º 2, o seguinte: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” significando que os elementos contidos nas normas fiscais são determinados por lei estabelecendo desta forma a determinação conceitual, não existindo margem para subjectividade na sua aplicação concreta.

4.5. No regime jurídico dos benefícios fiscais as garantias dos contribuintes não poderão ser analisadas nos mesmos termos das incidências subjectivas do imposto, porque neste caso concreto, não se trata de tributar o contribuinte, mas de o beneficiar, tratando-se de normas de tributação negativa que obviamente afectam a cobrança dos tributos e impõe a sujeição ao princípio da legalidade.

4.6. Pelo que para haver um afastamento excepcional da tributação e assim um benefício ao contribuinte, na tributação devida, devem ser cumpridos todos os pressupostos de acordo com o que é exigido na Lei.

4.7. Nessa incursão foi verificado que apesar do hiato temporal já decorrido até à decisão do pedido (28/12/2009), o agregado familiar não preenchia todos os requisitos legais para poder usufruir do benefício fiscal, nomeadamente o domicílio fiscal da contribuinte n.º ………….. (esposa do Impugnante) não constava como sendo no local do imóvel adquirido, apenas tendo sido alterado em 14/01/2010.

4.8. No reconhecimento pela Administração Fiscal dos benefícios fiscais são estritamente vinculados, em concreto a AT confirma, no sentido de verificar, se o requerente preenche os pressupostos objectivos e subjectivos, que fundamentam a aplicação do benefício.

4.9. O pedido de isenção deve ser apresentado, pelos sujeitos passivos, em qualquer serviço de finanças, até 60 dias após o período de 6 meses que têm para afetar o imóvel à sua habitação habitual e permanente, estabelecendo-o como domicílio fiscal e que começa a contar a partir da data de aquisição do prédio.

4.10. Para efeitos da concessão desta isenção considera-se existir afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, que é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual (actual n.º 9 do art.º 46.º do EBF).

4.11. A isenção consignada no artigo 42.º EBF tem natureza real, temporária, dependente de reconhecimento e condicionada:

Real uma vez que se refere a certos bens, nomeadamente prédios, que seja afectos a residência própria permanente do sujeito passivo e seu agregado familiar.

Temporal, porque a isenção é reconhecida por um período limitado de anos.

Dependente de reconhecimento: porque pressupõe que seja concedido por um acto de reconhecimento por parte da AT e

Condicionada, porque pressupõe que se verifique a obrigatoriedade de serem mantidos os pressupostos em que assentou o reconhecimento pela AT.

4.12. Aqui cabe referir que em conformidade com os pressupostos legais constantes no artigo 42.º EBF e do n.º 2 do artigo 19.º da LGT que prescreve a obrigatoriedade da comunicação do domicílio fiscal do sujeito passivo à AT, o que, como já patente, não foi feito por parte da esposa do Impugnante, membro do agregado familiar, pelo que não deverá procede o direito à isenção.

4.13. Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal a quo esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes à decisão da procedência parcial do acto impugnado.

Pelo que se peticiona pelo provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


***


O Recorrido devidamente notificado, para o efeito, optou por não apresentou contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***



II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos:

1. N…., ora Impugnante, e A……….., são casados em regime de comunhão de adquiridos – cfr. fls. 11 a 18 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

2. Por escritura pública de compra e venda, realizada em 12 de Fevereiro de 2004, o Impugnante e A……….., adquiriram a fracção autónoma, sita na Rua A…………Lisboa, designada pela letra «B», destinada a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …………., freguesia do Lumiar, e inscrita provisoriamente na matriz predial urbana, sob o artigo ……….., por EUR 190.790,20 – cfr., uma vez mais, fls. 11 a 18 dos autos em suporte físico;

3. No momento da escritura pública acima referida, o Impugnante e A……… declararam que destinavam a fracção aí referida à sua habitação própria e permanente – cfr., uma vez mais, fls. 11 a 18 dos autos em suporte físico;

4. Em 12 de Abril de 2004, o Impugnante formulou, em seu nome e em nome de A…….., um pedido de isenção de IMI, assinalando como fundamento do pedido “Residência permanente … Art.º 42º do EBF”, relativamente ao prédio descrito no ponto 2, indicando destiná-lo a habitação permanente – cfr. fls. 19 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

5. Em 28 de Dezembro de 2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11 indeferiu o pedido de isenção de IMI supra mencionado, com o fundamento de que o domicílio fiscal de A…..“é diferente da situação do Prédio – artigo 42º/1 EBF” – cfr. fls. 22 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

6. Em 29 de Dezembro de 2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11, enviou ofício, dirigido ao Impugnante, para a morada correspondente ao prédio descrito no ponto 2, informando-o do acto de indeferimento mencionado no ponto que antecede – cfr., novamente, fls. 22 dos autos em suporte físico;

7. Em 15 de Janeiro de 2010, o Impugnante e A…………..apresentaram recurso hierárquico do acto de indeferimento do pedido de isenção de IMI acima referido, argumentando que “todos os fundamentos para o deferimento do pedido de isenção estão cobertos” e que “o que está em falta é a actualização do domicílio fiscal”, o que “deriva de um esquecimento” – cfr. fls. 23 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

8. Em 26 de Março de 2010, a Subdirectora-Geral dos Impostos indeferiu o recurso hierárquico apresentado, mantendo o despacho recorrido, com todas as consequências legais – cfr. fls. 54 a 60 dos autos do processo administrativo tributário em apenso, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

9. Em 6 de Abril de 2010, o Serviço de Finanças de Lisboa 11, enviou ofício, dirigido ao Impugnante, para a morada correspondente ao prédio descrito no ponto 2, informando-o do acto de indeferimento do recurso hierárquico mencionado no ponto que antecede – cfr, fls. 24 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas ;

10. Ao prédio descrito no ponto 2 foi atribuído o valor patrimonial tributário de EUR 175.710,00 – cfr., uma vez mais, fls. 27 a 31 dos autos em suporte físico;

11. Em 13 de Novembro de 2009, foi emitida a liquidação de IMI, referente ao prédio descrito no ponto 2, relativamente ao ano de 2004, na qual foi apurado o valor de EUR 702,84 – cfr, fls. 27 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

12. Em 29 de Dezembro de 2009, foi emitida a liquidação de IMI, referente ao prédio descrito no ponto 2, relativamente ao ano de 2005, na qual foi apurado o valor de EUR 702,84 – cfr, fls. 28 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

13. Em 29 de Dezembro de 2009, foi emitida a liquidação de IMI, referente ao prédio descrito no ponto 2, relativamente ao ano de 2006, na qual foi apurado o valor de EUR 702,84 – cfr, fls. 29 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

14. Em 29 de Dezembro de 2009, foi emitida a liquidação de IMI, referente ao prédio descrito no ponto 2, relativamente ao ano de 2007, na qual foi apurado o valor de EUR 702,84 – cfr, fls. 30 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

15. Em 29 de Dezembro de 2009, foi emitida a liquidação de IMI, referente ao prédio descrito no ponto 2, relativamente ao ano de 2008, na qual foi apurado o valor de EUR 614,99 – cfr, fls. 31 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

16. As liquidações mencionadas nos pontos 11 a 15, têm como destinatário o ora Impugnante e foram enviadas, por cartas registadas, a si dirigidas, para a morada correspondente ao prédio descrito no ponto 2 – cfr., novamente, fls. 27 dos autos em suporte físico;

17. A…………comunicou a alteração do seu domicílio fiscal para a Rua A……….. Lisboa, em 14 de Janeiro de 2010 – cfr. fls. 74 e 75 dos autos do processo administrativo tributário em apenso, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas.


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”


***


Mais resultou consignado como motivação da matéria de facto o seguinte:

“Conforme individualmente especificado, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos presentes autos, bem como do processo administrativo tributário em apenso.”


***


III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IMI, respeitantes aos anos de 2004 a 2008.

De relevar ab initio que, tendo apenas a DRFP interposto recurso jurisdicional relativamente à parte que julgou procedente e consequentemente anulou os atos de liquidação de IMI respeitantes aos anos de 2004 a 2006, não tendo, por conseguinte, os Impugnantes recorrido contra à manutenção dos atos de liquidação respeitantes aos anos de 2007 e 2008, a mesma consolidou-se na ordem jurídica.

Mais importa relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se ocorre o apontado erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que o agregado familiar não preenchia todos os requisitos legais para poder usufruir do benefício fiscal, porquanto o domicílio fiscal da esposa do Impugnante não constava como sendo no local do imóvel adquirido, apenas tendo sido alterado em 14 de janeiro de 2010.

A Recorrente advoga, desde logo, que a isenção consignada no artigo 42.º EBF tem natureza real, temporária, dependente de reconhecimento e condicionada, sendo que para efeitos da concessão desta isenção considera-se existir afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, que é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual (atual n.º 9 do artigo 46.º do EBF).

Conclui, assim, que tendo presente os aludidos pressupostos legais constantes no artigo 42.º EBF, e do n.º 2 do artigo 19.º da LGT, o qual prescreve a obrigatoriedade da comunicação do domicílio fiscal do sujeito passivo à AT, e não tendo, como visto, sido formalizada a alteração do domicílio fiscal por parte de um membro do agregado familiar, concretamente da esposa Impugnante, não poderão, por isso, beneficiar da respetiva isenção de IMI, inversamente ao sentenciado pelo Tribunal a quo.

Conclui, assim, que não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos cumulativos, para beneficiar da isenção de IMI incorrendo, por conseguinte, a sentença recorrida em erro de julgamento.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto encontrando-se, por isso, a mesma devidamente estabilizada, logo o que importa apurar é se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, por ter considerado que estavam reunidas as condições legais que lhe conferem a isenção de tributação em sede de IMI.

Apreciando. Comecemos por convocar o quadro jurídico aplicável.

Cumpre, desde logo, analisar o disposto no citado artigo 42.º do EBF, vigente à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe “Prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados a habitação”, o qual preceitua que:


“1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, nos termos da tabela a que se refere o nº 5, os prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar e sejam efetivamente afetos a tal fim no prazo de seis meses após a aquisição ou a conclusão da construção, da ampliação ou dos melhoramentos, salvo por motivo não imputável ao beneficiário, devendo o pedido de isenção ser apresentado pelos sujeitos passivos até ao termo dos 60 dias subsequentes àquele prazo.

(…)

7 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”

Atentemos, então, no alcance e sentido da disposição legal supracitada, tendo presente que as isenções de imposto são benefícios fiscais que devem ser objecto de uma interpretação estrita ou declarativa. Como doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº01245/16, datado de 22 de fevereiro de 2017, “as normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa”.


Em termos de ratio legis cumpre evidenciar que são razões de ordem social e económica concatenadas com o estimular e o incentivar o acesso à habitação própria que justificam as isenções, ora, objeto de análise.


No concernente ao elemento literal e gramatical, resulta da letra do citado normativo que “Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, os prédios (…) adquiridos a título oneroso, destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.


Daí resultando, desde logo, que a isenção não se encontra dependente da circunstância de todos os elementos que integram o agregado familiar habitarem de forma permanente o prédio urbano em questão.


Note-se que, tal é o que se extrai do uso da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que exprime exclusão ou alternativa, sendo certo que se a intenção do legislador fosse diferente teria recorrido a uma conjunção coordenativa copulativa com o uso da expressão “e”.


Como ensina BAPTISTA MACHADO (1) ., nos termos do artigo 9.º, 3, do CC, o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo” .


(1)-In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 189


Por outro lado, no concernente à expressão “habitação própria e permanente” pese embora a residência habitual seja o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, e não dimanem grandes diferenças entre o “domicílio fiscal” e a “habitação permanente”, a verdade é que no plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, conforme se infere do artigo 82.º do Código Civil(2) A isso não obstando, como veremos, o teor do nº7 do citado normativo, porquanto assume, naturalmente, a natureza de presunção ilidível.


(2) cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381.


Visto o direito aplicável no caso dos autos, e subsumindo-o ao competente acervo fático, ajuíza-se que o Tribunal a quo não incorreu no aduzido erro de julgamento.

No caso sub judice, como visto, a questão coloca-se apenas quanto à circunstância fática atinente à falta de correspondência entre o domicílio fiscal do cônjuge e a morada do imóvel cuja isenção de IMI foi requerida, na medida em que é não controvertido que o Impugnante e o seu agregado familiar, no qual se inclui a esposa, residem no aludido imóvel o qual constitui a sua habitação permanente.

Com efeito, da fundamentação contemporânea do ato e do teor das alegações recursivas verifica-se que no entendimento da AT, do ponto de vista fiscal e mediante cotejo dos artigos 42.º, nº7 e 19.º da LGT, tem de existir convergência desses locais.

Contudo, não lhe assiste razão. Senão vejamos.

Relativamente à alegada coincidência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente, é jurisprudência unânime e inequívoca que não existe uma equiparação entre o conceito de habitação própria permanente e o conceito de domicílio fiscal.

A isso não obstando o disposto no preceito legal 19.º da LGT ineficácia da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT, ainda que nos encontremos perante um benefício fiscal "propter rem", e a lei expressamente consignar n° 7 do artigo 42° do EBF que “para efeitos desse artigo” se considera “ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal”, porquanto, conforme já evidenciado anteriormente, tal presunção é, naturalmente, ilidível [aliás, tal foi a redação acolhida e implementada no artigo 13.º, nº12, do CIRS, introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro].

O que significa que a consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio.

Com efeito, a mudança do domicílio fiscal do sujeito passivo deve ser obrigatoriamente comunicada à AT, mas se não o for, tal incumprimento tem consequências jurídicas apenas a nível da eficácia da mudança do domicílio, ou seja, dos seus efeitos jurídicos (3)

(3)Vide, designadamente, Ac. TCAS, processo nº 06685/13, de 08.10.2015..

Ademais, no caso vertente, e conforme já evidenciado anteriormente e, ora se reitera, decorre de a fundamentação atinente ao indeferimento do reconhecimento da isenção, a circunstância de todos os elementos do agregado familiar residirem no visado imóvel e do mesmo consistir na habitação própria permanente, é não controvertida.

Secundando-se, outrossim, o ajuizado pelo Tribunal a quo no sentido de que “[a] AT tinha conhecimento do novo domicílio fiscal do cônjuge do Impugnante, tendo procedido, por diversas vezes, ao envio de correspondência da qual esta era directamente interessada, para a morada correspondente à Rua A…………Lisboa. Não pode, como tal, vir invocar que o novo domicílio fiscal do cônjuge do Impugnante é ineficaz para efeitos do pedido de isenção de IMI.”

Note-se que, tais circunstâncias podiam/deviam determinar a retificação oficiosa do domicílio fiscal da esposa do Impugnante, ou no limite e em concretização do princípio da colaboração recíproca enunciado no artigo 59.º da LGT, que lhe solicitasse a correção da morada constante no registo central de contribuintes, até porque no caso a isenção foi requerida em 2004, e apenas foi objeto de indeferimento em 2009, não podendo, ademais, ser descurado que pedido do reconhecimento da isenção do IMI tem inerente uma mudança de domicílio.

Com efeito, no caso vertente, e conforme decorre da conjugação dos pontos 4) e 5) da factualidade assente, o Impugnante formulou, a 12 de abril de 2004, em seu nome e em nome de A………, um pedido de isenção de IMI, assinalando como fundamento do pedido “Residência permanente … Art.º 42º do EBF”, indicando, expressamente, destiná-lo a habitação permanente, o qual apenas foi objeto de indeferimento a 28 de dezembro de 2009, com o fundamento de que o domicílio fiscal de A……………“é diferente da situação do Prédio – artigo 42º/1 EBF”.

Neste particular, vide o Aresto do STA, proferido no processo nº 0590/11, datado de 23 de novembro de 2011, o qual doutrina, na parte que para os autos releva, designadamente o seguinte:


“O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI. O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação.

Para este efeito, os actos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio isento de IMI não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva no prédio incidente do IMI. Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

Ora, sendo essencial apenas a habitação no prédio objecto da isenção do imposto, a ligação do beneficiado ao prédio concretiza-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.). Naturalmente que, coincidindo a isenção do IMI com o início da morada no prédio, não é de exigir qualquer limite mínimo de duração da habitação, pois a morada constitui-se com a deslocação física do beneficiado e do seu agregado familiar para o prédio.

O facto da morada constante do cadastro dos contribuintes ser diferente do local da situação do prédio não justificava, por si só, que os recorridos habitavam nessa outra morada. É que, com o acto de reconhecimento do benefício fiscal ocorreu necessariamente a “mudança de domicílio”, e por conseguinte, desde essa data a administração fiscal tinha ao seu dispor elementos sobre a residência habitual dos recorridos. Digamos que o pedido do reconhecimento da isenção do IMI tem inerente uma mudança de domicílio, pelo que, a administração tributária não podia continuar a considerar os recorridos residentes num domicílio que já tinham abandonado. Os procedimentos administrativos de reconhecimento e de controlo dos pressupostos do benefício fiscal poderiam conduzir a que a administração fiscal rectificasse oficiosamente o domicílio fiscal dos recorridos ou, pelo menos, em concretização do princípio da colaboração recíproca enunciado no artigo 59º da LGT, que lhes solicitasse a correcção da morada constante no registo central de contribuintes.” (destaques e sublinhados nossos). [No mesmo sentido se expende no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01077/11, de 14 de novembro de 2018].

E, por assim ser, aderindo, na íntegra à fundamentação jurídica constante no citado Acórdão, ter-se-á de concluir que, no caso vertente, da circunstância de inexistir a aludida correspondência entre o domicílio fiscal do cônjuge e a morada da habitação permanente não pode, de todo, retirar-se qualquer erro de julgamento.

Conclui-se, assim, que não sendo controvertido e promanando assente que o Impugnante marido e todo o seu agregado familiar, incluindo a esposa, tinham a sua habitação própria e permanente no imóvel visado, e que só relativamente à mulher do Impugnante inexistia a aludida falta de correspondência entre a morada da residência e o domicílio fiscal -a qual, aliás, alterou em 2010- ter-se-á de concluir que estão reunidos os pressupostos para a concessão da isenção de IMI, nos visados períodos.

Secunda-se, assim, o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo padecendo, por isso, o ato impugnado de erro sobre os pressupostos de facto e de direito cominado com a anulabilidade e demais consequências legais, aqui não sindicadas.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 24 de janeiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Luísa Soares)

(Tânia Meireles da Cunha)