Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03863/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/19/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. AJUDAS DE CUSTO. GRATIFICAÇÕES/PRÉMIOS.
Sumário:1. As ajudas de custo representem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e gastos que teve de efectuar ao serviço da sua entidade patronal, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho;
2. Cabe à AT, como pressuposto vinculado para o direito à liquidação adicional, a prova de que as quantias escrituradas na entidade patronal como tendo sido atribuídas ao seu trabalhador, na realidade, tenham ingressado no património deste, não lhe aproveitando a dúvida sobre essa efectiva atribuição, mas antes à parte contrária;
3. As gratificações/prémios atribuídos pela entidade patronal ao seu trabalhador, encontram-se sujeitas a IRS, na categoria A, enquanto trabalho dependente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. A administração tributária apurou no decorrer de uma acção inspectiva que o impugnante não declarou fiscalmente importâncias auferidas como Ajudas de Custo e como Gratificações ou Prémios;
2. A administração tributária apurou também que não se verificavam os pressupostos para a atribuição ao impugnante de quaisquer quantias a título de Ajudas de Custo;
3. O Presidente e o Vice-Presidente do Clube Desportivo B..., garantiram por sua honra que foram pagos por aquele clube ajudas de custo no valor de 9.000.000$00 (nove milhões de escudos), referentes aos meses de Janeiro a Maio de 2000;
4. Não logrou o impugnante provar que eram falsas aquelas declarações;
5. Do depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante não resultou provado que aquele nunca recebeu quaisquer importâncias a título de Ajudas de Custo, Gratificações ou Prémios;
6. Nenhuma daquelas testemunhas sabe o que o impugnante acordou com o clube, nenhuma testemunha sabe quanto ganhava o impugnante, nem nenhuma viu o impugnante a contar o dinheiro que recebia;
7. Foi o próprio impugnante quem, em sede de exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório, veio dizer que o recebimento de ajudas de custo se justificava pelo facto de prestar serviço fora da sua área de residência, conforme fora acordado;
8. Também naquela sede veio o impugnante dizer que o montante de prémios recebidos naquele ano de 2000 "...totalizaram 1.000.000$00 (4.987,97) € e não 1.500.000$00 (7.481,96) €, como foi indicado no mapa, pelo Clube.";
9. Entendeu o Tribunal "a quo" não se mostrar provado o pagamento ao impugnante daquelas importâncias, imputadas pela administração tributária como rendimentos da categoria A;
10. Padece a douta sentença de erro de julgamento, porquanto se encontra provado que houve de facto lugar ao pagamento ao impugnante de importâncias designadas como Ajudas de Custo, por parte do Clube Desportivo B...;
11. Encontra-se provado o pagamento de Gratificações ou Prémios ao impugnante, por parte do Clube Desportivo B...;
12. Encontra-se também provado que não se justificava o pagamento ao impugnante de quaisquer importâncias a título de ajudas de custo, pois não se verificavam os pressupostos da sua atribuição;
13. Na situação em apreço, não se coloca a questão de saber se as importâncias auferidas com a designação de Ajudas de Custo excedem ou não os limites legalmente estabelecidos;
14. Encontra-se provado que nada justificava o pagamento de ajudas de custo para compensar eventuais custos acrescidos que o ora impugnante suportasse, pois todos esses custos eram suportados pela sua entidade patronal;
15. As importâncias pagas ao impugnante pelo Clube Desportivo B..., a título de Ajudas de Custo, bem como as pagas como Gratificações ou Prémios, constituíram sem sombra de qualquer dúvida, complementos de remuneração sem qualquer fim compensatório;
16. Decidiu mal a Meritíssima Juíza ao anular aquela liquidação oficiosa de IRS do ano de 2000, violando assim o disposto no n.º 2, do art.º 2.º do CIRS.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por ter sido efectuada um a correcta análise da matéria de facto a que foi aplicado o direito devido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a AT logrou provar todos os requisitos que legalmente a habilitavam a acrescer ao rendimento tributável do ora recorrido a verba inscrita na sua entidade patronal como lhe tendo sido atribuída a título de ajudas de custo mas que constituía um acréscimo de vencimento; E se a verba relativa a gratificações/prémio, na parte confessada como tendo sido recebida pelo mesmo, se encontra sujeita a IRS pela categoria A, como rendimento de trabalho dependente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- Em 01/08/1999 foi celebrado o contrato de trabalho entre o Clube Desportivo B... e A... para o exercício das funções de treinador principal mediante remuneração mensal ilíquida de 500.000$00, tendo o contrato início em 01/08/1999 e termo em 31/07/2001 (cfr. fls. 16/17 do processo de reclamação graciosa em apenso).
2- Na época desportiva 1999/2000 o Clube Desportivo B... ficou classificado na 18ª posição da 1ª Liga, pelo que na época seguinte (2000/2001) participou na 2ª Liga (cfr. documento emitido pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de fls. 15 do processo de reclamação graciosa em apenso).
3- Na sequência de informação prestada pela Direcção de Finanças de Ponta Delgada relativamente a inspecção realizada ao Clube Desportivo B... foi efectuada análise interna pelos serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Setúbal a A... e em sede de IRS do ano de 2000 (como consta de fls. 37 do processo de reclamação graciosa em apenso).
4- Os serviços de inspecção fizeram constar do relatório de análise interna o seguinte "1. O sujeito passivo A auferiu durante o ano de 2000 o valor de 126.094,31 €, pago pelo Clube Desportivo B..., NIPC 512.010.242, com a seguinte discriminação:
Vencimento Ajudas de Custo Gratificações/prémios Rendas Total
24. 939,89€ 92.550,15€ 7.481,97€ 1.122,30€ 126.094,31€
2. De acordo com a informação prestada pela Direcção de Finanças de Ponta Delgada, as verbas pagas a título de "ajudas de custo", "Gratificações/prémios" e "rendas de habitação são consideradas como rendimentos de trabalho dependente, nos termos do n.º2 e al. B) item 4 do n.º3 do artigo 2.º do CIRS, porquanto no que se refere às ajudas de custo estas têm: - Carácter permanente; - São pagas na totalidade dos dias do mês ao longo dos 10 meses a que se refere o contrato; - Não são apresentadas discriminações dos percursos, dias em que são efectuadas e serviços realizados; - Têm um valor exageradamente elevado face ao montante da remuneração base;
3. Ao consultar ao sistema informático tributário verifiquei que o sujeito passivo declarou apenas o valor do vencimento, omitindo os restantes rendimentos referidos no ponto 1 na declaração a que se refere o artigo 57.º do C.IR.S., em 2000.
4. Face ao exposto, e para efeitos de apuramento em sede de IRS, conforme estabelecido no n.º4 do art.65.º do CIRS, vai proceder-se à alteração do rendimento abaixo discriminado, com base na qual será preenchido o respectivo documento de correcção.
Ano: 2000 Rendimento Declarado Correcções Rendimento Corrigido
Rendimento Cat. A 4.939,89€ 101.154,42€ 126.094,31€
fls.37/38 do processo de reclamação graciosa em apenso).
5- Em 22/10/2004 foi emitida uma declaração pelos directores do Clube Desportivo B... na qual consta que o referido clube pagou ajudas de custos ao ora impugnante no valor de 9.000.000$00 referente aos meses de Janeiro a Maio de 2000 tendo sido pagas em dinheiro sem os devidos documentos assinados (cfr. teor de fls. 20 do processo de reclamação graciosa).
6- Após o exercício do direito de audição, foram alteradas as correcções aos rendimentos da categoria A passando de € 101.154,42 para € 100.032,12 (cfr. fls. 23/25 do processo de reclamação graciosa).
7- Por despacho de 29/10/2004 do Director de Finanças Adjunto, por delegação, os rendimentos declarados para efeitos de IRS do ano de 2000 do ora impugnante e relativos à categoria A (rendimentos de trabalho dependente) foram alterados para o montante de € 124.972,01, como consta de fls. 22 do processo de reclamação graciosa.
8- Na sequência da correcção mencionada no ponto anterior, em 13/11/2004 foi efectuada a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2000 de que resultou imposto a pagar de € 49.040,49 e após compensação o valor a pagar passou a € 47.720,42 cuja data limite de pagamento ocorreu em 05/01/2005 (cfr. fls. 11/13 do processo de reclamação graciosa).
9- Em 15/02/2005 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2000 (fls. 2 do processo de reclamação graciosa em apenso).
10- A petição encontra-se subscrita por advogado com procuração nos autos de reclamação graciosa (cfr. fls. 9/10 do apenso).
11- Em 03/06/2005 foi notificado A... do projecto de decisão da reclamação graciosa e para o exercício do direito de audição (cfr. teor dos documentos de fls. 47/56 do processo de reclamação graciosa em apenso).
12- Em 22/06/2005 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 57/58 do processo de reclamação graciosa).
13- Em 29/06/2005 foi emitido ofício dirigido aos mandatários do reclamante para efeitos de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa tendo o aviso de recepção sido assinado em 01/07/2005 (cfr. fls. 60/62).
14- Em 29/06/2005 foi emitido ofício dirigido ao reclamante para efeitos de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa tendo o aviso de recepção sido assinado em 01/07/2005 (cfr. fls. 65/67).
15- Em 05/09/2005 foi apresentada a petição de impugnação judicial de fls. 2/15.
16- O ora Impugnante foi treinador principal do Clube Desportivo B... (cfr. depoimento da 1ª testemunha).
17- De 15 em 15 dias havia deslocações ao Continente e o clube pagava as despesas de hotel e avião (cfr. depoimentos da 1ª, 2ª e 3ª testemunhas).
18- O clube facultava uma casa aos treinadores e estes não pagavam qualquer renda (cfr. depoimento da 1ª, 2ª e 3ª testemunhas).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas (melhor identificadas na acta de inquirição de testemunhas a fls. 58/60) e acima expressamente mencionados em cada um dos pontos do probatório.

As testemunhas prestaram o seu depoimento de forma credível e segura, com conhecimento dos factos mediante um contacto muito próximo quer com o impugnante quer com o Clube Desportivo B..., sendo uma delas (1ª testemunha) o treinador adjunto que acompanhou o impugnante naquele clube e que até viveu na mesma casa.
* *
Não se mostra provado o pagamento ao impugnante das importâncias imputadas pela administração tributária como rendimentos da categoria A ao ora impugnante e ao ano de 2000 a título de ajudas de custo, prémios e gratificações e rendas, como de seguida se apreciará.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC) se acrescenta ao probatório mais uma alínea, em ordem a dele constar outra factualidade relevante para a apreciação do presente recurso:
19 – Aquando do direito de audição das correcções aos rendimentos declarados para o ano de 2000, o ora recorrido fez dirigir à Direcção de Finanças de Setúbal o escrito cuja cópia consta de fls 30/31 dos autos de reclamação graciosa apensos, onde além do mais fez escrever:
...
3 – Ajudas de custo
Quanto ao montante indicado nesta rúbrica, não compreendo tal situação, pois, além do exagero, nunca recebi tanto valor a título de “Ajudas de Custo”, nem me ocorre ter assinado quaisquer documentos daqueles valores.
...
4 – Gratificações ou Prémios
Relativamente ao montante de prémios recebidos no ano de 2000, totalizaram 1.000.000$00 (4.987,97)€ e não 1.500.000$00 (7.481.96)€, como foi indicado no mapa, pelo Clube.
...

E quanto à matéria dada como não provada, elimina-se a mesma do probatório, por ser meramente conclusiva, sendo essa uma das questões centrais a dirimir nos autos e que para a decidir havia que fazer apelo, para além de diversa matéria de facto, também de diversas regras jurídicas, como adiante se verá.


(1) 4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT não logrou provar como lhe cabia, que os montantes acrescidos ao rendimento tributável do ora recorrido no ano de 2000, em sede de IRS, fossem verdadeiros acréscimos de vencimento, para além de nem ter sequer sido sopesado que apenas podem ter tal natureza em sede de ajudas de custo, os montantes acima dos fixados para os servidores do Estado, pelo que a liquidação padece do vício de violação de lei.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta argumentação (e outra) que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela puder ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, por se encontrar provado que o mesmo recebeu tais importâncias acrescidas, a título de ajudas de custo, de gratificações e de prémios, mas por indevidos, deverem as mesmas ser consideradas como acréscimos de vencimento, que não declarados, legitima a respectiva correcção oficiosa, com a correspondente liquidação adicional, ora impugnada.

Vejamos então.
Como nesta parte bem se fundamenta na sentença recorrida, em concordância com a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como se pode ver dos inúmeros arestos aí citados, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço da sua entidade patronal, em razão da sua deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local e com carácter temporário, afastando, assim, qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

E também que, cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo ao invés, sobre o administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, o que no entanto tem de ser temperado com o princípio da verdade material e, por consequência, com o da oficiosidade da investigação e indagação das provas, quer rege o procedimento tributário.

Desta conjugação resulta que o ónus da prova, nos termos antes referidos, não assume uma natureza formal ou adjectiva, mas antes substantiva ou material de que resulta que, apesar de nenhuma das partes ter uma particular incumbência de provar o que quer que seja, a decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de um “non liquet” deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada com a prova dos necessários e relevantes factos.

No caso, como se pode apreender da matéria dos pontos 1., 4. e 5. do probatório e melhor se pode colher dos autos, do relatório da inspecção tributária, cuja cópia consta de fls 1 e segs do PA apenso e 16 e segs do processo de reclamação graciosa apenso, a factualidade avançada pela AT para não aceitar tais montantes como de ajudas de custo consistiu em terem, «Carácter permanente; - São pagas na totalidade dos dias do mês ao longo dos 10 meses a que se refere o contrato; - Não são apresentadas discriminações dos percursos, dias em que são efectuadas e serviços realizados; - Têm um valor exageradamente elevado face ao montante da remuneração base», ou seja, a AT fundou-se em factos-índice, sobretudo o primeiro, que à luz da experiência comum, nos levam a concluir que tais montantes não terão a natureza de ajudas de custo, porque seria extremamente invulgar que um trabalhador se deslocasse ao serviço da sua entidade patronal, invariavelmente, o mesmo número de dias ou perfizesse o mesmo montante diário de ajuda de custo, durante dez meses num ano (Junho e Julho não consta a atribuição de tal verba, cfr. doc. de fls 39 da reclamação graciosa apensa), ainda que de um treinador de futebol se tratasse, servindo tal materialidade como factos-índice tendentes a demonstrar essa realidade, para mais quanto aos boletins itinerários, ainda que não obrigatórios, também não existiam, nem qualquer escrituração justificativa dessas deslocações, de molde a especificar e a poder controlá-las, desta forma tendo a AT cumprido, à partida, o ónus probatório que sobre si impendia para desconsiderar tais verbas como tendo natureza de verdadeiras ajudas de custo, nos termos do disposto no art.º 74.º n.º1 da LGT.

A falta do preenchimento dos boletins de itinerários ou mesmo a sua absoluta ausência, só por si, não autorizam a concluir que tais verbas não possam ser de qualificar como de ajudas de custo, já que a respectiva prova pode ser efectuada por qualquer outro meio admissível em direito, sendo tais boletins apenas obrigatórios para os funcionários do Estado, como também constitui jurisprudência firmada(2).

Assim sendo, cabia agora ao impugnante e ora recorrido, ter vindo provar a materialidade de tais deslocações ao serviço da sua entidade patronal de molde a infirmar aqueles outros factos-índice apurados pela AT e que efectivamente, tais verbas correspondem exactamente aos dias em que se manteve deslocado do seu local normal de trabalho em serviço da sua entidade patronal, e se o conseguisse, apesar da aparência do contrário, a causa teria de ser decidida a seu favor e contra a AT, nos termos do disposto no mesmo art.º 74.º n.º1 da LGT, já que o mesmo vem invocar, em contrário da AT, que confere o direito a tais verbas a título de ajudas de custo, para além de também vir invocar que as não recebeu – cfr. matéria dos art.ºs 26.º e segs da presente impugnação judicial e 4.º e segs da sua reclamação graciosa.

Contudo, ainda que a AT tenha logrado trazer para os autos os citados factos índice conducentes a desqualificar tais verbas como de verdadeiras ajudas de custo, já o mesmo não aconteceu quanto à sua dimensão quantitativa, em que esta funda a citada verba considerada a este título em € 92.550,15, apenas na declaração dos dois dirigentes da entidade patronal Clube Desportivo B..., que declararam ter sido pago por este Clube ao ora recorrido, a esse título, 9.000.000$, nos meses de Janeiro a Maio de 2000, e nos restantes meses, nas respectivas folhas de Caixa do Clube, mas sem que o recorrido tenha assinado qualquer documento de quitação das importâncias a tal título imputadas.

Ora, a declaração dos mesmos dirigentes do citado Clube, como documento particular que é, a sua força probatória material cinge-se ao declarado pelos mesmos, mas não que tais declarações sejam sinceras ou verdadeiras – cfr. art.º 376.º, n.º1 do Código Civil – bem como a contabilidade do citado Clube, carecida do necessário elemento de suporte (respectivo documento de quitação ou outro escrito revelativo do recebimento desses montantes), também não tem aptidão para demonstrar contra o ora recorrido, que lhe foram pagos tais importâncias, naqueles dez meses do ano de 2000, já que não se tratam de questões relativas a relações entre comerciantes, com a inerente força probatória dessa escrita – cfr. art.º 44.º do Código Comercial – antes deviam tais elementos escriturais encontrarem-se apoiados em documentos que dessem a conhecer o seu âmbito e alcance, no caso, com o respectivo documento de quitação passado pelo mesmo ora recorrido – cfr. art.ºs 787.º do Código Civil e 260.º e 267.º do Código do Trabalho – pelo que tais quantias não podem considerar-se como tendo sido pagas ao mesmo, ao abrigo do invocado título.

É certo, que o ora recorrido e em contrário do que veio a articular na sua petição de impugnação judicial e na reclamação graciosa, aquando do seu direito de audição, reconheceu pela declaração cuja cópia consta a fls 30 do procedimento de reclamação apenso, ter recebido a tal título de ajudas de custo algumas importâncias, ao vir afirmar ...não compreendo tal situação, pois, além do exagero, nunca recebi tanto valor a título de “Ajudas de Custo”, nem me ocorre ter assinado quaisquer documentos daqueles valores”, sendo que tal declaração confessória extra judicial faz prova plena contra o confitente – art.ºs 352.º, 355.º e 358.º do Código Civil – pelo que se não pode deixar de concluir que o mesmo, a tal título, recebeu, pelo menos, alguma parte do montante das importâncias que pela AT lhe foram imputadas.

Porém, não se conseguindo alcançar exactamente, os montantes que a tal título o ora recorrido recebeu, a inerente dúvida aproveita-lhe nos termos do disposto no art.º 100.º, n.º1 do CPPT e 74.º, n.º1 da LGT, já que o ónus probatório da dimensão quantitativa das importâncias recebidas pelo mesmo recorrido igualmente cabia à Fazenda Pública, como acima se disse, enquanto pressuposto vinculado do seu direito à liquidação adicional do imposto daquela dimensão quantitativa, para nesta parte colocar em causa as declarações apresentadas pelo mesmo, nos termos do disposto nos art.ºs 75.º da LGT e 59.º do CPPT, sendo nesta parte de manter a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.

Mas o mesmo não acontece quanto à parte da verba atribuída a título de gratificações/prémios, em que o mesmo ora recorrido quantificou como tendo recebido a tal título a importância de 1.000.000$ (que não de 1.500.000$, como a AT lhe imputava), em que por força do efeito confessório acima analisado, tal montante de rendimento se tem de dar como sido integrado no seu património, que o não declarou na respectiva declaração de rendimentos como devia, pelo que nesta parte a AT a podia/devia corrigir, e efectuar a correspondente liquidação adicional, que assim se deve manter.

É que nos termos do disposto no art.º 2.º, n.º3, alínea c) do CIRS (redacção de então contida em, entre outras alterações, nas Leis n.ºs 39-B/94, de 27/12/1994 e 3-B/2000, de 4/4/2010, Orçamentos do Estado para 1995 e 2000, respectivamente), consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente ..., como no caso tais gratificações/prémios não podiam deixar de ser, subsunção que o mesmo, aliás, jamais colocou em causa.

Mas não o restante (500.000$), por igualmente a dúvida resultante da falta ou insuficiência de prova lhe aproveitar quanto ao seu recebimento, nos mesmos termos que para a verba relativa às ajudas de custo, que nesta parte igualmente improcede o recurso, com a manutenção do decidido.


Procede, assim, em parte, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe conceder provimento quanto à citada verba de 1.000.000$ e de manter a correspondente liquidação, e de negar provimento no demais.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso em revogar a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação quanto à verba de 1.000.000$, a qual se mantém, e em negar provimento no demais decidido, ainda que com a presente fundamentação.


Custas do recurso pela recorrente, na medida do decaimento e na 1.ª Instância, por ambas as partes, igualmente na medida do decaimento.


Lisboa,19/01/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS


1- O objecto da presente impugnação judicial, bem como do presente recurso, apenas abrange os acréscimos ao rendimento tributável a título de ajudas de custo e de gratificações/prémios, por a parte relativa a rendas (€ 1.122,30) já ter sido corrigido oficiosamente, retirando-a do rendimento corrigido, como se pode ver do despacho de fls 23 e segs dos autos de reclamação, no âmbito da decisão final do procedimento de inspecção.
2- Cfr. neste sentido e a título de exemplo o acórdão do STA de 15.11.2000, recurso n.º 25481.