Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03857/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/13/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE AUDIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS NA P.I.
NULIDADE DA SENTENÇA POR NÃO DISCRIMINAR A MATÉRIA PROVADA DA NÃO PROVADA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
GRATIFICAÇÕES DOS EMPREGADOS DOS CASINOS
Sumário:I) -O facto de se sustentar a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre esse juízo poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença, como sucedeu. Aí, não só a impugnante a entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPPT).
II) -A não discriminação entre factos provados e não provados não constitui nulidade, quer à face do artº 125º do CPT quer do artº 668º do CPC.
III) -A pronúncia judicial exigida pelo nº 2 do artº 660 do CPC sobre todas as questões suscitadas pelas partes, não tem de ser expressa, podendo ser implícita ou genérica, desde que seja possível reconstituir o pensamento do juiz sobre determinada questão, através dos motivos da sentença e, designadamente, pode nem existir, se ficar prejudicada pela solução dada a outra questão, como expressamente se prevê no citado preceito legal.
IV) -Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de produção de prova e apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
V) -A notificação da liquidação de IRS no ano de 2003, em que se efectivou, tinha de ser feita por carta registada simples, conforme artigo 149°/3 do CIRS, na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, em vigor em 1 de Janeiro de 2001.
VI) -Tendo a carta sido devolvida, a entidade que procedeu à notificação podia utilizar a notificação pessoal e, sendo caso disso, proceder à notificação com hora certa, tudo como decorre do artigo 38°/5/6 do CPPT.
VIII) -A notificação com hora certa foi feita na presença de duas testemunhas, uma vez que o funcionário do SF que efectuou a notificação não podia deixar de ser considerado uma testemunha.
IX) -E a carta registada referida no artigo 241° do CPC não tinha de ser remetida no prazo de dois dias úteis, uma vez que tal requisito foi introduzido pelo DL 38/2003, de 8 de Março, que entrou em vigor 15 de Setembro de 2003, mas só se aplica aos processos instaurados a partir de tal data (artigos 21° e 22° desse DL).
X) - Assim, tendo o procedimento tributário em que ocorreu a questionada notificação sido instaurado antes dessa data e provindo o tributo em causa do IRS do ano de 1999 e havendo a notificação da liquidação sido, validamente, efectuada em 15 de Dezembro de 2003, é manifesto que a notificação ocorreu antes do decurso do prazo de caducidade de 4 anos estatuídos no artigo 45.°/1 da LGT.
XI) -A tributação das gratificações aos trabalhadores dos casinos não enferma de qualquer inconstitucionalidade conforme uniformemente vem reiterando a jurisprudência dos tribunais tributários e do Tribunal Constitucional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DO TCAS:

1. - Não se conformando com a sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRS relativo ao ano de 1999, veio o impugnante A..., dela interpor recurso para o TCAS, finalizando As suas alegações com as seguintes conclusões:
“01. O impugnante alegou diversa matéria de facto, plasmada nos artigos 1° a 10° da petição de impugnação.
02.Para além dos factos dados como provados a Ma Juiz considerou apenas que "inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa".
03. Não se encontra finda a fase de produção de prova, visto não se acharem, ainda, cumpridas as diligências requeridas em 2 a 5 do requerimento probatório inserto na petição de impugnação.
04.Os factos arguidos em 5° a 10° da petição não foram especificadamente registados como não provados, nem se acha fundamentada a sua não especificação.
05. O ónus de alegar os factos pertence ao autor, como pertence ao autor o ónus da respectiva prova!
06.O autor requereu diligências de prova que o tribunal não indeferiu.
07. A prova de tais factos é fulcral para a boa decisão da causa.
08. Nos termos do artigo 123°, 2, do código de procedimento e de processo tributário, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
09. E, nos termos do artigo 125°, l, do mesmo diploma, constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
10.A douta sentença viola, assim, o artigo 123°, 2 do código de procedimento e de processo tributário, devendo, pois, ser anulada, nos termos do artigo 125° do código de procedimento e de processo tributário e 668° do código do processo civil, por omissão de discriminação e fundamentação da matéria de facto.
Por sua vez,
11. Nos termos do artigo 38° do código de procedimento e de processo tributário, as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes.
12. No caso, era pois obrigatória a utilização de carta registada com aviso de recepção para notificação da liquidação impugnada.
13.A administração tributária não procedeu à notificação da liquidação em causa com recurso ao envio de carta registada com aviso de recepção.
14. A validade do recurso a outras formas de notificação pessoal está dependente do envio de carta registada com aviso de recepção, como se alcança do artigo 239° do código do processo civil.
15.Só em caso de se frustrar aquela é que é possível o recurso a outra forma de notificação pessoal.
16.Independentemente de tal circunstância, a citação com hora certa, tal como foi efectuada, é inválida e irregular.
17. Para tal citação atingir a perfeição, sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando ou haja consistido na afixação de nota de citação, como foi o caso, é, ainda, exigível o envio, no prazo de dois dias, de carta registada ao citando comunicando-se-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as demais indicações constantes do preceituado no artigo 241° do código do processo civil.
18. Tal carta só foi enviada em 23/12/2003, muito para além do prazo de dois dias exigidos por lei.
19.Prescreve, ainda, o artigo 240°, n° 3 do código do processo civil, que, não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235° do código do processo civil.
20.Ou seja, não sendo possível realizar a citação, por ausência do citando ou de quem a possa receber, será afixado aviso com hora certa, na presença de duas testemunhas.
21. A perfeição da citação exige, pois, a presença de duas testemunhas.
22. Resulta dos autos que quer a primeira tentativa de citação (ocorrida em 10-12-2003), quer a verificação da citação com hora certa (ocorrida a 15-12-2003) foram efectuadas por um funcionário e com a presença de apenas de uma única testemunha.
23. Daí que, seja inequívoca a invalidade da citação com hora certa efectuada pela administração tributária para notificação da liquidação impugnada.
24.Desta forma, por a citação com hora certa ter sido efectuada sem o cumprimento de todos os requisitos que a lei prescreve, acha-se ferida de nulidade, nos termos do artigo 198° do código do processo civil.
25. Ora, nos termos do artigo 45° da lei geral tributária o direito a liquidar os impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos.
26.Como se trata do imposto sobre o rendimento das pessoa singulares do ano de 1999, o direito à liquidação da prestação tributária caducava em 31/12/2003.
27.Como é jurisprudência uniforme, o facto impeditivo da caducidade do direito à liquidação não é a sua efectivação mas a notificação da mesma ao sujeito passivo.
28.A liquidação impugnada só foi, quando muito, validamente efectuada ao impugnante no dia 05 de Janeiro de 2004.
29.Pelo que se tem de concluir pela caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, por falta de válida notificação ao contribuinte dentro dos quatro anos posteriores ao termo do facto tributário, ou seja, até 31/12/2003.
30. A Ma juiz do tribunal "a quo" ao decidir diferentemente violou, entre outras, as disposições dos artigos 38° do código de procedimento e processo tributário, 239°, 240° e 241° todos do código do processo civil e artigo 45° da lei geral tributária.
31.No caso em apreço está em causa uma questão relativa à existência de uma irregular notificação da liquidação ao recorrente, dentro dos prazos de caducidade, que sempre se manterá para além da eventual procedência das supra invocadas nulidades.
32. Assim, entendendo-se ser procedente a alegação quanto à invocada caducidade, dado configurar uma decisão de substância, o seu conhecimento deve preceder o conhecimento das questões de forma relativas às invocadas nulidades, em obediência ao principio da prevalência da decisão de mérito.
Termos em que:
Conhecendo-se caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, por falta de válida notificação ao contribuinte dentro dos quatro anos posteriores ao termo do facto tributário deve revogar-se a decisão sob recurso e julgar-se procedente a impugnação.
Quando assim se não entender, conhecendo-se nulidades invocadas, deve anular-se a douta decisão, com as legais consequências.”
Não houve contra -alegações.
E EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não mercê provimento pelas doutas razões a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. -Na sentença recorrida deram-se como assentes as seguintes realidades e ocorrências, com relevância para a decisão, com base nos documentos juntos aos autos:
A) Na sequência de procedimento interno de inspecção que teve por objecto o controlo das gratificações auferidas pelos trabalhadores dos casinos, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro elaboraram relatório, no qual consta: "l. A presente acção tem por objecto o controlo das gratificações auferidas pelos trabalhadores dos casinos, nos termos da al. h) n.° 3 do art. 2.° do Código do IRS, na redacção ao tempo em vigor, com a interpretação que lhe foi dada pelo n.° 9 do art. 29.° da Lei n.° 87-BB/98 de 31/12.
2. O Impugnante ...durante o ano de 1999... manteve -se ao serviço da empresa B...- Sociedade de Investimentos Turísticos, SA, NIPC ..., tendo auferido rendimentos de trabalho dependente (cat. A) pagas por essa empresa, e gratificações no montante de € 20 355,94 (sala de jogos tradicionais) - cfr. fls. 25 e 26 do processo administrativo apenso;
B) O Impugnante omitiu na declaração de rendimentos do IRS, referente ao exercício de 1999, o valor das gratificações, referido em A) - cfr. ponto 3 da informação de fls. 26 do processo administrativo apenso;
C) A Administração Tributária corrigiu a declaração de IRS, relativa ao ano de 1999, apresentada pelo Impugnante, acrescentando o valor das gratificações recebidas, no montante de 20 355,94 € - cfr. fls. 25 e 26 do processo administrativo apenso;
D) Na sequência da correcção referida em C), em 19/11/2003, foi emitido documento de cobrança da liquidação n.° 5324103799, relativa a IRS de 1999, no valor a pagar de € 3 733,26, com data limite de pagamento em 02/01/2004, em nome do Impugnante para a morada: "R. de Timor, n." 25, 1.° Dt., 2775 Parede, com o seguinte teor: "Fica V. Ex." notificado para, no prazo de 30 dias, a contar do 3° dia útil posterior ao do registo, efectuar o pagamento da importância de € 3 733,26, proveniente de liquidação de IRS do ano de 1999..."- cfr. fls. 26;
E) Em 09/12/2003, o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiu mandado para que se proceda à notificação pessoal do Impugnante, da liquidação identificada em D - cfr. fls. 55;
F) No mandado referido em E, consta a seguinte menção assinada pelo Impugnante: "Recebi o original da nota de liquidação em 2004/01/05" - cfr. fls. 55;
G) Em 10/12/2003, foi emitida NOTIFICAÇÃO COM HORA CERTA com o seguinte teor: "Certifico que tendo procurado notificar hoje, dia 10 de Dezembro de 2003, pelas 17h00 na sua residência o Impugnante da liquidação referida em D, não o consegui fazer em virtude do domicílio se encontrar encerrada. Assim, afixei à porta do domicílio em causa esta notificação com hora certa, com a indicação que voltarei a este local no dia 15 de Dezembro de 2003, pelas 11h30m, para então efectuar a competente notificação numa das pessoas nela indicadas ou na sua ausência, em qualquer outra pessoa presente no local. De como é verdade e que afixei a já citada nota na presença das testemunhas C...e comigo D... assinar." - cfr. fls. 57;
H) Em 15/12/2003, foi emitida CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO com o seguinte teor: "Certifico que voltei hoje, pelas 11h30m ao domicílio do Impugnante para notificação da liquidação referida em D, conforme diligência que antecede, na qual no dia 10 de Dezembro de 2003 deixei hora certa por afixação, na porta do domicílio, de nota com hora marcada. Como a pessoa ou qualquer outra com poderes para o efeito não se encontra presente para receber a respectiva notificação, considera-se a mesma feita nos termos do n.° 3 do art. 240.° do Código de Processo Civil, ficando no entanto à sua disposição no Serviço de Finanças Cascais - 2. De como é verdade e que afixei aja citada nota na presença das testemunhas C...e comigo D... vão assinar." - cfr. fls. 56;
I) Pelo ofício n.° 27300/435 de 22/12/2003, foi enviada carta registada ao Impugnante, assinada pelo Director de Finanças da Direcção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor: "ASSUNTO: Comunicação nos termos do art. 241° do CPC
Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à notificação nos termos do n.° 3 do art. 240 do Código de Processo Civil, no dia 2003/12/15 da liquidação n.° 2003/5324103799 de IRS do exercício de 1999, estando os elementos à sua disposição no Serviço de Finanças Cascais -2 (Carcavelos).
Da liquidação em causa poderá reclamar ou impugnar nos termos do art. 70° e 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário" - cfr. fls. 59 e 60;
J) Em 30/03/2004, foi apresentada a presente impugnação - cfr. carimbo a fls. 2.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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3. -Começaremos por conhecer da nulidade decorre da falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo impugnante no final da p.i. e que foi prescinda com o fundamento de que os autos contêm os presentes toda a factualidade necessária à sua decisão conscienciosa.
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de juridicamente fundamentar se ocorre a nulidade por falta de audição das testemunhas.
A nosso ver e na senda do entendimento expresso pelo EPGA no seu douto parecer, não ocorre o alegado défice instrutório.
A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
Quanto à instrução do processo de impugnação judicial, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (cfr. artº 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Assim, porque compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho prescindindo da inquirição das testemunhas e ordenando a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela impugnante não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
Em matéria de produção de prova aplica-se o regulado na lei processual civil (cfr. artºs. 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, como lho consente o artº 113º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao preceituar que “Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido os respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários “.
A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais.
Assim, porque o Juiz entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a fase dos articulados, motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pela A.
Todavia, o facto de se sustentar a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre esse juízo poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença, como sucedeu. Aí, não só o impugnante como a entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPPT).
Ora, o certo é que a sentença recorrida tem probatório contendo os factos com base nos quais decidiu aduzindo-se ainda as razões de direito que, no entender do julgador, eram adequadas às disposições legais vigentes sobre a correcção inerente à liquidação, o que não configura a falta de motivação que a recorrente lhe assaca, pelo que se encontra fundamentada quer quanto à matéria de facto, quer de direito.
Doutro modo, a sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC e, em especial, do artº 125º do CPPT.
Cremos que o caso «sub judicio» se integra na primeira hipótese já que o que a recorrente pretende é que os factos e o direito admitidos na sentença não são correctos ou suficientes (erro de julgamento da matéria de facto e de direito/insuficiência instrutória).
A sentença deu como provada e não provada a factualidade alegada com interesse para a decisão, e, como se expende no Ac. STJ de 6.1.77, in BMJ 263º-187, «O que é necessário para a perfeição meramente formal da sentença ou acórdão, é que se decida e se diga porquê».
Destarte, não assiste razão ao recorrente porquanto no probatório da sentença se vê que o Mº Juiz «a quo» julgou com base nos autos e a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
Como se vê, essa indagação foi feita pelo Mº Juiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
E, como salienta o EPGA, as diligências de prova requeridas na PI não têm qualquer relevância para a justa decisão da causa pois, como muito bem se refere, expressamente, na douta sentença recorrida, a fls. 108, é de todo irrelevante para a decisão da causa a eventual não tributação de membros de outras categorias profissionais, facto que justificou que não se tivessem realizado diligências instrutoras para averiguar se esse facto corresponde ou não à verdade.
Portanto, ao contrário do que se diz nas conclusões de recurso o tribunal recorrido indeferiu, e bem, tais diligências.
Na verdade, atento o estatuído no artigo 13.° do CPPT, o tribunal apenas deve ordenar as diligências úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes sela lícito conhecer, sob pena de estar a praticar actos inúteis que a lei proíbe.
Em decorrência da não verificação de défice instrutório, não ocorre nulidade da sentença por omissão de especificação da matéria de facto, uma vez que a toda a factualidade relevante para a justa decisão da causa foi, devidamente, apurada e especificada.
Termos em que improcede o fundamento de recurso sob análise.
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Atentas as atinentes conclusões e a factualidade fixada na sentença, vejamos agora se ocorre a caducidade do direito de liquidação.
A sentença recorrida decidiu que não se verificava com a seguinte fundamentação:
“O artigo 84.°, n.° l do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), sob a epígrafe "Prazo de caducidade", na redacção do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 472/99, de 8 de Novembro - diploma que adapta os vários códigos tributários à Lei Geral Tributária, prevê: "A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma da liquidação só podem efectuar-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45° e 46." da lei geral tributária".
O artigo 45.°, n.° l da Lei Geral Tributária (LGT) estipula: "O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro."
E, o artigo 5.°, n.° 5 do Decreto-Lei que aprova a Lei Geral Tributária, o Decreto-Lei n.° 398/98, de 17/12, prevê: "O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998".
Significa que, no caso dos autos relativos a IRS de 1999, ocorre a caducidade do direito à liquidação, se a liquidação não for notificada dentro do prazo de quatro anos contados, a partir do termo do ano em que ocorreu o facto tributário, terminando em 31/12/2003.
A notificação não afecta a existência e a validade da liquidação mas é condição da sua eficácia. Ou seja, a liquidação só é exigível se for notificada.
Assim sendo, cumpre apurar e decidir se a liquidação objecto dos presentes autos de impugnação, a liquidação adicional n.° 5324103799, relativa a IRS de 1999 foi validamente notificada ao Impugnante até 31/12/2003.
A liquidação adicional é um acto tributário que altera a situação tributária dos contribuintes pelo que deve ser notificada por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 38.°, n.° l do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Porém, nos termos do artigo 38.°, n.° 5 do CPPT, a notificação será pessoal "...nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário". E, o n.° 6 dispõe que "...às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal".
Resulta da matéria dada por assente que, em 09/12/2003, o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiu mandado para que se proceda à notificação pessoal do Impugnante, da liquidação objecto dos presentes autos (cfr. facto E).
Vejamos se a notificação pessoal observou todas as formalidades legais constantes dos artigos 232.°, n.° l, 240.° e 241.°, todos do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi do artigo 2.°, alínea e) e 38.°, n.° 6, ambos do CPPT.
Resulta do regime destes preceitos que a notificação por mandado pode ser efectuada em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, designadamente, na sua residência ou local de trabalho (cfr. artigo 232.°, n.° l do CPC), Sendo ordenada a notificação por mandado, a cumprir por funcionário acompanhado por uma testemunha, se deslocará à residência do destinatário e caso não encontre o destinatário nem nenhuma pessoa que a possa receber, deixará afixado aviso, no local mais adequado, a nota de notificação contendo a indicação dos elementos referidos no artigo 235.° do CPC, a saber, duplicado e documentos anexos ficam à disposição do Serviço de Finanças identificado (cfr. artigo 240.°, n.° 3 do CPC).
Cumpridas estas formalidades, para a notificação atingir a perfeição o artigo 241.° do CPC exige o envio de carta registada ao destinatário, "...comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em que a citação foi realizada".
No caso dos autos resulta como provado que, no cumprimento de mandado de notificação pessoal da liquidação adicional de IRS, relativa ao exercício de 1999, um funcionário e uma testemunha se deslocaram à residência do Impugnante, pelas 17h00 do dia 10/12/2003. Por a residência se encontrar encerrada afixaram à porta da residência do Impugnante a notificação com hora certa, com a indicação que voltariam no dia 15/12/2003, pelas 11h30m, para efectuarem a notificação no Impugnante ou nalguma pessoa indicada por ele, ou em qualquer pessoa presente no local.
Em 15/12/2003, deslocaram-se à residência do Impugnante, o funcionário acompanhado de uma testemunha, e emitiram certidão de notificação com o seguinte teor: "Certifico que voltei hoje, pelas Ilh30m ao domicílio do Impugnante para notificação da liquidação referida em D, conforme diligência que antecede, na qual no dia 10 de Dezembro de 2003 deixei hora certa por afixação, na porta do domicílio, de nota com hora marcada. Como a pessoa ou qualquer outra com poderes para o efeito não se encontra presente para receber a respectiva notificação, considera-se a mesma feita nos termos do n.° 3 do art. 240.° do Código de Processo Civil, ficando no entanto à sua disposição no Serviço de Finanças Cascais - 2. De como é verdade e que afixei a já citada nota na presença das testemunhas C...e comigo D... vão assinar." (cfr. facto h).
Em 22/12/2003, foi enviada ao Impugnante carta registada com o seguinte teor: "ASSUNTO: Comunicação nos termos do art. 241° do CPC
Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à notificação nos termos do n.° 3 do art. 240 do Código de Processo Civil, no dia 2003/12/15 da liquidação n.° 2003/5324103799 de IRS do exercício de 1999, estando os elementos à sua disposição no Serviço de Finanças Cascais -2 (Carcavelos).
Da liquidação em causa poderá reclamar ou impugnar nos termos do art. 70° e 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário." (cfr. facto i).
Aplicando o direito aos factos verifico que foram cumpridas todas as formalidades previstas na lei tendo-se efectuado a notificação da liquidação, em 15/12/2003. Assim sendo, a liquidação foi validamente notificada até 31/12/2003, não ocorrendo a caducidade do direito à liquidação.”
Sufraga-se inteiramente a tese da sentença no sentido de que não ocorre a invocada caducidade do direito de liquidação do tributo impugnado.
Isso pelo fundamento capital de que a notificação da liquidação de IRS no ano de 2003, em que se efectivou, não tinha de ser, obrigatoriamente, feita por carta registada com A/R, bastando o registo simples, conforme artigo 149°/3 do CIRS, na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, em vigor em 1 de Janeiro de 2001.
Acresce que, no caso de a carta ter sido devolvida, a entidade que procedeu à notificação podia utilizar a notificação pessoal e, sendo caso disso, proceder à notificação com hora certa, tudo como decorre do artigo 38°/5/6 do CPPT.
Ora, como se apurou, a notificação com hora certa foi feita na presença de duas testemunhas, uma vez que o funcionário do SF que efectuou a notificação não podia deixar de ser considerado uma testemunha.
É que, na senda do douto parecer do EPGA que se louva no do representante do MP junto da 1ª instância, a carta registada referida no artigo 241° do CPC não tinha de ser remetida no prazo de dois dias úteis, uma vez que tal requisito foi introduzido pelo DL 38/2003, de 8 de Março, que entrou em vigor 15 de Setembro de 2003, mas só se aplica aos processos instaurados a partir de tal data (artigos 21° e 22° desse DL).
Nessa medida, tendo o procedimento tributário em que ocorreu a questionada notificação sido instaurado antes dessa data e provindo o tributo em causa do IRS do ano de 1999 e havendo a notificação da liquidação sido, validamente, efectuada em 15 de Dezembro de 2003, conforme alínea H) do probatório, é manifesto que a notificação ocorreu antes do decurso do prazo de caducidade de 4 anos estatuídos no artigo 45.°/l da LGT.
O que implica a improcedência do fundamento da caducidade do direito de liquidação do tributo.
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No mais, a sentença recorrida arrimou-se à jurisprudência constante dos tribunais superiores no que concerne à questão da tributação das gratificações aos trabalhadores dos casinos, como ela própria anuncia: tal questão “ está sobejamente apreciada e decidida de forma unânime em múltiplos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. Acompanhando a Jurisprudência fixada, transcrevo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0725/05, de 12/10/2005, disponível na Internet em www.dgsi.pt, que resolve integralmente todas as questões suscitadas pelo Impugnante.
Assim, sobre a Inconstitucionalidade por desconformidade com a lei de autorização fundamentou a sentença recorrida que:
“O Impugnante alega que "...o artigo 2°, n.° 3, alínea h) do CIRS é organicamente inconstitucional, por ter sido desrespeitada a extensão da Lei de autorização, e, excedendo os limites materiais impostos no artigo 4°, n.° 2, alínea a) da Lei n.° 106/88, de 17 de Setembro, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 168°, n.°2 (hoje 165°, n." 2) e 115.°, n.° 2 (hoje 112°, n.° 2) da CRP, ao tempo em vigor.
...À luz da interpretação a que obriga a Lei Geral Tributária - artigo 11.°, n.° 2 - uma gratificação atribuída por uma entidade diferente da entidade patronal não está abrangida pela alínea a), n.° 2 do artigo 4.° da Lei n.° 106/88, de 17 de Setembro".
A propósito, no Acórdão, supra citado e, que sigo consta: No artigo 2.°, n.° 3 alínea h) do CIRS "Nesta alínea h) (actual alínea g), consideram-se rendimentos do trabalho dependente, para efeitos de IRS, «as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal».
Nos n.°s l e 2 do art. 2° do CIRS estabelece-se que se consideram rendimentos do trabalho dependente as remunerações directamente derivadas da prestação de trabalho dependente.
No n.° 3 do CIRS, faz-se uma extensão do conceito de rendimentos do trabalho, para efeitos deste imposto, considerando-se como tal importâncias e benefícios recebidos a outros títulos. As situações aqui abrangidas, em alguns casos, constituem remuneração de trabalho em situações em que não existe dependência relativamente a uma entidade patronal: é o caso das situações referidas nas alíneas a)(remunerações de órgãos estatutários de pessoas colectivas), b) (importâncias escrituradas por empresários individuais a título de remuneração própria ou de membros do seu agregado familiar) e f) (quota-parte devida a pescadores que limitem a sua actividade à prestação de trabalho, a título de participação em campanha de pesca).
Noutros casos, consideram-se neste n." 3 como rendimentos do trabalho dependente, proventos que não se consubstanciam, explicitamente, em remuneração de trabalho prestado, mas que tem relação com ele, por ser a existência de uma prestação de trabalho que proporciona as condições para tais rendimentos serem auferidos. Estão nessa situação os rendimentos referidos nas alíneas c) (benefícios recebidos pela prestação ou em razão da prestação de trabalho dependente), d) (abonos para falhas que excedam em 5% a remuneração mensal fixa), e) (ajudas de custo e verbas para despesas de deslocação, viagens e representação, em certas condições), f) (indemnizações pela mudança de local de trabalho) e h) (as gratificações referidas).
Assim, à face do art.º 2.° do CIRS não são de considerar como rendimentos do trabalho dependente apenas as importâncias atribuídas aos sujeitos passivos pelas respectivas entidades patronais a título remunerações do trabalho, sendo como tal consideradas também as indicadas naquele n.° 3.
Por isso, o facto de as gratificações referidas nos autos não constituírem retribuição de serviço ou trabalho por ele prestado não é, por si só, um obstáculo ao seu enquadramento no conceito de rendimentos do trabalho para efeitos daquele imposto.
Na referida alínea h) (actual alínea g), prevêem-se como rendimentos do trabalho as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal, hipótese esta em que se enquadram as gratificações referidas nos autos, pois o Impugnante exerceu funções de empregado de casino e aquelas foram-lhe atribuídas pelos respectivos clientes, como ele próprio refere....
Por isso é de enquadrar as referidas gratificações na alínea h) (actual alínea g)) citada."
No n.° l do art. 4° da Lei n.° 106/88, de 17 de Setembro (diploma que autorizou o Governo a emitir o CIRS), prevê-se que o 1RS incida sobre o valor global dos rendimentos das categorias aí indicadas, entre as quais se inclui os rendimentos do trabalho dependente.
No n.° 2 deste artigo concretiza-se o que deve entender-se por rendimentos do trabalho dependente, indicando-se que como tal se consideram» todas as remunerações provenientes do trabalho por conta de outrem, prestado quer por servidores do estado e das demais pessoas colectivas de direito público, quer em resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado».
No n.° 3 do mesmo artigo, remete-se para a lei ordinária o esclarecimento dos rendimentos que se incluem em cada uma das categorias indicadas no número anterior, e no n.° 4 estabelece-se que o imposto incidirá sobre o rendimento efectivo dos contribuintes.
Assim, o Governo estava autorizado a definir os rendimentos que devam considerar-se como rendimentos do trabalho, estando limitado na sua fixação apenas pela possibilidade de os rendimentos deverem chegarem á titularidade dos sujeitos passivos em virtude da prestação de trabalho e representarem para quem os aufere um rendimento efectivo e não meramente aparente.
No caso das gratificações referidas, é inequívoco que elas representam para quem as aufere um benefício patrimonial real. Por outro lado, é a prestação de trabalho que permite que elas sejam auferidas.
Com efeito, o próprio Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, que ao tempo em que ocorreram os factos regulava o exercício da actividade de jogo, estabelecia no seu art. 79°, o regime da aceitação de gratificações pelos empregados dos quadros das salas de jogos, proibindo a sua percepção individual e a sua distribuição segundo regras que vieram a ser fixadas pela Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro.
Em face deste regime legal, a percepção individual pelos empregados das salas de jogos de rendimentos provenientes de gratificações não dependia sequer da eventualidade de quem os recebe ter sido contemplado com a oferta de alguma gratificação por parte de qualquer dos frequentadores das salas de jogos, mas sem, e apenas da detenção dessa qualidade de trabalhador dos quadros das salas de jogos e do exercício da correspondente actividade profissional.
Nestas condições, dependendo a percepção de tais rendimentos do exercício da profissão referida, a qualificação de tais rendimentos como provenientes do trabalho não pode considerar-se como desajustada.
Por isso, desde logo, não poderá considerar-se que ao emitir a referida alínea h) (actual alínea g) do n.° 3 do art. 2° do CIRS, o Governo não tenha agido em sintonia com a referida lei de autorização legislativa.
A questão do legislador ordinário, ao incluir esta alínea no CIRS, ter extravasado os limites da lei de autorização legislativa em que se baseou a emissão do CIRS pelo Governo foi objecto de apreciação, em sede de fiscalização abstracta de constitucionalidade, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 497/97, de 9-7-97, publicado no Diário da República, II Série, de 10-10-97, páginas 12485-12496, sendo-lhe dada resposta negativa. Como se refere neste aresto, no 1RS manteve-se a orientação de tributação esgotante dos rendimentos de alguma forma oriundos do trabalho, que já vigorava no domínio do imposto profissional, que visava dar satisfação à necessidade de assegurar uma repartição igualitária dos rendimentos e da riqueza.
Por isso, a actuação do Governo ao incluir os rendimentos provenientes de tais gratificações entre os rendimentos do trabalho, impossibilitando que os rendimentos efectivos com essa origem ficassem fora desse regime de repartição, era postulada pela orientação essencial do IRS em matéria de tributação dos rendimentos do trabalho.
A actuação do Governo, assim, tem suporte na lei de autorização legislativa referida, pelo que não ocorre, aqui, qualquer inconstitucionalidade.
Sobre a Inconstitucionalidade material por violação do artigo 13.° da CRP, expendeu-se na sentença que:
“O Impugnante alega que "É hoje um facto público e notório que a tributalidade das gratificações não atribuídas pelas entidades patronais visou unicamente os empregados dos casinos.
...entende-se que o artigo 2°, n.° 3, alínea h) do Código do 1RS é materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP, o qual se aplica directamente por força da constituição."
A propósito, no Acórdão, supra citado e, que sigo consta:
"Referem ainda os Impugnantes que o âmbito de aplicação da alínea h) (actual alínea g) do n.° 3 do art. 2.° do CIRS se circunscreve apenas aos profissionais de banca dos casinos, tratando-os desigualmente em relação a outras pessoas que também auferem gratificações, embora sem regulamentação legal, pessoas essas cujas gratificações não são tributadas mas têm capacidade tributária decorrente de realidades iguais, pelo que resulta violado o princípio constitucional da igualdade.
...O texto da alínea h) contém uma fórmula abrangente em que se enquadram todas as gratificações desse tipo, quando não atribuídas pela entidade patronal, independentemente do tipo de actividade profissional exercido.
Por isso, não existe no texto da disposição qualquer discriminação desfavorável das pessoas que exercem a actividade profissional que o Impugnante exerce.
Também não há ofensa do princípio da igualdade se, na prática, apenas os trabalhadores dos casinos forem tributados por gratificações não atribuídas pela entidade patronal, se, eventualmente, se demonstrasse que isso corresponde à realidade.
Na verdade, como entendeu o Tribunal Constitucional, as eventuais dificuldades práticas em controlar, relativamente a outros grupos profissionais, quem recebe gratificações e quanto recebe, não obsta a que se tribute os que se encontram em situação em que é possível, por existir uma regulamentação, controlar os rendimentos auferidos por essa via, pois «na medida em que é possível tributar essas fontes de rendimento, estar-se-á a reduzir a margem de desigualdade que a ausência de tributação implicaria em relação ao universo de todos os contribuintes. Não pode falar-se de uma desigualdade constitucionalmente censurável se uns contribuintes se encontram circunstancialmente mais apertadamente controlados do que outros», pelo que o princípio da igualdade não pode ser interpretado «em termos que se projectam na não tributação de alguém porque outrem, em situação de igual incidência, não é tributado por dificuldades técnicas de aplicação da lei» (Acórdão n.° 497/97, de 9 de Julho, de 9-7-1997, proferido no recurso n.° 70/89, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional n." 37, página 73, e no Diário da República, 11 Série, de 10-10-97). Por isso, ao contrário do que defendem os Recorrentes, a tributação das gratificações referidas em sede de IRS, em vez de violar o princípio constitucional da igualdade, é por ele reclamada, para lhes dar tratamento igual ao da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem cujos rendimentos e capacidade contributiva pode ser controlada.
Este facto de ser irrelevante para a apreciação do princípio da igualdade a eventual não tributação de membros de outras categorias profissionais, justifica que não se tivesse realizado diligências instrutórias para averiguar se esse facto corresponde ou não à realidade.”
Por fim, sobre a Inconstitucionalidade material por violação do princípio da justiça do sistema sustentou-se na sentença recorrida que:
“O Impugnante alega que as gratificações para efeitos tributários são rendimentos do trabalho "...mas são absolutamente irrelevantes para efeitos de segurança social, de indemnização por acidente de trabalho e fonte directa de indemnização por despedimento".
A propósito, no Acórdão, supra citado e, que sigo consta:
"A percepção de rendimentos que não tenham uma finalidade compensatória, como é o caso das referidas gratificações, proporciona a quem as aufere um acréscimo de capacidade contributiva, que deve ser considerada para efeitos fiscais por imposição do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Por isso, a relevância daqueles rendimentos para efeitos fiscais é postulada pela própria Constituição e pelos princípios da justiça e da tributação em função da capacidade contributiva.
Por ser este o regime que a Constituição impõe, a eventual irrelevância das referidas gratificações para outros efeitos (nomeadamente subsídios de doença e desemprego), se pudesse considerar-se incongruente com este regime de tributação, justificaria a alteração destes regimes de irrelevância e não no afastamento da consideração daquelas gratificações para efeitos tributários.
Por outro lado, no que concerne às necessidades do agregado familiar, elas são atendidas em sede de IRS a nível de deduções e abatimentos à matéria colectável e não no âmbito da incidência do imposto."
Entendemos, pois, que a sentença recorrida fez um correcto julgamento da matéria de facto e uma correcta interpretação a aplicação do direito, pelo que não merece qualquer censura, improcedendo totalmente o recurso.
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4. - Termos em que se judicia negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 13/04/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)