Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2056/13.7BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário:Nos termos dos artigos 99º da LGT e 13º do CPPT o juiz deve realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material relativamente aos factos alegados, designadamente, ordenar a junção de documentos aos autos, respeitando assim o princípio do inquisitório
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem P....., apresentar recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que ao abrigo do princípio do inquisitório, determinou a junção de documentos aos autos de impugnação judicial.

O Recorrente nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“1 ) Vem o presente recurso interposto da do douto despacho proferida em 10/11/2022, de fls…. em sede de audiência discussão e julgamento, que determinou ilegalmente e de forma absolutamente abusiva e sem qualquer fundamentação legal a não ser a simples invocação do princípio do inquisitório, como se isso por si só fosse fundamentação suficiente para ordenar o que quer que fosse ainda para mais depois de terminada a audiência de discussão e julgamento, que ao abrigo do Princípio do Inquisitório (artº 13º do CPPT) fosse junto aos autos o Relatório de Inspeção Tributária, efetuado à empresa M....., S....., Lda., relativamente ao ano de 2010 e que consta do processo número 1658/13.6BELRS e ainda que se oficiasse aos Serviços da Segurança Social para remeterem ao processo comprovativos das inscrições e remunerações do recorrente desde 2005 a 2010.

2 ) Não podendo o recorrente, concordar com tal despacho, nomeadamente com que determinou a juntada de tal documentação. Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, no que respeita à matéria de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual.

3 ) O Recorrente quando deduz a impugnação judicial às liquidações adicionais efectuadas pela AT fá-lo obviamente impugnando o processo instrutor e a prova que foi carreada para os autos pela Autoridade Tributária aquando a sua realização e que supostamente fundamenta as referidas liquidações adicionais (que note-se fica “fechado” assim que é encerrado o referido processo), pois é de relembrar o Tribunal “a quo” que parece estar esquecido ou quiçá desconhece que cabe à AT o ónus da prova, como refere a legislação em vigor, de demonstrar de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que
proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação.

4 ) Portanto repita-se compete à AT e não a ao Tribunal “a quo”, carrear a prova para os autos e não ao Tribunal “a quo”, que por motivo que se desconhece faz questão de se substituir à AT e solicitar a junção de elementos que a AT podia ter solicitado e juntado ao processo instrutor e não juntou com vista claramente a fazer prova (que não faz) de factos alegado pela AT e não pelo recorrente que já provou documentalmente e testemunhalmente o que alegou apesar de ter sido alertado para a ilegalidade do acto e lhe ter sido inclusivamente referido pelo recorrente que ao manter tal despacho o mesmo seria alvo de recurso por ilegal, como aliás está agora a ocorrer.

5 ) A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” parece esquecer-se qual é a sua posição processual que é a dirigir, nos termos do citado artigo 13.º que faz questão de invocar (mas não aplicar), o julgamento e pedir é claro os esclarecimentos que considerar necessários, mas após as instâncias terminadas pelos mandatários aos quesitos indicados pelos mandatários e representantes da fazenda Publica e não a de se substituir aos seus
mandatários ou representantes e muito menos às partes.

6 ) O Tribunal “ a quo” bem sabe que os elementos que pediu substituindo-se à AT são elementos que a AT podia ter carreado para o processo instrutor para o fundamentar eventualmente (ou não) as liquidações adicionais e não carreou (ou carreou e não juntou porque não quis - quiçá) e também não os carreou em sede de contestação, e só ela os podia ter pedido, portanto não é agora a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que vai ocupar a posição da AT e carrear para os autos o que esta não carreou sob pena de estar a violar até o princípio da imparcialidade e demais legislação infra referida.

7 ) O Tribunal “a quo” confunde princípio do inquisitório com o ónus da prova e não tem qualquer razão para o confundir pois a jurisprudência é unanime e uniforme quanto a esse entendimento pois claramente refere que o ónus da prova cabe à AT e não ao Tribunal que a ela (AT) não se pode de todo substituir.

8 ) Note-se que até o momento do pedido desta documentação pelo Tribunal “a quo” é peculiar pois o Tribunal “a quo” desde o primeiro instante sabe que o processo instrutor da M....., Lda. e os comprovativos das inscrições e remunerações do recorrente desde 2005 a 2010 não estava junto ao processo instrutor alvo da impugnação e não estavam junto à contestação, mas só finda a produção de prova é que o Tribunal “ a quo” vem requerer a sua junção aos autos apesar e ter tido quase 10 anos para o fazer dado que o processo remonta a 2013, sendo que inclusivamente, agora, já se apressou a
pedir a documentação apesar de saber que a sua decisão iria ser objecto de recurso como lhe foi expressamente referido pelo recorrente e que a mesma irá ter obrigatoriamente efeito suspensivo ao abrigo do artigo 286º n.º 2 do C.P.C., porque se assim não tiver este recurso perde qualquer efeito útil pois o artigo 286.º n.º do C.P.P.T é claro é referir que: “2 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos.”, o que claramente é o caso.

9 ) Será útil este Douto Tribunal “ a quo” relembrar-se que não deverá carrear para os autos informação pessoal do Recorrente, que depois de vista pelas partes não pode ser retirada, que está protegida ao abrigo da Lei da proteção de dados sem que o Tribunal superior decida definitivamente sobre o presente recurso.

10 ) De facto, por força do, n.º 1 do art.º 13.º do CPPT incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. O n.º 1 do art.º 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.” Estes normativos consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade.

11 ) De facto, como é referido unanimemente na jurisprudência o art.º 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça. O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

12 ) Como é sabido a Administração Tributária em sede de procedimento tributário, com vista à liquidação de impostos, e por força do art.º 58.º do LGT, tem por incumbência a descoberta da verdade material, pautando-se por critérios objetivos, apurar os factos, independentemente de os mesmos lhe serem ou não desfavoráveis. Acresce ainda referir que sobre a prova, dispõe o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Como é sabido, e como supra se referiu, a Administração Tributária em sede de procedimento tributário, com vista à liquidação de impostos, e por força do art.º 58.º do LGT, tem por incumbência a descoberta da verdade material, pautando-se por critérios objetivos, apurar os factos, independentemente de os mesmos lhe serem ou não desfavoráveis.

13 ) Acresce que o art.º 58.º da LGT terá de ser interpretado em conjugação com o art.º 74.º da LGT o qual estabelece as regras relativas à repartição do ónus probandi. Preceitua, o n.º 1 do art.º 74.º da LGT como já se referiu que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Pretendendo a Fazenda Pública, liquidar IRS do ano de 2010, impunha-se demonstrar factos constitutivos dos direitos da administração tributária a esse tributo. Assim, a Administração Fiscal, no procedimento, deve realizar as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, competindo-lhe, a prova dos factos constitutivos dos direitos que se arroga.

14 ) Ora a Administração Tributária, se se arroga à liquidação de imposto tem por encargo probatório, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT, a prova dos factos constitutivos dos direitos à liquidação. Pelo que se pretendia liquidar IRS impunha-se demonstrar os factos constitutivos desse direito e se para tal era necessário juntar ao processo instrutor do recorrente o processo instrutor da sociedade para onde o Recorrente trabalhava, que até estava a sua posse, e juntar os comprovativos das inscrições e remunerações do recorrente desde 2005 a 2010, devia ter ido mais longe na investigação em sede de procedimento tributário.

15 ) E se não foi não é certamente o Tribunal “a quo” que poderá ir pois como já se referiu apesar do princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, este apenas se move dentro dos limites fixados nos factos alegados e do conhecimento oficioso, não se podendo o juiz substituir as partes realizando ele a prova que partes tinham de produzir o que aqui claramente pretende ocorrer com o peticionado pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”.

16 ) A Meritíssima juiz do Tribunal “quo” esquece-se que o fundamento para a liquidação adicional efectuado pela AT conforme resulta do processo instrutor e do consequente relatório de inspeção e da contestação é exclusivamente o facto de terem sido alegadamente celebrados alegadamente vários contratos de trabalho com o Recorrente para trabalhar em cada uma das obra em Espanha e por isso o Recorrente não estava efectivamente deslocado porque foi alegadamente contratado para trabalhar directamente em Espanha e assim sendo, por alegadamente não haver deslocações não tem direito a ajudas de custo

17 ) O que nos leva a segunda questão, qual a razão de ser de tal despacho???? Tal despacho não está obviamente fundamentado pois referir que é ao abrigo do princípio do inquisitório não é claramente fundamentação para qualquer despacho e ao abrigo do que está alegado pelas partes também não tem!!!

18 ) Ora dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Trata-se de uma garantia constitucional de conformação legal, porquanto confere ao legislador o seu modo de regulação. Mas também surge como uma vertente do direito fundamental a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, assim como nos tratados de direitos humanos, seja a nível global (artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH; artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP), seja a nível regional europeu (artigo 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – CEDH).

19 ) Por sua vez, é a própria Constituição a afirmar, a propósito da função jurisdicional, que “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1) e o povo exprime a sua vontade geral através da lei, que são os actos normativos (artigo 112.º). O Código Civil menciona que a lei é a fonte imediata do direito (artigo 1.º), devendo os tribunais julgar em obediência à lei (artigo 8.º), sendo de considerar que esta expressa valores (bens em si), princípios (mandatos de otimização) e regras (mandatos definitivos).

20 ) O artigo 154.º C.P.C., refere expressamente o “dever de fundamentação da decisão”, enumerando no seu artigo n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. Mais acrescenta no seu n.º 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.

21 ) Ora claramente o despacho supra referido não tem qualquer fundamentação que o suporte, razão pela qual vem o recorrente nos termos do artigo 195.º n.º 1 do C.P.C. invocar a sua nulidade do referido despacho a qual se espera que venha a ser declarada.

22 ) Pelo que ao decidir como decidiu violou a Meritíssima juíz do “Tribunal a quo” o disposto no artigo 13.º e 286.º n,º 2, todos do C.P.P.T, 58.º, 74.º, 99.º todos da LGT, 1.º e 8.º todos do Código Civil, 20 n.º 4, 112.º, 202.º, 205 todos da CRP e ainda 152.º e 154.º.º do C.P.C.

23 ) Assim sendo e salvo melhor entendimento, impõe-se revogar o despacho de que agora se recorre, o qual terá de ser substituído por outro que ordene a imediata revogação do despacho que ordenou a junção aos autos o processo instrutor da M....., Lda. e os comprovativos das inscrições e remunerações do recorrente desde 2005 a 2010.

Termos em que deverá, com o douto suprimento de V. Ex.ª ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de que agora se recorre, o qual terá de ser substituído por outro que ordene a imediata revogação do despacho que ordenou oficiosamente a junção aos autos do processo instrutor da M....., Lda. e os comprovativos das inscrições e remunerações do recorrente desde 2005 a 2010.”.

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais por simplicidade das questões a resolver e nada mais
obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação e ainda de erro de julgamento ao ter determinado a junção de documentos aos autos, violando as regras do ónus da prova.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão do presente recurso mostra-se provado o seguinte facto:

A) Em 10/11/2022, finda a inquirição das testemunhas, pela Mma Juiz, foi proferido despacho com o seguinte teor:
DESPACHO
“Ao abrigo do Principio do Inquisitório (artº13º do CPPT):
I) junte aos autos o Relatório de Inspeção Tributária, efetuado à empresa M....., Lda, relativamente ao ano de 2010 e que consta do processo número 1658/13.6BELRS.
II) Oficie os Serviços da Segurança Social para, no prazo de 10 dias, remeterem aos presentes autos os comprovativos das inscrições e remunerações do Impugnante, P..... com o NIF nº……11, desde 2005 a 2010.”. (como consta da acta de inquirição de testemunhas – doc nº 004717904 18-01-2023 15:08:11 - numeração SITAF).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tal como referido supra, in casu importa decidir se o despacho recorrido e acima transcrito padece de nulidade por falta de fundamentação e ainda de erro de julgamento.

Vejamos então se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por remissão do nº 3 do art. 613º do mesmo Código.

O despacho será nulo quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC), contudo, tem sido entendido pela jurisprudência que a nulidade por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cfr. Ac. do STA de 06/02/2019 – proc. 249/09.0BEVIS).


No caso em apreço o juiz a quo fundamentou o despacho invocando o disposto no art. 13º do CPPT para justificar a junção aos autos dos documentos nele mencionados.

O art. 13º do CPPT estabelece no seu nº 1 que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.” No mesmo sentido consagra o art. 99º, nº 1 da LGT sob a epígrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual” que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”.

Desta forma o despacho recorrido funda-se na necessidade de apuramento da verdade quanto aos factos alegados pelas partes, tendo como fundamentação legal o já referido art. 13º do CPPT. Acresce que, tal como já foi mencionado, só existe nulidade em caso de ausência absoluta de fundamentação, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada, o que não é o caso dos presentes autos.

Em face do exposto improcede a alegada nulidade por falta de fundamentação do despacho recorrido.

Vem ainda o Recorrente invocar que o tribunal a quo ao determinar a junção dos documentos não está a respeitar as regras do ónus da prova que cabe à administração tributária. Afirma para tanto que, “o tribunal “a quo”, que por motivo que se desconhece faz questão de se substituir à AT e solicitar a junção de elementos que a AT podia ter solicitado e juntado ao processo instrutor e não juntou com vista claramente a fazer prova (que não faz) de factos alegado pela AT e não pelo recorrente que já provou documentalmente e testemunhalmente o que alegou apesar de ter sido alertado para a ilegalidade do acto e lhe ter sido inclusivamente referido pelo recorrente que ao manter tal despacho o mesmo seria alvo de recurso por ilegal, como aliás está agora a ocorrer.”


Acrescenta ainda que “(…) não é agora a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que vai ocupar a posição da AT e carrear para os autos o que esta não carreou sob pena de estar a violar até o princípio da imparcialidade e demais legislação infra referida” e que “o Tribunal “a quo” confunde princípio do inquisitório com o ónus da prova e não tem qualquer razão para o confundir pois a jurisprudência é unanime e uniforme quanto a esse entendimento pois claramente refere que o ónus da prova cabe à AT e não ao Tribunal que a ela (AT) não se pode de todo substituir.

Mais refere que “apesar do princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, este apenas se move dentro dos limites fixados nos factos alegados e do conhecimento oficioso, não se podendo o juiz substituir as partes realizando ele a prova que partes tinham de produzir o que aqui claramente pretende ocorrer com o peticionado pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”.”.

Vejamos então.

Como afirmava J. L. Saldanha Sanches, in “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 340/342, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa:
“O processo contencioso fiscal, enquanto forma de tutela dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos contribuintes, tem como objectivo a obtenção da verdade material.
A obtenção da verdade material como fim do processo fiscal impõe a estruturação do contencioso fiscal sob a predominância do princípio do inquisitório, ou, numa formulação corporizada em diferentes soluções legais, do princípio da investigação, o que se vai reflectir imediatamente nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica do processo, na natureza e limites do objecto do processo.
O juiz fiscal não está, assim, limitado pelas alegações fácticas das partes nem pelos vícios do acto por estas alegados.
A existência de um ónus da prova subjectivo é incompatível com a existência dos poderes-deveres do juiz e da Administração. A situação processual desta vai ter efeitos decisivos na determinação dos factos de que o tribunal deve tomar conhecimento, favoráveis ou desfavoráveis para o contribuinte, devido ao princípio da aquisição processual.
A admissão do princípio da verdade material como objectivo do procedimento da Administração para atingir o acto tributário não pode ser mantida isolada do problema do ónus da prova no processo contencioso.
O escrutínio judicial deverá, pois, centrar-se na questão de verificar se a Administração fez prova plena dos pressupostos da pretensão processual e se existe correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.”.

Quer o art. 13º do CPPT quer o art. 99º da LGT acima transcritos, consagram o princípio do inquisitório, que se traduz no poder do juiz de ordenar as diligências que entenda serem úteis e necessárias para a descoberta da verdade.

Desta forma o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, contudo, não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir. Na verdade tais normativos não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário quanto ao impulso processual, quer do sujeito passivo quer da Fazenda Pública, designadamente no tocante à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça.

O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso. Acresce ainda mencionar que o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estabelece que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (neste sentido veja-se Acórdão do TCA Norte de 13/07/2017- proc. 039/17.7BEVIS).

No caso concreto decorre dos autos que o juiz a quo, perante os factos alegados pelas partes, e no intuito da descoberta da verdade material, julgou necessário a obtenção de mais elementos sobre os factos alegados, e, posteriormente aferir se as regras do ónus da prova foram respeitadas ou não.

Vem o Recorrente alegar que tais elementos deveriam ter sido juntos pela AT, contudo, tais elementos permitem aferir ou não da factualidade que o próprio impugnante invocou na sua petição inicial de impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2010, designadamente, quando refere o relatório de inspecção tributária ao considerar as ajudas de custo como retribuição, bem como quando invoca a existência de um contrato de trabalho celebrado em Junho de 2006, mencionando ainda a inscrição na segurança social desde essa data (cfr. artºs 1º a 14º da petição inicial).

Destarte torna-se evidente que o despacho proferido pelo tribunal a quo, não resultou de nenhuma “confusão” do tribunal entre o princípio do inquisitório e o ónus da prova, nem revela qualquer “violação do princípio da imparcialidade”, como alega o Recorrente, mas traduz o pleno exercício da função jurisdicional (dirimindo o litígio, em busca da verdade material de acordo com os poderes que legalmente lhe estão conferidos, designadamente, através do princípio do inquisitório, e aplicando as disposições legais ao caso concreto).

Ao contrário do que alega o Recorrente, o tribunal a quo, ao determinar a junção dos documentos em questão, não se substituiu à AT, ao invés, entendemos que tais elementos poderão, eventualmente, contribuir para a apreciação da actuação da administração tributária no procedimento de liquidação designadamente quanto ao cumprimento das regras do ónus da prova e aos factos que determinaram o tributo. E permitirão, eventualmente, a apreciação dos factos alegados pelo impugnante, pelo que o despacho recorrido ao determinar a junção de mais elementos de prova que não constavam dos autos, não padece de erro de julgamento, nem viola nenhuma das disposições legais invocadas pelo impugnante no presente recurso.


Desta forma conclui-se serem improcedentes todos os fundamentos invocados pelo Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso mantendo-se assim o despacho recorrido.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do eventual apoio judiciário que beneficie.


Lisboa, 2 de Março de 2023
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto