Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4/14.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:VALORAÇÃO DA PROVA
IVA – FACTURAS FALSAS
Sumário:
I – Não tendo a recorrente impugnado a matéria de facto, mas apenas suscitado a errada valoração da prova e uma vez que a valoração da prova testemunhal assenta na livre apreciação da prova, sendo que o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, não pode este Tribunal fazer uma sindicância na sua globalidade.

II - Nas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções.


III - A asserção da referida efectividade não logrou ser descaracterizada através da presente intenção recursória, porquanto não é invocada materialidade fáctica que contradiga ou ponha em causa o acerto do juízo fáctico antes referido. Tal juízo fáctico não foi objecto de impugnação especificada. Tendo sido demonstrado o circuito económico e o circuito financeiro subjacente à emissão das facturas em causa, forçoso se tornar concluir que a contrapartida pela sua emissão existiu, pelo que soçobra a pretensão da recorrente de abalar a sua veracidade.

Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença de fls.900 a 915 do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade S….., S.A. deduziu contra os actos de liquidação adicional de IVA e respectivos Juros Compensatórios, referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante global de 443.563,23€.

A Fazenda Pública finalizou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

«l - A douta sentença do Tribunal a quo, ressalvada a devida vénia, faz uma errónea interpretação dos factos e do direito, decidindo que a Impugnante e aqui recorrida tinha o direito à dedução do imposto revelados nas facturas dos fornecedores C….., Lda e F….., Unip, Lda, reputadas pela AT como titulando operações simuladas e inexistentes.

II - Na situação em apreço a liquidação resulta da não aceitação pela AT de factos constitutivos do direito da Impugnante relacionados com os custos relevados negativamente no seu rendimento tributável.

III - E cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto, nos termos do art°19° do CIVA, o certo é que a materialidade das operações, associada à identificação de quem as realizou, os montantes elevados das transacções e a forma de pagamento não permitem concluir pela veracidade dos serviços prestados, pelo que, decidindo como decidiu, incorreu a douta sentença a quo em erro de julgamento, por errada valoração de prova e errada qualificação jurídica dos factos controvertidos, violando o disposto no n°3 do art°19° do CIVA.

IV- Com efeito, a AT demonstrou até à exaustão a falta de correspondência entre a escrita da impugnante e a realidade apurada, ilidindo a presunção de verdade da declaração da impugnante, nos termos do art°75°, n°1 e 2, da LGT.

V - A Impugnante não alegou, nem provou, relativamente a cada factura qual o pessoal contratado, qual o serviço prestado, o tempo de duração desse serviço e até o seu registo contabilístico na rubrica de subcontratos, etc., de forma a AT pudesse verificar a veracidade do conteúdo das facturas, não dando estas a perceber a descriminação dos serviços efectivamente prestados, situação que nem tão pouco se mostra complementada com outra documentação que contenha a descrição completa dos produtos fornecidos, ou da quantificação e valorização unitária dos serviços prestados.

VI - Cabia ainda à Impugnante, o ónus da prova da veracidade das transmissões tituladas pelas prestações de serviços e transmissões de bens com indicação da sua localização, quantidade, tempo de duração, pessoas que os realizaram, etc, o que se entende que não foi feito.

VII - A prova testemunhal carreada nos autos pela impugnante não logrou comprovar a existência da veracidade das operações, na medida em que:

i) Limitou-se a referir que o alegado relacionamento comercial estabelecido entre a Impugnante e os seus fornecedores foi verbal, nada tendo sido reduzido a escrito;

ii) Referiu-se à realização de diversas obras, mas não logrou identificar quais os trabalhos realizados pelas duas sociedades emitentes da facturação;

iii) O percurso dos cheques alegadamente destinados a efectuar o pagamento dos serviços prestados também não é de molde a infirmar qualquer evidência da materialidade das transacções.

VIII - Ao que acresce o facto de a douta sentença a quo ter desconsiderado a circunstância que se entende como demonstrada nos autos e atinente à quase completa ausência de capacidade estrutural (técnica, humana, logística) por parte dos fornecedores/emitentes das facturas; seja de mão-de-obra, seja em maquinaria ou qualquer outro meio, que lhes permitisse realizar tal volume de operações, atentos os montantes financeiros que lhes estão associados.

IX - Posto que no que respeita à sociedade F….., Unip, Lda, verificou-se que não tinha quaisquer instalações na morada que constava do seu cadastro, sendo dito pelo seu técnico oficial de contas que o responsável pela empresa não fornecia os elementos necessários ao cumprimento das respectivas obrigações fiscais e, outrossim, do respectivo quadro de pessoal apenas foi possível descortinar duas empregadas, relativamente às quais não é crível que pudessem levar a cabo os serviços constantes das facturas detectadas, cujos montantes inscritos ascendem à ordem dos milhões de euros.

X - E quanto à sociedade C….., Lda, nos exercícios em análise, não declarou ter pago quaisquer montantes a empregados ou outros colaboradores e não foi detectado que possuísse veículos ao seu serviço.

XI - Não logrando assim a Impugnante provar, conforme lhe competia, que as referidas facturas titulam serviços efectivamente prestados, é inaceitável a dedução à matéria tributável dos valores nelas contidos, na medida que tal actuação é violadora do art°19° do CIVA.

XII - Verificando-se a referida ilegalidade, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por ter violado o disposto no art°74° da LGT e art°19° do CIVA, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

XIII - Por último e quanto ao valor do processo, entende esta RFP que os presentes autos se subsumem à previsão do disposto no art°6°, n°7 do RCP, por os mesmos não apresentarem qualquer especificidade que, atenta a complexidade da causa e a conduta processual das partes, imponha a desproporcionada exigência do pagamento do remanescente de taxa de justiça em questão, pelo que, em conformidade se requer a atribuição a esta Fazenda Pública da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências

PORÉM V.EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».


*

Contra-alegou a Sociedade Recorrida, aí concluindo do modo que segue:

«A) Vem a Recorrente Fazenda Pública pleitear pela revogação da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 17.02.2017, que julgou totalmente procedente a presente Impugnação Judicial, anulando as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante global de €443.563,23, por entender que a Recorrida logrou fazer prova da materialidade das operações em causa, demonstrando a veracidade das mesmas e, consequentemente, provando os pressupostos de que depende o seu direito à dedução do IVA correspondente.

B) Bem decidiu a douta Sentença em recurso, revelando uma correcta valoração da matéria de facto com interesse para a decisão e uma correspondente subsunção da mesma na matéria de Direito aplicável devendo, por conseguinte, ser integralmente mantida na ordem jurídica. Porquanto,

C) Falece, na íntegra, razão à Fazenda Pública, que nas suas alegações de recurso, para além de demonstrar um total desconhecimento quanto ao funcionamento e quanto às práticas e usos vigentes no sector da construção civil, ignorou totalmente a abundante, clara e inequívoca prova testemunhal constante dos autos, que demonstrou na íntegra a materialidade das operações sub judicio.

D) A Recorrida cumpriu escrupulosamente o seu dever de colaboração para com a AT uma vez que, não obstante as suas declarações e a sua escrita gozarem de uma presunção de veracidade, em momento algum se demitiu de contrapor e esclarecer os factos que lhe foram imputados, prestando as informações necessárias e propondo diligências para um cabal apuramento da verdade dos factos.

E) Através do exercício amplo do dever de colaboração com a A.T, logrou a Recorrida alegar e provar a verdade das operações subjacentes às facturas consideradas como falsas demonstrando cabalmente, com recurso à prova documental e testemunhal constante dos autos, que plena razão lhe assiste.

F) Em momento algum possuiu a Recorrida uma estrutura técnica, humana e administrativa suficiente para executar por sua conta as empreitadas a que se encontrava vinculada em virtude do exercício da sua actividade.

G) Por essa razão, recorreu aos serviços das Sociedades S….., Lda. e F….., Unipessoal, Lda., com cujos gerentes o gerente da Recorrida, Sr. Engenheiro C….., mantinha uma relação pessoal e comercial pautada pela confiança recíproca.

H) A existência e materialidade de tais relações comerciais resultou amplamente demonstrada pelo depoimento dos gerentes daquelas em sede de audiência de julgamento.

I) O próprio M….., gerente da Sociedade C….., Lda., demonstrou cabalmente no seu depoimento, não só a forma como os trabalhadores eram contratados, como ainda o tipo de trabalhos prestados e de que modo era efectuado o pagamento dos serviços subjacentes ao contrato de subempreitada celebrado entre as partes.

J) Assim como F….., gerente da F….., Unipessoal, Lda., era igualmente contactado pelo gerente da Recorrida, quando este se via em dificuldades para executar as empreitadas a que se havia vinculado.

K) Dúvidas não restam de que a sociedade F….., Unipessoal, Lda., tem efectiva existência, possuindo uma sede própria, tendo tido ao seu serviço um TOC e reconhecendo a própria AT que aquela Sociedade desenvolve a sua actividade inscrita no regime normal de IVA.

L) Não basta alegar, de modo genérico, que não existem registos de que uma Sociedade pague quaisquer montantes aos seus trabalhadores ou de que possua veículos registados a seu favor para afirmar, peremptoriamente, a sua inexistência jurídica.

M) A descrição das facturas existentes, onde se lê "conforme Auto em Anexo", não sendo reveladora de qualquer atitude ilegal por banda da Recorrida, antes consubstancia um uso corrente no sector da construção civil.

N) O seu conteúdo foi amplamente escrutinado, quer por parte da contabilidade da Recorrida, quer por parte dos operadores económicos com quem esta se relacionava no exercício da sua actividade.

O) De acordo, com as práticas existentes no ramo da construção civil, o contrato de subempreitada consubstancia um negócio jurídico meramente consensual, não só por razões de celeridade mas, e sobretudo, devido à relação de confiança subjacente entre as partes contratantes.

P) Também de acordo com a própria lei, o contrato de subempreitada não se encontra sujeito a forma escrita.

Q) Permitindo a lei a celebração de determinado contrato de forma verbal não se pode posteriormente exigir, sob pena de uma grave incongruência legal, que a prova da sua celebração apenas se possa fazer por documento.

R) Abunda nos autos prova documental reveladora do modo de pagamento praticado pela Recorrida, como sejam os pagamentos efectuados por cheque, os pagamentos efectuados aos legais representantes das empresas subcontratadas, uma vez que os seus trabalhadores não possuíam conta bancária em Portugal, por não serem cidadãos nacionais, bem como o facto de se exigir uma declaração do fornecedor reconhecendo que havia recebido determinado pagamento, quando lhes era endossado um cheque.

S) Conforme resulta dos autos, a organização financeira e contabilística da Recorrida sempre se pautou por um grande rigor e diligência, como o demonstra o facto de serem elaboradas notas de pagamento sempre que eram efectuados pagamentos aos subempreiteiros da Recorrida por meio de cheques.

T) Dúvidas não restam, assim, que com o esforço probatório por si levado a cabo logrou a Recorrida faz prova cabal dos pressupostos de que se depende o seu direito à dedução de IVA nas facturas emitidas pelas duas Sociedades com quem se relacionou comercialmente.

U) Com a sua actuação processual, a Recorrida deu pleno cumprimento ao disposto no artigo 74°, n°1 da LGT.

V) Pelo que, tal como decidiu o Tribunal a quo, deverá a decisão do presente caso igualmente levar à anulação das liquidações adicionais de IVA referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, bem como dos correspondentes juros compensatórios, nos termos supra mencionados.

TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA EM RECURSO BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA,

ASSIM FAZENDO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA.»

*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cf. fls.959 a 963 dos autos).

*

Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*




Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de:

- saber se ficou provado nos autos que as facturas foram emitidas por verdadeiros serviços prestados;

- saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada valoração de prova e errada qualificação jurídica dos factos controvertidos, violando o disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA.


***

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


«1. A impugnante, é uma sociedade comercial que tem como objecto social " a) a construção civil e obras públicas; b) promoção imobiliária; c) compra e revenda de imóveis; d) projectos e fiscalização de obras" - cfr. fls. 220 a 226 do processo instrutor em apenso aos autos;

2. Em sede de IVA, a impugnante encontra-se enquadrada no regime normal mensal e, em sede de IRC, no regime geral de tributação -cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

3. Em cumprimento das ordens de serviço n°OI….., OI….. e OI….. datadas de 03/04/2009, em 19/06/2009 os serviços da A.T. iniciaram procedimento de inspecção de âmbito parcial (IRC e IVA) à, ora impugnante, com referência aos exercícios de 2005,2006 e 2007- cfr. fls. 119 a 209 do processo administrativo em apenso aos autos;

4. As Ordens de Serviço, referidas no ponto anterior, foram abertas em consequência do processo de inquérito, NUIPC n°….., da Polícia Judiciária, este remetido através do ofício n°….. de 12/04/2007, de forma a "ser instaurado o procedimento de liquidação e contabilizadas as vantagens patrimoniais obtidas" - cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

5. No processo de inquérito NUIPC n°….., da Policia Judiciária "é investigada a prática reiterada de fraudes fiscais e burlas tributárias a nível nacional, através da emissão de futuras falsas, por um grupo organizado de indivíduos, O sujeito passivo atrás identificado está indiciado como utilizador/receptor de tais facturas, emitidas pelas seguintes entidades: C….., Lda., em Liquidação;) F….., Unipessoal, Lda."- cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

6. No âmbito daquele processo de inquérito, a impugnante encontrava-se indiciada como utilizadora/receptora de facturas falsas emitidas pelas seguintes empresas: i) C….., Lda., em Liquidação, com NIPC ….., e; ii) F….., Lda., com NIPC …..- cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

7. Findo o procedimento de inspecção a coberto da O.S. n°OI….., OI….. e OI…., a AT procedeu à elaboração do relatório final, tendo a A.T. concluído, resumidamente, o seguinte: " (...) III-5 CORRECÇÕES EMSEDE DE IVA E DE IRC (..) a) Que a C….., Lda.-NIPC-….., é uma das entidades suspeitas da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito n°1596/03.OJFLSB da Policia Judiciária de Lisboa, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais; b) Que a firma F……, Lda.-NIPC- ….., é uma entidade suspeita da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito nº2037/09.05IDFLSB, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos, nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais (..) d) Não foi possível reunir qualquer indício material da realização das operações, não só pela análise dos movimentos financeiros, subjacentes ao pagamento das facturas em causa, como também (..) levando em linha de conta a explicação dada pelo contribuinte para o efeito (..) f) A firma S….., SA.-NJPC-…..possuía ela própria, uma estrutura operacional ao nível das suas diversas componentes, nomeadamente pessoal à volta de 40 (quarenta pessoas), nos anos de 2005, (à volta de 39pessoas), 2006 (à volta de 41 pessoas) e, 2007 (à volta de 44 pessoas), que lhe permitia levar a cabo os serviços constantes nas facturas falsas e/ou não correspondentes a transacções reais emitidas por C….., Lda. -NIPC ….., e F….., Unipessoal, Lda.-NIPC….. (..) h) do mesmo modo, não foram apresentados elementos de prova, tais como contratos, guias de transporte, troca de correspondência, meios de pagamento utilizados, etc.(..)" -cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

8. A A.T. apresenta como suporte das correcções em sede de IVA, a seguinte fundamentação "(..) Sendo operações simuladas, em face dos indícios objectivos e credíveis descritos, não traduzem tais facturas, a existência de operações efectivamente realizadas, não podendo os respectivos valores relevar fiscalmente, para efeitos de custos, como o impõe (..) " Além disso, o nº1 do art.39° da Lei Geral Tributária, refere que (..) pelo que serão tributados os factos tributários reais e não os simulados. Em conclusão, perante os factos e fundamentos descritos, não apresentou o sujeito passivo factos ou documentos que comprovassem que as facturas em causa consubstanciavam operações reais, ou seja, pese embora a notificação que lhe foi efectuada, não foram comprovadas as operações relativas às facturas atras referidas, não ficou provada a indispensabilidade dos custos, nem foram apresentados elementos de prova, tais como contratos, guias de transporte, troca de correspondência, meios de pagamento utilizados, etc., conforme nossas notificações constantes dos Anexos N°s 6,8,14 e 16, nos termos do art.23° do CIRC, aprovado pelo Decreto-Lei n°442-A/88, de 30 de Novembro, pelo que este valor mi ser acrescido ao Lucro Tributável declarado. (…) Também o IVA constante das facturas emitidas por C….., Lda. -NIPC ….., e F….., Unipessoal, Lda -NIPC ….., sendo facturas sobre as quais se concluiu não corresponderem a transacções reais e por isso corresponderem a negócios jurídicos simulados, não pode ser deduzido, face ao disposto no nº3 do artigo 19º do CIVA (..) Pelos factos atrás descritos, as deduções do IVA efectuadas nos anos de 2005, 2006 e 2007, nos montantes de € 129.094,72, €192.765,68 e €39.324,43, pela firma S….., SA.-NIPC-…..- por via da contabilização das facturas descritas e, considerando-se não demonstrada a correspondência entre as facturas e as operações- não obedecem aos requisitos previstos nos n°s 3 e 4 do art.19° e no art.20° do CIVA (..) pelo que o imposto deduzido o foi indevidamente, o que implica a necessidade de efectuar as correspondentes correcções (liquidações adicionais) (..) Estes valores deduzidos não obedecem aos requisitos previstos nos artigos 19°, n°3 e 4 e 20º do CIVA, pelo que existe uma inexactidão nas Declarações Periódicas de IVA nos períodos acima indicados, o que originou errados apuramentos de imposto (..)" - cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

9. No relatório inspectivo, vem enunciada, esquematicamente, a vantagem patrimonial alegadamente obtida pela impugnante, como segue:
    2005
    2006
    2007
    TOTAL
PROC. INQ. 1596/03.0JFLSB
IVA
16.975,7217.373,68
    5.934,43
    40.283,83
      IRC(inclui Derrama)
22.310,5122.718,81
    7.443,55
    52.472,87
Total PROC. INQ. 1596/03.0JFLSB39.286,2340.092,49
    13.377,98
    92.756,70
    PROC. INQ. 2037/09.5IDLSB
IVA
112.119,00175.392,00
    33.390,00
    320.901,00
    IRC (inclui Derrama)
149.308,78229.712,43
    42.180,11
    421.201,32
Total Proc. Inq. 2037/09.5IDLSB261.427,78405.104,43
    75.570,11
    742.102,32
    Total-Vantagem Patrimonial
300.714,01445.196,92
    88.948,09
    834.859,02
- cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

10. O Relatório inspectivo contemplou, ainda, os argumentos de defesa da, ora impugnante, referindo o seguinte " No ponto 36, o sujeito passivo afirma que desconhecia que "as entidades a quem efectuou os pagamentos referidos nas futuras elencadas nos quadros a fls. 8-A/67, 20-A/67 e 20-B/67do Projecto de RIT-C….., Lda. e F…..- se tratava, supostamente, de contribuintes faltosos e a ser investigados e indiciados como emitentes de facturação falsa nos referidos processos de inquérito (..) No entanto dos elementos constantes da contabilidade do sujeito passivo e dos apresentados em resposta às notificações efectuadas, não é possível apurar quem foram os reais beneficiários dos "pagamentos", nem tão pouco comprovam que os reais beneficiários destes "pagamentos" tenham sido, efectivamente, as entidades que emitiram as faturas, bem pelo contrário, como se verifica na única cópia do cheque (frente e verso) autenticada pelo Banco e apresentada pela empresa (Anexo nº11) (..) O sujeito passivo afirma no ponto 38 que "O Senhor M….. trabalhou, assim, para a Exponente desde a constituição desta empresa, prestando todo o tipo de trabalhos dentro da área da construção civil, inicialmente, em nome individual e posteriormente, nos anos de 2005, 2006 e 2007, em nome de C….., Lda. (...)o Sr. M….. a ter trabalhado para a S….., fê-lo em seu nome e, em vez de emitir as correspondentes facturas do trabalhado eventualmente realizado, "arranjou" facturas da empresa C….., Lda. -NIPC …..,, tentando assim ocultar a obtenção do rendimento, impedindo desta forma a tributação (,.) relativamente à firma F….., Unipessoal, Lda.-NlPC ….., nunca foi afirmado pela Inspecção Tributária que o Sr. F….. e a firma F….., Lda.-NIPC ….. não existiam, foi referido, isso sim, que existem factos que nos indicam que os mesmos não detinham, ou detém, qualquer capacidade estrutural (técnica, humana, logística), seja de mão-de-obra, seja em maquinaria, ou qualquer outro meio, que lhe permitisse realizar as operações constantes das facturas emitidas, bem como os montantes que lhe estão associados se comportam de forma exagerada face à capacidade observada, tendo em linha de conta de que também não se verificou que esta entidade se socorra de terceiros para o "exercício" dessas actividades. (..) A contabilização do pagamento das facturas na conta 25-Suprimentos/empréstimos sócios, não permite verificar a quem foram efectivamente pagas as facturas, podendo ser uma forma dos sócios retirarem dinheiro da empresa (..) O sujeito passivo alega no ponto 89 do seu direito de audição, que apresentou os documentos comprovativos de pagamento das facturas. No entanto, o que foi apresentado e que constava da contabilidade do sujeito passivo, suportando os lançamentos a débito na conta de fornecedores, eram algumas cópias das frentes dos cheques emitidos, alguns passados ao portador, outros à Moldifer, outros à C….. e outros a F….. Ora, estes elementos não provam a quem foram efectivamente entregues (ou quem foram os reais beneficiários), desses montantes supostamente para ''pagamento" das facturas emitidas por C….., Lda. -NIPC ……, e F….., Unipessoal, Lda.-NIPC ….. (..)" - cfr. fls. 119 a 209 do processo instrutor em apenso aos autos;

11. Em 30/07/2013, a impugnante, foi notificada das liquidações adicionais de IVA de 2005, 2006 e 2007, com data limite de pagamento de 30/09/2013, como a seguir se enunciam:
          LIQUIDAÇÃO
PERÍODOD.U.C.VALOR (€)
…..05/06 (IVA)102213302772408
      18.620,00
…..05/06 (JC)102713302772509
      4.995,26
…..05/07 (IVA)102513302772608
      32.000,00
…..05/07 (JC)102013302772709
      8.469,04
…..05/09 (IVA)102813302772808
      33.999,00
…..05/09 (JC)102213302772909
      8.778,26
…..05/10 (IVA)102213302773008
      27.638,84
…..05/10 (JC)102713302773109
      7.039,20
…..05/11 (IVA)102513302773208
      7.671,08
…..05/11 (JC)102013302773309
      1.929,33
…..05/12 (IVA)102813302773408
      9.165,80
…..05/12 (JC)102213302773509
      2.274,12
…..06/01 (IVA)102013302773608
      2.633,40
…..06/01 (JC)102513302773709
      645,29
…..06/04 (IVA)102313302773808
      5.250,00
…..06/04 (JC)102813302773909
      1.232,38
…..06/07 (IVA)102813302774008
      11.004,00
…..06/07 (JC)102213302774109
      2.472,13
…..06/09 (IVA)102013302774208
      21.052,50
…..06/09 (JC)102513302774309
      4.586,56
…..06/10 (IVA)102313302774408
      24.256,68
…..06/10 (JC)102813302774509
      5.210,20
…..06/11 (IVA)102613302774608
      38.689,10
…..06/11 (JC)102013302774709
      8.183,01
…..06/12 (IVA)102913302774808
      89.880,00
…..06/12 (JC)102313302774909
      18.685,19
…..07/01 (IVA)102313302775008
      9.870,00
…..07/01 (JC)102813302775109
      2.021,59
…..07/02 (IVA)102613302775208
      4.373,18
…..07/02 (JC)102013302775309
      881,82
…..07/03 (IVA)102913302775408
      25.081,25
…..07/03 (JC)102313302775509
      4.975,02
TOTAL
    443.563,23

- cfr. fls. 61 a 92 dos autos;

12. Em 2009, foi instaurado processo criminal comum n°2037/09.5IDLSB, que corre termos na Comarca de Lisboa, Instrução Central 1ª Secção Criminal-J19, do qual decorre que "(..)C….., encontra-se pronunciado pela prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal, por, alegadamente, terem sido facturados serviços, pela sociedade que representa, não realizados, os quais vieram a ser tomados em consideração em sede de contabilidade da empresa e, consequentemente, reflectidos na declaração periódica de IVA e na declaração anual de IRC, tudo respeitante aos anos de 2005, 2006 e 2007 (..)" - cfr. fls. 150 e 151 dos autos;

13. Em 30/04/2013, no Tribunal do Comércio de Lisboa, 1° juízo, proc. n°1401/12.7TYLSB, foi proferida sentença de homologação do plano de recuperação da empresa/impugnante, S….., SA.- cfr. fs. 100 a 106 dos autos;

14. A impugnante para o exercício da respectiva actividade possuía um alvará "classe 7", para tanto dispunha, no mínimo, de quatro engenheiros, dois a três encarregados de obra e quatro ou mais pedreiros, para além do pessoal administrativo que desempenhava funções na tesouraria, contabilidade, orçamentos - cfr. depoimentos do declarante Eng° C…. e da testemunha H….;

15. O pessoal para o desempenho de funções na construção civil, ao serviço da impugnante, era reduzido e insuficiente face às inúmeras obras que esta, nos anos de 2005, 2006 e 2007, tinha a seu cargo, daí que a impugnante tivesse que recorrer a outras empresas, as quais lhe forneciam os trabalhadores necessários para cada obra - cfr. depoimentos do declarante Eng° C….. e da testemunha H…..;

16. As obras executadas pela impugnante, com pessoal da S…. e com pessoal de outros subempreiteiros, entre 2005 a 2007, foram nomeadamente, a Embaixada da Turquia- Avª das Descobertas, n°22, Lisboa; S…..; N…..; E….. (vários); M…..; E….. (…..) (ampliação das instalações); C….. e obras em diversos bancos - cfr. depoimentos do declarante Eng° C….. e das testemunhas H….. e M….. e, facturas a fls. 495 a 576; folhas de cartão de ponto, diários a fls. 632 a 658; auto mensal de trabalhos a fls. 664 a 665; orçamento da subempreitada a fls. 666 a 669, todos do processo administrativo em apenso aos autos;

17. O Eng° C….., gerente da impugnante, quando necessitava de trabalhadores para determinada obra telefonava para o gerente da empresa C….., Lda., o Sr. L….. e no dia seguinte eram-lhe fornecidas 15/20 pessoas, consoante o solicitado – cfr. depoimento do declarante Eng° C….;

18. O mesmo procedimento, descrito no ponto anterior, era tido em relação à empresa F….., Unipessoal, Lda., i.e., o Eng° C….., gerente da impugnante, quando necessitava de trabalhadores para determinada obra falava/ telefonava para o gerente, um senhor cabo-verdiano de nome, F….., o qual lhe fornecia os trabalhadores necessários em cada obra - cfr. depoimento do declarante Eng° C…..;

19. Em ambas as situações, descritas nos pontos 17 e 18 supra, os contratos firmados com a F…., Unipessoal, Lda. e com a C…., Lda, de fornecimento de mão-de-obra, eram verbais - cfr. depoimento do declarante Eng° C….. e da testemunha H…..;

20. As obras efectuadas pela impugnante possuíam um "dossier da obra" o qual continha o orçamento; as licenças; folhas de ponto dos trabalhadores; autos de medição; bem como as facturas com os autos em anexo - cfr. depoimento do declarante Eng° C….. e da testemunha H….. e fls. 629 a 669 do processo administrativo em apenso aos autos;

21. O auto mensal, em anexo a cada factura, contem a descrição de todos os trabalhos efectuados pelos diversos subempreiteiros, em determinada obra, durante um determinado período - cfr. depoimento do declarante Eng° C….. e da testemunha H….. e fls. 645 a 654 do processo administrativo em apenso aos autos;

22. A impugnante não pagava aos subempreiteiros em dinheiro, sempre que eram efectuados pagamentos os mesmos eram realizados através de cheque - cfr. depoimento do declarante Eng° C…… e da testemunha H…. e docs. de fls. 340 a 885 dos autos;

23. O mesmo se passava com os pagamento pelos serviços subcontratados à C….., Lda. e à F….., Unipessoal, Lda., porém, em determinadas circunstâncias, porque os pagamentos tinham de ser feitos de forma imediata e, dado muitos trabalhadores não possuírem conta bancária e assim terem de ser abonados em dinheiro, nessas situações era emitido um cheque à pessoa representante daquelas empresas para que este pudesse levantar o dinheiro directamente no banco e pagar aos trabalhadores. Porém, para todos os efeitos, a impugnante encontrava-se a pagar à empresa que tinha subcontratado - cfr. depoimento do declarante Eng° C….. fls. 510 a 521 dos autos (entre outros);

24. Os pagamentos feitos aos subempreiteiros da impugnante, por meio de cheque, tinham sempre associado uma "nota de pagamento" - cfr. depoimento da testemunha H….. e docs. de fls. 340 a 885 dos autos.

25. Nessa nota de pagamento é discriminada: o n°fatura; se o pagamento em causa era feito na totalidade ou em parte; o número do cheque e a entidade bancária sacada - cfr. depoimento da testemunha H….. e docs. de fls. 340 a 885 dos autos;

26. Quando era emitido um cheque pessoal, do Eng° C….., era exigida uma declaração do fornecedor na qual era reconhecido que este tinha recebido determinado valor daquele - cfr. Anexo n°12 do Relatório de Inspecção a fls. 472 a 493 do processo administrativo em apenso aos autos;

27. A impugnante declarou na declaração de IES os fornecedores da sociedade, nomeadamente, a C….., Lda. e, F….., Lda. - cfr. depoimento da testemunha H…..;

28. Nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, a Impugnante contabilizou facturas emitidas pela C….., Lda., e F….., Unipessoal, Lda., as quais não foram consideradas para efeitos de custos e para efeitos de dedução do IVA dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, nos montantes enunciados no ponto 11, supra - Acordo;

29. Em 30/12/2013, é remetida para o Tribunal Tributário de Lisboa, por meio de correio registado, a petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial - cfr. fls.1 e segs. dos presentes autos.»

Consta ainda da mesma sentença que a título de Dos Factos não Provados» que: «Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados»

E, em sede de «Motivação» lê-se na sentença recorrida que «A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra indicado para cada um dos factos.
Atente-se ainda na prova testemunhal.
Quanto aos factos 14. e 15., a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento do declarante Eng° C….., gerente da –S….., SA. e, no depoimento da testemunha H….., Técnico Oficial de Contas da impugnante, os quais foram peremptórios em afirmar a escassez de trabalhadores (mão-de-obra) de que a impugnante dispunha para fazer face à realização de um número muito grande de obras, as quais se desenvolviam, muitas vezes, em simultâneo. Com estes depoimentos, ficou claro para o Tribunal que a impugnante necessitou de recorrer a empresas, nomeadamente, à F….., Unipessoal, Lda. e à C….., Lda., para fornecimento dos trabalhadores e trabalhos de que necessitava em cada caso.
Quanto ao facto 16, a convicção do Tribunal para além dos depoimentos do Eng° C….. H….., foi essencial o depoimento da testemunha M….., gerente da C….., Lda., que afiançou ter, ele próprio, feito trabalhos para impugnante e disponibilizou trabalhadores para as várias empreitadas que identificou, depoimentos que se encontram em consonância, com o descritivo das facturas e com cartões de ponto que identificam as obras em curso, entre outros documentos.
Quanto aos factos 17., 18. e 19., o Tribunal tendo apurado não existirem contratos escritos de subempreitada e, constatando ser essa uma prática comum do sector da construção civil no seio das pequenas e médias empresas, considerou verosímil os depoimentos do Eng° C….. e H….. que asseveraram que os contratos se firmavam na confiança dos seus intervenientes e, por isso, eram verbais e assim, expeditos, de forma a acorrerem às necessidades momentâneas.
Com referência aos factos 20 e 21, os depoimentos do Eng° C….. e H….., encontram-se em consonância com os documentos juntos ao processo administrativo.
Quanto aos factos 22., 23., 24., 25 e 26, os depoimentos do Eng° C….. e de H….., encontram-se em consonância com os cheques que foram juntos aos autos bem como com restante prova documental, nomeadamente, as facturas e as notas de pagamento. Todo o circuito financeiro descrito pelo Eng° C….., foram explicadas as diversas vicissitudes e razões pelas quais, em diversas situações, o cheque não se encontrava emitido em nome da empresa subcontratada, mas sim em nome pessoa singular diversa, não obstante as notas de pagamento referenciarem a entidade beneficiária dos pagamentos realizados pela impugnante. Com efeito, apesar da impugnante proceder reiteradamente ao pagamento dos subempreiteiros através de cheque, em certas ocasiões e para agilizar o pagamento feito aos trabalhadores directamente na obra, os cheques eram emitidos em nome da pessoa ou encarregado que os levantaria directamente no banco para pagar em dinheiro aos trabalhadores, encontra-se assim justificada a emissão de certos cheques em nome de pessoas singulares que não as empresas, F….., Unipessoal, Lda. e a C….., Lda.. Justificou-se assim, que em tais situações, terá de se considerar que o pagamento é feito à empresa subcontratada.
A prova testemunhal mostrou-se credível por ser coerente e homogénea com prova documental apresentada.».

***


II.2. De Direito

A sentença recorrida, em sede de aplicação de direito, julgou a impugnação procedente e anulou as liquidações adicionais impugnadas - IVA/2005/2006/2007 - e, respectivos juros compensatórios com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:


«Neste âmbito, encontram-se devidamente explicadas algumas particularidades do modus atuandi da impugnante no que concerne aos pagamentos feitos a estes fornecedores, pois nalgumas situações, os cheques não seriam emitidos à empresa subempreiteira, face aos condicionalismos daquele sector, i.e., muitos trabalhadores não possuíam conta bancária por não serem nacionais, assim, por vezes, o cheque era emitido a pessoa singular representante da sociedade subcontratada, para que esta pudesse, de imediato, levantar o dinheiro na instituição bancária e pagar aos trabalhadores. Embora de forma indirecta, o pagamento estava a ser feito à empresa subcontratada, pois que os seus trabalhadores eram directamente abonados na obra.

Noutras situações, o pagamento realizado à empresa subempreiteira dos trabalhos de construção civil era feito mediante cheque emitido em nome dessa, i.e. em nome de F….., Unipessoal, Lda. ou, da C….., Lda.

Face ao que supra se encontra descrito, dúvidas não restam de que a impugnante logrou fazer prova do circuito económico subjacente às facturas ditas “falsas” e dos fluxos financeiros que suportaram as operações em causa, provando a sua materialidade.

Conclui-se, assim, a impugnante fez prova nos presentes autos de que as facturas em que foi deduzido o IVA de 2005, 2006 e 2007, liquidado adicionalmente, titulam operações reais.

Quanto à alegada inadequada estrutura empresarial do prestador de serviço, (in) susceptível de exercer a actividade declarada, reportada pela A.T., é um problema a montante, que não contende com o ónus probatório da impugnante nos presentes autos.

Nestes termos, as liquidações adicionais não podem manter-se na ordem jurídica, por serem ilegais.

Procede, por aqui a impugnação, por provada.»

Inconformada, a Fazenda Pública vem recorrer da sentença invocando erro de julgamento por errada valoração da prova, alegando [conclusões de recurso VII. e VIII.] que a prova testemunhal carreada nos autos pela impugnante não logrou comprovar a existência da veracidade das operações, na medida em que: i) Limitou-se a referir que o alegado relacionamento comercial estabelecido entre a Impugnante e os seus fornecedores foi verbal, nada tendo sido reduzido a escrito; ii) Referiu-se à realização de diversas obras, mas não logrou identificar quais os trabalhos realizados pelas duas sociedades emitentes da facturação; iii) O percurso dos cheques alegadamente destinados a efectuar o pagamento dos serviços prestados também não é de molde a infirmar qualquer evidência da materialidade das transacções. Ao que acresce o facto de a douta sentença a quo ter desconsiderado a circunstância que se entende como demonstrada nos autos e atinente à quase completa ausência de capacidade estrutural (técnica, humana, logística) por parte dos fornecedores/emitentes das facturas; seja de mão-de-obra, seja em maquinaria ou qualquer outro meio, que lhes permitisse realizar tal volume de operações, atentos os montantes financeiros que lhes estão associados.

Vem, assim, a recorrente alegar que se verificou uma errada valoração da prova produzida e considerada assente, pelo que parece discordar das ilações retiradas do julgamento de facto sem, no entanto, impugnar a matéria de facto.


Vejamos.


«Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).


Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).


O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).» Acórdão do TCAS de 10/07/2015, Proc. 08473/15, disponível em www.dgsi.pt


Deste modo, não tendo a recorrente impugnado a matéria de facto, mas apenas suscitado a errada valoração da prova e uma vez que, como supra vimos, a valoração da prova testemunhal assenta na livre apreciação da prova, sendo que o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, não pode este Tribunal fazer uma sindicância na sua globalidade (a não ser que estivéssemos perante um erro grosseiro, o que não aconteceu) uma vez que não podemos alterar a matéria de facto.


Por outro lado, a convicção formada a partir da globalidade dos meios de prova é de difícil destruição, sobretudo ao pretender-se pô-la em crise através de indicações parcelares ou referências genéricas.


«Para além das frequentes tentativas de confrontar os Tribunais da Relação com a impugnação total da decisão da matéria de facto, como se se tratasse da repetição do julgamento realizado na 1ª instância, evidenciam-se, da parte do recorrente, deficiências ou insuficiências na enunciação dos pontos de facto que se pretendem impugnar, omitindo-se as respostas que em alternativa se pretendem obter. Mais graves ainda são as insuficiências ou deficiências argumentativas, a que subjaz a recusa ou a incapacidade do recorrente de trazer para as alegações de recurso a efectiva apreciação crítica dos meios de prova que influíram ou que deveriam ter influído na decisão impugnada, sendo frequentes alegações em que os recorrentes praticamente se cingem a considerações genéricas sobre alegados erros de valoração e de decisão, sem confrontar os Tribunais da Relação com argumentos substanciais que dêem credibilidade à sua pretensão. Contribuindo, dessa forma, inexoravelmente, para um desfecho desfavorável da pretensão recursória.» IMPUGNAÇÃO e REAPRECIAÇÃO da DECISÃO da MATÉRIA de FACTO, Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, Juíza Desembargadora no TRL, Agosto de 2012, na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.


Deste modo, não vislumbramos que a prova tenha sido erradamente valorada, para o efeito atente-se na motivação que sustenta cada um dos factos dados como assentes, assim como na convicção do tribunal a quo.


Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Invoca, também, a recorrente [conclusões de recurso IV. a VI. e IX. a XII.] que com efeito, a AT demonstrou até à exaustão a falta de correspondência entre a escrita da impugnante e a realidade apurada, ilidindo a presunção de verdade da declaração da impugnante, nos termos do art°75°, n°1 e 2, da LGT. A Impugnante não alegou, nem provou, relativamente a cada factura qual o pessoal contratado, qual o serviço prestado, o tempo de duração desse serviço e até o seu registo contabilístico na rubrica de subcontratos, etc., de forma a AT pudesse verificar a veracidade do conteúdo das facturas, não dando estas a perceber a descriminação dos serviços efectivamente prestados, situação que nem tão pouco se mostra complementada com outra documentação que contenha a descrição completa dos produtos fornecidos, ou da quantificação e valorização unitária dos serviços prestados. Cabia ainda à Impugnante, o ónus da prova da veracidade das transmissões tituladas pelas prestações de serviços e transmissões de bens com indicação da sua localização, quantidade, tempo de duração, pessoas que os realizaram, etc, o que se entende que não foi feito. Posto que no que respeita à sociedade F….., Unip, Lda, verificou-se que não tinha quaisquer instalações na morada que constava do seu cadastro, sendo dito pelo seu técnico oficial de contas que o responsável pela empresa não fornecia os elementos necessários ao cumprimento das respectivas obrigações fiscais e, outrossim, do respectivo quadro de pessoal apenas foi possível descortinar duas empregadas, relativamente às quais não é crível que pudessem levar a cabo os serviços constantes das facturas detectadas, cujos montantes inscritos ascendem à ordem dos milhões de euros. E quanto à sociedade C….., Lda, nos exercícios em análise, não declarou ter pago quaisquer montantes a empregados ou outros colaboradores e não foi detectado que possuísse veículos ao seu serviço. Não logrando assim a Impugnante provar, conforme lhe competia, que as referidas facturas titulam serviços efectivamente prestados, é inaceitável a dedução à matéria tributável dos valores nelas contidos, na medida que tal actuação é violadora do art°19° do CIVA. Verificando-se a referida ilegalidade, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por ter violado o disposto no art°74° da LGT e art°19° do CIVA, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Vejamos o quadro jurídico aplicável.

Está em causa o direito à dedução do IVA de facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que não titulam qualquer operação ou transacção.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.
O IVA funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus
outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (35.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).


Nessas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa.

Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções (cfr. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”


Saliente-se que, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, pois o disposto no art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cfr. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240).

Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.

Em suma, cessando a presunção prevista no art. 75.º da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.


Passemos, então, ao caso dos autos.

Conforme resulta da análise do relatório de inspecção tributária, subjacente ao acto impugnado, a AT concluiu que a Impugnante deduziu IVA indevidamente, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, porquanto entendeu ter reunido indícios fundados de que as facturas em questão, respeitantes a dois emitentes - “C….., Lda.” e “F….., Unipessoal, Lda.” -, não titulam operações reais.


Tal conclusão assentou nos seguintes fundamentos (cfr. nº 7 do probatório):

«Que a firma C….., Lda.-NIPC-….., é uma das entidades suspeitas da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito n°1596/03.OJFLSB da Policia Judiciária de Lisboa, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais; b) Que a firma F….., Lda.-NIPC- ….., é uma entidade suspeita da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito nº2037/09.05IDFLSB, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos, nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais (..) d) Não foi possível reunir qualquer indício material da realização das operações, não só pela análise dos movimentos financeiros, subjacentes ao pagamento das facturas em causa, como também (..) levando em linha de conta a explicação dada pelo contribuinte para o efeito (..) f) A firma S….., SA.-NJPC-….. possuía ela própria, uma estrutura operacional ao nível das suas diversas componentes, nomeadamente pessoal à volta de 40 (quarenta pessoas), nos anos de 2005, (à volta de 39pessoas), 2006 (à volta de 41 pessoas) e, 2007 (à volta de 44 pessoas), que lhe permitia levar a cabo os serviços constantes nas facturas falsas e/ou não correspondentes a transacções reais emitidas por C….., Lda. -NIPC ….., e F….., Unipessoal, Lda.-NIPC….. (..) h) do mesmo modo, não foram apresentados elementos de prova, tais como contratos, guias de transporte, troca de correspondência, meios de pagamento utilizados, etc.(..)»

Deste modo, a AT logrou cumprir com o seu ónus probatório, pois recolheu indícios suficientes e objectivos, os quais traduzem uma probabilidade séria de que as facturas, ora em causa, não titulam operações reais, questão esta que não é controvertida em sede de recurso, pois à mesma conclusão já se tinha chegado no Tribunal a quo.

Assim, perante a consistência dos indícios sobre a falsidade das facturas em causa, cabia à impugnante/recorrida aduzir elementos concretos que permitissem aferir da efectividade das operações económicas subjacentes às mesmas e inscritas na contabilidade da impugnante (artigo 74º, nº 1, da LGT).


Na sentença recorrida entendeu-se que «Face ao que supra se encontra descrito, dúvidas não restam de que a impugnante logrou fazer prova do circuito económico subjacente às facturas ditas “falsas” e dos fluxos financeiros que suportaram as operações em causa, provando a sua materialidade.

Conclui-se, assim, a impugnante fez prova nos presentes autos de que as facturas em que foi deduzido o IVA de 2005, 2006 e 2007, liquidado adicionalmente, titulam operações reais.»

A recorrente entende que cabia à impugnante o ónus da prova da veracidade das transmissões tituladas pelas prestações de serviços e transmissões de bens com indicação da sua localização, quantidade, tempo de duração, pessoas que os realizaram, etc, o que entende que não foi feito.


Vejamos os indícios apurados pela AT, relativamente a cada um dos dois referidos fornecedores.


C……, Lda.-NIPC-….., é uma das entidades suspeitas da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito n°1596/03.OJFLSB da Policia Judiciária de Lisboa, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais.


Desta conclusão apresentada pela AT ressaltam, desde logo, dois indícios:


1) ser uma das entidades suspeitas da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito n°1596/03.OJFLSB da Policia Judiciária de Lisboa;


2) inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos.

Aliás, é sobre o indício nº 2 que a recorrente vem invocar (conclusão de recurso VIII.) que a sentença desconsiderou a circunstância atinente à quase completa ausência de capacidade estrutural (técnica, humana, logística) por parte dos fornecedores/emitentes de facturas.

Ainda quanto à Sociedade C….., Lda invoca a recorrente (conclusão de recurso X.) que não declarou ter pago quaisquer montantes a empregados ou outros colaboradores e não foi detectado que possuísse veículos ao seu serviço.

Se bem que se reconheça que a AT recolheu indícios da falta de credibilidade do referido fornecedor para prestar os serviços facturados, o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente.

Sobre esta matéria, veja-se, entre outros, o Acórdão do TCAN, de 21/12/2016, Proc. 00477/09.9BEPNF, onde se escreveu:

«(…) da circunstância de um sujeito passivo se dedicar à emissão de facturas falsas, não pode concluir-se, sem mais, que não exerça simultaneamente a actividade para que está colectado (no caso do emitente, a de construção). Daí a necessidade, também, da recolha de indícios, seguros e credíveis, centrados na relação concreta por ele estabelecida com o utilizador, de modo a poder estabelecer-se algum nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador. Porque, o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente, independentemente do incumprimento generalizado das obrigações legais e fiscais (art.º31.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) a que ele está vinculado no exercício da actividade prestadora.

Serve isto para dizer que um sujeito passivo pode não ter assalariados inscritos na segurança social, não reter e/ ou não entregar ao Estado o imposto sobre remunerações pagas, nem declarar à AT operações com terceiros fornecedores de bens e serviços (…), sem que isso represente de per si um indício forte da irrealidade das operações facturadas, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros), bastando pensar, no sector da construção civil, na recorrente situação de alocação de trabalho indiferenciado com recurso a mão-de-obra clandestina.»

O excerto do Acórdão acabado de transcrever tem, também inteira aplicação quanto ao outro fornecedor:

F….. Unipessoal, Lda.-NIPC- ….., é uma entidade suspeita da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito nº2037/09.05IDFLSB, cuja inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos, nos permitiu concluir que os serviços prestados mencionados nas facturas por si emitidas nunca se realizaram e como tal não correspondem a transacções reais (..) d) Não foi possível reunir qualquer indício material da realização das operações, não só pela análise dos movimentos financeiros, subjacentes ao pagamento das facturas em causa, como também (..) levando em linha de conta a explicação dada pelo contribuinte para o efeito.


Desta conclusão apresentada pela AT ressaltam, desde logo, três indícios:


1) ser uma entidade suspeita da emissão de facturas indiciadas como falsas no Processo de Inquérito nº2037/09.05IDFLSB;


2) inexistência de uma adequada estrutura empresarial do alegado prestador, susceptível de exercer a actividade declarada, aliada ao facto de não haver evidencias de que o mesmo tenha procedido à subcontratação de bens ou serviços prestados a outros operadores económicos;


3) Não ter sido possível reunir qualquer indício material da realização das operações, não só pela análise dos movimentos financeiros, subjacentes ao pagamento das facturas em causa, como também (..) levando em linha de conta a explicação dada pelo contribuinte para o efeito.

Aliás, em sede de recurso, é quanto ao indício 2 que a recorrente vem invocar (conclusão de recurso IX.) que a referida sociedade não tinha quaisquer instalações na morada que constava do seu cadastro, sendo dito pelo seu técnico oficial de contas que o responsável da empresa não fornecia os elementos necessários ao cumprimento das respectivas obrigações fiscais e, outrossim, do respectivo quadro de pessoal apenas foi possível descortinar duas empregadas, relativamente às quais não é crível que pudessem levar a cabo os serviços constantes das facturas detectadas.

Na esteira do Acórdão do TCAN supra citado concluímos, também, que a AT não pode concluir pela falsidade das facturas só porque as mesmos foram emitidas por fornecedor sem adequada estrutura empresarial para a realização dos serviços facturados, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros). O mesmo se diga sobre o facto do fornecedor não cumprir as obrigações fiscais a que está vinculado ou já se encontre referenciado em processo de Inquérito como emitente de facturas falsas.

Aqui chegados, podemos dizer que o que mais releva são os indícios reportados à impugnante, e especialmente a sua relação com os fornecedores em causa, e muito especialmente seguir o rastro do dinheiro. Importa saber como, com que meios e porque modo foram feitos os pagamentos facturados.

Tanto assim, que a AT, no seu Relatório de Inspecção, foi à procura do rastro do dinheiro, sendo este um dos indicadores mais seguros da falsidade das operações facturadas.

Na sentença recorrida, sobre esta matéria, escreveu-se o seguinte:


«Porém, à data da inspecção, estes indícios são reforçados com a ausência de explicação dos fluxos financeiros (a impugnante não entregou/disponibilizou os cheques que titulam os pagamentos das facturas) entre a impugnante e esses fornecedores. Para além disso, há que atentar na ausência de contratos de subempreitada, o que permitiu reforçar a tese defendida pelos serviços de inspecção da A.T., no sentido preconizado.

Ora, se os elementos disponibilizados pela impugnante não permitiram à A.T. desenhar o circuito económico/financeiro de forma a sustentar a efectividade e materialidade das operações que as facturas titulam, conclui-se, ao contrário do que entende a impugnante, a A.T. logrou cumprir com o seu ónus probatório, pois recolheu indícios suficientes e objectivos, os quais traduzem uma probabilidade séria de que as facturas, ora em causa, não titulam operações reais.

Face ao que fica dito, cabe agora ao contribuinte/impugnante, o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (art.19º CIVA) em obediência à disciplina do art.74º da LGT.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. nº 01026/02 , in www.dgsi.pt escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução .”.

Pergunta-se, nos presentes autos, fez a impugnante a prova que lhe competia, provando os pressupostos do direito à dedução?

Afigura-se-me que sim.

Com efeito, nos presentes autos a impugnante apresentou prova documental e testemunhal, a qual permite concluir pela efectividade das transacções descritas nas facturas em que o IVA foi desconsiderado e, por isso, sustentar a dedução do IVA nas facturas, sub judicie.

Do esforço probatório efectuado pela impugnante sobressai a comprovação da materialidade dos serviços titulados nas facturas sub judicie. Com efeito, dos autos resulta que não obstante os recursos humanos que integravam os quadros da empresa impugnante, estes eram compostos por funcionários com competência administrativa (com funções na contabilidade, tesouraria e orçamentos), engenheiros (quatro), dois encarregados de obra e poucos funcionários para o trabalho de construção civil, “pouco mais de quatro pedreiros”. O que significa que, face às obras desenvolvidas pela impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, os trabalhadores do quadro da impugnante eram insuficientes para o trabalho que desenvolvia, daí encontrar-se justificado o recurso a mão-de-obra subcontratada, nomeadamente, pelas empresas em questão nos autos.

Para além disso, é facto assente que os contratos eram meramente verbais, a impugnante não firmou contratos escritos de subempreitada, contudo, nos anos em questão é do conhecimento geral que no ramo da construção civil é prática “comum” serem subcontratados serviços de modo verbal e com base na confiança e conhecimento mútuos, o que ficou demonstrado nos autos.

A impugnante conhecia há vários anos as pessoas que encabeçavam, i.e., eram gerentes, da C….., Lda. e da F….., Lda., daí a confiança nas relações comerciais entre essas entidades e a impugnante. Assim, neste ponto, conclui-se que não existir qualquer óbice quanto à inexistência de contratos de subempreitada pela forma escrita e, para além do mais, a prova de que esses trabalhos existiram encontra-se na evidência das folhas de ponto assinadas pelos trabalhadores em cada obra; pelo auto mensal anexo a cada factura, no qual consta a descrição de todos os trabalhos efectuados e que sustentam os trabalhos prestados e cobrados por cada factura.

E, não menos importante, a sustentar o circuito económico, temos a junção aos autos dos cheques que titulam os fluxos financeiros daquelas operações.

Neste âmbito, encontram-se devidamente explicadas algumas particularidades do modus atuandi da impugnante no que concerne aos pagamentos feitos a estes fornecedores, pois nalgumas situações, os cheques não seriam emitidos à empresa subempreiteira, face aos condicionalismos daquele sector, i.e., muitos trabalhadores não possuíam conta bancária por não serem nacionais, assim, por vezes, o cheque era emitido a pessoa singular representante da sociedade subcontratada, para que esta pudesse, de imediato, levantar o dinheiro na instituição bancária e pagar aos trabalhadores. Embora de forma indirecta, o pagamento estava a ser feito à empresa subcontratada, pois que os seus trabalhadores eram directamente abonados na obra.

Noutras situações, o pagamento realizado à empresa subempreiteira dos trabalhos de construção civil era feito mediante cheque emitido em nome dessa, i.e. em nome de F….., Unipessoal, Lda. ou, da C….., Lda.

Face ao que supra se encontra descrito, dúvidas não restam de que a impugnante logrou fazer prova do circuito económico subjacente às facturas ditas “falsas” e dos fluxos financeiros que suportaram as operações em causa, provando a sua materialidade.

Conclui-se, assim, a impugnante fez prova nos presentes autos de que as facturas em que foi deduzido o IVA de 2005, 2006 e 2007, liquidado adicionalmente, titulam operações reais.»

Ora, sobre a prova documental e testemunhal apresentada pela impugnante, ora recorrida, a qual permitiu ao Tribunal a quo concluir pela efectividade das transacções descritas nas facturas em que o IVA foi desconsiderado, a recorrente – sem impugnar a matéria de facto - limitou-se a referir a prova testemunhal (conclusão de recurso VII.) para a desvalorizar, alegando que a impugnante não logrou comprovar a existência da veracidade das operações.

Vejamos o que alega a recorrente.

i) Limitou-se a referir que o alegado relacionamento comercial estabelecido entre a impugnante e os seus fornecedores foi verbal, nada tendo sido reduzido a escrito.

Não é verdade o alegado.

Basta atentar nos nºs 15, 17, 18 e 19 do probatório, para concluirmos que foi dado como provado, que nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, os trabalhadores do quadro da impugnante eram insuficientes para o trabalho que desenvolvia, daí encontrar-se justificado o recurso a mão-de-obra subcontratada, nomeadamente, pelas empresas em questão nos autos. Para além disso, é facto assente que os contratos eram meramente verbais, a impugnante não firmou contratos escritos de subempreitada, contudo, nos anos em questão é do conhecimento geral que no ramo da construção civil é prática “comum” serem subcontratados serviços de modo verbal e com base na confiança e conhecimento mútuos, o que ficou demonstrado nos autos. Mais se concluiu não existir qualquer óbice quanto à inexistência de contratos de subempreitada pela forma escrita e, para além do mais, a prova de que esses trabalhos existiram encontra-se na evidência das folhas de ponto assinadas pelos trabalhadores em cada obra; pelo auto mensal anexo a cada factura, no qual consta a descrição de todos os trabalhos efectuados e que sustentam os trabalhos prestados e cobrados por cada factura.

ii) Referiu-se à realização de diversas obras, mas não logrou identificar quais os trabalhos realizados pelas duas sociedades emitentes da facturação.

Mais uma vez tal alegação não corresponde à verdade.

A identificação das obras executadas constam do nº 16 do probatório, de onde se destacam: Embaixada da Turquia, S….., N….., E…..(vários), M….., E….., C….., e diversos Bancos.

iii) O percurso dos cheques alegadamente destinados a efectuar o pagamento dos serviços prestados também não é de molde a infirmar qualquer evidência da materialidade das transacções.

Esta alegação é completamente genérica não explicando a recorrente porque o percurso dos cheques não é de molde a infirmar a materialidade das transacções.

Importa referir que para sustentar o circuito económico, nos presentes autos a impugnante juntou os cheques que titulam os fluxos financeiros das operações.

Nos nºs 22 a 26 do probatório, foram dados como provados vários factos relativos aos cheques.

E na sentença recorrida, sobre esta matéria escreveu-se:

«Neste âmbito, encontram-se devidamente explicadas algumas particularidades do modus atuandi da impugnante no que concerne aos pagamentos feitos a estes fornecedores, pois nalgumas situações, os cheques não seriam emitidos à empresa subempreiteira, face aos condicionalismos daquele sector, i.e., muitos trabalhadores não possuíam conta bancária por não serem nacionais, assim, por vezes, o cheque era emitido a pessoa singular representante da sociedade subcontratada, para que esta pudesse, de imediato, levantar o dinheiro na instituição bancária e pagar aos trabalhadores. Embora de forma indirecta, o pagamento estava a ser feito à empresa subcontratada, pois que os seus trabalhadores eram directamente abonados na obra.

Noutras situações, o pagamento realizado à empresa subempreiteira dos trabalhos de construção civil era feito mediante cheque emitido em nome dessa, i.e. em nome de F….., Lda. ou, da C….., Lda.

Face ao que supra se encontra descrito, dúvidas não restam de que a impugnante logrou fazer prova do circuito económico subjacente às facturas ditas “falsas” e dos fluxos financeiros que suportaram as operações em causa, provando a sua materialidade.»

No entanto, como a recorrente não concretizou porque o percurso dos cheques não infirmou a evidência da materialidade das transacções, limitando-se a fazer alegações genéricas, nada mais temos a acrescentar sobre esta matéria.

Em conclusão, a asserção da referida efectividade não logrou ser descaracterizada através da presente intenção recursória, porquanto não é invocada materialidade fáctica que contradiga ou ponha em causa o acerto do juízo fáctico antes referido.

Tal juízo fáctico não foi objecto de impugnação especificada.

Tendo sido demonstrado o circuito económico e o circuito financeiro subjacente à emissão das facturas em causa, forçoso se tornar concluir que a contrapartida pela sua emissão existiu, pelo que soçobra a pretensão da recorrente de abalar a sua veracidade.


Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento,
e nessa medida,
improcedem as conclusões do recurso interposto pela Fazenda Pública.


***

Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 443.563,23.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


***




III – DECISÃO


Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Notifique, também, o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 19, Proc. 2037/09.5IDLSB.


Lisboa, 4 de Junho de 2020


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]


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Voto de vencida


Contrariamente à posição que aqui logrou vencimento, concederia provimento ao recurso e revogaria a sentença recorrida.

Como resulta do acórdão, a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo o ónus da prova que lhe competia quanto à verificação de indícios que permitem concluir que às facturas emitidas pelos fornecedores C….., Lda. e F….., Unipessoal, Lda, contabilizadas pela Recorrida, não subjazem as operações nelas mencionadas - cfr. artigo 74º da LGT.

Por conseguinte, competia à Impugnante ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas facturas em causa ocorreram, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes reais e efectivas operações económicas.

É este ónus que, em meu entendimento, não foi cumprido. Com efeito, a prova produzida, e os factos correspondentemente acolhidos no probatório, levar-me-iam a decidir no sentido de a S….. não ter logrado afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas recolhidos pela AT. Com efeito, a prova apresentada - documental e testemunhal - revelou-se manifestamente insuficiente para convencer da realidade das operações subjacentes às facturas.

Desde já se diga que, apesar de se considerar provado que, entre 2005 a 2007, a Impugnante executou diversas obras, com pessoal da S….. e com pessoal de outros subempreiteiros, nomeadamente, a Embaixada da Turquia- Avª das Descobertas, n°22, Lisboa; S…..; N…..; E….. (vários); M…..; E….. (ampliação das instalações); C….. e obras em diversos bancos, tal não significa que os dois apontados empreiteiros/ emitentes tenham executado essas mesmas obras. Note-se, de resto, que nunca esteve em causa que a S….. tenha realizado as referidas obras; o que se questiona é se as mesmas, ou algumas delas, foram executadas pela C….., Lda. e F…... Uma resposta afirmativa não se extrai do probatório.

Os pontos 17, 18 e 19 da matéria de facto são suficientemente genéricos para serem considerados factos consistentes e úteis para os fins visados.

De realçar, quanto à prova testemunhal, uma evidente fragilidade da mesma. Entendo que os depoimentos do administrador da impugnante e do gerente de uma das sociedades emitentes das facturas não podem deixar de ser valorados tendo presente o óbvio interesse de tais testemunhas num determinado desfecho da causa.

Quanto à prova do pagamento das facturas, também aqui entendemos que a mesma não foi minimamente alcançada.

O fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento. Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratando-se, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.

Consta do probatório que “A impugnante não pagava aos subempreiteiros em dinheiro, sempre que eram efectuados pagamentos os mesmos eram realizados através de cheque”. Importava que tais meios de pagamento fossem efectivamente exibidos de forma a tornar apreensível o circuito do dinheiro e os reais beneficiários dos pagamentos, o que não se alcança com a cópia da frente dos cheques, nem tão-pouco esclarecendo que “porque os pagamentos tinham de ser feitos de forma imediata e, dado muitos trabalhadores não possuírem conta bancária e assim terem de ser abonados em dinheiro, nessas situações era emitido um cheque à pessoa representante daquelas empresas para que este pudesse levantar o dinheiro directamente no banco e pagar aos trabalhadores”. As vicissitudes respeitantes aos trabalhadores das sociedades emitentes das facturas são alheias à Impugnante, sendo incontornável que à S….. apenas compete pagar às empresas prestadoras que contrata.

Em resumo, a prova produzida, em concreto aquela que competia à Impugnante, não chega para cumprir o ónus que a este respeito lhe era legalmente imposto, i.e, o de demonstrar que as operações se realizaram efectivamente e de que se verificam os pressupostos de que depende o seu direito à dedução do IVA.

E assim sendo, concluiria que a sentença que assim não decidiu incorreu em erro. Consequentemente, concederia provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogaria a sentença e julgaria a impugnação judicial improcedente, com a consequente manutenção das liquidações de IVA contestadas.

Lisboa, 04/06/20

Catarina Almeida e Sousa

___________________

[1] Acórdão do TCAS de 10/07/2015, Proc. 08473/15, disponível em www.dgsi.pt
[2] IMPUGNAÇÃO e REAPRECIAÇÃO da DECISÃO da MATÉRIA de FACTO, Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, Juíza Desembargadora no TRL, Agosto de 2012, na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.