Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:627/06.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
CASO JULGADO
IDENTIDADE DAS CAUSAS DE PEDIR
Sumário:I-A exceção dilatória do caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado, enquanto a autoridade do caso julgado implica o acatamento de decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto necessário, no objeto de ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida possa ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II-Preceitua o artigo 581.º do CPC quanto aos requisitos do caso julgado que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1), havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4).
III-Os efeitos processuais do trânsito em julgado, aportam valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevendo-se a esse apreciado e decidido objecto, donde, a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos.
IV-Se as causas de pedir não são totalmente coincidentes, não se verifica a exceção do caso julgado, na sua plenitude, não obstando, assim, a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior, devendo, por inerência, a ação prosseguir para apreciação dos fundamentos não apreciados na ação anterior.
V-Sendo externados no Relatório de Inspeção Tributária os pressupostos de facto que conduziram à aplicação dos métodos indiretos, particularmente, omissão de compras, vendas e existência de faturação diferenciada, programa de processamento de texto para as transmissões intracomunitárias e software de faturação para as transmissões nacionais não credível, e densificando-se, depois os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos, inexiste falta de fundamentação formal.
VI-Há que estabelecer a fronteira entre os princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e o dever de colaboração que devem nortear toda a atuação da AT, não podendo subverter-se tais princípios e compelir a entidade fiscalizadora a substituir-se à Impugnante.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO


S G., LDA., (doravante Recorrente) interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou verificada a exceção do caso julgado, no âmbito do processo de impugnação judicial que tinha por objeto as liquidações adicionais de IVA nºs 05332161, 05332163, 5332165, 05332169, 05332171, 05332173, 05332175, 05332177, 05332179, 05332181 e 05332183 e liquidações de juros compensatórios n.ºs 05332162, 05332160, 05332164, 05332166, 05332170, 05332172, 05332174, 05332176, 05332178, 05332180, 05332182 e 05332184, todas relativas ao ano de 2003.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A - A matéria fáctica vem incorrectamente decidida pelo Meritíssimo juiz a quo.

B - Pois, na alínea F), em IV- Segmento Fáctico, vem dado por provado que no Processo n° 170/06.4BESNT a Impugnante deduziu Impugnação Judicial das liquidações adicionais identificadas na alínea D) daquele Segmento Fáctico.

C - Porém, a Recorrente limitou-se a impugnar o “acto de fixação da matéria tributável e quantificação de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao ano de 2003 praticado em sede de procedimento de revisão, no âmbito do processo 12-28CR pelo Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa em 11.01.2005”, conforme os precisos termos constantes da petição impugnatória junta aos presente Autos a fls. 203.

D - O juízo de provado ou de não provado apenas pode recair sobre factos. E - Pelo que o cariz conclusivo conferido à alínea F) do Segmento Fáctico, se revela inadmissível, quer se entenda que se consubstancia numa conclusão de natureza jurídica quer numa conclusão factual.

F - Assim, deve considerar-se incorrectamente julgada a matéria de facto levada à mencionada alínea F), sendo que a petição impugnatória junta aos presente Autos a fls. 203 impunha decisão diversa.

G - Face a este concreto meio probatório, devia ter sido dado por provado que, no Processo n° 170/06.4BESNT a Recorrente impugnou o “acto de fixação da matéria tributável e quantificação de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao ano de 2003 praticado em sede de procedimento de revisão, no âmbito do processo 12-28CR pelo Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa em 11.01.2005” .

H - Sendo este o teor que se requer seja conferido pelo tribunal de recurso à alínea F) do Segmento Fáctico ou quando assim se não entenda por possível, dê por não escrita a matéria constante dessa alínea e ordene a baixa do processo ao tribunal de Ia instância para que profira nova decisão sobre os factos provados.

I - A decisão proferida assentou numa errónea interpretação e aplicação do o conceito de causa de pedir ínsito no n° 4 do artigo 581° do actual CPC (anterior artigo 498°, n° 4).

J - Preceito que, em termos inequívocos, estabelece que nas acções de anulação a causa de pedir é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para se obter o efeito pretendido.

L - O meritíssimo juiz a quo entendeu, erradamente, que existe coincidência entre as nulidades invocadas nos presentes autos de Impugnação e naqueles que deram origem ao processo 170/06.4BESNT.

M - E, por outro lado, olvidou que mesmo a verificar-se tal coincidência tal não ofenderia o caso julgado dado que o caso julgado restringe-se aos vícios que são objecto de apreciação jurisdicional.

N - Isto quando, conforme decorre da sentença junta aos presentes Autos proferida no mencionado processo 170/06.4BESNT, neste processo não foram conhecidas as nulidades de falta de fundamentação, erro sobre os pressupostos de facto, inexistência do facto tributário e preterição de formalidades essenciais, que na sentença recorrida o Meritíssimo juiz a quo refere como invocadas pela Impugnante.

O - Acresce que a sentença recorrida vem fundamentada na adesão a um modelo de contencioso administrativo de natureza subjectiva que não deve ser considerada aplicável ao contencioso tributário pelo menos, no domínio do processo de impugnação judicial.

P - Desde logo porque inconciliável com o conceito de causa de pedir ínsito no n° 4 do artigo 581° do actual CPC (anterior artigo 498°, n° 4).

Q - Mas também porque tal concepção de causa de pedir tem por pressuposto o dever de identificação das causa de invalidade que no contencioso administrativo passou a recair sobre o juiz por força do disposto no artigo 95°, n° 2 do CPTA.

R - No contencioso tributário continua a recair sobre o impugnante o ónus de identificar as nulidades que inquinam o acto que impugna, sem que recaia sobre o juiz o dever estabelecido no artigo 95°, n° 2 do CPTA pelo que continuar a entender-se que há tantos pedidos de anulação quanto as causas de pedir invocadas e tantas causas de pedir quantas as nulidades específicas que se invocam para se obter o efeito pretendido.

S - Este, de resto, é entendimento que vem sendo sufragado doutrinária e jurisprudencialmente.

T - Assim, ao decidir como decidiu na sentença recorrida, o Meritíssimo juiz a quo violou n° 4 do artigo 581° do actual CPC.

U - E, incorreu em errada interpretação desse preceito legal, o qual deve ser interpretado no sentido de a causa de pedir, nas acções de anulação, ser a especifica nulidade que se invoca para se obter o efeito pretendido.

V - Nesta conformidade, deve ser julgada improcedente a excepção de caso julgado invocada pela Fazenda Publica e, consequentemente, ordenada a baixa do processo ao tribunal de Ia instância para que seja proferida decisão de mérito.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve, ser alterada a alínea F) do Segmento Fáctico nos termos supra peticionados, ou quando assim se não entenda por possível dada por não escrita a matéria levada a essa alínea e ordenada a baixa do processo ao tribunal de Ia instância para que profira nova decisão de facto e julgar-se improcedente a excepção de caso julgado invocada pela Fazenda Publica, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se a baixa do processo ao tribunal de Ia instância para que seja proferida decisão de mérito.

Ao julgardes assim, estareis, Meritíssimos Juízes, a fazer, uma vez mais, JUSTIÇA.”


***


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em cumprimento da Ordem de Serviço nº 89.983, de 20.04.2004, na sequência de pedido de reembolso de período 03/08, abrangendo o exercício de 2003, no âmbito da qual foi elaborado, em 12.07.2004, o Relatório Final com o teor que, em síntese, se extrai:

«(…) I.2 – Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção

Em resultado da acção de inspectiva ao pedido de reembolso do período 03/08, no montante de €8.862,12, detectou-se omissão de compras, vendas e as facturas processadas pelo S.P. não cumprem com os requisitos obrigatórios dos n° 4 e 5 do art. 35º do CIVA, pelo que se recorreu à aplicação de Métodos Indiretos para o acréscimo de vendas. Por conseguinte vão ser efectuadas liquidações adicionais (art. 82° do CIVA), sendo preenchidos os necessários doc. de correção 382.

Assim apurou-se uma base tributável em falta no montante de € 127.204,24, onde resulta imposto em falta no valor de €24.168,81.

(…)II - 3.2. 2 – IVA

Em IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal por opção, estando os produtos que comercializa sujeitos a taxa normal conforme resulta do n°1, c) do art. 18° do CIVA.

O reembolso em análise resulta da acumulação gradual de créditos desde o período de março/2003, devido ao facto de 95% do seu volume de negócios resultar de Transmissões Intracomunitárias de Bens.

Estas transmissões consubstanciam-se em operações isentas de imposto, conforme o estipulado pela a) do art. 14° do RlTl, sendo-lhe permitido pelo n° 2 do art. 19° do RITI em conjugação com o disposto no art. 19º e 20º do CIVA o direito à dedução. (…)

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Em consequência, dado que o sistema de tributação depende da actuação do Sujeito Passivo, por via das declarações apresentadas nos termos previstos na lei, e fornecidos à administração fiscal os elementos indispensáveis à sua verificação, conforme o estipulado no n° 2 do art. 59º do CPPT, no presente caso, não é possível a comprovação e quantificação directa na determinação da matéria tributável, como se constata pelos motivos anteriormente expostos (omissão de compras, vendas e existência de facturação diferenciada, programa de processamento de texto para as transmissões de bens intracomunitárias e software de facturação para as transmissões nacionais não credível, com o propósito de simulação da realidade), pelo que iremos recorrer a aplicação de métodos indirectos, de conformidade com os art. 87° e 88° da Lei Geral Tributária.

V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM

RECURSO A METODOS INDIRETOS

V.1-IVA

Considerando os factos anteriormente referidos, e na impossibilidade de concluirmos pela fiabilidade dos valores inscritos nas Declarações Periódicas de IVA, propõe-se que na quantificação do volume de negócios em falta se utilizem os seguintes pressupostos: 1. Elaboramos relação de facturas de compra por espessura de mármore, 2 cm e 3 cm, conforme anexos n°5 e 6, onde as facturas de compra a 2 cm totalizam 731,09 m2 e as facturas de 3 cm totalizam 1109,29;

Considerando a actividade em causa, existirem desperdícios que se admitem acima da média em razão do grau de exigência dos clientes estrangeiros como se constatou e para eventuais erros de amostragem, iremos atribuir uma percentagem de 25%, o que implica que as quantidades omitidas estimadas serão 672,20m2.

4. Cálculo do Valor de Vendas Omitidas

Partindo dos seguintes preços médios 274,27 € (lareiras) e 100,00 (mármores) e do pressuposto que as vendas omitidas serão na proporção de 50% lareiras e mármores, temos os seguintes valores de Base Tributável:

- 336,10 € x l00,00 € = 33.610,00 €

- 336,10 € x 274,27 € = 92.182,15 €

O que totaliza uma Base Tributável em falta 125.792,15 €

5. Cálculo do Imposto em Falta (IVA)

- 33.610,00 € x 19% = 6.385,90.€

- 92.182,15 € x 19% = 17.514,61 €

O que totaliza imposto em falta na quantia de 23.900,51 € , distribuído mensalmente

(regime de periodicidade mensal) 1.991,71 €.

6 – Cálculo do Imposto em Falta (IVA) – Art. 80º do CIVA

6.1. Factura n° F030100382 de 14/01/2003 do Fornecedor C. G., Lda, NIPC ….57, no valor de 780,16 + 148,23

6.2. Dado nesta operação não existir transformação, já que é transmitida no mesmo estado e não ser a actividade principal do contribuinte não é considerada nas vendas omitidas calculadas anteriormente.

6.3 Assim iremos calcular a base tributável em falta utilizando a margem de comercialização declarada pelo sujeito passivo de 81%.

6.4. Em consequência a base tributável em falta é de 1. 412,09 € o que implica imposto em falta no valor de 268,30 €.

7 – Totalidade do IVA em Falta

7.1. Vendas Presumidas cf. Ponto 5 - 23.900,51 €

7.2. Vendas Presumidas cf. Ponto 6 - 268,30 €

O que totaliza 24.168,81 €, distribuído mensalmente no valor de 2.014,07 €.

(…)» (Doc. fls. 245/157 do PAT)

B) Em 16.08.2004 a Impugnante apresentou pedido de revisão da fixação da matéria tributável, no âmbito do qual não foi obtido o acordo dos peritos, tendo o Director de Finanças de Lisboa procedido à fixação da matéria tributável por despacho de 11.01.2005, nos termos seguintes:

«(…)Quanto à quantificação Justificada a determinação da matéria tributável/imposto por método de avaliação indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do n° 3 do Art. 74º da LGT.

O Perito do sujeito passivo anexou à Ata da reunião uma breve análise técnica elaborada em outubro de 2004 pela “A. – A. A.”. Foi uma análise limitada a dois lotes de chapa, onde se verificou terem resultado desperdícios de 30% e 60% aproximadamente.

A análise é limitada, contempla apenas dois lotes de chapa, verificando-se uma divergência significativa entre as margens de desperdício, pelo que não será este o elemento que permitirá pôr em causa os cálculos efectuados, nem pode servir de elemento justificativo. A análise ainda mais vem reforçar a impossibilidade de considerar estes parâmetros para valorização.

Quanto à suposta falta de vendas, nos termos do art. 80° do CIVA, com base nos elementos trazidos agora à reunião, o erro de menção da denominação resulta da cópia feita aos elementos constantes de uma factura emitida em época anterior, encontrando-se assim a situação justificada.

Esta correcção foi admitida pelo Perito da Fazenda Pública, que veio a propor, relativamente ao exercício em causa, de 2003, a base tributável de 81.623,54 €, o que totaliza o imposto em falta na quantia de 15.508,47 €, valores estes que o perito do contribuinte não aceitou.

Assim, perante o exposto, admitindo como justificada a correcção que veio a ser ponderada pelo Perito da Fazenda Pública, venho a fixar os seguintes valores:

Imposto sobre o Valor Acrescentado:

2003 – 15.508,47 Euros.» (Doc. fls.226/248 do PAT)

C) Em 16.11.2005 a Impugnante foi notificada da decisão final do procedimento de revisão que antecede. (Doc.fls. 249/250 do PAT)

D) Em 03.12.2005 foram efectuadas pela Administração tributárias as seguintes liquidações adicionais de IVA para o ano de 2003:


(Doc. fls. 72/94 dos autos)

F) Em 15.02.2006 a ora Impugnante deduziu Impugnação Judicial das liquidações adicionais identificadas na alínea que antecede, que correu termos neste TAF de Sintra sob processo nº 170/06.4BESNT, com sentença de procedência parcial de 16.11.2009, transitada em julgado em 08.06.2010, cuja matéria de facto e dispositivo aqui se reproduzem:

«(…)Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:

1 – Com base no relatório da I.T., concluído em 12.07.2004, foi fixado em 16.07.04, pelo Chefe de Divisão, ao abrigo do disposto no art. 84° do CIVA, o IVA em falta, no montante de € 24.168,81, para o exercício de 2003 – cfr. Informação de fls. 49 a 56, “Nota de Apuramento Modelo 382” de fls. 118 e 118 v. e Decisão de fls. 119, do P.A apenso.

2 – Da fixação referida em 1, veio a impugnante reclamar para a Comissão de Revisão, nos termos do disposto no art. 91° da LGT, apresentando as alegações constantes do pedido de revisão – cfr. fls. 73 a 75, dos autos.

3 – Não tendo havido acordo entre as partes no processo de revisão da matéria coletável, foram elaborados os laudos dos peritos indicados pela F.P. e pelo contribuinte, e elaborada a Ata de Reunião da Comissão de Revisão, n° 38/04 – cfr. fls 34 a 48 do P.A apenso.

4 – Em 11.01.2005 foi proferido pelo Director de Finanças de Lisboa, a Decisão Fundamentada a que se refere o n° 6, do art. 92° da LGT, que aqui se dá por reproduzido, e no qual foi fixado um valor de IVA de € 15.508,47, atento a não consideração da margem de desperdício invocada pelo contribuinte, aceitando-se as correcções quanto à aplicação da margem sobre as quantidades adquiridas de matéria-prima – cfr. documento de fls 49 a 56 do P.A apenso aos autos.

5 – Dá-se aqui por reproduzido o relatório da inspecção tributária, a que se refere o n° 1, da qual consta as correcções aos valores das operações sujeitas a imposto, com fundamento na consideração da actividade em causa e em que existe desperdícios acima da média, tendo sido atribuído uma margem de 25% sobre as vendas omitidas, tendo sido exercido o direito de audição, devidamente considerado na fundamentação da decisão daquele procedimento – cfr relatório junto, de fls 84 a 113 do P.A apenso. 6 – Dá-se aqui por reproduzido o “relatório pericial” da A., constante de fls 25 e 26 dos autos.

7 – Concluído o procedimento de revisão, foi notificado a impugnante do resultado daquele, através do ofício enviado em 14.11.05 pelo Director de Finanças de Lisboa, tendo-se procedido à emissão dos respetivos D.C. enviados ao contribuinte – cfr. fls 98 e correspondência postal de fls 115 a 131 dos autos.

8 – Dá-se aqui por reproduzido o relatório pericial efectuado em 13.05.09, nos autos n° 441/07.2, que correu termos neste tribunal, em que se considerou que a percentagem média de desperdício para o mármore cristalino da região de Estremoz/Borbal Vila Viçosa, no subsector transformador de lareiras é de 50% – cfr. documento de fls 249 a 251, dos autos.

(…)

Enquadramento Jurídico

(…) Ora, a impugnante vem apresentar essencialmente dois argumentos para considerar que aquele apuramento padece de erro, a saber, que a margem de desperdício não corresponde ao efetivamente verificado; que, tratando-se de operações essencialmente destinados a mercados comunitários, dever-se-ia considerar como isentos de imposto, não havendo motivos para os sujeitar a imposto. Ora, quanto ao 2° argumento, importa dizer que carece o mesmo de qualquer fundamento já que o recurso a métodos indirectos de determinação do valor das operações sujeitas a imposto significa exactamente que as omissões praticadas representam determinadas transmissões de bens sujeitas a imposto, e dele não isentas, porquanto as isentas não se presumem, antes tendo que ser demonstradas (neste caso, através de documentos comprovativos da sua transmissão intracomunitária), sem o qual as transmissões são necessariamente consideradas como efectuadas no mercado interno – cfr. n°5, do art. 82° do CIVA e art. 14° do RITI.

Quanto ao 1°, e face ao afirmado supra, deve este tribunal apreciar da adequabilidade daquela percentagem, ainda que considerando a margem de discricionariedade que é legítimo a Adm fiscal se socorrer, atento o critério legal reportado a um conceito indeterminado de “margens de desperdício” da actividade considerada. Ora, essas margens podem ser dadas pelos elementos da contabilidade analítica da empresa, o que não foi o caso por a empresa não ter adoestado tal método de aná1ise de custos. Tal não impedia, ainda assim, de revelar contabilisticamente tais desperdícios derivados do processo produtivo, o que também não se observou. Resta, portanto, os valores apurados por amostragem, confirmados pela prova testemunhal realizada nos autos e pericial atento o valor extraprocessual das provas ínsito no n° 1, do art. 522° do CPC. Nessa sede, atendendo ao valor obtido unanimemente pelos peritos, conforme resulta do ponto 8 do probatório, dever -se-á considerar que na respectiva quantificação indirecta da base tributável de imposto as quantidades omitidas de vendas estimadas na proporção relativa a lareiras (de 50% do total das vendas omitidas), deverá atender àquela margem de desperdício, sendo de manter as restantes correições.

Quanto aos juros compensatórios os mesmos resultaram do atraso da liquidação de imposto devido, por motivo imputável à impugnante, pelo que são os mesmos devidos, nos termos do disposto no art. 89°, n° 1, do IVA, e de acordo com os valores de imposto que se apurarem face ao novo volume de vendas omitidas.

Nos termos expostos,

Dispositivo

Não havendo necessidade de outras considerações, entendemos como parcialmente procedente a impugnação deduzida pela impugnante contra o ato de liquidação adicional de IVA do ano de 2003, ora controvertida, e dos juros compensatórios apurados.» (Doc. fls. 251/268 do PAT, 358/365 dos autos)

G) As alterações de cor e de consistência do mármore (designadamente no que respeita a veios e fissuras), que consiste na matéria prima utilizada pela Impugnante na sua actividade, bem como o grau de exigência dos seus clientes a quem vende lareiras (fogões de sala) determina um desperdício de 50% . (Prova testemunhal)

H) No dia 26.06.2006, foi remetida via postal a tribunal a petição inicial que originou os presentes autos. ( Cfr. fls. 3 dos autos.


***


A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, bem como na valoração da prova testemunhal produzida.”


***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

I) A 16 de março de 2007, e exercendo o contraditório relativamente à exceção de inimpugnabilidade do ato de fixação da matéria tributável arguida pelo DMMP, a Recorrente apresentou requerimento requerendo ampliação da base instrutória, e do qual se extrata, designadamente, o seguinte:


(cfr. referência da plataforma SITAF 03949788, a fls. 101 a 103);

M) A 28 de novembro de 2006, foi prolatada informação instrutora pela Divisão de Justiça Contenciosa, propondo a revogação parcial dos atos impugnados, relativamente aos juros compensatórios, por erro de cômputo, e de acordo com a informação que infra se extrata, na parte que para os autos releva:


(cfr. fls. 287 do PA apenso);

N) Na sequência da informação instrutora referida na alínea antecedente, foi prolatado despacho de revogação parcial pela Chefe de Divisão e com o teor que infra se transcreve:


(cfr. fls. 290 do PA apenso);



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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou verificada a exceção do caso julgado, com a consequente absolvição da instância.

Ab initio, cumpre relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:


ü Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto fixou factualidade que não tem respaldo nas asserções fáticas documentais, requerendo, por isso, aditamento por substituição;


ü Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que não ocorre a sentenciada exceção do caso julgado.


ü Em caso afirmativo, julgando-se não verificada a aludida exceção do caso julgado, proceder ao competente julgamento em substituição.


Vejamos, então.


Comecemos pelo erro de julgamento de facto.


No atinente ao erro de julgamento de facto, requer, desde logo, a alteração do teor da alínea F), porquanto, por um lado, o seu teor se afigura conclusivo, e por outro lado, encontra-se incorreta a asserção nela contemplada, na medida em que conforme resulta do articulado inicial no aludido processo nº 170/06, o objeto da lide coadunava-se com o “acto de fixação da matéria tributável e quantificação de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao ano de 2003 praticado em sede de procedimento de revisão, no âmbito do processo 12-28CR pelo Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa em 11.01.2005”.


Requerendo, por isso, que passe a constar como facto provado o seguinte:


“No Processo n° 170/06.4BESNT a Recorrente impugnou o “acto de fixação da matéria tributável e quantificação de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao ano de 2003 praticado em sede de procedimento de revisão, no âmbito do processo 12-28CR pelo Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa em 11.01.2005”.

Comecemos, então, por convocar o regime normativo consignado no artigo 640.º do CPC, relativamente aos requisitos atinentes à impugnação da matéria de facto.


Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.(1)

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, a Recorrente cumpriu os pressupostos elencados anteriormente, na medida em que requereu a competente alteração ao probatório, evidenciado o correspondente facto e convocando o respetivo meio probatório.

Analisemos, então, se a alínea F) assume o invocado teor conclusivo e, bem assim se não tem respaldo na ação que correu termos no processo de impugnação judicial nº 170/06, devendo, por conseguinte, passar a assumir o teor supra evidenciado.


Não obstante não se perfilhar do entendimento de que a mesma assenta numa errónea perceção do dirimido no processo nº 170/06, conforme analisaremos em sede própria, entendemos, face ao requerido pela Recorrente e, ainda que não acolhendo, integralmente, o teor factual por si requerido, porquanto redutor e conclusivo, em ordem ao cabal esclarecimento das questões visadas, restruturar a aludida alínea por forma a nela ficar patenteado o que resulta do preâmbulo e do pedido final constante na petição inicial, aditando-se uma outra asserção fática atinente ao processado e ao contemplado na visada sentença.


Face ao exposto, reestrutura-se a factualidade constante na alínea F), em ordem ao articulado inicial, e da forma que infra se transcreve:


F) A 15 de fevereiro de 2006, foi deduzida impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que correu termos com o número de processo 170/06.4BESNT, da qual se extrata, no que para os autos releva, designadamente, o seguinte preâmbulo e pedido final:


(…)





(cfr. referência 003735059 plataforma SITAF, fls. 1 a 28 e seguintes);


F 1) Na sequência da dedução da impugnação judicial referida na alínea antecedente, foi prolatada uma primeira decisão de improcedência datada 17 de julho de 2007, a qual foi objeto de anulação por deficit instrutório mediante Acórdão proferido pelo TCAS, datado de 29 de janeiro de 2008, e uma segunda decisão, após cumprimento do visado Acórdão, a 16 de novembro de 2009, que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente e da qual se extrata, designadamente, o seguinte:


Imagem: Original nos autos(…)


(…)





(…)














(cfr. sentença proferida no processo de impugnação nº 170/06, constante na plataforma SITAF no âmbito do visado processo);



***




Aqui chegados, dirimida a impugnação da matéria de facto e estabilizada a mesma, importa, ora, analisar o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito no atinente à verificação da exceção do caso julgado.


Neste particular, alega a Recorrente que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento porquanto, por um lado, interpretou indevidamente o objeto do processo nº 170/06.4BESNT, e, por outro lado, analisou incorretamente o conceito de causa de pedir ínsito no n° 4 do artigo 581.° do atual CPC, concluindo, desacertadamente, que existe coincidência entre as nulidades invocadas nos presentes autos de Impugnação e naqueles que deram origem ao processo 170/06.4BESNT.


Mais advoga que, a verificar-se tal coincidência tal não ofenderia o caso julgado na medida em que o mesmo se restringe aos vícios que são objecto de apreciação jurisdicional, e no aludido processo nº 170/06.4BESNT, não foram conhecidas as nulidades de falta de fundamentação, erro sobre os pressupostos de facto, inexistência do facto tributário e preterição de formalidades essenciais.


O Tribunal a quo sentenciou o seu juízo de entendimento convocando a seguinte fundamentação jurídica:


“Resulta do probatório assente que os actos de liquidação impugnados no processo nº 170/06.4BESNT, quer aqueles que vêm impugnados nos presentes autos são consequência das correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos pelos serviços de inspecção da Administração Tributária e correspondem aos mesmos actos tributários de liquidação.

Não obsta, tal conclusão, o facto da Impugnante ter referido no cabeçalho do articulado inicial que originou o processo n.º 170/06.4BESNT, expressa e inequivocamente que vem deduzir impugnação «acto de fixação de matéria tributável e quantificação de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao ano de 2003», pois que, como vimos, a sentença proferida naqueles autos transitou em julgado, razão pela qual, nada mais há a acrescentar com efeito útil para os presentes autos.

Ora, se a Impugnante já contestou a legitimidade do poder consubstanciado nos actos relativos à liquidação do IVA no exercício de 2003, defendendo a posição subjectiva de fundo que foi lesada por esses actos, cuja questão primordial, tal como nos presentes autos (cfr. art. 6º das alegações da Impugnante), se reportava à determinação da margem de desperdícios na sua actividade, e se nessa acção foi emitida uma pronúncia judicial que reconheceu parcialmente a sua pretensão, então já há um acertamento do poder manifestado com os actos impugnados que não pode ser repetido, sob pena de ofensa ao caso julgado.

No que tange à falta de fundamentação, vem a mesma invocada nos arts. 71º e 85º da impugnação dos actos identificados em D); o erro quanto aos pressupostos de facto, designadamente quanto à inexistência do facto tributário e erro de quantificação, no art. 73º daquela impugnação e, quanto à preterição de formalidades essenciais, veja -se, igualmente, o art. 85º da petição inicial que deu origem ao processo nº 170/06.4BESNT.

A relação material subjacente a ambos os actos é a mesma: a liquidação adicional de IVA na sequência da constatação, por parte dos serviços de inspecção da Administração Tributária, que no exercício de 2003 a Impugnante omitiu vendas, não tendo, consequentemente, liquidado o correspondente IVA, estando em causa a questão da percentagem de desperdícios que deve ser apurada em relação à matéria prima adquirida, inexistente nas instalações da Impugnante e não reflectida nas vendas declaradas.

Havendo sentença transitada em julgado sobre essa questão, a anulação das liquidações efectuadas em 18.11.2006 incidiria sobre a mesma pretensão material da Impugnante.

A presente acção, nos termos em que a Impugnante a apresentou, visa o mesmo efeito jurídico que a impugnação judicial já decidida. Houve uma sentença de procedência parcial que teve o alcance de declarar com força imperativa que a pretensão formulada, relativamente à percentagem de desperdícios que a Impugnante pretendia ver reconhecida, tinha fundamento, ou seja, que as liquidações adicionais do IVA relativo ao exercício de 2003, nos seus diversos períodos, padeciam da ilegalidade relativa ao erro de quantificação que a Impugnante lhes apontou. A específica ilegalidade ali invocada, e a correspondente pretensão anulatória dos actos de liquidação, é totalmente idêntica à invocada e formulada no presente processo. Se o processo prosseguisse, o Tribunal teria necessariamente de contradizer ou de confirmar a decisão anteriormente proferida quanto ao direito a ver reconhecida a percentagem de 50% de desperdício de matéria prima na sua actividade, factor determinante para apuramento do valor das vendas omitidas, em função da diferença entre a matéria prima adquirida, os produtos vendidos e a matéria prima existente nas instalações da Impugnante.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a excepção de caso julgado quanto às liquidações adicionais de IVA do ano de 2003, e nessa medida, absolver da instância a Fazenda Pública, nos termos do disposto nos artigos 577º, n.º1 al.i) e 576º, n.º1 do CPC, ex vi art. 2º, al. e) do CPPT.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada.


Comecemos por convocar o regime jurídico que releva para o caso dos autos.


De harmonia com o consignado no artigo 619.º, nº 1, do CPC, transitada em julgado a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, ficando, assim, a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro do processo e fora nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC, e sem prejuízo do consignado nos artigos 696.º a 702.º do CPC. É o que se designa por caso julgado material.


Dir-se-á, portanto, que a nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão, logo o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado conforme decorre do artigo 628.º do CPC.

Daí que ao caso julgado material sejam atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva, coadunada com a autoridade do caso julgado e uma função negativa consubstanciada na exceção do caso julgado.(2)

Com efeito, a função negativa do caso julgado, como visto, traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão, opera por via da exceção dilatória do caso julgado, nos termos previstos nos artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º todos do CPC, impedindo, por conseguinte, que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

Neste particular doutrina TEIXEIRA DE SOUSA(3) que “ a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” acrescentando ainda que “quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

Verifica-se, assim, o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580.º nº1, in fine, do CPC). Preceituando, por isso, o artigo 581.º do CPC quanto aos requisitos do caso julgado que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1), havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4).

Importando, ainda neste âmbito, esclarecer que para que haja identidade de sujeitos as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, daí que seja indiferente a posição que elas assumam em ambos os processos.

E no concernente ao âmbito e abrangência da identidade de pedidos é pressuposto basilar que em ambas as ações se pretenda obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, carecendo de relevo, nesse e para esse efeito, a própria expressão quantitativa e da forma de processo utilizada. Não sendo, portanto, exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

Por fim, e ainda quanto à concreta dilucidação dos conceitos atinentes à visada tríplice identidade, cumpre relevar que sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, a sua aferição e perceção radicará nas questões fundamentais levantadas nas duas ações.

Sendo que, a causa de pedir complexa ocorre quando assenta, como próprio nome o indicia, num facto complexo, ou seja, não são diversos factos, mas um só e este em si complexo, por seu turno, nas causas de pedir múltiplas associam-se tantas causas de pedir quantas as previsões normativas invocadas, independentemente de os factos concretizadores desses fundamentos serem, numa perspetiva natural, os mesmos.

Ainda quanto ao alcance do caso julgado, cumpre ter presente o consignado no artigo 621.º do CPC segundo o qual: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Sublinhando ainda TEIXEIRA DE SOUSA que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”. (4)

Feitos estes considerandos de direito, importa, então, responder à seguinte questão: Existe, efetivamente, caso julgado material, como sentenciado na decisão recorrida?

Para responder à aludida questão, ter-se-á de aquilatar, desde logo, do âmbito objetivo e subjetivo e o que foi dirimido, em concreto, no processo nº 170/06, para depois se fazer o correspondente confronto com a petição visada nos presentes autos.

Vejamos, então.

Conforme resulta do acervo fático dos autos, foi deduzida impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o número de processo 170/06 a qual teve por objeto a apreciação da legalidade dos atos de liquidação adicionais de IVA, e respetivos JC, dimanantes de correções realizadas por métodos indiretos, ao exercício de 2003.

Note-se que, de uma leitura atenta da sentença prolatada no processo nº 170/06, verifica-se que é, expressamente, identificado como âmbito objetivo da aludida impugnação judicial os atos de liquidação de IVA, e respetivos Juros Compensatórios, como questão decidenda a apreciação da legalidade desses atos à luz dos vícios convocados, consignando-se no dispositivo a procedência parcial por reporte a esses atos de liquidação, com as correspondentes anulações em conformidade, e proporção.

De relevar, neste âmbito e inversamente ao propugnado pela Recorrente, que a isso não obsta, naturalmente, a identificação contemplada no articulado inicial, quando, ademais, e conforme resulta do probatório e da factualidade, ora, fixada é a própria Recorrente que na sequência da arguição da inimpugnabilidade do ato vem expressamente requerer que a impugnação judicial prossiga contra os atos de liquidação.

Mais importa ter presente e sublinhar que, nos presentes autos não há aquilatar da bondade do decidido quanto à interpretação do aludido âmbito objetivo, mas apenas extrair as devidas consequências para os presentes autos e em função dessa concreta interpretação.

Atentemos, então, na tríplice identidade, relevando, desde logo, que dúvidas não suscitam quanto à identidade dos sujeitos, não carecendo de tecer quaisquer considerandos adicionais atinentes ao efeito.

Prosseguindo.

Relativamente aos pedidos finais, e embora não tenham um teor literal absolutamente coincidente, a verdade é que, conforme já referido anteriormente, a identidade do pedido afere-se pela identidade do efeito prático-jurídico considerado à luz do estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa, e quanto a esse é indiscutível que a Impugnante, ora, Recorrente pretende que sejam anuladas as correções realizadas por recurso aos métodos indiretos, porquanto ilegais e os atos consequentes, particularmente, os atos de liquidação de IVA e respetivos Juros Compensatórios.

Note-se, ademais, que a identidade de pedidos pode ser parcial, bastando que o pedido formulado na segunda ação esteja contido ou englobado no pedido formulado e decidido na ação anterior.

Atentemos, ora, se, conforme reclama a Recorrente, inexiste identidade das causas de pedir, competindo, então, aquilatar na factualidade alegada pela Impugnante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o Tribunal deva atender ao abrigo do artigo 5.º, n.º 3, e nos limites do artigo 609.º, n.º 1, do CPC.

Examinemos, para o efeito, as pretensões requeridas em cada uma das petições visadas, fazendo, portanto, o competente exame comparativo da petição destes autos com o processo que já foi julgado, para depois se aquilatar se se verifica, efetivamente, uma repetição da causa já julgada, seja em toda a sua extensão, ou apenas em parte.

Ab initio, importa, desde logo, relevar que em ambos os processos, nos encontramos perante causas de pedir múltiplas e não perante uma causa de pedir complexa, porquanto são invocados vários vícios tendentes à cominação de anulabilidade do ato impugnado.

Sendo que, no processo nº 170/06, e mediante análise cuidada do seu teor extrai-se a alegação dos seguintes vícios: falta de fundamentação formal, porquanto não são indicados os pressupostos de facto e de direito inerentes a essa incidência e tributação, erro sobre os pressupostos de facto e de direito concatenados, rigorosamente, com a errada quantificação da matéria coletável, porquanto foram desconsiderados elementos que conduziriam a um resultado distinto, e que conduziu a um excesso de quantificação, aduz, ainda, a inexistência de facto tributário que, em bom rigor, se reconduz ao aduzido erro sobre os pressupostos de facto e de direito, assacando, in fine, erro de julgamento quanto aos juros compensatórios.

Relativamente ao processo visado nos autos existe, efetivamente, similitude na arguição dos aludidos vícios, existindo, contudo, a arguição de vícios próprios concatenados com a preterição do princípio do inquisitório, e um erro de cômputo atinente aos juros compensatórios. De relevar, neste âmbito, que pese embora no item atinente à inexistência do facto tributário exista uma superior densificação, a verdade é que o mesmo fica compreendido no erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Portanto, face ao supra expendido e tendo presente que, como aduzido pela Recorrente e inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, o caso julgado afere-se por reporte aos vícios, efetivamente, analisados. Com efeito, e como doutrinado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 1320/14, de 17 de maio de 2022 “[o]s efeitos processuais do trânsito em julgado, aportando valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevem-se a esse apreciado e decidido objecto (a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos)", (5) logo ter-se-á de concluir que inexiste total identidade da causa de pedir.

É certo que a identidade de causas de pedir não pressupõe uma absoluta coincidência das causas de pedir, bastando, para o efeito, que os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda ação estejam entre os invocados e apreciados na ação anterior, mas tal, como visto, não sucede no caso vertente.

Destarte, analisados os processos em confronto, há, portanto, que concluir que existe identidade das partes e do pedido, não sendo, contudo, as causas de pedir totalmente coincidentes. Logo, não se verifica a exceção do caso julgado, na sua plenitude, não obstando, assim, a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior.

Noutra formulação dir-se-á que deverá, por inerência, a ação prosseguir para apreciação dos fundamentos não apreciados na ação anterior.

Como doutrinado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 147/15.9T8BRG.G1, datado de 09 de março de 2017:

“I-A nossa lei consagrou a chamada teoria da substanciação, nos termos da qual a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

II –No que concerne à repetição da causa de pedir, importa apurar se a substância do litígio assenta nos mesmos factos concretos em ambas as ações, tendo por pressuposto que o caso julgado não impede que se invoque uma diferente causa de pedir para o mesmo pedido formulado em ação anterior.

III –Assim, o comprador de um imóvel pode intentar nova ação judicial pedindo – tal como na anterior – a reparação de defeitos de construção no imóvel, desde que tais defeitos concretos sejam diferentes dos invocados na antecedente ação.”

Materializemos, então, com a devida substanciação.

Ora, tendo sido analisado no processo nº 170/06, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na vertente do preenchimento dos pressupostos da avaliação indireta, e ulteriormente do erro da quantificação da matéria tributável que acarretou a anulação parcial das correções, nada mais há dirimir quanto ao vício de violação de lei atinente a esse erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e a inexistência do facto tributário, porquanto, efetivamente, abrangido pelo caso julgado material em toda a sua extensão.

Mas, como já evidenciado anteriormente, tal já não sucede quanto à arguição do vício formal da falta de fundamentação, da preterição do inquisitório e bem assim do erro de cômputo dos juros compensatórios, porquanto não objeto de apreciação no citado processo nº 170/06.

E por assim ser assiste razão ao Recorrente -ainda que sem a amplitude e extensão propugnada- havendo, portanto, que julgar, em substituição, relativamente aos aludidos vícios que não foram concretamente invocados e bem assim apreciados.

Comecemos, então, por atentar no vício de forma por falta de fundamentação.

A Recorrente sustenta, neste âmbito, que existe falta de fundamentação formal porquanto não estão indicados os pressupostos de facto e de direito atinentes à sujeição a IVA.

Vejamos.

O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

No concreto particular, atinente à fundamentação formal do ato, importa ter presente que mesma é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”. (6)
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente. (7)

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto". (8)

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.
Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)" (9)(destaques nossos).

Sendo certo que, neste concreto particular, e face às razões e pressupostos supra expendidos, há que ter presente e valorar a existência de um especial dever de fundamentação a cargo da AT, plasmado, no nº4 do citado artigo 77.º da LGT, nos termos do qual:

“4 - A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.

Ora, uma vez estabelecido o quadro normativo vigente e tecidos os considerandos de direito reputados de relevo há que transpor os mesmos para o caso vertente, relevando, desde já, que de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária se retiram as razões atinentes ao recurso ao aludido método de avaliação indireta e respetivo quantum e concreta determinação da matéria coletável.

Com efeito, são, desde logo, externados os pressupostos de facto que conduziram à aplicação dos métodos indiretos, particularmente, omissão de compras, vendas e existência de faturação diferenciada, programa de processamento de texto para as transmissões intracomunitárias e software de faturação para as transmissões nacionais não credível.

Densificando-se, depois, no item respeitante “aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos”, o cálculo pormenorizado das quantidades de vendas de mármore por m2 e inerente densificação da quantidade reputada de vendas omitidas, explicitando-se, depois que em razão das médias dos setores, mormente, mercado estrangeiro e erros de amostragem, teria de ser ponderada uma percentagem de 25% de desperdícios, estipulando, depois uma proporção de 50% das lareiras e mármores, e inerente concretização da base tributável, convocando os normativos legais atinentes ao efeito.

Logo, inversamente ao aduzido pela Recorrente estão elencados os pressupostos de facto e de direito com a devida externação das razões atinentes às percentagens e ratio de proporção adotadas.

Portanto, inexiste a aduzida falta de fundamentação formal, sendo certo que no atinente à concreta fundamentação substancial concatenada, como é consabido, com o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a mesma já foi, devidamente, abordada encontrando-se, por isso, consolidada na ordem jurídica e coberta, como visto, pelo caso julgado.

Há, portanto, que concluir que inexiste a apontada falta de fundamentação formal, carecendo, portanto, de qualquer densificação adicional neste particular.

Atentemos, ora, no vício atinente à preterição de formalidades legais, concatenada com a violação do inquisitório.

A Impugnante, ora Recorrente, no seu articulado inicial reputa que a AT não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material e, nessa medida, violou o princípio do inquisitório, mormente, no domínio do apuramento da margem média de desperdícios.

Mas, como veremos, não lhe assiste razão. Senão vejamos.

Dimana do artigo 58.º da LGT que a AT deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Resultando, outrossim, do artigo 63.º, nº1, da LGT, que os órgãos competentes, podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes.

O que se encontra, igualmente, de harmonia com o estatuído no artigo 6.º do RCPIT, do qual resulta que o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a AT adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo.

Mas a verdade é que o aludido princípio deve ser utilizado de forma casuística e com cautela, por forma a não subverter o ónus probatório, visto que o mesmo não se pode sobrepor, naturalmente, ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59° da LGT.

Ora, no caso sub judice, e mediante análise do RIT não se vislumbra que a AT tenha adotado uma conduta não imbuída e investida do inquisitório, sendo certo que, a Recorrente também não substancia, de forma devidamente particularizada, em que deveriam consistir as aludidas diligências.

Por outro lado, há que não perder de vista que no domínio dos desperdícios a questão, como visto, se encontra definitivamente resolvida tendo, inclusive, existido recurso a peritagem a qual foi, devidamente, ponderada.

Destarte, em face da realidade factual supra aludida resulta evidente que a AT adotou uma postura colaborante, com total apelo ao inquisitório e diligenciou no apuramento da verdade material, donde, contrariamente ao alegado pela Impugnante, ora Recorrente, não estava obrigada a encetar mais diligências instrutórias adicionais.


De resto, e conforme já evidenciado anteriormente, uma coisa são os princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e o dever de colaboração que devem nortear toda a atuação da AT, outra bem distinta é subverter tais princípios e obrigar a entidade fiscalizadora a substituir-se à Impugnante.


Atentemos, ora, no erro de cômputo dos Juros Compensatórios.


Alega a Recorrente que em ordem ao consignado no artigo 35.º, nº7 da LGT, só seriam devidos juros compensatórios até 14 de outubro de 2004, e não até dia 21 de novembro de 2005, como materializado pela AT.


No entanto, tal realidade já se encontra inteiramente dirimida, na medida em que a AT, ao abrigo do artigo 112.° do CPPT, no âmbito do presente processo de impugnação judicial, procedeu à revogação parcial das mesmas, conforme resulta da factualidade, ora, aditada, patenteando, por isso, uma situação de inutilidade superveniente da lide, e sem que careça de qualquer considerando adicional.


Uma nota final para relevar que, não obstante ter existido a revogação parcial dos atos impugnados, por erro de cômputo dos juros compensatórios, a verdade é que não tendo a aludida revogação expressão quantitativa para efeitos de decaimento, decretar-se-á, a final, que as custas serão a cargo da Recorrente.



***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença, na parte recorrida e não abrangida pelo caso julgado, nos moldes enunciados anteriormente, julgando-se, em substituição, a presente impugnação totalmente improcedente, com todas as legais consequências e Julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, quanto à anulação parcial dos juros compensatórios.

Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de dezembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

(Maria Cardoso)




















1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
2) Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo TCA Sul, nos processos nºs 469/19, e 161/09, de 14.01.2020 e de 05.06.2019.
3) Vide António Santos Abrantes Geraldes e outros-CPC anotado, Almedina, Vol. I, p.743, em anotação artigo 619.º, citando o autor no artigo intitulado O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.
4) in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579
5) Vide, designadamente, no mesmo sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, proferidos nos processos nºs 311/09 e 381/08, de 06.05.2021 e 18.03.2021, respetivamente. Vide, também, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 2011, Áreas Editora, página 305.
6) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
7) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
8) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
9) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012