Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05917/12
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO NÃO SUSCITADAS PELAS PARTES.
ERRO DE JULGAMENTO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
O TRIBUNAL É LIVRE DE CONHECER DOS ASPECTOS JURÍDICOS DA CAUSA (CFR.ARTº.5, Nº.3, DO C.P.CIVIL).
ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DE SISA. MATÉRIA COLECTÁVEL DO IMPOSTO DE SISA.
ARTº.2, § 2, DO C.I.M.S.I.S.S.D. TRADIÇÃO FICCIONADA OU PRESUMIDA DE IMÓVEL.
AJUSTE DE REVENDA. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL. BEM FUTURO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6).
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.
4. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
5. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
6. O Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
7. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
8. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
9. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
10. De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.
11. O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão. A figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
12. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores do preceito, contentando-se a lei, neste caso, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro.
13. Tem este Tribunal que concluir pela não produção de prova documental incidente sobre a factualidade relativa à posterior realização da escritura de venda entre o terceiro e o primitivo promitente-vendedor, a qual se consubstancia como um dos requisitos da norma de incidência contante do examinado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
14. Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.187 a 193 do processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação pelo recorrido, Elvira…, intentada, visando actos de liquidação de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 48.942,14.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.223 a 236 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por ELVIRA…, Nif. …, que teve por objecto as Liquidações de Imposto Municipal de Sisa no montante de € 3.730.000$00 e 3.430.000$00, acrescidas dos respectivos Juros Compensatórios, que perfaz um total de € 48.942,14, emitidas na sequência de acção inspectiva, e decorrentes da cedência a terceiros da sua posição contratual nos Contratos-promessa de Compra e Venda de duas fracções autónomas a terceiros, nos termos do Art. 2.º, § 2° do CIMSISSD;
2-Importa referir que a douta sentença não se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade desta impugnação decorrente de ter sido interposta como meio de reacção a um Recurso Hierárquico considerado extemporâneo, arguida em sede de Informação da Divisão de Justiça Contenciosa- Contestação da RFP (cfr. fls. 98 do PAT);
3-Da mesma forma, tendo o Recurso Hierárquico sido indeferido por extemporaneidade, o meio próprio de reacção seria o Recuso Contencioso (actual Acção Administrativa Especial), nos termos do Art. 76.º, n.º 2 do CPPT, já que esta questão tem que ver com a tempestividade e não com legalidade de qualquer liquidação, sendo que apenas quando está em causa a discussão da legalidade das liquidações se pode lançar da Impugnação Judicial para reagir ao Indeferimento de um Recurso Hierárquico, como decorre do Art. 97°, n.º 1, als. d) e p) do CPPT;
4-Ora, a intempestividade é uma excepção peremptória, determinando a absolvição total da AT do pedido formulado pela Impugnante, de harmonia com o Art. 493.º, ns.1 e 3 do CPC "ex vi" Art. 2°, al. e) do CPPT;
5-Sendo que a omissão de pronúncia sobre questões que lhe foram submetidas para apreciação, constitui, salvo o devido respeito, uma nulidade da Sentença, de harmonia com o Art. 125.º n.º 1 do CPPT, e como resulta da normal geral do Art. 660.º, n.º 2 conjugado com o Art. 668.º nº1, al. d), 1ª parte, ambos do CPC;
6-Considerou a douta sentença que não foi alegado pela Administração Tributária, nem foi referido no Relatório de lnspecção subjacente à liquidação impugnada, se as Escrituras de Compra e Venda relativa aos Contratos-promessa foram celebradas entre a promitente­vendedora e as cessionárias da posição contratual da Impugnante ou entre aquela e qualquer outra entidade, não se encontrando, assim, demonstrado o requisito do § 2.º do Art. 2.º do CIMSISSD;
7-Ora, é, desde logo, de referir que a impugnante não invoca a falta de preenchimento daquele requisito - que as Escrituras do Contrato definitivo sejam celebradas entre a primitiva promitente-vendedora e o terceiro a quem cedido a posição contratual;
8-Ao invés, a impugnante nunca pôs em causa o preenchimento deste requisito, chegando mesmo a juntar cópia das Escrituras de Venda em sede de Pedido de Reapreciação do Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico (cfr. fls. 18 a 20 do processo de Recurso Hierárquico), tal como resulta do ponto 11 do referido pedido, do qual transcrevemos o seguinte excerto:
"B. Os Docºs 5 e 6 são constituídos pelas escrituras de venda das fracções correspondentes aos contratos-promessa, realizadas em Janeiro e Maio de 2000, de acordo com os contratos-promessa e respectivas cedências.
5. As escrituras de venda foram realizadas somente em Janeiro e Maio de 2000 (Docºs 5 e 6) quando os contratos-promessa apontavam para Março/Abril de 1999 (...)";
9-O que a impugnante alegou, numa primeira fase, foi que se tratava de uma desistência dos Contratos de Compra e Venda por motivos económicos, e não de uma cedência da posição contratual, sendo que, numa fase posterior, veio arguir que à data dos factos os prédios ainda não estavam construídos, isto é, tratava-se de bens futuros;
10-Desta forma, afigura-se-nos que estamos perante uma situação de excesso de pronúncia do Tribunal a quo, o que constitui uma nulidade da Sentença de acordo com o Art. 125.º, n.º 1 do CPPT, e com a normal geral do Art. 668.º, n.º 1, al. d), 2ª parte do CPC;
11-Ao que acresce que, ao contrário do que foi considerado na douta sentença, decorre do Relatório de Acção lnspectiva (cfr. fls. 38 dos Autos) que:
"Provada a promessa de compra e venda da fracção autónoma em questão, e o posterior ajuste de venda pelo promitente comprador com terceiro, da revenda do mesmo, vindo a escritura de venda a ser celebrada entre o terceiro e os primitivos promitentes vendedores, são duas as tradições que se verificam para efeitos de Imposto Municipal de SISA (...)";
12-Da mesma forma que também decorre da Informação da Divisão de Justiça Contenciosa (cfr. fls. 100 do PAT) assumida como Contestação pela FP, que:
"Ora o que é facto é que os factos tributários aconteceram com vantagens económicas para todos os intervenientes, ou seja, houve duas promessas de compra e venda de bens imóveis seguidas de duas cedências de posição contratual pelo promitente comprador e, por fim, duas escrituras de compra e venda entre o primitivo vendedor e os terceiros cessionários. Assim, não temos dúvidas que a tradição de um bem imóvel e, desde logo, a transmissão, se teve por verificada quando, tendo-se efectuado a cedência das posições contratuais a terceiros, o que de facto aconteceu, como se pode verificar pelos documentos de fls. 64 e 65 dos autos de recurso hierárquico, vier a verificar-se que entre o primitivo vendedor e o terceiro for celebrada a respectiva escritura de compra e venda, o que de facto também veio a acontecer e a impugnante não contesta.";
13-Pelo que foi referido pela AF que foram celebradas as Escrituras de Compra e Venda entre o promitente-vendedor e as terceiras cessionárias, ao invés do que foi considerado pelo Tribunal a quo;
14-Ora, no que tange às Liquidações de Sisa propriamente ditas, temos que, em 1997, a impugnante celebrou dois Contratos-promessa de aquisição de duas fracções autónomas (incluindo os lugares de garagem e arrecadação) com Fundo …, tendo cedido a sua posição contratual a Maria … e a Cristina …, sendo que estas celebraram as Escrituras de Compra e Venda com primitiva promitente-compradora (Fundo …);
15-Sendo que na situação em apreço está em causa saber se a celebração de um Contrato-promessa de Compra e Venda de um imóvel que ainda não têm existência física, seguido de um Contrato de Cessão de Posição Contratual, no qual o promitente-comprador cede a sua posição a um terceiro, e a Escritura Pública de Compra e Venda é celebrada entre o promitente-vendedor e o terceiro, está sujeito a Sisa;
16-Ora, sobre esta matéria dispõe o Art. 2.º, § 1.º do CIMSISSD que: "2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;", o que significa que os Contratos-promessa de Compra e Venda só estão sujeitos a Sisa se se verificar a tradição do bem (no sentido físico) para o promitente-comprador, ou quando este estiver usufruindo dos bens; se essa tradição não acontecer, só haverá tributação quando for outorgado a Escritura Pública de Compra e Venda;
17-Todavia, o mencionado Art. 2.º do CIMSISSD contém outra norma de incidência atinente a Promessas de Compra e Venda: "§ 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.";
18-Deste normativo resulta que se considera haver tradição, e, em consequência incidência de Sisa, desde que preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:
- Exista um Contrato-promessa de Compra e Venda,
- Exista um ajuste de revenda entre o promitente-comprador e um terceiro,
- Este terceiro celebre a Escritura Pública de Compra e Venda com o promitente­ vendedor;
19-Isto é, ao contrário da norma do n.º 2.º do § 1.º que exigia a tradição física dos bens, esta norma (§ 2.º) exige apenas a tradição jurídica dos bens, ou seja, estamos aqui perante uma tradição ficcionada;
20-O que, desde logo, significa que, ao contrário do que defende a impugnante, o bem objecto de tradição jurídica não tem que ter existência física, ou seja, pode ser um bem futuro, tal como também decorre do veiculado no Acórdão do STA de 11/02/2009, no Processo 1005/08:
I -A norma constante do§ 2.º do artigo 2.º do CIMSSD contempla na sua previsão tanto bens imóveis presentes como futuros.
II -Enquanto no n.º 2 do § 1.º a incidência se reporta à tradição efectiva, neste § 2.º o legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens.
III -A cedência de posição contratual em contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de imóvel a construir está, assim, sujeita a sisa, nos termos do§ 2.º do artigo 2.º do CIMSSD.";
21-Ora, no caso "sub júdice" estão preenchidos os três requisitos supra identificados:
- existem dois Contratos-promessa de Compra e Venda da fracção, celebrado em 17/04/1997 e 24/04/1997, entre a Impugnante, na qualidade de promitente-compradora, com Fundo…, enquanto promitente-vendedora, tendo por objecto duas fracções autónomas (T2 correspondente ao … e T3 correspondente ao … supra identificados), como decorre dos Autos, nomeadamente dos factos dados como provados na Sentença- pontos C. a F.,
- a impugnante cedeu a sua posição contratual no Contrato-promessa atinente ao T2 a Cristina … em 21/11/1997, e ao T3 a Maria … em 06/11/1997, ou seja, a terceiros, conforme resulta dos Autos, designadamente dos factos dados como provados na Sentença - pontos 7 e 8;
- estas terceiras cessionárias celebraram o Contrato de Compra e Venda definitivo com o Fundo… em Janeiro e Maio de 2000, como foi referido no Relatório de lnspecção, na Informação da Divisão da Justiça Contenciosa e pela Impugnante que juntou cópia das Escrituras de Venda em sede de Recurso Hierárquico;
22-Sendo também estes os requisitos que a Jurisprudência considera necessários para a sujeição a Sisa nos casos de "ajuste de revenda", como decorre do Acórdão do STA de 19/10/2005, Processo 401/05:
"§ 2º: Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor for depois outorgada a escritura de venda.
Comentando este artigo escrevem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, no seu Código Comentado e Anotado, 3ª Edição: "Em tese geral ... a transmissão compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente, salientando-se a situação material resultante da simples mudança dos possuidores dos bens".
E adiante:
"Enquanto no n. 2 do § 1° a incidência se reporta à tradição efectiva, neste § 2° o legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens.
"A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou a agenciação de bens feita pelo promitente ­ comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada'".
Estas considerações merecem o nosso acordo.
E é neste domínio que se move o acórdão recorrido, quando, à semelhança do tribunal de 1ª instância, põe o acento tónico no aspecto económico, sendo que o conceito fiscal se afasta do conceito civil de transmissão.";
23-Também é a tese defendida pelo STA no Acórdão de 04/11/1981, Processo n.º 1731:
"I Para efeito de incidência de sisa, as promessas de compra e venda de imoveis são havidas como transmissão efectiva, desde que verificada a tradição para o promitente comprador.
II - Entende-se verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com terceiro, e entre este e o promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.";
24-No mesmo sentido, o Acórdão do STA de 04/03/1998, Processo n.º 20331:
"I -A tradição do imóvel para efeitos do art. 2 § 1, n. 2, do C.I.M.S.I.S.D. consiste apenas na entrega simbólica do mesmo pelo promitente-vendedor, acompanhada de actos do promitente-comprador reveladoras da respectiva aceitação.
II - Não é necessária para tal efeito, a prática pelo promitente-comprador de actos de posse em termos civilísticos.
III- Há ajuste de revenda, para efeitos do § 2 do art. 2 daquele Código, quando o promitente-comprador para quem havia sido feita tradição do imóvel a que se refere o contrato-promessa cede a sua posição contratual a terceiro e entre este e o primitivo promitente-vendedor vem a realizar-se a escritura de compra e venda respectiva.";
25-Sendo que a expressão "...a título oneroso ..." constante do Art. 2.º do CIMSISSD, não significa a obtenção de um lucro, mas sim o auferimento de uma contrapartida ou compensação pela transmissão, por oposição a um negócio gratuito, que é uma liberalidade sem qualquer contrapartida, e que não está sujeita a Sisa (actual IMT), mas sim a Imposto sobre Sucessões e Doações (actual Selo);
26-Desta forma, bem andaram os Serviços de lnspecção ao sujeitarem a Imposto Municipal de Sisa as duas cedências de posição contratual efectuadas pela impugnante a Cristina … e a Maria …, nos termos do Art. 2.º, §2° do CIMSISSD;
27-Sendo de referir que o DMMP emitiu Parecer (com o n.º 192/2011 -fls. 184 e 185 dos Autos) no sentido da improcedência desta impugnação;
28-Pelo que deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere que se verifica a excepção de caducidade do direito de impugnar, que a impugnação não é o meio próprio para reagir ao indeferimento por extemporaneidade do Recurso Hierárquico, e que se encontram preenchidos os três requisitos para que o ajuste de revenda seja sujeito a Sisa (Art. 2.º, § 2° do CIMSISSD);
29-A manter-se na Ordem Jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação dos Arts. 76.º, n° 2, Art. 97.º, n.º 1, als. d) e p), 102.º, n.º 1 e 125.º, n.º 1 do CPPT, e dos Arts. 493.º, ns.1 e 3 do CPC e 668.º n.º 1, al. d) do CPC;
30-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença ora recorrida, mantendo-se em vigor as Liquidações de Sisa em apreço.
X
O recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.240 a 265 dos autos), embora sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.362 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.364 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.187 a 191 dos autos - numeração nossa):
1-Em resultado de acção de inspecção efectuada pelos Serviços de lnspecção Tributária da Direcção de Finanças de …, no termo da qual foi elaborado o relatório de que consta cópia a fls.35 a 38 dos presentes autos, foram emitidas duas liquidações oficiosas de SISA relativas ao ano de 1997, nos montantes de 3.730.000$00 e 3.430.000$00, das quais a ora impugnante, Elvira …, surge como sujeito passivo, em virtude da cessão da posição contratual que detinha em dois contratos-promessa celebrados com "T…, S.A.", para compra de duas fracções autónomas do prédio urbano designado por Edifício…, sito em Rua …, Urbanização …, em … (cfr.documento junto a fls.34 dos presentes autos);
2-Sob a epígrafe "DESCRIÇAO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS EFECTUADAS AO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA", pode ler-se no relatório da inspecção mencionado no nº.1 o seguinte:
"(...)
Na sequência da acção inspectiva ao sujeito passivo Fundo (...) verificou-se que o sujeito passivo acima identificado celebrou com aquela empresa dois contratos promessa de compra e venda, datados de 24-04-97 (...) e de 17-04-97 (...), pelo valor global de 37.300.000$00 e de 34.300.000$00, para aquisição das fracções autónomas correspondentes, respectivamente, ao , apartamento T3 (...)e ao (...) do prédio sito na Rua - Urbanização em (Edifício ).
No entanto, veio a verificar-se que o sujeito passivo Sra. Elvira cedeu a sua posição contratual nos dois apartamentos atrás referenciados, em 6/11/1997 e 21/11/1997, respectivamente, à Sra Maria e à Sra Cristina , conforme consta das cartas em anexo III (...) Estas cedências de posição contratual encontram-se sujeitas a Imposto Municipal de SISA, nos termos do §2° do art. 2° do CIMSISD.
Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente - comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor for depois outorgada a escritura da venda.
Após ter sido notificado para apresentar os elementos relativos às operações descritas, constatou-se que o sujeito passivo confirmou que cedeu a sua posição contratual nos referidos apartamentos pelo mesmo valor pago ao Fundo não tendo apresentado provas do pagamento do Imposto Municipal de SISA a que estava obrigado por força do referido §2° do art. 2° do CIMSISD.
(...)
Deste modo, devia o sujeito passivo ter liquidado SISA - cf. art. 115°, n° 4 do CIMSISD - nos montantes de 3.730.000$00 e de 3.430.000$00, resultante da aplicação das taxas constantes da Tabela do ano de 1997 (§único do n° 2 do art. 33° do CIMSISD), aos valores globais dos contratos promessa de compra e venda de 37.300.000$00 e de 34.300.000$00, o que se traduz em imposto em falta desde 06-11-1997 e 21-11-1997, respectivamente, datas em que se verificaram as aludidas cedências de posição contratual das fracções autónomas.(...)"
(cfr.documento junto a fls.35 a 38 dos presentes autos);
3-Entre Fundo…, representado por "T…, S.A.", e Elvira …, foi, em 17 de Abril de 1997, celebrado um contrato-promessa de compra e venda, através do qual Fundo… prometeu vender, e Elvira … prometeu comprar, a fracção autónoma que vier a corresponder ao …, apartamento tipo T2, pelo preço de 29.100.000$00, fracção esta que seria parte de um projecto de edificação de um edifício destinado a habitação e comércio a construir num lote de terreno designado por … da Urbanização …, sito na …, …, freguesia de …, concelho de …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de …sob o n° 1449 (cfr.documento junto a fls.39 a 46 dos presentes autos);
4-Pelo contrato promessa referido no nº.3, foi, ainda, prometido vender e comprar, pelo preço de 2.300.000$00, a fracção autónoma do prédio aí identificado que venha a corresponder ao lugar de estacionamento automóvel número 32 situado no piso menos quatro, bem como, pelo mesmo preço, a fracção autónoma do prédio aí identificado que venha a corresponder ao lugar de estacionamento automóvel número 33 situado no piso menos quatro, e, ainda, pelo preço de 600.000$00, a fracção autónoma que vier a corresponder à arrecadação número 28 também situada no piso menos quatro (cfr. documento junto a fls.39 a 46 dos presentes autos);
5-Entre Fundo…, representado por "T…, S.A.", e Elvira …, foi, em 24 de Abril de 1997, celebrado um contrato-promessa de compra e venda, através do qual o Fundo… prometeu vender, e Elvira … prometeu comprar, a fracção autónoma que vier a corresponder ao …, apartamento tipo T3, pelo preço de 32.100.000$00, fracção esta que seria parte de um projecto de edificação de um edifício destinado a habitação e comércio a construir num lote de terreno designado por … da Urbanização …, sito na …, …, freguesia de …, concelho de …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 1449 (cfr.documento junto a fls.47 a 54 dos presentes autos);
6-Pelo contrato promessa referido no nº.5, foi, ainda, prometido vender e comprar, pelo preço de 2.300.000$00, a fracção autónoma do prédio aí identificado que venha a corresponder ao lugar de estacionamento automóvel número 46 situado no piso menos três, bem como, pelo mesmo preço, a fracção autónoma do prédio aí identificado que venha a corresponder ao lugar de estacionamento automóvel número 47 situado no piso menos três, e, ainda, pelo preço de 600.000$00, a fracção autónoma que vier a corresponder à arrecadação número três também situada no piso menos três (cfr. documento junto a fls.47 a 54 dos presentes autos);
7-Em 6/11/1997, a ora impugnante cedeu a sua posição contratual no contrato-promessa identificado no nº.5 a Maria … (cfr.documento junto a fls.64 do processo de recurso hierárquico apenso);
8-Em 21/11/1997, a ora impugnante cedeu a sua posição contratual no contrato promessa identificado no nº.3 a Cristina… (cfr.documento junto a fls.65 do processo de recurso hierárquico apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos alegados e não provados…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto ao julgamento da matéria de facto baseou-se nos documentos constantes dos autos e do processo de Recurso Hierárquico junto…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar procedente a presente impugnação, em virtude da falta de prova dos requisitos previstos no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., mais anulando as liquidações objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade desta impugnação decorrente de ter sido interposta como meio de reacção a um recurso hierárquico considerado extemporâneo, arguida em sede de Informação da Divisão de Justiça Contenciosa - contestação da RFP. Que a omissão de pronúncia sobre questões que lhe foram submetidas para apreciação, consubstancia uma nulidade da sentença nos termos dos artºs.125, do C.P.P.T., e 615, nº.1, al.d), do C.P.Civil (cfr.conclusões 2 e 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da contestação apresentada pela Fazenda Pública, junta a fls.133 do processo e somente com dois artigos, não se pode, de forma nenhuma, retirar a conclusão de que se encontra alegada a citada questão da extemporaneidade desta impugnação. Mais, no artigo segundo da contestação faz-se referência expressa à informação constante de fls.97 a 102 do processo administrativo apenso, mas somente para concluir no sentido de se negar provimento à pretensão do impugnante e consequente manutenção dos actos tributários.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão suscitada nos articulados e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente, em síntese, que a decisão recorrida considerou que não foi alegado pela A. Tributária, nem foi referido no relatório de inspecção subjacente às liquidações impugnadas, que as escrituras de compra e venda relativas aos contratos-promessa foram celebradas entre a promitente­vendedora e as cessionárias da posição contratual da impugnante ou entre aquela e qualquer outra entidade, não se encontrando, assim, demonstrado o requisito previsto no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. Que a impugnante nunca pôs em causa o preenchimento deste requisito. Que a impugnante alegou, numa primeira fase, que se tratava de uma desistência dos contratos de compra e venda por motivos económicos e não de uma cedência da posição contratual, sendo que, numa fase posterior, veio arguir que à data dos factos os prédios ainda não estavam construídos, isto é, tratava-se de bens futuros. Que estamos perante uma situação de excesso de pronúncia do Tribunal "a quo", o qual constitui uma nulidade da sentença (cfr.conclusões 6 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia.
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
No caso “sub judice”, manifestamente, o recorrente não tem razão.
Analisando a sentença recorrida, exarada a fls.187 a 193 dos presentes autos, na fundamentação jurídica examina os requisitos de incidência de sisa previstos no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., visto que o impugnante, e ora recorrido, funda nesta causa de pedir a petição que originou o presente processo.
Por outro lado, recorde-se que o Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
Em conclusão, o Tribunal "a quo" moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes, pelo que a sentença não incorreu em pronúncia excessiva, assim se julgando improcedente, também este esteio do recurso.
Aduz, ainda, o apelante que o recurso hierárquico deduzido pelo recorrido foi indeferido por extemporaneidade, sendo que o meio próprio de reacção contra tal decisão seria o recurso contencioso (actual acção administrativa especial), nos termos do artº.76, nº.2, do C.P.P.T., já que esta questão tem que ver com a tempestividade e não com legalidade de qualquer liquidação (cfr.conclusão 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar a existência de uma nulidade processual de conhecimento oficioso.
Releve-se que a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
“In casu”, examinando o pedido formulado pelo recorrente no final da p.i. que originou o presente processo (cfr.fls.3 a 27 dos autos), anulação das liquidações de Imposto Municipal de Sisa e respectivos juros compensatórios, é óbvia a conclusão de que não se verifica qualquer situação de erro na forma de processo, contrariamente ao alegado pelo apelante.
Mais alega o recorrente, em síntese, que no caso dos autos se encontram preenchidos os requisitos para que o ajuste de revenda seja sujeito a sisa, os quais se encontram previstos no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida. Que o relatório de inspecção refere o terceiro requisito, a saber, as escrituras de compra e venda relativas aos contratos-promessa que foram celebradas entre a promitente­vendedora e as cessionárias da posição contratual da impugnante (cfr.conclusões 11 a 26 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.
O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão. A figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores do preceito, contentando-se a lei, neste caso, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/12/1998, rec.22820; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/10/2000, rec.24570; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/4/1999, proc.1557/98; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2004, proc.61/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/06/2013, proc.4716/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/06/2013, proc.5618/12; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, págs.60).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada, mais precisamente do teor do relatório de inspecção que fundamentou as liquidações de sisa (cfr.nº.2 do probatório), no mesmo se faz expressa referência aos dois requisitos de aplicação da norma constante do citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., a saber, o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor. No entanto, da factualidade provada não consta a identificação das concretas escrituras de venda realizadas entre os terceiros (Maria … e Cristina…) e o primitivo promitente-vendedor (Fundo…).
Segundo defende o recorrente, estas escrituras realizaram-se em Janeiro e Maio de 2000. No entanto, contrariamente ao que alega o apelante, a informação da Divisão da Justiça Contenciosa exarada a fls.97 a 103 do processo administrativo apenso não faz referência a tais contratos. Por outro lado, a impugnante e ora recorrida não juntou cópia das mesmas escrituras de venda em sede de recurso hierárquico.
Atento o referido, tem este Tribunal que concluir pela não produção de prova documental incidente sobre tal factualidade, a qual se consubstancia como um dos requisitos da norma de incidência contante do examinado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, desde logo, ao abrigo do princípio do duplo grau de jurisdição em sede de produção e decisão da matéria de facto, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 29 de Junho de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)