Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05295/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ALIENAÇÃO DE CRÉDITOS DE SUPRIMENTOS; MENOS-VALIAS; ARTIGO 31.º/2, DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS/EBF.
Sumário:1. A alienação de crédito proveniente de suprimentos (associados a participações sociais), por parte da sociedade dominante do grupo que é também uma sociedade gestora de participações sociais, por valor inferior ao seu valor nominal não se apresenta como indispensável à obtenção de proveitos.

2. Em rigor, as perdas associadas à alienação dos créditos em causa não são custos do exercício, mas apenas menos-valias, decorrentes da alienação dos créditos e das participações sociais, por preço inferior ao seu valor nominal.

3.A cedência de créditos por suprimentos não pode ser separada, em concreto, da alienação das participações sociais, sendo a mesma subsumível ao regime estatuído no artigo 31.º/2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF, o que significa que as perdas não concorrem para a formação do lucro tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 89/108, que julgou procedente a impugnação judicial do acto de liquidação de IRC do exercício de 2003, quanto à correcção no montante de €6.565.007,25, referente ao resultado individual da impugnante.
Nas alegações de recurso de fls. 121/126, a recorrente formula as conclusões seguintes:
a) Contrato de suprimento é o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
b) Pelo que não existe qualquer fundamento, quer racional, quer económico para que se verifique a cedência de tais créditos apenas por um valor simbólico.
c) Na esteira do entendimento perfilhado pela impugnante, convém ter presente o disposto no art.º 23.º do CIRC, para assim pudermos entender a perda resultante da alienação dos referidos créditos como custos fiscalmente relevantes.
d) Ora, verifica-se, atentos os elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente, do Relatório de Inspecção Tributária, Reclamação Graciosa e presente impugnação judicial, a impugnante não logrou provar a indispensabilidade das referidas perdas à luz do disposto no art.º 23.º do CIRC.
e) Não podendo as mesmas ser consideradas como custo fiscalmente aceite.
f) Não existindo qualquer justificação para que os créditos fossem cedidos pelos valores contabilizados pela impugnante, nomeadamente, que essa cedência fosse condição para a realização da alienação das participações, ou que tais créditos fossem de difícil reembolso por parte da sociedade devedora, as perdas daí derivadas não podem ser aceites como custos.
g) Face ao exposto, salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável, violando o disposto no art.º 23.º do CIRC.
A fls. 126/136, a recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formula as conclusões seguintes:
1ª) A recorrida era titular de um crédito sobre entidades de que era sócia.
2ª) A recorrida alienou as participações societárias que detinha nessas sociedades, bem como os indicados créditos.
3ª) Quer as participações, quer os créditos, foram cedidos por um preço inferior ao da sua aquisição.
4ª) Os créditos não são participações sociais, não são partes de capital, pelo que ao prejuízo resultante da diferença entre o valor dos créditos e o valor nominal, não é aplicável o regime do artº 32º, nº 2 do EBF.
5ª) A esse custo gerado na alienação dos créditos, consistente na diferença entre o valor nominal e o valor pelo qual foram cedidos, também não é aplicável o regime do artº 39º do CIRC.
6ª) Na verdade, não está em causa qualquer situação de incobrabilidade do crédito, já que o que houve foi a alienação de um activo, concretamente, do crédito.
7ª) Os créditos são alienáveis, como alienáveis são outros activos, sendo que, tal como noutros activos, a diferença negativa entre o preço de aquisição/realização do crédito (o valor nominal) e o preço de venda desse mesmo crédito é custo fiscalmente aceite.
8º) Também não é procedente o fundamento aduzido pela Administração Fiscal de que o referido custo não preenche o requisito de indispensabilidade exigido no artº 23º do CIRC, desde logo porque tal fundamento não consta do Relatório da Inspecção Tributária, não sendo, pois, contemporâneo do acto impugnado.
9º) De qualquer forma, e seguindo a orientação firmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, entre outros, no Acórdão de 17/7/2007, Processo nº 1107/06, a exigência da indispensabilidade visa afastar a aceitação de custos que “não se inscrevem no âmbito da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.
10º) A alienação de um activo, como é um crédito, claramente insere-se na normal actividade de uma empresa.
11º) Por outro lado, o valor pelo qual tal crédito foi cedido está justificado por avaliação independente, não tendo, nunca, a Administração Fiscal contestado tal avaliação.
12º) A douta sentença recorrida não merece, assim, qualquer censura.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 144/147, dos autos), no qual se pronuncia no sentido da concessão de provimento ao recurso jurisdicional.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A) A impugnante apresentou, no dia 29/03/2001, a declaração de opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, na qual comunica, em seu nome e em representação legal das sociedades pertencentes ao grupo, a opção por aquele regime, com o início de aplicação em 01/01/2001 e com a validade por um período de cinco exercícios, de 2001 a 2005 (fls. 62/181 do PAT apenso).
B) Em cumprimento da ordem de serviço n.º 0I200503904, de 04/06/2007, foi accionado procedimento de inspecção ao exercício de 2003 da impugnante, com vista à análise da declaração de rendimentos modelo 22 do IRC de 2003, referente a tributação pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades a que está sujeito o grupo (fls. 62/181 do PAT apenso).
C) Tal procedimento culminou com o relatório de inspecção tributária constante de fls. 62/92 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 30/11/2007, do qual consta o seguinte:
“Menos valias fiscais geradas com as cessões de créditos
Para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC de 2003, considerou indevidamente como custo a importância de € 6.883.048,48 referente às menos valias fiscais apuradas com a contabilização das cedências de créditos por suprimentos realizados pelo sujeito passivo na sociedade N………………… MOÇAMBIQUE DISTRIBUIDORA, SARL e na sociedade T…………….., INVESTIMENTOS I…………………., LDA. (…)
Os créditos por suprimentos acima indicados foram cedidos no âmbito da venda das seguintes participações sociais detidas pela N……………….., SGPS, SA, na sociedade N……………. MOÇAMBIQUE, SARL e na sociedade T……………, LDA:
a) - Venda à M………., LDA, de acordo com o estipulado na Clausula Primeira do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos Por Suprimentos", das 5.492 acções de que a N…………, SGPS, SA é titular na sociedade N…………. MOÇAMBIQUE, SARL.
b) - Venda à S…………, SA, de acordo com o estipulado na Clausula Primeira do "Contrato - Promessa de Divisão e Cessão de Quota e Cessão de Crédito", da quota detida pela N……………….., SGPS, SA no capital social da T……………, LDA
Sendo a N…………….., SGPS, SA, uma sociedade gestora de participações sociais, o resultado obtido com a alienação dos referidos valores, negociados em tais circunstâncias, deverá ter, para efeitos fiscais, o mesmo tratamento que foi dado às menos valias apuradas com a alienação das participações financeiras - "Não concorrem para a formação do lucro tributável, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 31.º do EBF".
A Clausula Segunda e a Clausula Terceira dos contratos firmados, respectivamente, com a M……….., LDA e com a S……………, SA estabelecem os seguintes montantes como preços globais de venda das participações sociais e da cessão dos créditos por suprimentos;
a) - Clausula Segunda do contrato firmado com a M…………, LDA - " o preço global da compra e venda de acções e cessão de crédito referidas na Clausula anterior é de € 1,00 (um euro) o qual será integralmente pago com a assinatura do presente contrato".
b) - Cláusula Terceira do contrato firmado com a S……………, SA - " o preço da cessão de créditos é de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros)".
Por esse motivo, a perda registada com a cedência dos créditos por suprimentos, não poderá ser desassociada da alienação das participações sociais.
De outro modo, de acordo com o consagrado no art. 23º do CIRC e com observância do disposto no art. 39º do mesmo diploma legal, a referida perda deveria ser acrescida ao Q07 do Mod. 22 do IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, por não poder ser considerada como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)
Menos valias fiscais geradas com as cessões de créditos
A associação das cessões de créditos a alienação das participações financeiras tem a ver fundamentalmente com os seguintes factos;
a) - Os preços simbólicos acordados para as cessões de créditos tiveram como consequência perdas cujos elevados montantes só serão comercialmente justificáveis se os mesmos estiverem associados a alienação das participações financeiras detidas na N………….. MOÇAMBIQUE e na T………..;
b) - Quando questionado, através da Notificação 074466, de 11.09.2007 (Anexo VI), para discriminar as facturas ou outros documentos equivalentes que constituem os saldos dos créditos cedidos, o sujeito passivo enviou os extractos das contas "252107 N………….Moçambique" e "252106 T…………." (ver Anexos I e VI) (…)
c) - Doutro modo, ao se pretender desassociar a cedência dos créditos da alienação das participações financeiras detidas na N…………. MOÇAMBIQUE e na T………….., resulta que em termos contabilísticos e fiscais os referidos saldos foram anulados, ou por dificuldades de cobrança, ou por terem sido liberados a favor dos adquirentes:
d) - Considerando que os referidos saldos foram anulados por dificuldades de cobrança, os custos contabilizados não poderão ser aceites por força do disposto no art. 39° do CIRC "Os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente,"
e) - Considerando que os referidos saldos foram liberados a favor dos adquirentes, os custos contabilizados não poderão ser aceites por força do disposto nos termos do art. 24.º do CIRC "1 -Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: a) As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC;
f) - Pelos motivos expostos, não foram acolhidas no relatório final as observações contidas na Audição Prévia” (fls. 62/92 do PAT apenso).
D) Em conformidade com o relatório e por despacho do Director de Finanças de Lisboa datado de 03/12/2007, foram aprovadas correcções técnicas ao lucro tributável do exercício de 2003 no montante global de € 7.714.575,75 (fls. 62/92 do PAT apenso).
E) A administração tributária emitiu então a liquidação de IRC do exercício de 2003 da impugnante com o n.º ………….., datada de 10/12/2007, que originou o reembolso no montante de € 27.056,31, decorrente dos ajustamentos efectuados ao lucro tributável / matéria colectável (Doc. 1 da Reclamação Graciosa apensa).
F) No dia 24/04/2008, a impugnante apresentou reclamação graciosa desta liquidação, à qual foi atribuída o n.º ………………. (RG apensa).
G) Por decisão do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 30/10/2009, foi parcialmente deferida esta reclamação graciosa, nos termos que constam de fls. 31/38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no sentido da anulação da parte respeitante à correcção monetária, mantendo-se a correcção de € 6.565.007,25, passando o total das correcções efectuadas do montante de € 7.714.575,75 para € 7.396.534,52 e o resultado negativo consolidado declarado de € 24.807.623,64 para 17.411.089,12 (Doc. 1 da PI).
H) Por decisão do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 29/03/2010, foi determinada a revogação parcial do acto impugnado, mantendo-se o valor da matéria colectável e com alteração do valor dos prejuízos fiscais reportáveis para o exercício de 2004 de € 54.584.054,06 para € 62.215.676,61 (fls. 184/192 do PAT apenso).
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte: «Factos Não Provados // Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa. // Motivação da decisão de facto // A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
X
Ao abrigo do artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
I) O Grupo N……………….., SGPS, SA., é composto pelas seguintes sociedades:
                    SOCIEDADES
NIPC
N……………, SGPS, SA. (DOMINANTE)
……………..
C…………, Ca. PRODUTORA …………………, SARL
………….
T……………., INVESTIMENTOS I……………, LDA
……………..
M………., SGPS, SA.
……………..
N……………, CAFÉS E R……………, SA.
…………………
C……………………, SGPS, SA.
…………
T…………….., COMPANHIA ……………….. TEJO, SA
500278571
A……………, A……………….. COMERCIAL E INDUSTRIAL, SGPS, SA
500014345
S……………., COMÉRCIO E INDUSTRIA ……………………….., SA.
500833532
U………… B………….. PORTUGAL, SA
502449136
D…………., ASSISTÊNCIA ……………. I………., LDA.
502584688
X
2.2. De Direito.
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 89/108, que julgou procedente a impugnação judicial do acto de liquidação de IRC do exercício de 2003, quanto à correcção no montante de €6.565.007,25, referente ao resultado individual da impugnante.
2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, no segmento decisório em causa no presente recurso jurisdicional, a sentença recorrida esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte: «Na verdade, a fundamentação do juízo administrativo é tanto mais indispensável que, em rigor, nada impede que um crédito de suprimentos seja cindido da participação social, podendo ser transmitido separadamente e até independentemente da alienação da participação social. E é precisamente pelo facto de ser legítimo, para efeitos de alienação, a dissociação entre suprimentos e participação social, que a Administração deve emitir um Juízo sobre a intenção da alienação praticada pelo contribuinte antes para fins de (des)consideração como custo fiscal da perda eventualmente resultante daquela operação. Como é hoje assente, o referido juízo nunca tratará de abordar a questão da aceitação da dedutibilidade do custo através da análise da bondade (ou falta dela) da decisão do gestor. O que terá de ficar demonstrado é a existência de um negócio jurídico artificioso e fraudulento.” // É, efectivamente, o que aqui não foi feito. Não se olvida que a impugnante alienou aqueles créditos provenientes de suprimentos por preços manifestamente baixos, considerando o seu valor nominal, e que são apelidados de simbólicos no relatório da acção inspectiva. // Como igualmente não se olvida a existência de normas fiscais que permitem à administração tributária a desconsideração de custos em função da sua impertinência empresarial e a consideração de preços diferentes dos que foram acordados pelas partes, condicionando a liberdade de conformação dos negócios (cf. acórdão do STA de 11/02/2009, proc. n.º 0862/08, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf). (…) // Contudo, não foi esse o procedimento aqui adoptado, tendo a administração fiscal escudado a sua posição tão-só na desconsideração dos custos por via da pretensa falta da sua indispensabilidade. // Tal não se afigura suficiente. // O critério da indispensabilidade, como já afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, “foi criado pelo legislador, não para permitir à administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. (…) Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito. O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. (…) [S]ob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa” (acórdão de 29/03/2006, proc. n.º 01236/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf). // No caso vertente, e para se chegar à conclusão da dispensabilidade dos custos, está subjacente à posição da administração tributária que a sua desconsideração tem por fundamento a análise de critérios sobre a oportunidade e mérito da gestão da impugnante, que não a consideração e efectiva demonstração de estarmos perante um negócio fraudulento e que visou a obtenção de vantagens fiscais para a impugnante, que não poderiam ser alcançadas por outros meios. // Merece mesmo que se questione, como adiantou a impugnante no decurso dos presentes autos, qual seria a posição da administração tributária se, ao invés dos créditos serem alienados por um preço inferior ao nominal, como se verificou, o fossem por um preço superior. Obviamente, tais ganhos não deixariam de ser tributados na esfera da impugnante, o que por si também acentua a falta de sustentação da posição da administração. // Concluindo, dir-se-á que, não tendo a administração tributária invocado em momento algum a existência de simulação do negócio em causa, ou que o mesmo tivesse intuitos fraudulentos, colocando em crise a validade deste, deve partir-se do pressuposto que os custos se encontram cobertos pelos princípios jurídicos da liberdade contratual, e de liberdade de gestão, decorrentes da noção de Estado de Direito e da propriedade privada. // Inexiste, pois, óbice a que se configurem como custos indispensáveis para a realização dos proveitos, nos termos previstos no artigo 23.º do CIRC, a parte não recuperada dos suprimentos, cedidos pela impugnante. // Procede, pois, a argumentação da impugnante, não sendo de manter a correcção efectuada».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto ao bem fundado da correcção técnica em referência.
A recorrente censura a sentença recorrida por entender que a mesma terá feito errada aplicação do Direito ao caso concreto, dado que as menos valias associadas à cessão dos créditos em causa não podem ser consideradas como custos dedutíveis em IRC. Concretamente, a recorrente invoca que «não existe qualquer fundamento, quer racional, quer económico, para que se verifique a cedência de tais créditos por um valor simbólico; não existe qualquer razão para que os créditos fossem cedidos pelos valores contabilizados pela impugnante; não foi demonstrada a indispensabilidade do custo em apreço».
No caso sujeito está em causa a cessão de créditos sobre sociedades participadas pela impugnante a terceiros, créditos cuja origem resulta de contratos de suprimento, mas cuja cessão implicou a anulação dos créditos, dado que os mesmos foram cedidos por valores simbólicos, sem justificação aparente; a cessão efectuou-se, pois, com custos acrescidos para a impugnante no montante de €6.565.007,25; montante que não foi aceite pela AT, invocando não dedutibilidade do custo, por alegadamente não ser o mesmo indispensável para a formação do rendimento tributável.
Do probatório [alínea C] resulta que «foi considerado como custo a importância de €6.883.048,48, referente às menos-valias apuradas com a contabilização das cedências de créditos por suprimentos realizados pelo sujeito passivo nas sociedades N………. Moçambique e T………... // Os referidos créditos foram cedidos no âmbito da venda das seguintes participações sociais detidas pela N………. SGPS nas sociedades N………….. Moçambique e T……….: // (i) Venda à M……….., Lda, de acordo com o estipulado na cláusula primeira do “contrato de compra e venda de acção e cessão de créditos por sumprimentos”, das 5.492 acções de que a N………….. SGPS é titular na soc. N………….. Moçambique, // (ii) Venda à S………….., SA, de acordo com o estipulado na cláusula primeira do “contrato-promessa de divisão e cessão de quota e cessão de crédito”, da quota detida pela N………….., SGPS, SA, no capital social da T………….., Lda. // (…) // Os contratos firmados, respectivamente, com a M………., Lda e com a S………….., SA, estabelecem como preços globais de venda das participações sociais e da cessão dos créditos por suprimentos, os seguintes montantes: // (i) Cláusula segunda do contrato firmado com a M………., Lda. – “o preço global da compra e venda de acções e cessão de crédito referida na cláusula anterior é de €1,00 (um euro) o qual será integralmente pago com a assinatura do presente contrato”. // (ii) Cláusula terceira do contrato firmado com a S……………, SA – “o preço da cessão de créditos é de €1.500,00”. // Sendo que: // “… nos preços simbólicos acordados para as cessões de créditos tiveram como consequência perdas cujos elevados montantes só serão comercialmente justificáveis se os mesmos estiverem associados a alienação das participações financeiras detidas na N……….. Moçambique e na T………
DescriçãoValor de realizaçãoValor dos créditosPerdas apuradas
Suprimentos detidos na N…….. Moçambique, SARL0,505073536,515073536,01
Suprimentos detidos na T………e, Lda1500,001492971,241491471,24

Ao se pretender desassociar a cedência dos créditos da alienação das participações financeiras detidas na N................... Moçambique e na T..............., resulta que em termos contabilísticos e fiscais os referidos saldos foram anulados, ou por dificuldades de cobrança ou por terem sido liberados a favor dos adquirentes».
A questão suscitada nos autos consiste em saber se são de relevar como custos do exercício as perdas resultantes da cessão de créditos detidos por suprimentos, efectuados em sociedades que integram o perímetro do grupo dominado pela sociedade cedente, quando os mesmos foram cedidos por preço inferior (“simbólico”) ao seu valor.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:
a) «No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. // Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)». [Acórdão do STA, de 24.09.2014, P. 0779/12].
b) «O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, ‘a posteriori’. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. // O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável. // Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa». [Acórdão do STA, de 29.03.2006, P. 01236/05].
No caso em exame, em que ocorre a alienação de crédito proveniente de suprimentos, por valor inferior ao seu valor nominal, não se «detecta qual o interesse da recorrida, sendo certo que, tendo o negócio sido efectuado por um preço simbólico, a sua realização, na perspectiva da recorrida, apresenta-se como sendo dispensável – manter o crédito ou aliená-lo por preço simbólico – para a realização dos proveitos» (1). A recorrida é a sociedade dominante do grupo N................... e é uma sociedade gestora de participações sociais pelo que a alienação de participações sociais [ou de créditos por suprimentos associados] detidos pela recorrida em sociedades do grupo por preços inferiores ao seu valor nominal não se mostra indispensável ao exercício da sua actividade económica. Em rigor, as perdas associadas à alienação dos créditos em causa não são custos do exercício, mas apenas menos-valias, decorrentes da alienação dos créditos e das participações sociais, por preço inferior ao seu valor nominal.
Mais se refere que a perda registada com a cedência de créditos por suprimentos não pode ser separada, em concreto, da alienação das participações sociais, sendo a mesma subsumível ao regime estatuído no artigo 31.º/2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF (2). É que tal separação significa a anulação dos saldos dos créditos emergentes dos suprimentos, dado o preço simbólico cobrado, o que implica, ao cabo e ao resto, o tratamento dos mesmos como prestações acessórias ou prestações complementares [artigos 209.º e 210.º do Código das Sociedades Comerciais] e nessa medida não dissociáveis das participações sociais alienadas, ao abrigo do disposto no artigo 31.º/2, do EBF. O que significa que não concorrem para a formação do lucro tributável.
Ao julgar em sentido discrepante do antes referido, a sentença recorrida não se pode manter na ordem jurídica.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(Joaquim Condesso-1º. Adjunto)
(Cremilde Miranda- 2º. Adjunto)

(1) Parecer do Digno Magistrado do MP, junto aos autos.
(2) «A mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR, mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».