Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1100/20.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/26/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL;
PEDIDO JÁ DECIDIDO POR OUTRO ESTADO-MEMBRO;
CLÁUSULA DE SALVAGUARDA;
TRANSFERÊNCIA REQUERENTE DE PROTECÇÃO PARA ITÁLIA;
EXECUÇÃO DA ORDEM DE REGRESSO.
Sumário:I – Se se verificar que o pedido de um requerente de protecção internacional já foi decidido por outro Estado-Membro, não há que aplicar a cláusula de salvaguarda prevista no art.º 3.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06/2013, pois já não está aqui em causa a determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional. Nestes casos, cumpre apenas proceder-se à transferência do A. e Recorrente para o país que já decidiu sobre o seu pedido de protecção e o indeferiu, para que essa decisão seja executada – cf. art.º 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento de Dublin;
II – Se, no caso concreto, se verificar a possibilidade da ocorrência de uma situação de tratos desumanos e degradantes com a transferência requerente de protecção para Itália – para a partir daí regressar ao seu país de origem – cumpre ao Estado Português obstar a essa transferência, podendo, nestas circunstâncias, executar directamente aquela ordem de regresso.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

S......... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção onde o A. e Recorrente impugnava o despacho do Director Nacional (DN) Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do Ministério da Administração Interna (MAI), de 22/04/2020, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente e ordenou a sua transferência para Itália, por ser esse o país responsável pela sua retoma a cargo.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “I - Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu a entidade requerida dos pedidos formulados pelo requerente, ora recorrente, e com a qual não se conforma.
II - O recorrente, titular do processo de protecção internacional n.º 736.20PT, impugnou por via dos presentes autos, a decisão do Ministério da Administração Interna, proferida por despacho 22.04.2020, do Director Nacional Adjunto do SEF, que considerou o pedido de protecção internacional, apresentado pelo impugnante, inadmissível, e determinou a sua transferência para Itália por ser este o estado competente para apreciar pedido;
III - Na impugnação apresentada peticionou a anulação da aludida decisão de 22.04.2020 e cumulativamente a condenação da entidade requerida a admitir o pedido de protecção internacional ou subsidiariamente a condenação da entidade demanda a instruir o procedimento de decisão com informação fidedigna e actualizada sobre o procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália, de modo a poder se aferido, se no caso concreto, se verifica qualquer dos motivos enunciados no artigo 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Concelho de 26 de Junho.
IV - Para tanto alegou, ora, em síntese, e que se renova, que
A decisão impugnada considerou o Estado Italiano responsável pela análise do pedido de protecção internacional apresentado pelo requerente, apenas com base na entrada registada na base de dados do Sistema Eurodac, e na ausência de resposta das autoridades italianas ao pedido de retoma a cargo, no prazo de duas semanas – prazo a que alude o artigo 25.º n.º 1 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de Junho – sendo assim omissa no que concerne à situação actual dos refugiados e requerentes de protecção internacional em Itália.
V - A decisão impugnada, ao não considerar e atender à situação económica e social actual, o contexto da pressão migratória do Estado Italiano, designadamente quanto às deficiências sistémicas nas medidas de acolhimento dos requerentes de protecção internacional - no funcionamento do sistema de asilo e nas condições de acolhimento - associado às recentes medidas anti-imigração do governo italiano (Decreto Salvini), - factos que são do conhecimento de todos através da comunicação social e difundidos por organizações não governamentais, factos que são notórios, porque do conhecimento geral, sendo realidades facilmente acessíveis a qualquer cidadão mediamente informado, à Administração, designadamente ao SEF, ou a este Tribunal - cfr.. art.º 412.º, n.º 1, do CPC. (cfr. artigos 15 e 16 da p.i.) – padece de deficit de instrução;
VI - Por seu turno, ao julgar infundada e improcedente a acção, lê-se na sentença, respeitosamente, ora em síntese:
“O único vício que o requerente consubstanciadamente imputa ao ato impugnado, que considerou o pedido de proteção internacional infundado e determinou a transferência do requerente para Itália – descrita em 6) e 7), da matéria de facto – é a falta de realização de diligências tendentes a apurar do preenchimento do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (EU) 604/2013.
(…), no procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional o SEF deve presumir que o sistema de proteção internacional do estado membro para onde entende que o requerente deve ser transferido respeita os direitos dos requerentes. Em consequência, inexistindo quaisquer elementos que abalem esta presunçãonão está obrigado a formular um juízo sobre o preenchimento da cláusula de salvaguarda.
Nas declarações que prestou perante o SEF nada invocou de concreto que permita concluir que dadas as suas particulares condições a transferência implica o risco de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante, aliás o requerente alega que saiu de território italiano porque o seu pedido de proteção internacional foi recusado e que nunca foi perseguido ou sofreu maus tratos em Itália, a onde, durante o tempo que permaneceu, lhe foram garantidos alojamento condigno, cuidados médicos, acesso ao ensino e foi-lhe atribuído um rendimento para as suas despesas [cf. ponto 3), dos factos provados].
Perante estas alegações o SEF não estava obrigado a encetar as diligências instrutórias que o requerente pretende.” (sublinhado e negrito nossos) , (página 15 e 16 da sentença)
VII - E concluiu a sentença que, “Do exposto decorre que a decisão impugnada não padece do vício que o requerente lhe assaca, pelo que o SEF não errou ao decidir como decidiu e, logo, o requerente não tem o direito de exigir que o estado português aprecie o seu pedido de proteção internacional, nem tem direito a exigir que o SEF proceda a nova instrução do procedimento.” (página 16 da sentença)
VIII - Com o devido respeito que é muito, não assiste razão à sentença proferida.
Com efeito, das declarações que o requerente prestou perante o SEF é permitida a premissa de raciocínio de que ao ser recusado o pedido de protecção internacional o estado italiano deixou de garantir alojamento condigno, cuidados médicos, e qualquer apoio para a subsistência do requerente – e como tal o requerente viu-se forçado a deixar aquele país. Imponha-se, pelo menos, ao SEF na entrevista realizada questionar, de modo a concretizar cabalmente os factos, se depois do pedido ser recusado o Estado Italiano manteve as condições de acolhimento descritas, se saiu de Itália porque quis ou se tal lhe foi imposto pelas autoridades italianas, nomeadamente com a retirada das condições de acolhimento concedidas até então.
IX - Esclareceu o requerente na sua p.i. que ( artigo 13.º ), foi expulso do campo de refugiados que foi encerrado e foi-lhe dito que não poderia ficar mais em Itália, e a partir de então - e no seu trânsito para sair de Itália - deixou de ter qualquer abrigo, acesso a bens essenciais como água limpa, comida e foi obrigado a procurar abrigo com outros refugiados em edifícios abandonados, recebendo auxílio de voluntários que lhe davam comida e roupas, como deixou de ter acesso a quaisquer cuidados desaúde. E na sua impugnação, o requerente manifestou a sua disponibilidade para dar as explicações necessárias em relação a qualquer falta de elemento de prova, ao requerer as suas declarações de parte – não obstante, e apesar da manifesta insuficiência das questões colocadas pelo SEF na entrevista realizada ao requerente, o Tribunal não promoveu pela tomada das suas declarações, como não se pronunciou sobre a requerida declarações de parte - prova cuja produção se renova nos termos consignados no artigo 149.º n.º 4 do CPTA - enquanto diligência de prova fundamental para a procedência do pedido, pelo que deve ser a sentença anulada nos termos do disposto no artigo 135.º do CPA.
X - Acresce que, o requerente, na entrevista perante o SEF, prestou declarações sobre o tempo em que permaneceu em Itália, não constando do processo a data em que saiu daquele pais apenas que chegou a Portugal em 19.02.2020, tendo – cfr. ponto 3 dos factos assentes. Impondo-se o conhecimento, vertido no procedimento, das condições atuais existentes no procedimento de asilo e no acolhimento – e não só aquelas que foram concedidas ao requerente ao tempo em que permaneceu em Itália.
XI - Com efeito,
De uma leitura conjugada do Regulamente de DublinIII, a decisão de “retoma a cargo” não pode ser tomada sem que o Estado Membro decisor tenha conhecimento – conhecimento este que tem de se revelar no procedimento - das condições atuais existentes no procedimento de asilo e no acolhimento no Estado Membro considerado responsável, quando sobre o mesmo recaiam dúvidas objetivas e fundadas sobre tais condições - para que possa verificar se, no caso concreto, existem motivos que determinem a impossibilidade da transferência do requerente de Asilo, nos termos do art. 3.º, n.º 2, 2§ e 3§ parágrafos – verdadeiras cláusulas de salvaguarda - do Regulamento de DublinIII.
XII - Conforme comunicado de imprensa n.°33/19 do TJUE, 19.03.2019, na parte em que, esclarece que «(…) O Tribunal de Justiça conclui que o Direito da União não se opõe a que um requerente de proteção internacional seja transferido para o Estado-Membro responsável ou a que um pedido de concessão do estatuto de refugiado seja declarado não admissível pelo facto de já ter sido concedida ao requerente proteção subsidiária noutro Estado-Membro, a menos que se demonstre que o requerente que se encontraria, nesse outro Estado-Membro, numa situação de privação material extrema, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais.» pois esta exigência não se pode interpretar como se tal demonstração se exija apenas ao requerente de asilo, por três ordens de razões:
Primeira: não é defensável que um Estado Membro possa ignorar a situação que se vive no Estado Membro que seria primariamente responsável pela análise do pedido ao abrigo do Regulamento de DublinIII.
Segunda: a presunção de que os Estados Membros respeitam os direitos fundamentais, baseada no princípio da confiança mútua, pode e deve ser ilidida com base em prova do domínio público, aplicando este princípio em concordância prática com os princípios da eficiência e da solidariedade – cfr. art. 67.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia -, pois, atendendo à realidade de alguns países europeus– muito em particular Grécia e Itália, considerando, apenas o critério transfronteiriço e de forte pressão migratória – imperioso se torna admitir exceções ao princípio da confiança mútua, por forma a aliviar estes países em relação a uma resposta que lhes é exigida, mas
que se revela, na prática, inexigível, possibilitando que a resposta comum europeia seja mais eficiente, se distribuída de outra forma.
Terceira: por existir uma inversão do ónus da prova para as autoridades dos Estados Membros, na medida em que o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) visa ainda a concretização plena da Convenção de Genebra, da qual o Estado Português é signatário, e a garantia de que ninguém será “devolvido” para um lugar onde possa vir a estar em risco de vida, de saúde ou de perseguição.
XIII - O apontado risco, ou perigo, para o requerente de proteção internacional tem de ser atual, e por esse motivo, não está necessariamente dependente das suas alegações, no procedimento e no processo, estando estas, por definição, reportadas a um tempo passado, não obstante poderem ser muito relevantes, designadamente, quanto a situações pessoais vividas. – estas que não são determinantes para afastar o dever de averiguação do SEF.
XIV - Não podendo, em face dos factos públicos e notórios - contrariamente ao entendimento vertido na sentença -no procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional o SEF presumir que o sistema de proteção internacional do estado membro para onde entende que o requerente deve ser transferido respeita os direitos dos requerentes.
XV - Incumbia à entidade demandada e autora do acto impugnado, previamente à decisão, instruir o procedimento com informação fidedigna actualizada, sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado - Membro, de molde a verificar se, no caso concreto, se verifica ou não os motivos determinantes de impossibilidade da transferência referidos no segundo parágrafo, do n.º 2, do artigo 3.º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
XVI - A decisão impugnada é omissa quanto ao funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, não sendo possível através da sua leitura aferir da actual existência ou não do risco de o ora impugnante ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE.
XVII - O acto impugnado padece, assim, de deficit de instrução, no que concerne aos factos essenciais à decisão de transferência – funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália - e, por conseguinte, à decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional formulado pelo requerente.
XVIII - A sentença proferida, ao decidir, como decidiu, que “o SEF não estava obrigado a encetar as diligências instrutórias que o requerente pretende” e que a “decisão impugnada não padece do vício que o requerente lhe assaca, pelo que o SEF não errou ao decidir como decidiu e, logo, o requerente não tem o direito de exigir que o estado português aprecie o seu pedido de proteção internacional, nem tem direito a exigir que o SEF proceda a nova instrução do procedimento.”, violou os artigos 3.º, n.º 2, 2§ e 3§ parágrafos do Regulamento de DublinIII, os artigos 58.º e 163.º, n.º 1, do CPA, o artigo 149.º n.º 4 do CPTA e o artigo 412.º n.º 1 do CPC, devendo ser anulada.”

O Recorrido não contra-alegou.

O DMMP não emitiu pronuncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso:

1) Em 28/06/2017 o requerente solicitou proteção internacional em Itália [cf. fls. 3-4, do processo administrativo].
2) Em 19/02/2020 o requerente solicitou proteção internacional ao Estado Português e foi preenchido o documento designado por “Inquérito Preliminar”, com o teor de fls. 5-7, do processo administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido.
3) Em 09/03/2020 o requerente, auxiliado por intérprete, prestou declarações perante um inspetor do SEF e foi elaborada a respetiva transcrição, assinada pelo requerente, a qual tem o teor de fls. 18- 27, do processo administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual consta o seguinte:
«(…)





«imagem no original»














«imagem no original»




Nos termos dos art.ºs. 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
8) Consta também do documento referido em 3) o seguinte:”



(cf.. fls 18-27 do PA).
9) Consta do doc. de fls. 34 e 35 do PA, relativo às indicações do Sistema Eurodac, que o pedido de protecção internacional referido em 1) teve a referência IT……., reportou-se à data de 28/06/2017 e foi rejeitado em Itália.




II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs .º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin III, 58.º e 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), 149.º, n.º 4 e 412, n.º 1, do CPC, por não se ter exigido ao SEF a prévia verificação do preenchimento da cláusula de salvaguarda constante do art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin III e por não se ter aberto oficiosamente uma fase de instrução para confirmar a existência de falhas sistémicas no procedimento protecção e de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

Dos factos provados, não impugnados neste recurso, decorre que o A. e Recorrente formulou em 19/02/2020, junto do SEF, um pedido de protecção internacional.
Iniciada a instrução desse procedimento, verificou-se, que o A. e Recorrente entrou no Espaço Schengen pela fronteira externa da Itália, onde pediu protecção internacional.
Solicitada a retoma a cargo a Itália, este Estado-Membro nada respondeu no prazo legal, de 2 semanas, prazo aplicável por se ter recorrido a dados obtidos através do Sistema Eurodac – cf. art.º 25.º, n.º 1, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26/06.
Em 09/03/2020, foi realizada uma entrevista com o A. e Recorrente, em língua que entendia, na qual se explicou que o pedido de protecção internacional seria analisado pelo país de entrada no Espaço Schengen. Nessa entrevista, o A. e Recorrente relatou que chegou a Itália em Junho de 2017 e aí viveu até vir para Portugal. O Recorrente relatou que viveu num campo de refugiados, dentro de um edifício com condições de habitabilidade. Nesse campo teve direito a alimentação, a cuidados médicos e a aulas de italiano, tudo gratuitamente. Tinha também direito a €50,00, de 20 em 20 dias. O Recorrente disse que nunca foi agredido nem alvo de maus-tratos em Itália. Mais relatou o ora Recorrente, que não foi admitido o seu pedido de protecção internacional pelas autoridades italianas e, por isso, saiu de Itália.
Portanto, no caso em apreço, para além do A. e ora Recorrente já ter formulado um pedido de protecção internacional em Itália, também já existe uma decisão tomada por esse Estado-Membro a indeferir tal protecção
Será esse mesmo indeferimento e a consequente ordem que foi dada ao ora Recorrente para regressar ao seu país de origem, que motivou a sua saída de Itália e a sua vinda para Portugal.
Sem embargo, tal como decorre da matéria factual apurada, o A. e Recorrente não formulou junto ao SEF um pedido de protecção subsequente, por dispor de novos meios de prova ou por se terem alterado as circunstâncias com base nas quais formulara o pedido inicial, cessando os motivos que fundamentaram a decisão de inadmissibilidade ou de recusa do pedido de protecção internacional, conforme o art.º 33.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo), mas limitou-se a formular um novo pedido de protecção, sem mais.
Assim, neste enquadramento, não que invocar a cláusula de salvaguarda prevista no art.º 3.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26/06/2013, pois já não está aqui em causa a determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional. Na verdade, na situação em análise, cumpre apenas proceder-se à transferência do A. e Recorrente para o país que já decidiu sobre o seu pedido de protecção e o indeferiu, para que essa decisão seja executada – cf. art.º 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento de Dublin.
Como se refere no Ac. do TCAS n.º 2276/19.0BELSB, de 28/05/2020, para uma situação de todo similar, o Regulamento de Dublin ”estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional.
Estatui o seu art.º 3.º, n.º 1, que cada pedido apenas será decidido por um único Estado-Membro, que será aquele que, de acordo com os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento, designarem como responsável.
No caso, o pedido do Recorrente já foi decidido pelas autoridades italianas, tendo sido desatendido, pelo que não assiste ao Recorrente o direito de renovar novo pedido perante as autoridades portuguesas.
Nas situações em que o indeferimento do pedido de asilo é definitivo e em que os Requerentes não se apresentem munidos de qualquer título que os habilitem a permanecer no território de um Estado que faça parte do espaço Schengen, devem os mesmos abandonar voluntariamente esse território, sob pena de poder vir a ser aberto um procedimento destinado a emitir uma decisão de regresso, com vista ao posterior afastamento do para o respectivo país de origem, ou outro país, nos termos previstos no art.º 3.º, n.º 2 e n.º 3 da Directiva n.º 2008/115/CE, de 16 de Dezembro de 2008 (Directiva Regresso) e nos dos artigos 5.º e 6.º do Código das Fronteiras Schengen, aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2016.
Em alternativa, o Estado-Membro em que o nacional do país terceiro se encontra, pode solicitar ao Estado-Membro que indeferiu o pedido de protecção internacional que tome aquele a seu cargo.
O Estado-Membro que indeferiu o pedido fica obrigado a receber o Requerente, independentemente do indeferimento do pedido de protecção internacional já se ter consolidado na ordem jurídica - art.º 18.º, n.º 1, al. d) e art.º 24.º, n.º 2 e n.º 4 do Regulamento de Dublin III.
No caso, foi observado o procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável e a retoma a cargo foi aceite pelo Estado Italiano - arts.º 18.º, n.º 1, al. d), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 2 e n.º 4, 25.º, n.ºs 1, 2 do Regulamento de Dublin III e artigos 36.º, 37.º e 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Estatui o art. 37.º, n.º 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que “aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º (…)”.
Ou seja, perante o disposto nestas normas, o pedido deve ser considerado inadmissível, pelo que, conforme determina o n.º 2 do art.º 19.º-A da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”.
Ou seja, claudica o recurso porque não se aplica à situação do Recorrente a cláusula de salvaguarda prevista no art. 3.º, do Regulamento de Dublin.

Quanto à invocação da obrigação do SEF de aferir das condições de acolhimento e do procedimento de asilo em Itália, por esse país apresentar falhas sistémicas, terá ainda cobertura ao abrigo do princípio do non refoulement, dos art.ºs 33.º, n.º 1 e 2 da Convenção de Genebra e 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
A indicada exigência também decorre da jurisprudência do TEDH, designadamente a perfilhada, vg. no Ac. do TJUE C-163/17 Jawo, de 19/03/2019 (consultável em http://curia.europa.eu/juris/celex.jsf?celex=62017CJ0163&lang1=pt&type=TXT&ancre=); Ac. Tarakhel c. Switzerland, de 04/11/2014 (consultável https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-148070%22]}); Ac. Sharifi e Others c. Itália e Grécia, n.º 16643/09, de 21/10/2014 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng-press#{%22itemid%22:[%22003-4910702-6007035%22]}); Ac M.S.S. c. Bélgica e a Grécia, n.º 30696/09, de 21/01/2011 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-103050%22]}); Ac. do do TJUE N. S.c. Secretary of State for the Home Department e M. E. e o. C.Refugee Applications Commissioner, n.ºs C411/10 e C493/10, de 21/12/2011 (consultável em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-PT/TXT/?uri=CELEX:62010CJ0411&from=PT) ou no Ac. do TEDH no Ac. K.R.S. c. Reino Unido, n.º 32733/08, de 02/12/2008 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-90500%22]}).
Como se indica no Ac. do TCAS n.º 1108/19.4BELSB, de 14/05/2020, “de uma leitura conjugada da legislação aplicável ao caso em apreço, outra interpretação não pode resultar que não seja a de que a decisão de devolução de uma pessoa a um País terceiro, não pode ser tomada sem que o Estado Membro decisor tenha conhecimento – conhecimento este que tem de se revelar no procedimento - das condições atuais existentes no procedimento de asilo e no acolhimento no Estado-Membro considerado responsável, in casu, Itália, para que se possa verificar se, no caso concreto, existem motivos que determinem a impossibilidade de tal transferência, e isto porque:
Não só a presunção de que os Estados Membros respeitam os direitos fundamentais, baseada no princípio da confiança mútua, pode e deve ser ilidida com base em prova do domínio público (6), aplicando este princípio em concordância prática com o princípio da eficiência. Desde logo porque, atendendo à realidade de alguns países – muito em particular Grécia e Itália, considerando, apenas o critério transfronteiriço e de forte pressão migratória – imperioso se torna admitir exceções ao princípio da confiança mútua, por forma a aliviar estes países em relação a uma resposta que lhes é exigida, mas que se revela, na prática, inexigível, possibilitando que a resposta comum europeia seja mais eficiente, se distribuída de outra forma.
Mas também, e face a todo o exposto, por se concordar inteiramente com Evelien Brouwer (7 in Mutual Trust and the Dublin Regulation: Protection of Fundamental Rights in the EU and the Burden of Proof, 2013, pg.143, disponível aqui:https://www.researchgate.net/publication/256046172_Mutual_Trust_and_the_Dublin_Regulation_Protection_of_Fundamental_Rights_in_the_EU_and_the_Burden_of_Proo), que refere existir uma inversão do ónus da prova para as autoridades dos Estados Membros, na medida em que o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) visa ainda a concretização plena da Convenção de Genebra (8), da qual o Estado Português é signatário, e a garantia de que ninguém será “devolvido” para um lugar onde possa vir a estar em risco de vida, de saúde (9) ou de perseguição.” (cf. também os Acs. do STA n.º 02240/18.7BELSB, de 16/01/2020, ou do TCAS n.º 1108/19.4BELSB, de 14/05/2020, n.º 2364/18.0BELSB, de 14/05/2020, n.º 2170/19.5BELSB, de 14/05/2020, ou n.º 2368/19.6BELSB, de 16/04/2020).
Assim, se no caso concreto se verificar a possibilidade da ocorrência de uma situação de tratos desumanos e degradantes com a transferência requerente de protecção para Itália – para a partir daí regressar ao seu país de origem – cumpre ao Estado Português obstar a essa transferência, podendo, nestas circunstâncias, executar directamente aquela ordem de regresso – cf. neste sentido o Ac. do TCAS n.º 1108/19.4BELSB, de 14/05/2020.
Ora, no caso em análise, para além do requerente de protecção não ter invocado no âmbito do procedimento a possibilidade de ser sujeito àquela situação de tratos desumanos e degradantes, uma vez regressado a Itália, também não se antevê a ocorrência de tal situação, porquanto o mesmo não padecerá de qualquer especial vulnerabilidade. Ou seja, atendendo ao relato do requerente de protecção e aos factos e circunstâncias trazidas aos autos, não se afigura que o A., ora Recorrente, uma vez regressado a Itália esteja em risco de ser sujeito a tratos desumanos e degradantes.
O requerente é uma pessoa relativamente nova, que não tem problemas de saúde e não se apresenta como especialmente vulnerável - para além da fragilidade que resulta necessariamente da sua situação de migrante.
O ora Recorrente também não relata que tenha tido durante a sua relativamente longa permanência em Itália quaisquer dificuldades, referindo, ao invés, que teve alojamento condigno, alimentação, apoio na saúde e aulas de italiano, tudo gratuito. Mais disse que recebia um apoio monetário do Estado italiano e que nunca foi agredido ou alvo de maus-tratos em Itália.
Portanto, no caso, quer atendendo ao relato feito em termos procedimentais pelo ora Recorrente - que não apontou nenhuma dificuldade durante o tempo em que permaneceu em Itália, em termos de condições de acolhimento e de procedimento de asilo, salvo quando mostra oposição à decisão de não atribuição da protecção internacional pelo Estado italiano – quer considerando a restante factualidade reunida estes autos, que também não aponta para a caracterização do requerente de protecção como uma pessoa especialmente vulnerável, não julgamos que a determinação da transferência do ora Recorrente a Itália, para a partir daí regressar ao seu país de origem, possa constituir uma violação do princípio do non refoulement.
Em suma, o presente recurso claudica in totum.

Sem embargo, o retorno a Itália deve ser executado após a cessação das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e desde que estejam garantidas as condições de circulação e de vida em Itália.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30/06).

Lisboa, 26 de Novembro de 2020.
(Sofia David)

O Relator consigna e atesta, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão o Desembargador Pedro Nuno Figueiredo e tem voto de vencida a Desembargadora Dora Lucas Neto, ambos integrantes da formação de julgamento. Junta-se ao acórdão o indicado voto de vencido.


Voto de vencido
Não se acompanha a decisão que obteve vencimento, atenta a pertinência do princípio do non refoulement e a sua inquestionável relevância para o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), conforme resulta da jurisprudência do TEDH, mais especificamente, dos acórdãos de 21.01.2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e de 04.11.2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.
Vejamos em que termos.
A decisão impugnada foi proferida a 22.04.2020 – cfr. facto n.º 7 – tendo por base uma informação dos serviços de 21.04.2020 – cfr. facto n.º 6 – emitida na sequência, por sua vez do pedido de retoma a cargo dirigido às autoridades italianas a 06.04.2020 e respetiva aceitação tácita do mesmo – cfr. factos n.º 4 e 5.
Por outro lado, assente que está que existe já uma decisão tomada pelas autoridades italianas, e tendo sido esta de indeferimento, a retoma a cargo por Itália, enquanto Estado Membro responsável – cfr. art. 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento de Dublin III -, não deixa de poder ser evitada, não por via da cláusula de salvaguarda prevista no 2§ do mesmo art. 3.º, que é aqui inaplicável, dado já existir uma decisão tomada por um Estado Membro, mas por via da aplicação conjugada da cláusula discricionária do mesmo Regulamento, prevista no art. 17.º, que, como cláusula de último reduto, que pode/deve abranger situações não previstas aquando a elaboração do citado Regulamento, e do princípio do non refoulement, lido este à luz da Comunicação da Comissão Europeia, «COVID-19: Orientações sobre a aplicação das disposições pertinentes da UE em matéria de procedimentos de asilo e de regresso e sobre a reinstalação (2020/C 126/02)» , de 17.04.2020.
Esta comunicação surge no seguinte contexto – cfr. preâmbulo:
«(…) O vírus da COVID-19 espalhou-se por todo o mundo, tendo levado à adoção de diferentes medidas para limitar o ritmo de contágio. Em 10 de março de 2020, os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros da União Europeia salientaram a necessidade de uma abordagem europeia comum e de uma estreita coordenação com a Comissão. Em particular, os ministros da Saúde e do Interior foram convidados a assegurar uma coordenação adequada e a procurar formular orientações europeias comuns. (…) As restrições no domínio do asilo, do regresso e da reinstalação devem ser proporcionais, aplicadas de forma não discriminatória e ter em conta o princípio da não repulsão e as obrigações decorrentes do direito internacional.
A pandemia tem repercussões diretas no modo como os Estados-Membros estão a aplicar as regras da União em matéria de asilo e de regresso, além de ter um efeito disruptivo no domínio da reinstalação. A Comissão reconhece inteiramente as dificuldades que os Estados-Membros estão a enfrentar na conjuntura atual para aplicarem as regras pertinentes da UE neste domínio. Todas as medidas adotadas no domínio do asilo, da reinstalação e do regresso também devem ter em plena conta as medidas de proteção sanitária que os Estados-Membros introduziram nos respetivos territórios para prevenir e conter a propagação da COVID-19.
Neste contexto, e a fim de apoiar os Estados-Membros, a Comissão elaborou este conjunto de orientações (as «Orientações»), em colaboração com o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO) e a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), sem prejuízo do princípio de que só o Tribunal de Justiça está habilitado a fornecer interpretações vinculativas do direito da União.
As Orientações dão a mostrar o modo de garantir, tanto quanto possível, a continuidade dos procedimentos, assegurando em simultâneo a plena proteção da saúde e dos direitos fundamentais das pessoas, em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Ao mesmo tempo, destacam os princípios fundamentais que cumpre continuar a aplicar para garantir na medida do possível o acesso ao procedimento de asilo durante a pandemia de COVID-19. Em particular, há que registar e tratar todos os pedidos de proteção internacional, mesmo que se verifiquem alguns atrasos. Importa assegurar o tratamento básico de doenças, incluindo a COVID-19.
A este respeito, as Orientações também prestam conselhos práticos e identificam instrumentos. Assinalam, por exemplo, certas boas práticas emergentes nos Estados-Membros quanto ao modo de, nas circunstâncias atuais, continuarem com os procedimentos de asilo e de regresso e com as atividades relacionadas com a reinstalação, atendendo a que a legislação atual não atende às consequências específicas decorrentes de uma situação de pandemia
Sendo que no item «1.2 Dublim - Transferências ao abrigo do Regulamento de Dublim» – estabelece expressamente que «Antes de efetuar qualquer transferência, os Estados-Membros devem ter em conta as circunstâncias relacionadas com o surto de COVID-19, incluindo as consequências da forte pressão exercida no sistema de saúde no Estado-Membro responsável.(…) Além disso, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, do Regulamento de Dublim, um Estado-Membro pode, em qualquer momento antes de tomar uma decisão sobre o mérito de um pedido, solicitar a outro Estado-Membro que tome a seu cargo os requerentes, a fim de reunir outros parentes, por razões humanitárias, baseadas nomeadamente em motivos familiares ou culturais, mesmo que esse Estado-Membro não seja, em princípio, o responsável. (…) Tendo em conta que os colegisladores não previram as circunstâncias específicas resultantes de uma situação de pandemia, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de aplicar essa cláusula discricionária, mesmo que o objetivo não seja reagrupar membros da mesma família. (…)».
Esta comunicação vem, aliás, na linha do considerando n.º 23 do Regulamento de Dublin III, ao estabelecer que «(23) Os Estados-Membros deverão colaborar com o EASO na recolha de informações sobre a sua capacidade para gerir as pressões a que estão particularmente sujeitos os seus sistemas de asilo e acolhimento, em especial no contexto da aplicação do presente regulamento. O EASO deverá informar periodicamente sobre os dados recolhidos de acordo com o Regulamento (UE) n.º 439/2010.»
E bem assim, do considerando n.º 25 «(25) A realização progressiva de um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das pessoas seja garantida em conformidade com o TFUE e a definição de políticas da União relativas às condições de entrada e estadia de nacionais de países terceiros, incluindo esforços comuns de gestão de fronteiras externas, tornam necessário estabelecer um equilíbrio entre critérios de responsabilidade, num espírito de solidariedade
De todo o exposto, podemos tirar as seguintes conclusões:
- o cumprimento da Comunicação da Comissão Europeia supra citada e transcrita, designadamente, quanto à necessidade de aferir das consequências da forte pressão exercida no sistema de saúde no Estado-Membro responsável, deve ser feita pelos Estados-Membros em momento anterior ao da tomada da decisão de transferência;
- tendo presente que os legisladores do Regulamento de Dublin III, não podiam prever as circunstâncias específicas resultantes de uma situação de pandemia, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de aplicar a cláusula discricionária prevista no art. 17.º do Regulamento de Dublin III, para fazer face a situações ali não previstas, mas que requeiram igual intervenção, ao abrigo dos vários princípios que conformam a sua atuação no âmbito do Sistema Europeu Comum de Asilo – cfr. Comunicação da Comissão Europeia supra citada e transcrita;
- um Estado-Membro, em qualquer momento antes de tomar uma decisão sobre o mérito de um pedido, pode/deve assumir a responsabilidade por esse pedido Seguimos de perto a posição de ANA RITA GIL, Regulamento de Dublin e o risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado-Membro responsável, anotação ao Ac. do STA de 16.1.2020, Proc. 02240/18.7BELSB, in CJA n.º 139, fls. 24-49, aqui, muito em particular, as conclusões de fls. 47. – cfr. art. 3.º, § 2 , e art. 17.º, ambos do Regulamento de Dublin III;
- por aplicação do argumento a maiori, ad minus, quando o pedido de proteção foi já decidido por outro Estado-Membro, e tendo sido recusado, a atuação das autoridades nacionais consubstanciar-se-á, apenas, em virtude de no caso em apreço não ter sido formulado um pedido subsequente, na transferência do Requerente, para o seu país de origem;
- em sede de procedimento, o cumprimento da Comunicação da Comissão Europeia é consonante com a tomada de decisão de (não)transferência e não com a decisão de inadmissibilidade do pedido, pois que, como vimos, quanto ao pedido de proteção internacional, o mesmo já foi decidido por outro Estado-Membro;
- em sede de procedimento, o cumprimento da Comunicação da Comissão Europeia é também consonante com a tomada de decisão de (não)transferência e não com a sua execução pois que esta pressupõe que as referidas indagações já tenham sido efetuadas, tal como decorre da leitura conjugada do art. 38.º da Lei do Asilo e dos art.s 29.º, n.º 1 e 2, e art. 31.º, n.º 1, do Regulamento de Dublin III, que apenas prevê a comunicação desses dados e a sua programação pelo tempo necessário à antecipação de medidas por parte do Estado Membro responsável, quando já é seguro que as mesmas podem ser tomadas, pois que não está previsto, nesta fase, a não transferência, sem se correr sério risco de comprometimento dos prazos fixados para a sua execução.
Retomando o caso em apreço:
Verificando-se que nenhuma referência consta do procedimento que deu origem ao ato impugnado quanto ao cumprimento do Comunicação da Comissão Europeia «COVID-19: Orientações sobre a aplicação das disposições pertinentes da UE em matéria de procedimentos de asilo e de regresso e sobre a reinstalação (2020/C 126/02)», de 17.04.2020, designadamente a indagação sobre as consequências da forte pressão exercida no sistema de saúde no Estado-Membro primeiramente responsável, in casu, Itália, para a eventualidade de acolhimento do Requerente, ora Recorrente.
Verificando-se também, que a única diligência efetuada pelas autoridades portuguesas junto das autoridades italianas foi a que resulta do facto n.º 4 da matéria de facto – ou seja, a consulta do sistema Eurodac.
Verificando-se, por fim, que a aceitação da retoma a cargo do requerente, ora Recorrente, por parte das autoridades italianas, foi uma aceitação tácita – cfr. facto n.º 5 idem.
Não se pode acompanhar a decisão recorrida, por se considerar que, face a todo o exposto, a mesma incorre em erro de julgamento, razão pela qual se revogaria e, conhecendo em substituição, se anularia o ato impugnado em virtude de o mesmo incorrer em deficit de instrução que o invalida.
Dora Lucas Neto