Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/10.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
ACÇÃO INSPECTIVA
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
CARTA REGISTADA
NÃO OPERATIVIDADE DA PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I – A nota de citação para os termos da execução, entregue no âmbito da Assistência Mútua, não constitui notificação da liquidação.

II - A falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de relatório determina que à notificação da liquidação subsequente seja aplicável a forma de notificação prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CPPT e não a prevista no n.º 3 (notificação por carta registada) pelo que, nesse caso não, opera a presunção da notificação que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

III - O aviso deixado na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada destina-se assegurar a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário.

IV - Devolvida a notificação da liquidação enviada através de carta registada, sem aviso de recepção, com a menção »mudou-se», não permite operar a presunção da notificação prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a acção de impugnação judicial deduzida por P..... e G..... na qual foi impugnada a liquidação de IRS – Anexo G, relativa ao ano de 2006.

Apresentou as suas alegações de recurso formulando, a final, as seguintes conclusões:

« 1. A presente Impugnação refere-se à liquidação de IRS do ano de 2006.

2. Por douta sentença de 12/12/2014, a Impugnação foi julgada procedente por ter sido entendido que o acto de liquidação padece do vício de caducidade do direito de liquidação, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:

3. Na sequência de informação do Cartório Notarial de Lagos, foi verificada a venda, por parte dos Recorridos, lavrada por escritura pública de 25/08/2006, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Bensafrim – Lagos, sob o artigo ......

4. Foi enviada, nos termos do disposto nos arts. 76º n.º 3, 133º e 149º do CIRS, para o seu domicílio fiscal, notificação, através de carta registada, para procederem à entrega da declaração de IRS em falta, incluindo o respectivo anexo G.

5. Perante a persistência na ausência declarativa, foi emitida a Ordem de Serviço ao abrigo da qual foi efectuada inspecção tributária que esteve na base da liquidação aqui em causa.

6. No início da acção inspectiva, foi, novamente, remetida notificação para os Recorridos, através de carta registada, nos termos do art. 76º n.º 3 do CIRS.

7. Foi, ainda, elaborado Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, o qual foi devidamente notificado, através de carta registada (arts. 60º da LGT e 60º do RCPIT).

8. Na ausência do exercício do direito de audição, o RIT foi enviado para o domicílio fiscal dos Recorridos, através de carta registada com aviso de recepção, a qual veio devolvida, tendo sido, por isso, enviada nova carta registada com A/R, a qual veio igualmente devolvida.

9. Chegados à notificação da liquidação propriamente dita, foi a mesma efectuada através de carta registada, registo dos CTT n.º ....., remetida a 13/05/2008 (v. documentos extraídos do sistema informático da AT, juntos ao PA).

10.A notificação da liquidação foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 38º n.º 3 do CPPT.

11.Todas as notificações indicadas, as quais se encontram devidamente documentadas nos autos, foram enviadas para o domicílio fiscal dos ora Recorridos constante do cadastro da AT – ..... Bensafrim – Lagos, por si declarado (v. ponto 1 do Probatório).

12.Esta morada coincide, igualmente, com a constante da escritura pública de compra e venda referida.

13.Nos termos do disposto no art. 19º n.ºs 3 e 4 da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Administração Tributária, sendo que é obrigatória a sua comunicação.

14.Não tendo os Recorridos comunicado a alteração de domicílio fiscal e tendo os mesmos se declarados como residentes (sem representante fiscal) todas as notificações foram validamente efectuadas, não podendo beneficiar da sua própria inércia.

15.O douto tribunal a quo não considerou, ainda, o facto de, a 19/03/2010, os Recorridos terem recebido, através dos Serviços Fiscais Ingleses, após solicitação da Comissão Interministerial de Assistência Mútua, o documento junto pelos próprios através de requerimento notificado à Fazenda Pública em 21/01/2011, nos autos (v. ponto 15 do Probatório).

16.Sendo a liquidação respeitante ao ano de 2006 e a notificação/citação referida efectuada a 19/03/2010, este acto ocorreu dentro do prazo de caducidade.

17.A própria petição inicial de impugnação, cujo conteúdo revela conhecimento da liquidação, foi entregue a 17/06/2010, dentro do prazo de caducidade.

18.Ou seja, antes de decorrido o prazo de 4 anos previsto no art. 45º da LGT (e não 3 anos como invocado na PI), os Recorridos já tinham perfeito conhecimento da liquidação em causa.

19.Acresce que, o tribunal a quo, atento o princípio do inquisitório, não indagou, questionou ou solicitou à Fazenda Pública ou aos Impugnantes, quaisquer elementos que fossem necessários à boa decisão da causa, designadamente relativos à notificação da liquidação.

20.Cabia ao tribunal, de acordo com o disposto no art. 99º da LGT, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências úteis e necessárias ao apuramento da verdade material.

21.No entanto, nada foi pedido à Fazenda Pública, designadamente a segunda via da liquidação remetida aos Recorridos.

22.Se entendia como insuficientes os elementos constantes do processo e atendendo a que a petição inicial deu entrada ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação (4 anos), o tribunal teria que apurar se até à data ou posteriormente ocorreu mais alguma notificação.

23.Neste sentido Acórdão do STA de 14/09/2011, proferido no Proc. 0559/11.

24.A douta sentença recorrida não relevou os factos anteriormente descritos, nem indagou sobre outros necessários ao bom julgamento da causa, limitando-se a concluir singelamente pela caducidade do direito à liquidação, tendo incorrido em erro de julgamento e violado as normas já supra invocadas.

Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha na ordem jurídica a liquidação impugnada só assim se fazendo JUSTIÇA.»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, o recorrido apresentou as suas contra-alegações, as quais rematou com as seguintes conclusões:


« A. A fundamentação do ato de liquidação tem de ser expressa, completa, e compreensível para o seu destinário, permitindo assim ao contribuinte apreender o seu conteúdo, tal como está previsto, designadamente, no artigo 77.° da Lei Geral Tributária e no artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.


B. O objeto do processo de impugnação, em que foi proferida a decisão recorrida, foi determinado pela fundamentação do ato de liquidação, que consistia em saber se o contribuinte efetuou o reinvestimento das mais-valias, no valor global de € 30 386,77, nos termos do artigo 10.°, n.os 5, 6 e 7, do Código do IRS.


C. Não são admissíveis, no âmbito do recurso, questões não alegadas no processo de impugnação e que não foram submetidas ao regime do contraditório e da prova, v. artigo 5.° do Código de Processo Civil.


D. Não tem relevância, para efeitos do disposto no n.° 5 do artigo 10.° do Código do IRS, o facto do Recorrido ter residência em prédio em que só detém uma parte da sua propriedade.


E. A mera alegação de que o impugnante, aqui Recorrido, não mantinha a sua residência no prédio que alienou porque, como diz a Recorrente, nas escrituras de partilha e de venda que outorgou consta outra residência, não constitui prova atendível.


Nestes termos e nos demais de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, como é de JUSTIÇA.»


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos e se incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar verificada a caducidade do direito à liquidação.



*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« 1.

Em 21 de Março de 2005, P..... e G..... entregaram no Serviço de Finanças de Lagos os documentos provisórios de identificação com os números ..... e ..... nos quais declararam que o seu domicílio fiscal era em «..... Bensafrim, Lagos, Portugal» – cfr. fls. 51-52 dos autos.

2.

No dia 25 de Agosto de 2006, P..... e G..... venderam a S..... e P....., pelo preço de € 600.000,00, o prédio urbano destinado a habitação com logradouro, sito em ....., freguesia de Bensafrim, concelho de Lagos, inscrito na matriz sob o artigo ..... – cfr. fls. 12-15 dos autos.

3.

Sob o registo ....., ao cuidado de P..... e G....., foi remetido para ..... Bensafrim, o ofício 11.325, de 13 de Dezembro de 2007, através do qual a Administração Tributária pretendia a entrega, no prazo de 30 dias, da declaração de rendimentos Modelo 3 relativa ao ano de 2006, com os respectivos anexos A e G, por se encontrar em falta – cfr. fls. 71-72 dos autos.

4.

Esta carta foi devolvida pelos correios com a menção “Não reclamado” – cfr. fls. 73 dos autos.

5.

Sob o registo ....., ao cuidado de P..... e G....., foi remetido para ..... Bensafrim, o ofício 1.638, de 7 de Fevereiro de 2008, através do qual a Administração Tributária pretendia a entrega, no prazo de 30 dias, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, da declaração de rendimentos Modelo 3 relativa ao ano de 2006 – cfr. fls. 75-76 dos autos.

6.

Esta carta foi devolvida pelos correios com a menção “Mudou-se” – cfr. fls. 77-78 dos autos.

7.

Em 3 de Março de 2008, foi realizada acção de inspecção tributária a P..... e G..... – cfr. fls. 83 dos autos.

8.

Sob o registo ....., ao cuidado de P..... e G....., foi remetido para C..... Bensafrim, o ofício 2.146, de 4 de Março de 2008, através do qual a Administração Tributária comunicava aos destinatários “que, no prazo de 15 dias, poderá, querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT” – cfr. fls. 79-87 dos autos.

9.

Esta carta foi devolvida pelos correios com a menção “Mudou-se” – cfr. fls. 88-89 dos autos.

10.

Sob o registo ....., ao cuidado de P..... e G....., foi remetido para ..... Bensafrim, o ofício 3.804, de 16 de Abril de 2008, através do qual a Administração Tributária comunicava aos destinatários o relatório e conclusões da acção inspectiva e o despacho que sobre ele recaiu – cfr. fls. 97 dos autos.

11.

Esta carta foi devolvida pelos correios com a menção “Mudou-se” – cfr. fls. 98-99 dos autos.

12.

Sob o registo ....., ao cuidado de P..... e G....., foi remetido para ..... Bensafrim, o ofício 3.998, de 22 de Abril de 2008, através do qual a Administração Tributária comunicava aos destinatários que no ano de 2006 lhe havia sido fixado o rendimento líquido de € 192.000,00 – cfr. fls. 101 dos autos.

13.

Esta carta foi devolvida pelos correios com a menção “Mudou-se” – cfr. fls. 102-103 dos autos.

14.

No dia 7 de Maio de 2008, foi emitida a liquidação de IRS n.º .....– acto impugnado -, relativa ao ano de 2006, no valor de € 66.898,22 – cfr. fls. 81 do apenso.

15.

Em 19 de Março de 2010, P..... e G..... foram citados para o processo de execução fiscal n.º ....., instaurado para cobrança da dívida relativa ao IRS de 2006 – facto admitido por acordo: fls. 112 dos autos e 58 do apenso.

Consta ainda da mesma sentença o seguinte:

« II-B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:

A.

Em 12 de Setembro de 2006, P..... e G..... tenham informado a Administração Tributária que passariam a residir no Reino Unido.

B.

A liquidação identificada em 14. tenha sido remetida para P..... e G..... por carta registada.

C. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

O facto A, alegado nos artigos 15.º e 16.º da Petição Inicial, foi dado por não provado por o documento n.º 6 junto para a sua prova não estar integrado por nenhum elemento que faça presumir a sua remessa ou a sua recepção pela Administração Tributária.

O facto B, alegado no artigo 16.º da Contestação, foi dado por não provado por as impressões do sistema informático da Administração Fiscal juntos ao processo administrativo apenas serem idóneas a provar que foi inserido neste sistema a informação relativa à liquidação e a elementos conexos com o serviço de registo dos CTT, mas não que nas datas aí insertas se verificaram os eventos descritos, designadamente que a liquidação foi enviada sob registo. Com efeito, como é jurisprudência corrente, “tais prints não podem deixar de ser considerados como documento s internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis [aos Impugnantes]. Na verdade, os ditos prints não provam a remessa da liquidação em causa para o domicílio [dos Impugnantes], nem o seu recebimento, sendo ainda de realçar que nada nos garante que os prints juntos estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório” – cfr. O acórdão do TCA Norte de 12 de Abril de 2013 – processo n.º 01727/07.

Aliás, tais elementos serviram de prova aos factos dos pontos 3 a 13 do probatório, inexistindo apenas quanto à liquidação.»

III. 2 – Fundamentação de direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença que julgou a acção procedente anulando o acto tributário com fundamento na caducidade do direito à liquidação.

Alega nas conclusões 15 a 18, que o tribunal a quo não considerou que, após solicitação da Comissão Interministerial de Assistência Mútua, através dos Serviços Fiscais Ingleses, os Recorridos receberam o documento junto pelos próprios a 19/03/2010 (v. ponto 15 do Probatório). Sendo a liquidação respeitante ao ano de 2006 e a notificação/citação referida efectuada a 19/03/2010, ocorreu dentro do prazo de caducidade.

Resulta das referidas conclusões de recurso que a recorrente considera que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na valoração da prova pretendendo que tal citação/notificação ocorreu dentro do prazo de caducidade, revelando os recorridos conhecimento da liquidação.

O documento a que se refere a recorrente constitui a citação dos ora recorridos para os termos da execução, não podendo considerar-se como notificação da liquidação como pretende a recorrente. A nota de citação apenas pretende dar-lhes conhecimento de que contra eles foi instaurado um processo de execução.

A tese desenvolvida pela recorrente de que a referida nota de citação tem o efeito de impedir a verificação da caducidade do direito à liquidação não tem sustentação.

Na verdade, o instituto da caducidade do direito à liquidação só não opera os seus efeitos típicos, se a liquidação for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, conforme resulta claramente do artigo 45.º, n.º 1 da LGT.

Citar os recorridos não é o mesmo que notificá-los da liquidação. O documento em causa apenas indica o montante em dívida em cobrança coerciva, a sua proveniência e a data a partir da qual são devidos juros de mora.

No que se refere à notificação e fundamentação dos actos de liquidação de IRS, dispõe o artigo 66.º do CIRS:

«1 - Os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação.

2 - A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.»

Assim, a notificação das liquidações deve conter, ainda que de forma sumária, a sua fundamentação que integra a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como a indicação as disposições aplicáveis, conforme resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2 da LGT, aplicável por remissão do artigo 77.º, n.º 2 do CIRS.

No caso que nos ocupa, o documento que os recorridos receberam através da Comissão Interministerial de Assistência Mútua em Matéria de Cobrança não pode considerar-se como notificação das liquidações em causa, já que não contém os elementos da fundamentação legalmente exigível.

Tanto basta para julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso apreciadas.

Nas conclusões 1 a 14 a recorrente imputa à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento de direito por considerar que se impunha, no caso concreto, aplicar a presunção da notificação da liquidação aqui em causa, sustentada no facto de os recorridos não terem procedido à alteração do seu domicílio fiscal.

Seguindo a linha de raciocínio argumentativo da recorrente, nos termos do disposto no artigo 19.º n.º 3 da LGT é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Administração Tributária, sendo como é, obrigatória a sua comunicação (cf. n.º 4 da mesma disposição legal). Não tendo os Recorridos comunicado a alteração de domicílio fiscal e declarando-se os mesmos como residentes (sem representante fiscal), todas as notificações foram validamente efectuadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, não podendo beneficiar da sua própria inércia.

No caso dos autos, impõe-se previamente questionar se é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT. A notificação da liquidação através de carta registada, estando em causa liquidações resultantes de procedimento de inspeção, como no caso que nos ocupa, apenas se aplica quando o contribuinte tenha sido notificado para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório.

A resposta a tal questão passa por saber se os recorridos foram notificados para o exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de relatório pois, só assim seria aplicável a notificação por carta registada prevista na referida norma e só assim opera a presunção da notificação que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

Ora, o que resulta da matéria de facto é que a referida notificação (para audição prévia) foi registada e devolvida ao remetente com a menção de «mudou-se», sem a menção de ter sido deixado aviso para levantamento da carta. Nas situações em que é deixado aviso depositado no receptáculo postal, usualmente verifica-se a aposição no verso do envelope a indicação de ter sido «avisado».

Não resultando da prova, que foi deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária, informando-o de que a carta com a notificação podia ser levantada, não se pode considerar que à notificação da liquidação era aplicável o n.º 3, isto é, o envio de carta com registo, e assim sendo, a situação subsume-se ao disposto no n.º 1 do artigo 38.º, do CPPT, sendo aplicável a forma de notificação através de carta registada com aviso de recepção.

No caso da notificação do relatório de inspecção, foram efectuadas duas notificações, que foram devolvidas ao remetente com a menção «mudou-se», sem que se verifique, de novo, a aposição no verso do envelope a indicação de ter sido deixado aviso, conforme sucede usualmente. A primeira notificação do relatório tem aposta a data de 16/4/2008 e no seu verso fez-se consignar que a data de devolução do expediente postal foi efectuada em 21/4/2008. A segunda notificação tem aposta a data de 22/4/2008 e consignou-se no seu verso 24/4/2008 como a data em que foi efectuada a devolução do expediente, mediando 2 dias. O curto período de tempo que medeia entre o envio da notificação e a sua devolução constitui indicação de que não foi deixado aviso, pois de outro modo os CTT estariam a devolver o expediente ao remetente antes do decurso do prazo para levantamento da correspondência.

Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 8 ao artigo 39.º, p. 386, a presunção da notificação da segunda carta, tem como pressuposto «que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontra depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de

- ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada;

- não se comprovar que, entretanto, contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.»

Ou seja, a presunção de notificação deixa de valer quando, para o que importa no caso dos autos, se demonstrar que não foi deixado aviso para o seu levantamento.

Ora, relativamente à notificação da liquidação que permitiria obstar à caducidade do direito à liquidação, verificando-se que os recorridos não foram notificados para efeitos do direito de audição, no âmbito do respetivo procedimento de inspeção, impunha-se que a mesma fosse efectuada através de carta registada com aviso de recepção.

Alega a recorrente, que atento o princípio do inquisitório, o juiz a quo não indagou, questionou ou solicitou à Fazenda Pública ou aos Impugnantes, quaisquer elementos que fossem necessários à boa decisão da causa, designadamente relativos à notificação da liquidação (conclusões 19 a 24).

Em face do que se deixou dito sobre a inaplicabilidade da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, e tendo em conta os actos praticados no decurso do procedimento tendente à liquidação e sua notificação documentados no processo, considerou o tribunal a quo que os autos continham todos os elementos de prova necessários à decisão. A própria recorrente na conclusão 11 das suas alegações declara que «[t]odas as notificações indicadas, as quais se encontram devidamente documentadas nos autos», embora se refira ao facto das notificações terem sido sempre endereçadas à morada conhecida, não deixa de reconhecer que todas as notificações a que alude nas conclusões 4 a 9, que foram remetidas no âmbito do procedimento aqui em causa estão documentadas nos autos, acolhendo a mesma percepção de que as provas existentes estavam nos autos.

Além do mais, a recorrente alegava no artigo 16.º da contestação que a notificação (e não as notificações que refere no recurso), se efectuou por carta registada, oferecendo como prova os prints constantes do processo administrativo que o tribunal a quo considerou que apenas seriam «idóneas a provar que foi inserido no sistema a informação relativa à liquidação e a elementos conexos com o serviço de registo dos CTT, mas não que nas datas aí insertas se verificaram os eventos descritos, designadamente que a liquidação foi enviada sob registo.»

Nas circunstâncias concretas, alegando os recorridos que não foram notificados da liquidação, a notificação da liquidação através de carta com registo (sem aviso) «não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.» (cf. Acórdão do STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13).

Esta jurisprudência do STA foi reafirmada entre outros, no acórdão proferido no processo 01639/17.0BELRA de 08/01/2020:

«I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.

II - A presunção de notificação prevista no n.º 1 do art. 39.º do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38.º n.º 3 daquele diploma legal, preceito que se refere à notificação por carta registada, a qual coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através de recibo assinado pelo próprio ou por outrem por ele mandatado para o efeito, nos termos do estatuído no art. 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio.

III - O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o acto de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.»

Bem como no 01554/14.0BELRA datado de 14/10/2020: «I - A notificação através de carta registada simples [quando o recorrente alega não ter recebido a notificação] não cumpre a formalidade exigida pelo n.º 1 do artigo 38.º do CPPT - porquanto o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39.º, n.º 1 do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.»

Assim sendo, alegando a Fazenda Pública na contestação que enviara a notificação da liquidação através de registo, sem aviso de recepção, nada havia a indagar relativamente a outras notificações, não alegadas na contestação, e assim sendo, não havia que convocar o princípio do inquisitório.

Donde se conclui pela improcedência das conclusões de recurso apreciadas e do recurso.

IV – CONCLUSÕES

I – A nota de citação para os termos da execução, entregue no âmbito da Assistência Mútua, não constitui notificação da liquidação.

II - A falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de relatório determina que à notificação da liquidação subsequente seja aplicável a forma de notificação prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CPPT e não a prevista no n.º 3 (notificação por carta registada) pelo que, nesse caso não, opera a presunção da notificação que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

III - O aviso deixado na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada destina-se assegurar a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário.

IV - Devolvida a notificação da liquidação enviada através de carta registada, sem aviso de recepção, com a menção »mudou-se», não permite operar a presunção da notificação prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 15 de Abril de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.


A relatora

Ana Cristina Carvalho