Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:54/13.0 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS-RCTFP
TRABALHADORES CONSULARES
RUTURA DA RELAÇÃO LABORAL
Sumário:I– O momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais é o da rutura de facto da relação de dependência, não o momento da cessação efetiva do vínculo jurídico, independentemente da causa que lhe deu origem.
II– Nos termos dos art. 113° e 114° do RCFP, é incontornável que desemprenhando o aqui Representado as suas funções com caráter permanente, sempre terá direito à correspondente remuneração, tanto mais que não faria sentido dar tratamento mais favorável a trabalhador que desempenhasse as mesmas funções a titulo esporádico, como decorreria da aplicação descontextualizada e literal do Artº 114º n.° 2, do RCTFP.
III– Estando em causa a definição de que deveria precedentemente ter ocorrido reposicionamento remuneratório em data anterior a 2011, não opera a proibição dessa valorização constante do art. 35° da Lei n.° 68-B/2012.
Nos presentes autos não está, pois, em causa qualquer valorização remuneratória, mas antes a singela atribuição de remuneração correspondente às funções concretamente desempenhadas.
IV– Na realidade, o reposicionamento remuneratório que devesse ter ocorrido em data anterior a 1 de Janeiro de 2011 e não o tenha sido por facto imputável à Administração, não está abrangido pela proibição de valorizações remuneratórias prevista no n.°1 do artigo 24.° da Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro (LOE 2011), devendo entender-se como aplicável à situação a ressalva contida na parte final do n.° 4 do mesmo art. 24°.
Votação:
COM VOTO VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada pelo Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas no Estrangeiro, em representação de M....... tendente à condenação do Réu a:
“Da impugnação do despacho saneador
a) Reconhecer a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113.° n.° 2 e 114.° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009;
b) Fixar a retribuição base do Autor em € 5.252,50 mensais;
c) Pagar € 60.833,50 ao Autor a título de retroativos de diferenciais salariais vencidos desde 1 de janeiro e 2009 acrescido dos competentes juros legais vencidos calculados até à presente data, no valor de € 4.236,47, e vincendos, até integral pagamento;
d) Pagar todos os diferenciais de retribuição que se vencerem até decisão final dos presentes autos, acrescidos também eles dos competentes juros legais”, inconformado com a Sentença proferida em 9 de maio de 2023, no TAC de Lisboa que julgou procedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão em 14 de junho de 2023, concluindo:
“A. A Entidade Recorrente arguiu a exceção de erro na forma de processo, uma vez que o efeito jurídico pretendido pelo Recorrido na alínea b) do pedido é a fixação da retribuição como técnico, o que constituía um pedido de condenação à prática de ato devido, sendo assim, na redação então vigente do CPTA, o meio processual adequado a ação administrativa especial.
B. Com efeito, o pedido formulado pelo Recorrido emerge da alegada prática ou omissão ilegal de atos administrativos - cfr. alegado pelo Autor no artigo 23.° da p.i. -, integrando-se na previsão da alínea b) do n.° 2 do artigo 46.° do CPTA, na citada redação.
C. O despacho saneador recorrido, ao julgar improcedente a supracitada exceção, violou os artigos 5.° e 46.° do CPTA, na redação anterior à dada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02/10, e o artigo 193.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, devendo, pelo exposto, ser revogado nessa parte.
D. Acresce que a Entidade Recorrente arguiu a exceção de caducidade do direito de ação, nomeadamente por o Autor não ter intentado, como se impunha para não deixar precludir o eventual direito à decisão de reclassificação, a competente ação administrativa especial, no prazo legal, pelo que será de considerar que o representado do Autor se conformou com a omissão.
E. Entende, pois, a Entidade Recorrente que a factualidade alegada pelo Recorrido - entre os artigos 19.° a 23.° da p.i. -, sobre a omissão de decisão do pedido de reclassificação, constituiria a causa de pedir de um pedido de impugnação, cujo prévio julgamento - se a impugnação não fosse intempestiva -, seria essencial para que o Tribunal a quo pudesse decidir os pedidos que vieram a ser atendidos na douta sentença recorrida.
F. Neste particular, tal impugnação reportar-se-ia ao indeferimento que se presumiria tacitamente da omissão de resposta da Administração, nos termos do artigo 109.° do antigo CPA, sendo que o pedido de reclassificação do associado do Recorrido teria de colher uma decisão favorável da parte da Administração, para que aquele passasse a ser remunerado, a título permanente, com a retribuição da categoria profissional pretendida - remuneração que o Tribunal a quo fixou, em sede de sentença.
G. Com o devido respeito por melhor opinião, é manifesto que o Recorrido alegou a factualidade compreendida entre os artigos 19.° a 23.° da p.i. com o fim de também impugnar o indeferimento tácito da pretensão de reclassificação, sem o que não poderia peticionar, como peticionou, que fosse fixada, ao seu representado, a retribuição base mensal de € 5.252,50.
H. Se assim o douto Tribunal a quo tivesse considerado, certamente que teria julgado procedentes os efeitos, invocados na contestação, da conformação, pelo associado do Recorrido, com o indeferimento tácito do respetivo pedido de reclassificação - ao não reagir tempestivamente contra a referida omissão de decisão.
I. A partir do termo do prazo para a conclusão do procedimento iniciado com o pedido de reclassificação, o associado do Recorrido poderia ter reagido contra o indeferimento tácito, nos termos dos artigos 109.° e 158.° e seguintes do antigo CPA, e do artigo 58.°, n.° 2, alínea b) do CPTA, na citada anterior redação, ou, dentro do prazo de um ano, lançando mão do mecanismo previsto nos artigos 66.° e seguintes do CPTA, quanto à omissão de resposta à pretensão de reclassificação.
J. O despacho saneador recorrido, ao julgar improcedente a supracitada exceção de caducidade, violou os artigos 58.°, n.° 2, alínea b), e 69.°, n.° 1 do CPTA, na redação anterior à dada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02/10, devendo, pelo exposto, ser revogado nessa parte, com a consequente absolvição da Entidade Recorrente do pedido.
K. Relativamente à arguida exceção de prescrição, decidiu o Tribunal a quo, no despacho saneador recorrido, que “(...) Visto que a tal “rutura de facto” ainda não se deu, tendo em conta que esta nem sequer veio alegada, bem se vê que o prazo de um ano estipulado no artigo 245° do RCTFP, não se mostra ultrapassado, o que significa a não prescrição dos créditos reclamados pelo Autor nesta ação administrativa comum e a improcedência da exceção suscitada pela Entidade Demandada".
L. Porém, entende a Entidade Recorrente que é aplicável, às relações entre a Administração e os seus trabalhadores, a norma contida no artigo 34.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28/07 - Regime da Administração Financeira do Estado, a qual estabelece que o pagamento das obrigações resultantes dos encargos relativos a anos anteriores e deles transitados, prescreve no prazo de 3 anos “a contar da data em que efetivamente se constituiu o dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto”.
M. Razões pelos quais, se o dever de pagar se constituiu, alegadamente, em 01/01/2009, ano em que, segundo o Recorrido, o seu representado poderia ter sido reclassificado como técnico, decorreram mais de três anos entre os alegados factos e a data de instauração da presente ação.
N. O despacho saneador recorrido, ao julgar improcedente a supracitada exceção de prescrição, violou o artigo 34.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28/07, devendo, pelo exposto, ser revogado nessa parte, com a consequente absolvição da Entidade Recorrente do pedido.

Da impugnação da sentença
O. O Recorrido peticionou nos presentes autos que a Entidade Recorrente fosse condenada a:
a) Reconhecer a situação jurídico-subjetiva do representado do Recorrente, M......., nos termos do n.° 2 do artigo 113.° e do artigo 114.° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante RCTFP), aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11/09, com efeitos a 01/01/2009;
b) Fixar a retribuição base mensal do representado do Recorrente em € 5.252,50;
c) Pagar ao representado do Recorrente a quantia de € 60.833,50 a título de retroativos de diferenças salariais vencidos desde 01/01/2009, acrescida de juros legais - que à data da instauração da ação foram reclamados pelo valor de € 4.236,47 - até integral pagamento;
d) Pagar ao representado do Recorrido todas as diferenças de retribuição que se vencerem até decisão nos presentes autos, acrescidas de juros legais.
P. O Tribunal a quo proferiu sentença de procedência da ação, com o seguinte dispositivo:
a) Reconheço a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113.° n.° 2 e 114.° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009;
b) Fixo a retribuição base do associado do Autor, no montante correspondente ao de Técnico;
c) Condeno a Entidade Demandada a pagar ao representado do Autor, a título de diferenças salariais, vencidos desde 1 de janeiro de 2009 até à presente data, acrescido dos competentes juros legais vencidos até à presente data, e vincendos até integral pagamento, cujo montante se deverá apurar em sede de execução de Sentença. (…)”
Q. Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, a sentença recorrida enferma de erro na aplicação do direito aos factos dados como provados, violando, nomeadamente:
- Os artigos 113.°, n.° 2 e 114.°do RCTFP;
- O artigo 116.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02;
- O princípio da separação de poderes;
- O artigo 35.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31/12.
R. Conforme resulta da fundamentação de direito, o Tribunal a quo esclarece, desde logo, que o Autor se limitou, a final, a formular um pedido de condenação da Entidade Demandada a reconhecer que o associado do Autor exerce funções de técnico, sem formular qualquer pedido expresso de reclassificação nessa categoria - ainda que na p.i. o ora Recorrente se tenha referido expressamente à mudança de carreira e categoria funcional do seu associado e à sua reclassificação na nova categoria.
S. Contudo, a Entidade Recorrente não retira, do pedido do ora Recorrido [Condenar a Entidade Demandada a: Reconhecer a situação jurídico-subjetiva do representado do Recorrente, M......., nos termos do n.° 2 do artigo 113.° e do artigo 114.°], que tal pedido se reconduza à condenação a reconhecer que o Associado do Recorrido exerce funções de técnico, sem que isso consubstancie, verdadeiramente, uma reclassificação naquela categoria.
T. Porquanto a decisão constante da alínea a) do n.° 1 do dispositivo da douta sentença recorrida [Reconheço a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113.° n.° 2 e 114.° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009], que aliás não constitui uma decisão condenatória, mas uma decisão declarativa, tem de ser conjugada com a decisão constante da alínea b) [Fixo a retribuição base do associado do Autor, no montante correspondente ao de Técnico], daí se concluindo que o Tribunal a quo, ao fixar a nova retribuição base do representado do Recorrido, no montante correspondente ao de Técnico, com caráter de permanência, decretou, na prática, a mudança da respetiva categoria profissional.
U. Porém, tais decisões não poderão resultar da aplicação dos artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP - entretanto revogado pela Lei n.° 35/2014, de 20/06, sendo que a admitir-se, por hipótese teórica, que seria de aplicar à pretensão do representado do Recorrido os invocados preceitos, está patente nos autos que aquele não alegou qualquer carácter esporádico das alegadas funções, e muito menos alegou o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas com as funções de Assistente Administrativo - pelo contrário, o representado do ora Recorrido alegou, a saber nos artigos 11.° a 13.° da p.i., que, desde 03/03/1992, tem exercido, na prática, as funções de Técnico de Informática, ainda que apenas possua a categoria profissional de Assistente Administrativo.
V. Realidade alegada que, manifestamente, não corresponde a um exercício esporádico de funções afins ou funcionalmente ligadas com as funções de Assistente Administrativo, como impunha o artigo 113.°, n.° 2 do RCTFP, como condição de aplicação dos efeitos remuneratórios previstos no artigo 114.° do mesmo diploma legal.
W. Aliás, é de evidenciar que o referido pedido de reconhecimento da respetiva situação jurídico- subjetiva é formulado em termos que se reconduzem, unicamente, à retribuição do representado do Recorrido, pois, pese embora o associado do Recorrido tenha invocado, sob o artigo 19.° da p.i., a subscrição de um requerimento em 28/10/2008 - constante de páginas 3 do P.A. -, dirigido a S. Exa. o Ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo qual veio solicitar a respetiva reclassificação na categoria de Técnico de Informática do Quadro Único de Vinculação dos Serviços Externos do MNE, o facto é que não foi peticionado nestes autos, expressamente, o reconhecimento da situação jurídico- subjetiva adveniente da requalificação do trabalhador como Técnico de Informática.
X. Peticionando, outrossim, e unicamente, o representado do Recorrido, ser investido, conforme alegado sob o artigo 39.° da p.i., na condicente retribuição, em contrapartida do exercício das alegadas funções acrescidas, com efeitos desde a data de entrada em vigor do RCTFP - 01/01/2009, sendo que não se poderá ignorar que o representado do Recorrido afirmou, na sua resposta à contestação - cfr. artigos 20.° a 26.° - que, efetivamente, a pretensão deduzida nos autos não é de reclassificação profissional.
Y. Deste modo, uma vez que o direito invocado pelo representado do Recorrido não se aplica à situação factual pelo mesmo alegada - sendo esta alegada factualidade o exercício, a título permanente e predominante, de funções que não são afins nem funcionalmente ligadas com as da respetiva categoria profissional - e que resulta da resposta à contestação que a invocação, na p.i., do requerimento de reclassificação de 28/10/2008 é, do ponto de vista do que foi peticionado, inconsequente, restaria ao Tribunal, tão somente, concluir que o único pedido deduzido na ação teria de ser julgado improcedente.
Z. Apenas caso o representado do Recorrido tivesse sido reclassificado na categoria de Técnico de Informática, e apenas após a verificação de tal facto jurídico, poderia aquele reclamar o pagamento da retribuição que lhe viesse a caber, sendo que sem tal reclassificação, e independentemente de serem invocados os artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP - que, salvo melhor opinião, não serão de aplicar - não poderiam proceder as peticionadas fixação de retribuição base e condenação ao pagamento de retroativos de diferenciais de retribuição e de diferenciais de retribuição entretanto vencidos e vincendos.
AA. De igual modo, sem a referida reclassificação, a pretendida condenação da ora Entidade Recorrente, a que se alude no artigo 42.° da p.i., tendo em vista a adoção das condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos e interesses remuneratórios do representado do Recorrido, deveria igualmente improceder.
BB. É de salientar que a reclassificação do representado do Recorrido, solicitada através do requerimento constante de páginas 3 do PA, não foi autorizada pela ora Entidade Recorrente, em virtude de não terem sido demonstradas as habilitações académicas necessárias, nos termos do artigo 8.°, alínea b) do Decreto-Lei n.° 444/99, de 03/11, que aprovou o Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do MNE então vigente - cfr. páginas 7 e 8 do P.A. .
CC. Das supracitadas normas resultava, quer a existência de requisitos de natureza vinculada, para que o requerimento invocado pelo associado do Recorrido pudesse ser deferido, designadamente o previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 7.° do diploma legal em referência - a titularidade de habilitação literárias e das qualificações profissionais legalmente exigidas -, quer também requisitos de natureza discricionária, a saber o requisito consubstanciado na eventual verificação da conveniência, para o serviço, da pretendida reclassificação profissional - cfr. n.° 1 do artigo 6.° do citado diploma legal.
DD. Porém, não tendo tais requisitos sido considerados verificados, e consequentemente não tendo sido autorizada a reclassificação do representado do Recorrido, não poderá, contudo, deixar de se considerar que a apresentação do referido pedido de reclassificação só poderá reforçar o aqui alegado pela Entidade Recorrente, no sentido de que as funções acrescidas alegadas pelo associado do Recorrido não eram prestadas a título esporádico, como prescrevem os artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP invocados para procedência da ação, mas outrossim eram prestadas a título permanente.
EE. Caberá dizer que, em qualquer caso, com a presente ação administrativa, a pretensão do representado do Recorrido não poderia obter provimento, porquanto tal pretensão necessitaria sempre, previamente ao recurso a Juízo, de um requerimento, apresentado em tempo, do interessado dirigido à Entidade Demandada, e de um juízo valorativo próprio da Administração, o que tanto seria válido para o peticionado quanto à aplicabilidade dos artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP, como também para um pedido de reclassificação, cuja consequência principal - o processamento, doravante e a título permanente, da retribuição correspondente à categoria de técnico - acabou por ser determinada na douta sentença impugnada.
FF. Não se pode concordar, assim, com a douta sentença recorrida, na qual o Tribunal a quo faz uma interpretação que vai além da letra dos supramencionados artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP, desaplicando o caráter esporádico das funções não contidas no conteúdo funcional do posto do trabalhador.
GG. De facto, após reproduzir o artigo 114.° do RCTF, o qual remete para o artigo 113, n.° 2 do mesmo diploma - de que consta o sobredito caráter esporádico das outras funções -, o Tribunal a quo sufragou o seguinte entendimento:
“(…) Ou seja, se a retribuição auferida for inferior à categoria atribuída - ou que devia ser atribuída - pela Entidade Demandada, o trabalhador tem direito à retribuição prevista para tal categoria. Em suma, deve existir correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida.
Inclusive, se a situação, transitória ab initio, se prolongar suficientemente no tempo, deve entender- se que se operou, na prática, uma alteração no objeto do contrato, a qual deve ter tradução jurídica, quer ao nível da carreira quer no plano do estatuto remuneratório do trabalhador: tal resultou, ao cabo e ao resto, do reconhecimento que a Entidade Demandada fez das aptidões do trabalhador para o exercício de funções mais complexas ou de maior responsabilidade.
(...)
Tendo o Autor exercido tais funções ininterruptamente desde março de 1993, tem ele direito, por força dos dispositivos legais do RCTFP supracitado, a ser pago de acordo com os parâmetros previstos para tal categoria"
HH. Com o devido respeito por melhor opinião, e ainda que o Tribunal a quo expressamente tenha esclarecido, na sentença recorrida, que não está em causa a reclassificação na categoria pretendida pelo associado do Autor, o facto é que os efeitos da condenação da Entidade Recorrente são exatamente os que resultariam da dita reclassificação.
II. A sentença recorrida violou, pelo exposto, os artigos 113.°, n.° 2 e 114.° do RCTFP, o artigo 116.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02, e bem assim o princípio da separação de poderes, devendo, por isso, ser revogada, com a consequente absolvição da Entidade Recorrente do pedido.
JJ. A acrescer ao juízo valorativo próprio da função administrativa, é de mencionar, ainda, as restrições, vinculativas para a Administração, existentes à época da instauração da ação, nomeadamente as decorrentes do artigo 35.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31/12, que manteve em vigor a proibição de todos os atos que consubstanciassem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.° 9 do artigo 27.°.
KK. Neste particular, entendeu o Tribunal a quo ser de aplicar a posição sufragada no Acórdão do TCA Norte, de 04/12/2015, no âmbito do processo 352/12.0BEAVR, nos termos da qual “o reposicionamento remuneratório que devesse ter ocorrido em data anterior a 1 de Janeiro de 2011 e não o tenha sido por facto imputável à Administração, não está abrangida pela proibição de valorizações remuneratórias prevista no n.° 1 do artigo 24.° da Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro (LOE2011) (...)”.
LL. Porém, o Acórdão supratranscrito, salvo melhor opinião, não será de aplicar ao caso em presença nestes autos, na medida em que nenhum elemento de facto existe que levasse a considerar que algum reposicionamento remuneratório devesse ter ocorrido anteriormente a 2011, por causa imputável à Administração, na medida em que uma tal imputação à Administração haveria de resultar sempre de uma apreciação em Juízo, em sede de impugnação da decisão administrativa que indeferisse o referido reposicionamento, o que manifestamente não sucedeu - não tendo, sequer, sido requerido tal reposicionamento.
MM. A sentença recorrida violou, pelo exposto, o artigo 35.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31/12, devendo, por isso, ser revogada, com a consequente absolvição da Entidade Recorrente do pedido.
Nestes termos e nos melhores de direito que v. Exas. Doutamente suprirão, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o despacho saneador e a sentença recorrida e, julgando, em consequência:
a) Procedentes as arguidas exceções de erro na forma de processo e de caducidade do direito de ação, absolvendo a Entidade Recorrente da instância;
b) Procedente a arguida exceção de prescrição dos créditos reclamados; absolvendo a Entidade Recorrente do pedido;
c) Improcedentes os pedidos do Autor, absolvendo a Entidade Recorrente do pedido.
Assim se fazendo a costumada Justiça.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 19 de junho de 2023.
O aqui Recorrido/Sindicato veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 8 de setembro de 2023, aí concluindo:
“1- O Mm° Juiz a quo decidiu bem, quer no seu Despacho Saneador, quer na Sentença;
No Despacho Saneador
2- Não há erro na forma do processo;
3- A presente ação, conforme configurada pelo autor, não resulta da omissão de resposta ao pedido de reclassificação apresentado em 28.10.2008;
4- O autor pediu o reconhecimento do direito do seu associado a auferir a remuneração correspondente à diferença salarial que deixou de auferir, em consequência da violação de lei;
5- O recorrido não impugnou qualquer indeferimento tácito;
6- Na presente ação não são impugnados quaisquer atos administrativos, não sendo necessário lançar mão de uma ação administrativa especial;
7- Não existe caducidade de direito de ação;
8- Quanto à prescrição o recorrente limita-se a alegar que lhe é aplicável o art. 34°, n.° 3, do DL n.° 155/92, de 28.07;
9- Tal norma não podia afastar o disposto no art. 245° do RCTFP, então em vigor;
10- Os créditos existentes não prescreveram;
Na Sentença
11- No entender do recorrente, se o trabalhador desempenhasse tais funções de forma esporádica tinha direito a receber remuneração acrescida, mas como as desempenha como atividade constante, diária e principal, não tem direito a qualquer remuneração mais elevada;
12- Tal entendimento não tem sentido e não pode deixar de repugnar ao Direito;
13- Na Sentença procedeu-se à aplicação do disposto no art. 113°, n.° 1, fazendo-se, para determinação do Direito aplicável, recurso interpretativo ao disposto no art. 114°, n.°2;
14- O trabalhador representado não fazia esporadicamente funções afins ou funcionalmente ligadas, mas desempenha como atividade principal funções de outra categoria profissional;
14- Pelo que bem se decidiu na Sentença que "Deve existir correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida";
15- Entender de forma diversa tornaria totalmente inútil a existência de categorias e suas correspondências remuneratórias;
16- Não está em causa nos presentes autos a reclassificação do trabalhador, não tendo sido essa questão decidida pelo Tribunal a quo.
17- Apenas um dos efeitos de uma reclassificação está em causa e, mesmo esse, de forma limitada - o remuneratório;
18- Deveria ter havido reposicionamento remuneratório em data anterior a 2011, pelo que nunca teria aplicação a proibição de valorizações remuneratórias determinadas pelas Leis do Orçamento entre 2011 e 1017;
19- Nos presentes autos não está em causa qualquer valorização remuneratória, em sentido próprio, mas a atribuição de remuneração adequada às funções desempenhadas;
20- Pretender o contrário colide, aliás, como bem entendeu o Tribunal a quo, com o Princípio Constitucional de Para Trabalho Salário Igual.
Nestes termos e demais de direito deve ser julgado totalmente improcedente o recurso intentado, mantendo-se a decisão recorrida, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 25 de outubro de 2023, veio emitir Parecer em 31 de outubro de 2023, concluindo que “(…) que deve ser negado provimento ao recurso apresentado, mantendo- se na íntegra a sentença a recorrida, por a mesma não padecer dos vícios que lhe vêm assacados, nem de qualquer outro que cumpra conhecer.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita,
I – Que o despacho saneador proferido em 27 de Fevereiro de 2023 enferma de:
i - erro de julgamento ao considerar não verificada a exceção dilatória de erro na forma de processo;
ii - erro de julgamento ao considerar não verificada a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual;
iii - erro de julgamento ao considerar não verificada a exceção perentória da prescrição;
II – Que a sentença incorre em erro de julgamento de direito ao decretar o procedimento da ação e condenar a Entidade Demandada a reconhecer a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113° n° 2 e 114° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009, com as legais consequências.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade provada e não provada:
“1. O representado do Autor possui a categoria profissional de Assistente Administrativo e exerce a sua atividade na Missão Permanente de Portugal junto da ONU em Genebra desde 3 março de 1992, exercendo, desde aquela data, as funções de Técnico de Informática, sendo responsável por todo o sistema informático daquela missão, procedendo, nomeadamente, à manutenção e reparação dos correspondentes computadores, colaborando diretamente com a Cifra no que respeita ao sistema de correio eletrónico, na formação dos restantes funcionários no que se refere à utilização da rede e respetivos programas, - facto não controvertido e cf. documentos 2 e 3 juntos com a PI;
2. O representado do Autor acumula as funções referidas no ponto anterior, com as de arquivo e tratamento de texto, apoio administrativo aos funcionários diplomáticos nos diversos pelouros, sendo ainda responsável pelo serviço de entradas, saídas e arquivo da Cifra - cf. documento 2 junto com a PI;
3. O representado Autor é o único responsável pela gestão rede informática - cf. documentos 4 a 6 juntos com a PI;
4. O representado do Autor frequentou o curso de "Administração de Redes Locais (Windows 2003 Server)" ministrado pelo INA e realizado de 15 a 26 de maio de 2006, mediante solicitação do Representante Permanente, Dr. C....... - cf. documentos 4 a 6 juntos com a PI;
5. O representado do Autor completou o curso referido no ponto anterior com bom aproveitamento - cf. documentos 7 e 8 juntos com a PI.

IV – Do Direito
Importa agora, atenta a matéria de facto dada como provada, analisar o Recurso apresentado pelo MNE.

No que aqui relva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) o artigo 113.° n.° 1 do RCTFP (lei em vigor à data da entrada da presente ação) dispunha que o trabalhador deve, em princípio, exercer uma atividade correspondente à atividade para que for contratado.
De igual modo, o art.° 114.° do mesmo RCTFP estabelece que:
"A determinação pela entidade empregadora pública do exercício das funções a que se refere o n.° 2 do artigo anterior confere ao trabalhador o direito a auferir pelo nível remuneratório imediatamente superior àquele por que aufere que se encontre previsto na categoria a que correspondem aquelas funções".
Daí que, se for atribuída pela Entidade Demandada uma categoria que não corresponda ao real objeto da prestação do trabalhador, tal atitude é juridicamente irrelevante, tendo o trabalhador direito a ser remunerado pela categoria devida. Ou seja, se a retribuição auferida for inferior à categoria atribuída - ou que devia ser atribuída - pela Entidade Demandada, o trabalhador tem direito à retribuição prevista para tal categoria. Em suma, deve existir correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida.
Inclusive, se a situação, transitória ab initio, se prolongar suficientemente no tempo, deve entender-se que se operou, na prática, uma alteração no objeto do contrato, a qual deve ter tradução jurídica, quer ao nível da carreira quer no plano do estatuto remuneratório do trabalhador: tal resultou, ao cabo e ao resto, do reconhecimento que a Entidade Demandada fez das aptidões do trabalhador para o exercício de funções mais complexas ou de maior responsabilidade.
Ora, resultou provado que, desde 03/03/1992, o representado do Autor exerce com continuidade e sem interrupção, as funções de Técnico de Informática, sendo responsável por todo o sistema informático daquela missão, procedendo, nomeadamente, à manutenção e reparação dos correspondentes computadores, colaborando diretamente com a Cifra no que respeita ao sistema de correio eletrónico, na formação dos restantes funcionários no que se refere à utilização da rede e respetivos programas.
Tendo o Autor exercido tais funções ininterruptamente desde março de 1993, tem ele direito, por força dos dispositivos legais do RCTFP supracitado, a ser pago de acordo com os parâmetros previstos para tal categoria.
Defende-se a Entidade Demandada com as restrições orçamentais decorrentes das Leis do Orçamento de Estado para 2013 - 66-B/2012, de 31 de dezembro - e anos anteriores e subsequentes, designadamente com o disposto no art.° 35°.
Dispõe este normativo que: "1 - É vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.° 9 do artigo 27.°"
Sem embargo da existência deste normativo, importa considerar que "O reposicionamento remuneratório que devesse ter ocorrido em data anterior a 1 de Janeiro de 2011 e não o tenha sido por facto imputável à Administração, não está abrangido pela proibição de valorizações remuneratórias prevista no n.° 1 do artigo 24° da Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro (LOE 2011), devendo entender-se como aplicável à situação a ressalva contida na parte final do n.° 4 do mesmo art. 24º" - cf. Acórdão do TCA Norte, de 4.12.2015, processo 00352/12.0BEAVR.
Este é, de resto, também, o princípio que vigora na Lei n.° 12-A/2008. Refere o n.° 2 do artigo 62.° que o trabalhador "em caso algum é afetado na remuneração correspondente à categoria de que é titular", dispondo o n.° 3, de modo expresso, que a remuneração do trabalhador é acrescida para o nível remuneratório superior mais próximo daquele que corresponde ao seu posicionamento na categoria de que é titular que se encontre previsto na categoria cujas funções vai exercer, desde que a primeira posição remuneratória desta categoria corresponda a nível remuneratório superior ao nível remuneratório da primeira posição daquela de que é titular. Ou seja, também aí a lei salvaguarda expressamente o primado da aproximação da remuneração às funções efetivamente exercidas, mesmo em situações de mobilidade.
Porque assim é, sob pena de violação dos princípios gerais como o da igualdade e da justiça, assim desde logo o primado legal e constitucional de salário igual trabalho igual (al. a), do n.° 1, do artigo 59.° da Constituição da República Portuguesa), não tenha direito a auferir a remuneração correspondente à das funções que está a desempenhar, por decisão da entidade patronal, em condições idênticas às dos demais trabalhadores que as exercem. É que, ainda neste caso, qualquer eventual violação da referida norma do OE, que proíbe a prática de atos aí previstos que envolvam "valorização salarial", já não proíbe, nem poderia proibir, nos casos em que, não obstante essa proibição, tais atos venham a ser praticados. O que importa é que o trabalhador, abrangido por esse ato, enquanto essa situação perdurar, receba a remuneração correspondente a tais funções. Ou seja, sempre as tarefas desenvolvidas pelo representado do Autor, compaginando-se com as de técnico, lhe atribuem, enquanto tal situação se mantiver, o direito a receber, por lhe serem devidas, as correspondentes diferenças salariais, levando-se para o efeito em conta o que auferiu na categoria de que é detentor e a retribuição referente à de técnico.
Nesta conformidade, representado do Autor deveria ter sido pago pelas tabelas remuneratórias previstas para essas mesmas funções, uma vez que as restrições impostas pelas sucessivas Leis do Orçamento do Estado não lhe eram aplicáveis.
Concretizando, o representado do Autor deveria ter recebido a retribuição mensal aplicável para a categoria de Técnico, desde 01/01/2009, tal como reclama.
Atendendo que não ficou demonstrado em que escalão se encontra o representado do Autor, não é possível a este Tribunal calcular a diferença entre a remuneração efetivamente auferida e a que se impunha pelo exercício das funções de técnico de informática, remetendo-se tal equação para o momento da execução da presente Sentença.

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“1- Termos em que, julgo procedente a presente ação, e em consequência:
a) Reconheço a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113.° n.° 2 e 114.° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009;
b) Fixo a retribuição base do associado do Autor, no montante correspondente ao de Técnico;
c) Condeno a Entidade Demandada a pagar ao representado do Autor, a título de diferenciais salariais, vencidos desde 1 de janeiro de 2009 até à presente data, acrescido dos competentes juros legais vencidos até à presente data, e vincendos até integral pagamento, cujo montante se deverá apurar em sede de execução de Sentença.”

Vejamos:
Da impugnação do despacho saneador:
Nas suas alegações o Recorrente imputa ao despacho saneador, erros de direito ao julgar não verificadas as suscitadas exceções dilatórias de erro na forma do processo e de intempestividade da propositura da ação.

O controvertido despacho saneador foi proferido no dia 27 de Fevereiro de 2023 e nessa mesma data notificado às partes por via eletrónica.

Atento o disposto no art° 595°, do Código de Processo Civil, o despacho saneador tem por finalidade, para além do mais, conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.

Mais estabelece o n° 3, do preceito citado que no caso previsto na alínea a) do n° 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

Ou seja, tendo o Tribunal apreciado em concreto uma exceção dilatória no despacho saneador, caso não seja interposto recurso, forma-se caso julgado formal, o que impede a sua reapreciação no processo, mesmo em sede de recurso.

Tendo as exceções dilatórias do erro na forma de processo e de intempestividade da prática do ato processual sido expressamente apreciadas no despacho saneador de 27 de Fevereiro de 2023, sem que do mesmo tivesse sido interposto recurso, há muito que transitou em julgado, formando-se o referido caso julgado formal, em face do que, por natureza, improcede a pretensão do Recorrente vinda de analisar.

O Recorrente imputa, ainda, ao despacho saneador erro de julgamento ao considerar improcedente a exceção perentória da prescrição dos créditos reclamados pelo Autor.

No que a esta questão respeita o Tribunal a quo discorreu o seguinte:
«O artigo 245.° do RCTFP, previa o seguinte:
“1 - Todos os créditos resultantes do contrato e da sua violação ou cessação, pertencentes à entidade empregadora pública ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.
2 - Os créditos resultantes da indemnização por falta do gozo de férias, pela aplicação de sanções que venham a ser declaradas inválidas ou pela realização de trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo.".
O que importa, assim, determinar é o momento em que se deu a rutura da relação laboral, conforme o entendimento plasmado no acórdão do STA, de 23/05/2013, proferido no processo n.° 0774/12, no qual, no que aqui releva, se sumariou:
“(...) II - O momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais, (...) é o da rutura de facto da relação de dependência, independentemente da causa que lhe deu origem (...)”.

Este regime especial promove, sob o ponto de vista da prescrição, a concentração de créditos que podem ter antiguidades muito variadas (e que, porventura, sem esta regra, já poderiam estar prescritos, de acordo com o regime geral), justificando-se pelo facto de, durante a vigência do contrato a situação de dependência do trabalhador não lhe permitir, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos.

Quanto a este aspeto, refere Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 6ª ed., p. 764:
“O que importa (para o início da contagem) é o momento da rutura da relação de dependência, não o momento da cessação efetiva do vínculo jurídico, a qual, em virtude de decisão judicial que, (por exemplo) declare ilícito o despedimento, pode até ser juridicamente neutralizada. O momento decisivo é, por conseguinte, aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que, posteriormente, o ato que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado”.

Atento que, em bom rigor, a “rutura de facto” ainda não se verificou, o que nem sequer foi alegado e menos ainda provado, é manifesto que o prazo de um ano estatuído no artigo 245.° do RCTFP, não se mostra ultrapassado, o que significa a não prescrição dos créditos reclamados pelo Autor na presente ação, o que determina a improcedência da exceção suscitada pela Entidade Demandada.

Em qualquer caso, para que não possa ser suscitada qualquer eventual omissão de pronuncia, à cautela, sempre se dirá acrescidamente o seguinte:

Do erro na forma de processo
Na realidade, entende o Recorrente que o pedido formulado emerge da omissão ilegal de atos administrativos e que o meio processual adequado seria a ação administrativa especial.

É, em qualquer caso, incontornável que a presente ação não resulta da omissão de resposta à reclassificação peticionada pelo representado do recorrido em 28.10.2008, como reconhecido pelo Tribunal a quo, vindo antes o Autor singelamente requerer o reconhecimento do direito do seu associado a auferir a remuneração devida, correspondente à diferença salarial que deixou de auferir.

O Tribunal a quo, no seu Despacho Saneador, assentou o seu entendimento no discorrido no Acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Norte, em 13.11.2020, no processo n.° 440/15.0BEVIS.

Em ambas as situações não se pretendia impugnar quaisquer atos administrativos, nem pedir a condenação da administração de emissão de quaisquer atos administrativos, mas antes o reconhecimento de um direito, no caso, o reconhecimento de uma situação jurídica laboral relativa à carreira profissional e a condenação da ré no pagamento das correspondentes diferenças salariais.
Afirma o recorrente que "é manifesto que o Recorrido alegou a factualidade compreendida entre os artigos 19° e 23° da p.i. com fim de também impugnar o indeferimento tácito da pretensão de reclassificação, sem o que não poderia peticionar, como peticionou, que fosse fixada, ao seu representado, a retribuição base mensal de €5.252,50".

Não se acompanha o referido, pois que é manifesto que o Autor não impugnou qualquer ato, tácito ou expresso, em face do que, atento o peticionado, não ocorreu qualquer erro na forma do processo.

Mesmo que assim se não entendesse, ainda assim, sempre o correspondente segmento recursivo se mostraria improcedente atenta a circunstância de se acompanhar o entendimento discorrido no Despacho Saneador.

Da caducidade do direito de ação.
Esta questão mostra-se conexionada com o item precedentemente tratado, assentando a sua resolução na doutrina constante do identificado Acórdão do TCAN.

Efetivamente, não sendo na presente ação impugnados quaisquer atos administrativos, não se mostraria adequado recorrer à então existente Ação Administrativa Especial, em face do sempre improcederia a invocada caducidade de direito de ação.

Da prescrição
Do mesmo modo, não merece censura a decisão adotada em 1ª Instância no que concerne à prescrição, decidida no Despacho Saneador.

Aliás, o Recorrente/MNE limitou-se a invocar a aplicabilidade do art. 34°, n.° 3, do DL n.° 155/92, de 28.07, referente ao Regime de Administração Financeira do Estado.

O referido normativo, em qualquer caso, não permite afastar o estatuído no art.º 245° do RCTFP, então em vigor, com redação semelhante ao disposto atualmente no art. 337° do Código do Trabalho.

Assim, como decidido pelo Tribunal a quo, e como supra já referenciado, tendo a ação dado entrada durante a vigência do contrato e na constância da relação laboral, os créditos existentes não prescreveram.

Da impugnação da sentença:
A questão controvertida, visa, no essencial, apurar se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao decretar a procedência da ação, mais condenando a Entidade Demandada a reconhecer a situação jurídico-subjetiva do Autor, nos termos do artigo 113° n° 2 e 114° do RCTFP, com efeitos a 01/01/2009.

Refira-se, desde já, que igualmente relativamente ao item em análise, se acompanha o entendimento adotado em 1ª Instância, pelo que tudo quanto acrescidamente se referisse se mostraria inútil e redundante, importando sublinhar que a sentença não padece dos vícios invocados de erro de julgamento.

Em qualquer caso, e mais uma vez, para que não possa ser suscitada qualquer eventual omissão de pronuncia, à cautela, em função do recursivamente invocado, sempre se dirá o seguinte:

Dos art. 113° e 114° do RCFP
É incontornável que desemprenhando o aqui Representado as controvertidas funções com caráter permanente, sempre terá direito à correspondente remuneração, o que foi reconhecido pelo tribunal a quo.

Efetivamente, a Sentença Recorrida terá aplicado essencialmente à situação em apreciação o art. 113°, n.° 1 do RCTFP, enquanto Direito aplicável, tanto mais que não faria sentido dar tratamento mais favorável a trabalhador que desempenhasse as mesmas funções a titulo esporádico, como decorreria da aplicação descontextualizada e literal do Artº 114º n.° 2, do RCTFP.

Assim, não merece censura o entendimento adotado em 1ª Instância, de acordo com o qual "Deve existir correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida".

Da reclassificação e da violação da Principio da Separação de Poderes
Despende o Recorrente diversas considerações conexas com uma suposta reclassificação do Trabalhador determinada pelo tribunal em violação do principio da Separação de Poderes, quando é certo que a decisão recorrida não determinou ou viabilizou qualquer reclassificação, antes tendo pugnado, como precedentemente transcrito, pela verificação de uma situação de “(…) correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida”.

É certo que entende o Recorrente que a remuneração em cujo pagamento foi condenado não pode ser atribuída sem essa reclassificação, o que constitui um equivoco, pois que o decidido se limita a dar cumprimento ao estatuído no art. 113°, n.° 1, do RCTFP.

Afirma o recorrente que "o facto é que os efeitos da condenação da Entidade Recorrente são exatamente os que resultariam da dita reclassificação", o que não é exato, pois que a reclassificação sempre teria efeitos duradouros e definitivos, o que não é o caso da implementação do decidido pelo TAF que se limita a reconhecer uma situação de facto, sem que tenha necessariamente consequências para o futuro, nomeadamente, e desde logo, em termos de eventual promoção.

Assim, uma vez que se não está perante uma Reclassificação, por natureza, não opera a invocada violação do principio da Separação de Poderes.

Do art. 35° da Lei n.° 68-B/2012 - Proibição de Valorizações Remuneratórias.
Entende, em síntese, o Recorrente que o judicialmente determinado violaria o art. 35° da Lei n.° 68-B/2012, no que respeita à Proibição de Valorizações Remuneratórias.

A Sentença Recorrida é, em qualquer caso, clara ao definir que deveria ter ocorrido o determinado reposicionamento remuneratório em data anterior a 2011, como resulta do estatuído decisoriamente quando se condena o MNE no pagamento da remuneração, aplicável à categoria de Técnico, desde 1.01.2009.

Nos presentes autos não está em causa qualquer valorização remuneratória, mas antes a singela atribuição de remuneração correspondente às funções concretamente desempenhadas.

Em qualquer caso, como se discorreu no acórdão do TCA Norte, de 4.12.2015, processo 00352/12.0BEAVR, no qual o aqui Relator interveio como adjunto, "O reposicionamento remuneratório que devesse ter ocorrido em data anterior a 1 de Janeiro de 2011 e não o tenha sido por facto imputável à Administração, não está abrangido pela proibição de valorizações remuneratórias prevista no n.°1 do artigo 24.° da Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro (LOE 2011), devendo entender-se como aplicável à situação a ressalva contida na parte final do n.° 4 do mesmo art. 24°."

Assim, em função do vindo de discorrer, improcede o recursivamente invocado face ao item analisado.
* * *
Em face de tudo quanto supra vem expendido, entende-se que não merece censura a decisão recorrida.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, subsecção social do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Eliana de Almeida Pinto (Voto Vencido)

VOTO VENCIDO
Do Erro na Forma De Processo e da Caducidade do Direito de Ação
Discorda-se da decisão de formação do caso julgado formal do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo, proferido em 27 de fevereiro de 2023, ao decidir, quanto ao erro na forma de processo, que esta exceção se não verificava, já que se peticionou o reconhecimento de direitos, pela via de uma ação administrativa comum. Todavia, a decisão sobre tal exceção dilatória, proferida no despacho saneador, não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.ºs, 1 e 2 do artigo 644.º do CPC, onde se preveem os casos de recurso autónomo, sendo assim passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que ponha termo à causa, no caso, a sentença final. Ou seja, ao não ter sido absolvido réu da instância quanto aos pedidos, o recurso do sentido do referido despacho saneador pode ser interposto a final, com a sentença, o que foi feito.
Ou seja, a decisão concretamente apreciada sobre o erro na forma de processo, proferida no despacho saneador, não tinha transitado em julgado quando foi proferida a sentença recorrida, pois que a oportunidade para a parte se insurgir contra tal decisão apenas surgiu com a apelação da decisão final que pôs termo à causa, sendo certo que nesse momento, nessa oportunidade, o recorrente, Ministério, reagiu, razão pela qual o Tribunal Central administrativo do Sul não está impedido de o reapreciar.
Seguimos, de resto, de perto o Acórdão proferido por este TCA Sul, no processo 422/13.7BECTB, em 17 de dezembro de 2020, onde se pode ler “... O recurso da decisão tomada em sede de Despacho Saneador, que entendeu não ocorrer erro na forma de processo, e consequentemente, não se verificando a caducidade do direito de ação, não se enquadra em nenhuma das situações do n.º 1 e n.º 2, alíneas a) a i), do art. 644.º do CPC, pelo que da mesma não cabe apelação autónoma, mas sim, e ao invés, deverá esta ser impugnada em sede de recurso que vier a ser interposto da decisão final, ao abrigo do art. 142.º, n.º 5, e art. 147.º, ambos do CPTA...”.
Por outro lado, apreciando o decidido no referido Despacho Saneador, o autor requer o reconhecimento do direito do seu associado a auferir a remuneração devida, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, e 114.º do RCTFP, correspondente à diferença salarial que deixou de auferir, tendo o Tribunal a quo, no seu Despacho Saneador, assentando o seu entendimento no discorrido no Acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Norte, em 13.11.2020, no processo n.° 440/15.0BEVIS. Sobre o assunto, argumenta-se neste Acórdão que “... Em ambas as situações não se pretendia impugnar quaisquer atos administrativos, nem pedir a condenação da administração de emissão de quaisquer atos administrativos, mas antes o reconhecimento de um direito, no caso, o reconhecimento de uma situação jurídica laboral relativa à carreira profissional e a condenação da ré no pagamento das correspondentes diferenças salariais...”.
Porém, para se recorrer a uma ação de reconhecimento de direitos, cumulado com pedido de condenação, importa que se tratem de situações que direta ou imediatamente resultem da lei, ou seja, impliquem a existência de vínculos obrigacionais para a Administração, no âmbito das quais não se concebe a intervenção de poderes de definição jurídica da Administração, a apreciar no âmbito do clássico contencioso das ações. Por outro lado, a ação administrativa comum também pode ser utilizada para pedir a condenação da Administração no cumprimento do dever de prestar, desde que aquela decorra diretamente de normas administrativas (mas não envolva a prática de ato administrativo), ou tenha sido constituído por atos jurídicos, podendo ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto.
Mas será o caso?
Fundamenta o autor o direito a ver-lhe reconhecida a sua situação fáctico-jurídica como técnico de informática, com direito a receber a correspondente remuneração, fundamentando esse reconhecimento nos artigos 113.º/2 e 114.º do RCTFP.
Porém, o artigo 114.º do RCTFP remete para a entidade empregadora a determinação ou não do exercício esporádico de funções referentes às atividades contratadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do RCTFP.
Tal significa que o recurso à ação administrativa comum seria possível nos casos em que o dever de prestar não envolvesse a prática de ato administrativo (casos hoje previstos no artigo 37.º/1, alínea j), do CPTA – anterior n.º 2, alínea e) do mesmo artigo 37.º). Ou seja, não era aplicável às situações, como a aqui em discussão, que impusessem a prática de ato administrativo, como entendemos ser o caso dos autos, pois que o autor careceria sempre que a entidade empregadora lhe ordenasse o desempenho dessas funções esporádicas, desde que afins e funcionalmente ligadas às inerentes ao seu contrato de trabalho [portanto, integrantes da carreira de assistente técnico]. Tal significa que importa que a Administração faça um juízo ponderativo sobre o desempenho de funções esporádicas, afins e funcionalmente ligadas às inerentes às que corresponderiam às funções contratadas como assistente técnico. Esse juízo carece de uma intermediação administrativa que apenas a Administração Pública pode fazer, mediante a prática de ato administrativo.
Saber se o trabalhador está a desempenhar funções distintas das suas, ou seja, das contratadas, e saber se tem direito a ser ressarcido por elas é outra questão que, naturalmente, tem resposta do direito, mas não pela via das normas citadas dos artigos 113.º e 114.º do RCTFP, aplicável à época, e não pela via de uma ação de reconhecimento de direitos.
Assim, o meio processual adequado seria, efetivamente, a ação administrativa especial para condenação à prática de ato devido, e não o da ação para reconhecimento de direitos, devendo o autor provar os pressupostos da respetiva ação, nos termos do disposto nos artigos 66.º a 71.º do CPTA, devendo para o efeito serem observados os prazos definidos no artigo 69.º do mesmo Código.
De resto, no artigo 19.º da Petição Inicial o autor confessa ter dirigido requerimento, datado de 28 de outubro de 2008, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, descrevendo a sua situação de facto e requerendo a sua reclassificação na categoria de técnico de informático do, então, Quadro único de Vinculação dos Serviços Externos do MNE, sem que tivesse havido qualquer pronúncia.
Recorda-se, ainda, que o objeto do processo condenatório no contencioso administrativo corresponde à pretensão do interessado (artigo 66.º/2 do CPTA). Será este o objeto do processo, quer quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de ato de conteúdo negativo, que, por isso, se pretende implicitamente impugnar. Daqui se retira que o objeto destes processos nunca será o ato administrativo, mas antes o direito do particular a uma determinada conduta da Administração.
Ao contrário, as ações de reconhecimento, como a que vem proposta, são ações de simples apreciação de qualidades ou posições jurídicas, decorrentes diretamente de normas jurídico-administrativas, nos termos do artigo 37.º, alíneas a) e b) do CPTA aplicável ao tempo. Por outro lado, as ações de prestação, consagradas, essencialmente no artigo 37.º, alínea e) do CPTA, são as que se resumem a pedidos de condenação, como nos autos, da Administração no cumprimento do dever de prestar que decorram e resultem diretamente de normas administrativas, desde que não envolvam a prática de ato administrativo.
Não é o que está em causa, como acima melhor foi explicitado. O autor propôs a ação de reconhecimento porque sabe ter deixado caducar o seu direito de ação.
Procederia o recurso, tendo de aditar dois factos referentes à confissão do autor de que requereu ao MNE a sua reclassificação profissional e a data da propositura da presente ação, uma vez que, tendo o autor requerido, em 28 de outubro de 2008, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, a sua reclassificação profissional e não tendo obtido resposta, trata-se de uma omissão ilícita que lhe impunha a propositura de uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido que ao tempo da propositura da presente ação seria extemporânea.
Do Erro de Julgamento – artigos 113.º e 114.º do RCTFP
O discurso fundamentador do Relator assenta na ideia de que “... a Sentença Recorrida terá aplicado essencialmente à situação em apreciação o art. 113°, n.° 1 do RCTFP, enquanto Direito aplicável, tanto mais que não faria sentido dar tratamento mais favorável a trabalhador que desempenhasse as mesmas funções a título esporádico, como decorreria da aplicação descontextualizada e literal do Artº 114º n.° 2, do RCTFP...”.
De resto, este foi o raciocínio usado pelo Tribunal a quo, com o qual discordamos.
Vejamos porquê.
O artigo 113.º do RCTFP tem como âmbito objetivo de aplicação a possibilidade de, esporadicamente, por decisão da entidade empregadora, o trabalhador poder vir a desempenhar funções diferentes, desde que sejam afins e/ou estejam funcionalmente relacionadas ao desempenho das atividades para os quais foi contratado, in casu, as atividades inerentes a um assistente técnico, desde que o trabalhador detenha qualificações profissionais para esse desempenho, determinando, muito naturalmente, nestes casos, o artigo 114.º do mesmo RCTFP, o direito do trabalhador receber uma remuneração correspondente ao nível remuneratório imediatamente superior ao detido e que esteja previsto na categoria a que correspondam tais funções.
Não foi sequer feita qualquer prova sobre os pressupostos implícitos neste dispositivo legal. Nada nos é dito, em concreto, sobre a afinidade e relação das funções que passou a desempenhar e as funções inerentes ao seu contrato de trabalho em funções públicas.
Por outro lado, este artigo está previsto para o exercício de funções referentes à mesma carreira, ainda que inerentes a categoria distinta [caso das carreiras pluricategoriais, como a de assistente técnico], razão pela qual o artigo 114.º do RCTFP se refere apenas à categoria a que correspondam aquelas funções, e não a carreiras, permitindo-nos concluir que não se pretende regular o desempenho de funções completamente distintas, inerentes a carreiras distintas, mas antes a categorias diferentes, dentro da mesma carreira, já que para tal desempenho inerente a distintas carreiras está prevista a possibilidade de proceder a uma reclassificação profissional, tendo em conta que o desempenho de funções de técnico superior de informática se afigura ter caráter nada esporádico, assumindo, até, natureza permanente e, talvez por isso, esse pedido foi efetivamente dirigido ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, a 28 de outubro de 2008. Nesta data, ainda não estavam em vigor os artigos 59.º a 64.º da LVCR que apenas entrou em vigor em 2009, conforme artigo 118.º/5 da LVCR.
A reclassificação e a reconversão profissionais, cujo regime é estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 497/99, de 19 de novembro, e estava em vigor, ainda, à data dos factos, constituem instrumentos de mobilidade intercarreiras que podiam ser utilizados pela Administração, por sua iniciativa ou a requerimento dos interessados, com vista a uma melhor gestão dos recursos humanos, assentando no desajustamento funcional entre o conteúdo funcional da carreira de que o funcionário seria titular e as funções efetivamente exercidas pelo mesmo (vide alínea e) do artigo 4.º). Os requisitos cumulativos para proceder à reclassificação funcional do funcionário encontravam-se previstos no seu artigo 7.º.
No caso dos autos, o que está em causa é uma verdadeira situação de reclassificação profissional, de resto, peticionada, e para a qual nunca houve resposta, mas que o autor também deixou consolidar, sem reagir judicialmente.
Ou seja, ao caso do autor não seriam aplicáveis as disposições legais consagradas nos artigos 113.º e 114.º do RCTFP suscitado.
Subsidiariamente, e porque se provou que o autor exerceu efetivamente funções que se desenquadrariam das inerentes à sua carreira profissional, mas que seriam próprias de uma distinta carreira, de grau de complexidade superior à detida, o recebimento dos diferenciais remuneratórios poderiam ser obtidos pelo instituto do enriquecimento sem causa, subsidiário, nos termos do artigo 474.º do CC, considerando que, nos termos do artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil “...o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito...”, devendo, no entanto, servir-se necessariamente dos factos articulados pelas partes.
Eliana de Almeida Pinto