Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:944/19.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA;
NULIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE AUDIÊNCIA;
REJEIÇÃO POR INEXISTÊNCIA DE ATO;
FALTA DE REQUISITOS GERAIS DE DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA.
Sumário:I. A comunicação eletrónica de um órgão municipal dirigida a uma autoridade militar (GNR), com conteúdo informativo sobre o horário de funcionamento de um certo estabelecimento, não constitui um ato administrativo na aceção dos artigos 148.º do CPA e 51.º do CPTA, para que possa ser suspenso nos seus efeitos.

II. Constituem características gerais da adoção das providências cautelares, que as mesmas sejam necessárias, adequadas, instrumentais, provisórias e úteis a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, segundo o disposto no artigo 112.º, n.º 1 do CPTA.

III. Mostra-se ainda exigível a configuração de uma situação de urgência, que se não se compadeça com a delonga própria do processo principal.

IV. Se a tutela cautelar requerida não for apta ou adequada a produzir o efeito jurídico de prevenir ou acautelar qualquer situação jurídica, faltarão os necessários pressupostos para o decretamento da providência requerida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Município de Sintra, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 10/10/2019, que no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, após convolação do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, requerido por S..... & M......., Lda., determinou a suspensão de eficácia do ato que ordenou a restrição do horário de funcionamento do estabelecimento comercial “C.......”, devendo manter-se em funcionamento até às 02H00.


*

Formula o aqui Recorrente, Município de Sintra, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1- O ato objeto do pedido de suspensão de eficácia, não é um ato administrativo, na medida em que se trata de uma mera comunicação estabelecida, entre muitas, com a Guarda Nacional Republicana (GNR) de Colares, respeitante ao estabelecimento da requerente.

2- Também não se trata de uma decisão, o que subsiste é uma mera correspondência trocada via e-mail, entre a Exma. Sra. Chefe da Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas (DLAE), Dr.ª F......., ao Exmo. Sr.º Comandante da GNR de Colares, relativamente ao estabelecimento denominado “C.......” sito na Av. do Atlântico, n.º……., Praia das Maçãs, Colares, Sintra.

3- Assim, no âmbito da variada correspondência trocada com a GNR de Colares e contrariamente ao concluído na sentença recorrida, não foi dada qualquer ordem à GNR, a Chefe da DLAE apenas comunicou que, a deliberação de Câmara que determinou, pelo período de um ano, o alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento da requerente, das 24:00h para as 2:00h, tinha terminado em 10 de julho de 2019.

4- A Exma. Sr.ª Chefe da DLAE, não tem qualquer competência para dar ordens à GNR, nem para tomar decisões sobre o alargamento de horários dos estabelecimentos de Sintra, razão pela qual a comunicação foi efetuada através de e-mail, e teve como destinatário, não a requerente, mas a GNR.

Sobre esse e-mail não existiu qualquer despacho superior de concordância, nem tinha que existir, já que não ocorreu nenhuma decisão, mas sim uma mera comunicação de um facto.

5- Aliás, a corroborar o exposto, a GNR respondeu que “…é responsável pelo cumprimento da missão da Guarda na área de responsabilidade que lhe for atribuída, na dependência direta da sua cadeia de comando e não dos órgãos autárquicos locais, assim sendo, …desconhece o ato a que a requerente se refere não podendo este assim ter acontecido.

6- É neste sentido que se entendeu, e continua a entender que, não existindo nenhuma decisão e que não foi a requerente a destinatária da comunicação em causa, não existe qualquer ato administrativo, nos termos do conceito expresso no artigo 148.º do CPA, pelo que, deve a Providência Cautelar ser rejeitada e, em consequência, ser o Município de Sintra absolvido da instância, nos termos do disposto nos artigos 51.º a 53.º do CPTA.

7- Com efeito, não concordando a requerente da presente providência com o período de um ano do horário de funcionamento do estabelecimento, das 24:00h às 2:00h, o qual, como bem sabe, foi aprovado em deliberação de Câmara de 10 de julho de 2018, sob a proposta n.º …………… deveria ter reagido no prazo concedido para o efeito.

8- Não o tendo feito, limitando-se a esperar pelo termo final do prazo, a deliberação de Câmara, essa sim, um verdadeiro ato administrativo nos termos do conceito estabelecido pelo artigo 148.º do CPA, consolidou-se na ordem jurídica.

9- Cumpre a este propósito referir que, nos termos do art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo, os atos administrativos podem ser sujeitos pelo seu autor a um termo final que consiste numa cláusula resolutiva cuja “verificação determina a cessação da produção dos efeitos do ato.

10- In casu, o autor do ato administrativo determinou que o mesmo vigora “…pelo prazo de 1 ano, a contar da data da deliberação desta câmara…” (Ponto 9 da Proposta n.º 514-PM/2018, de 3.07), e assim sendo, sujeitou a sua eficácia a um termo final. Ora, verificando-se esse termo – a 10 de julho de 2019 – cessou a eficácia da referida deliberação da Câmara Municipal quanto ao alargamento do horário de funcionamento do citado estabelecimento para as 2H00.

11- Ora, a Providência Cautelar só deu entrada a 30/08/2019, a qual tem uma relação direta com a ação principal, sendo que o art.º 123.º do CPTA determina que, se o requerente não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou, a providência caduca.

12- Nos termos do disposto no art.º 58.º do CPTA, a impugnação de atos anuláveis deve ser intentada no prazo de três meses, contados da data da notificação ou do conhecimento do ato. Assim, tendo já passado mais de um ano sobre a prolação do ato impugnado, o ato administrativo consubstanciado na deliberação da CMS, de 10 de julho de 2018, já se consolidou na ordem jurídica. Pelo que deve a presente providência ser rejeitada e a entidade demandada absolvida da instância.

13- Mais acresce que, em 11 de junho de 2019, deu entrada neste Município, o pedido de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento das 24.00h para as 3:00h. Apreciado o referido pedido e antes de ser tomada a decisão final, procedeu-se à audiência da requerente, nos termos do disposto no artigo 121.º e seguintes do CPA (ofício SM n.º 39204 de 01.07.2019).

14- Sucede que a requerente exerceu o direito de audiência, ainda não existindo decisão final sobre o pedido de alargamento. A decisão final que vier a recair sobre o pedido será, essa sim, suscetível de recurso.

15- Relativamente ao requisito do fumus boni iuris, a verificação do preenchimento deste requisito assenta, na apreciação sobre a aparência do bom direito, por reporte às ilegalidades que são assacadas ao ato em causa.

16- Para efeitos da apreciação deste requisito de concessão da providência cautelar, a sentença recorrida limitou-se a concluir que nos termos do disposto no artigo 12.º do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Município de Sintra, a restrição de horário passa por todo um procedimento administrativo, que inclui pareceres de várias entidades.

17- Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Regulamento, o estabelecimento comercial em causa tem horário de funcionamento das 7.00h às 24.00h, ou seja, este é o regime regra por que se deve pautar.

18- Não obstante o disposto neste artigo, por deliberação da Câmara Municipal de Sintra, datada de 10 de julho de 2018, sob a Proposta n.º 514-PM/2018, de 3 de julho, foi concedido o alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento em referência até às 2H00, vigorando este alargamento, nos termos do ponto 9 da aludida Proposta, pelo prazo de um ano, a contar da deliberação da Câmara Municipal, podendo ser objeto de restrição, nos termos do art.º 12.º do Regulamento Municipal em referência.

19- Assim, o alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento terminou em 10 de julho de 2019, pelo que, passada esta data, o horário de funcionamento passou a ser o constante do n.º 2 do artigo 6.º do referido Regulamento das 7.00h às 24.00h. Isto é, não existe qualquer restrição do horário de funcionamento, mas sim a caducidade do alargamento anteriormente concedido.

20- O Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro (diploma que aprovou o Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração, doravante, apenas, RJACS) veio consagrar o princípio da liberdade de horário de funcionamento da generalidade dos estabelecimentos, alterando o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio.

21- Nos termos do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, as Câmaras Municipais podem proceder à alteração do horário dos estabelecimentos, observados os requisitos nele elencados.

22- Como bem se conclui na douta sentença recorrida, não existiu, nem tinha que existir, qualquer procedimento administrativo, nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 1 do referido Regulamento. Na verdade, para além de não se ter verificado qualquer restrição do horário do estabelecimento, uma vez que o período de alargamento vigorou apenas para o período de um ano, tendo terminado em 10 de julho de 2019, também do e-mail da Chefe da DLAE não se pode retirar ter existido qualquer decisão, logo, qualquer ato administrativo, por parte do Município ora recorrente.

23- E tanto que assim é que, existindo dois procedimentos a decorrer: um para alargamento do horário de funcionamento e outro de restrição do horário para as 22:00h, relativamente a estes, o Município de Sintra encetou todo um procedimento administrativo com a audição das entidades contempladas no artigo 12.º do Regulamento

24- Mal andou a sentença recorrida, incorrendo num patente erro de julgamento, ao considerar verificado, no caso concreto, o requisito de fumus boni iuris previsto no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, ao decidir que o e-mail da Chefe da Divisão dirigido ao Posto Territorial de Colares, é um ato administrativo e que do mesmo resultou uma restrição do horário de funcionamento do estabelecimento da Autora, para assim concluir pela probabilidade da pretensão formulada no processo principal vir a ser julgada procedente.

25- Relativamente ao requisito do periculum in mora, refere a sentença recorrida que, “ (…) ele se verifica, desde logo atendendo aos interesses que o legislador pretende cautelar uma actividade económica a qual, obviamente, não se pode desenvolver se o estabelecimento tiver um horário de funcionamento mais restrito do que o inicialmente autorizado-com evidente prejuízo para o proprietário, concessionário, administrador ou gerente desse mesmo estabelecimento.”

26- Não se entende assim, como é que o facto de o horário de funcionamento voltar ao seu normal, pode, de alguma forma, obviar ao desenvolvimento da atividade económica da recorrida. É que em concreto, o que nos prende na presente questão, são apenas duas horas de diferença em relação ao horário habitual, o que certamente fará com a recorrida não encare estas medidas com agrado, mas que estrão muito longe de lhe impedir o desenvolvimento da sua atividade económica.

27- Não nos encontramos perante medidas que levem ao encerramento do estabelecimento, estamos apenas, e só, no âmbito do regime regra do Regulamento dos Períodos de Abertura e Funcionamento dos Estabelecimentos de venda ao público e de Prestação de serviços no Município de Sintra, o qual, aprovado pela Assembleia Municipal de Sintra em 5 de julho de 2016, nunca foi objeto de qualquer impugnação.

28- Importa a este respeito informar, que após o prazo de um ano, foi restabelecido o horário anteriormente existente, isto é, entre as 7h00 e as 24h00, sendo certo que à presente data corre termos no Município de Sintra um processo, esse sim, com vista à restrição de horário de funcionamento para as 22H00.

29- Ora, esse processo de restrição do horário de funcionamento para as 22.00h, está a seguir escrupulosamente o previsto no artigo 12.º do Regulamento dos Períodos de Abertura e Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Município de Sintra, tendo a requerente, após se ter procedido à consulta das entidades ali mencionadas, sido notificada em fase de audiência dos interessados.

30- Sendo que o suposto ato ora impugnado não é um verdadeiro ato administrativo, trata-se de uma mera comunicação estabelecida com a Guarda Nacional Republicana (GNR) de Colares, respeitante ao estabelecimento denominado “C.......” sito na Av. do Atlântico, n.º ……, Praia das Maçãs, Colares, Sintra, pelo que não fica demonstrado o requisito do periculum in mora, o que aliado à falta de demonstração da aparência de bom direito, determina a rejeição da providência cautelar.

31- O interesse invocado pela Autora não merece a tutela do direito, quando em contraponto está a defesa da ordem pública e das normas de direito público (e no que toca a bens jurídicos previstos na CRP: direito ao descanso e tranquilidade dos residentes locais), devendo a esta Entidade Pública prosseguir o interesse público e não interesses privados, meramente egoísticos.

Pelo que na ponderação dos interesses em presença, terá necessariamente de prevalecer o interesse público sobre o invocado interesse privado, que é ilegal.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida, proferindo-se nova decisão que julgue improcedente o pedido.


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A Requerente, ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

“1ª) Nos termos do disposto no artº 143º nº 2 alínea b) do CPTA, nos processos cautelares, o recurso tem efeito meramente devolutivo, pelo que, o recurso ora interposto deve ser admitido com efeito meramente devolutivo.

2ª) Vem a apelante recorrer da douta decisão proferida nos autos, invocando erro de julgamento, cingindo-se à matéria de direito, porquanto, não impugnou a matéria de facto julgada provada, a qual se deve ter por definitivamente assente, pretendendo obter a revogação da douta sentença proferida.

3ª) Ao contrário do que o Apelante pretende fazer crer, a douta decisão recorrida fez a mais correcta interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, face à prova produzida, tendo ponderado e analisado conjunta e devidamente todos os meios de prova, não tendo sido violadas quaisquer das normas jurídicas indicadas pelo Apelante nas suas alegações de recurso.

4ª) Como muito bem se refere na douta decisão recorrida: “O Município veio alegar a inimpugnabilidade do acto, com o fundamento de não estarmos em presença de um acto administrativo, mas de uma simples ordem dada à GNR, respeitante ao horário do estabelecimento.

Cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do disposto no artº 51º do CPTA são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Ora, no caso dos autos, dúvida não sofre que essa ordem (referida pelo requerido) dada à GNR, dimana do Município de Sintra, entidade administrativa com poderes para determinar o horário de funcionamento de um estabelecimento comercial como o dos autos, através dos seus departamentos, neste caso do departamento das Actividades Económicas.

Pelo que, improcede a alegação de inimpugnabilidade do acto aqui em apreço.” – o negrito e o sublinhado são nossos.

5ª) Improcedem, assim, as conclusões 1 a 14 e 30 das alegações de recurso do apelante.

6ª) Relativamente ao requisito do fumus boni iuris, o mesmo encontra-se devidamente preenchido, como resulta da douta sentença recorrida: “Nestes autos cautelares, a requerente alicerça o requisito do fumus boni iuris:

- no Alvará de licenciamento do seu estabelecimento, datado de 1983 – nº 2 do probatório e Alvará de fls. 9 dos autos.

- no seu horário de funcionamento permitido - nº 4 do probatório

- e na sua restrição de modo ilegal – nº 12 do probatório

Por sua vez, a entidade requerida alegou, como fundamento para a revogação do horário de funcionamento:

- a caducidade da autorização – nº 4 do probatório

- a informação negativa da GNR – nº 6 do probatório

- o ensaio de avaliação acústica desconforme com o regulamento – nº 9 do probatório

- o disposto no artº 6º nº 2 do regulamento aplicável – horário entre as 7 e as 24 horas Vejamos:

Dos factos provados ressalta à evidência que a razão está do lado da Requerente.

Atente-se que, nos termos da Proposta nº 514-PM/2018 e respectiva Deliberação, foi deferido o alargamento do horário até às 2:00h, ― podendo ser objecto de restrição nos termos do artº 12º(…)‖.

Dispõe o artº 12º do Regulamento Deliberado pela CMS em 10 de Maio 2016, aprovado pela Assembleia Municipal em 5 de Julho de 2016 e publicado pelo Aviso nº 10951/2016, DR II, nº 168, de 1 de Setembro de 2016:

Regulamento dos Horários de Funcionamento dos estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Município de Sintra


ARTº 12º

Restrição de horário


1 – A Câmara Municipal pode, ouvidas as associações de empregadores, sindicais as associações de consumidores e a junta de freguesia onde o estabelecimento se situe, restringir o horário praticado, por sua iniciativa ou a requerimento dos particulares, para um estabelecimento ou para um conjunto de estabelecimentos, desde que exista grave perturbação da tranquilidade, repouso e qualidade de vida dos cidadãos, ou por razões de segurança.

2 – A decisão é sempre tomada com base nos princípios da proporcionalidade, adequação e prossecução do interesse público.

3 – As competências referidas no presente artigo são delegáveis no Presidente da Câmara nos termos da lei.

4 – Os pareceres das entidades referidas no nº1, caso não sejam emitidos no prazo de 10 dias seguidos, presumem-se favoráveis à restrição de horário.

5 – A decisão de restrição do horário de funcionamento nos termos deste artigo é antecedida de audiência prévia do interessado, que dispõe de 10 dias úteis a contar da data da sua notificação, para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.

6 – A restrição de horário é aplicável ao estabelecimento enquanto universalidade, incluindo direitos e obrigações, independentemente de quem seja o respectivo titular e ao facto do mesmo poder ser distinto ao longo do tempo.

7 – Em caso de mudança de titular assiste ao mesmo o direito de pedir a reapreciação da restrição por parte da Câmara Municipal, não tendo o pedido efeito suspensivo.

8 – A Câmara Municipal deve pronunciar-se sobre o pedido em 45 dias úteis.

Conforme resulta da citada norma, a restrição de horário de um estabelecimento passa por todo um procedimento administrativo que implica pareceres de várias entidades, entidades essas que o Município de Sintra não consultou.

Com efeito, não resulta do processo administrativo junto aos autos que tivessem sido ouvidas associações de empregadores, sindicais, associações de consumidores, nem da Junta de Freguesia.

O que resulta foi uma ordem dada à GNR, porém, essa ordem teria de ser uma decisão precedida de todo um procedimento administrativo, nos termos do artº 12º do regulamento, que a Câmara se propôs cumprir (cf. nº 4 do probatório) e não demonstra ter cumprido.

É que o legislador, ao regular a restrição do horário de funcionamento de um estabelecimento comercial, também quis proteger interesses empresariais e concorrenciais (por isso mandou ouvir associações de empregadores), laborais (de quem lá trabalha, por isso mandou ouvir os sindicatos) e do bem estar ( ou não) da população ( por isso mandou ouvir a junta de freguesia da área do estabelecimento).

Uma restrição de horário de funcionamento obedece a trâmites administrativos e terá de ser precedida de um procedimento administrativo, que o Município não demonstra ter cumprido, como era seu ónus, nos termos do artº 342º, nº 1 do Código Civil.

Por isso o fumus boni iuris revela-se a favor da Requerente e não do Município Demandado, sendo provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.” – o negrito e o sublinhado são nossos.

7ª) Improcedem, assim, as conclusões 15 a 24 das alegações de recurso do Apelante.

8ª) A Apelada nunca foi notificada da deliberação a que o Apelante faz referência nas suas alegações de recurso, como resulta do facto julgado provado no ponto 5 da douta sentença recorrida.

9ª) No que respeita ao requisito do periculum in mora e à ponderação dos interesses públicos e privados, a douta sentença recorrida refere, nomeadamente, que: “E quanto ao periculum in mora também ele se verifica, desde logo atendendo aos interesses que o legislador pretende cautelar – uma actividade económica a qual, obviamente, não se pode desenvolver se o estabelecimento tiver um horário de funcionamento mais restrito do que o inicialmente autorizado – com evidente prejuízo para o proprietário, concessionário, administrador ou gerente desse mesmo estabelecimento.

E quanto aos interesses públicos e privados em presença, também não se pode indeferir uma providência, numa ponderação antecipada, nos termos do artº 120º nº 2 CPTA. É que, neste caso, tratando-se de uma zona de veraneio, o interesse público tanto pode manifestar-se num horário mais alargado do estabelecimento (por isso o legislador impôs regras apertadas quando se trate de restringir o horário, regras estas que a própria Câmara Municipal de Sintra adoptou no seu regulamento), como o interesse público se pode manifestar num horário menos alargado numa zona de não veraneio, mas de uma zona residencial.

Pelo que, entende o Tribunal, ponderados os interesses em presença e o disposto no Regulamento aplicável, que é de conceder a Providência requerida.”

10ª) Nesta conformidade, como resulta do que já se deixou dito, a providência decretada é a adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.

11ª) Pelo que, devem improceder as conclusões 25 a 31 das alegações de recurso do Apelante.

12ª) A douta sentença recorrida não violou quaisquer disposições legais, tendo feito a mais correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, devendo a mesma ser mantida nos seus precisos termos, improcedendo todas as conclusões vertidas nas alegações de recurso.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença proferida.


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Notificado o Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, o mesmo não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente no recurso jurisdicional interposto, sendo o seu objeto delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões colocadas consistem em saber se enferma a sentença recorrida de:

1. Erro de julgamento, por inexistência de ato administrativo, devendo a providência ser rejeitada;

2. Erro de julgamento, por caducidade da providência, por falta de impugnação da deliberação camarária de 10/07/2018, sob Proposta n.º 514-PM-P/2018;

3. Erro de julgamento no tocante ao requisito do fumus boni iuris;

4. Erro de julgamento quanto ao requisito do periculum in mora;

5. Erro de julgamento no tocante ao juízo de ponderação de interesses.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. A Requerente é proprietária do estabelecimento comercial de restaurante-café- marisqueira, denominado “C.......”, o qual se encontra instalado no imóvel sito na Av. Do Atlântico, nº……., Praia das Maçãs, 2705-288 Colares, como se comprova pelo respetivo Alvará de Licença Sanitária nº 3……., Classe 3ª, emitido pela Câmara Municipal de Sintra (CMS) em 20 de Julho de 1983, que ora se junta e dá por reproduzido para todos os legais efeitos - Doc.º n.º 1, fls. 9 dos autos.

2. A Requerente explora tal estabelecimento comercial desde há, pelo menos, 36 anos, sendo que o estabelecimento, nomeadamente, nos anos de 2015, 2016 e 2017 encontrava-se a funcionar no horário das 20:00H até às 04:00H, como se comprova pelos Mapas de Horário de Funcionamento que ora se juntam e dão por reproduzidos para todos os efeitos legais - docºs nºs 2, 3 e 4, fls. 10 e 11.

3. Em 2 de Julho de 2018, a Autora requereu o alargamento do horário de funcionamento do mesmo até às 03:00H, tendo pago para tanto o valor de 448,40€, como se comprova pelos documentos que se juntam e dão por reproduzidos para todos os efeitos legais - docºs nºs 5 e 6, fls. 11 v. e 12.

4. Em 10/07/2018, foi deferido o alargamento do referido horário de funcionamento apenas até às 02:00H, em virtude do parecer negativo da GNR de Colares para que o mesmo funcionasse até às 03:00H, a vigorar pelo prazo de 1 ano – Doc. nº 7, fls. 12 v. a 14, nos termos seguintes, no que aqui importa:

“(…)


“(texto integral no original; imagem)”

- fls. 14.

5. A requerente não foi notificada desta Deliberação – ausência de comprovativo de notificação pela demandada.

6. Com data de 31 de Agosto 2018, a GNR informou a Câmara Municipal de Sintra de reclamações e que ― o funcionamento deste estabelecimento está a provocar enorme alarme social‖, conforme ofício de fls.62/63 que se dá como reproduzido

7. Com data de 11 de Junho de 2019, a requerente solicitou junto da CMS a renovação do alargamento do horário de funcionamento do seu estabelecimento para vigorar a partir de 11 de Julho de 2019, uma vez que o horário do estabelecimento concedido anteriormente tem como termo o dia 10 de Julho de 2019, tendo pago a quantia de € 250,00 – doc.s 8 e 9, fls. 14 v., 15 e 15 v.

8. O pedido de alargamento de horário da requerente mereceu proposta de indeferimento da pretensão – fls. 7, 8 e 9 do p.a..

9. De acordo com o regulamento Geral de Ruído o ensaio de avaliação acústica foi negativo – fls. 28 a 37 do p.a.

10. A Chefe de Divisão de Licenciamento das Actividades Económicas da CMS enviou correspondência electrónica para a GNR, informando que o estabelecimento dos autos ― só poderá laborar no horário compreendido entre as 7:00h e as 24:00 h, conforme dispõe o artº 6º nº 2 do Regulamento dos Horários de Funcionamento de Sintra – fls. 81 v

11. Foi elaborado um abaixo assinado de frequentadores do estabelecimento dos autos, em data não apurada, pedindo a abertura do estabelecimento até ás 4:00 h, durante a época de veraneio.


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Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditam-se os seguintes factos, com relevo para a decisão a proferir:

12. No decurso do ano de 2018 a Câmara Municipal de Sintra começou a obrigar os estabelecimentos existentes a funcionarem no horário previsto no “Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do Município de Sintra”, publicado no Aviso n.º 10915/2016, na 2.ª Série do Diário da República, podendo o estabelecimento da ora Recorrida funcionar apenas até às 24H00 – Acordo;

13. No decurso do ano de 2018, a ora Recorrida encerrou o seu estabelecimento – confissão (artigo 8.º do requerimento inicial).

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa entrar na análise das questões colocadas para decisão.

1. Erro de julgamento, por inexistência de ato administrativo, devendo a providência ser rejeitada

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida com o fundamento de que não existe ato administrativo, assentando a sentença em pressupostos errados.

Sustenta que o ato objeto do pedido de suspensão de eficácia não é um ato administrativo, por se tratar de uma mera comunicação estabelecida entre a Guarda Nacional Republicana sobre o estabelecimento da Requerente.

Não existindo nenhuma decisão e não sendo a Requerente a sua destinatária, não existe ato administrativo, pedindo a sua absolvição da instância.

Vejamos.

Antes de mais importa analisar a configuração do presente litígio, nos termos em que o mesmo foi apresentado em juízo pela ora Recorrida.

A ora Recorrida começou por apresentar em juízo um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, em que peticionou a intimação do Município de Sintra a se abster da prática de atos que impeçam o funcionamento do estabelecimento no horário que possuía anteriormente, dando sem efeito a comunicação que enviou à GNR de Colares, em 15/07/2019, a informar que o estabelecimento só pode funcionar até às 24H00.

Em resposta ao despacho de convite à substituição da petição inicial para requerer a adoção de providência cautelar, por ser suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar (cfr. fls. 20), não sendo o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias o meio processual adequado, a ora Recorrida veio apresentar novo articulado em que requereu a adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, consubstanciado na decisão comunicada em 15/07/2019 pela Chefe de Divisão da DLAE da Câmara Municipal de Sintra, à GNR de Colares, no sentido de declarar que o horário de funcionamento do estabelecimento comercial da Requerente que então vigorava, caducou e ordenar a fiscalização do cumprimento do novo horário de encerramento às 24H00.

A sentença recorrida na sua fundamentação de direito na análise do requisito do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, veio identificar “que o pedido cautelar da requerente – suspensão de eficácia do acto administrativo identificado no n.º 12 do probatório ao informar a GNR que o estabelecimento só poderia funcionar entre as 7 e as 24 horas – assenta no alegado direito à requerente de poder exercer a actividade comercial no seu estabelecimento licenciado.” (fls. 11 da sentença).

No entanto, ao contrário do referido, o julgamento da matéria da sentença recorrida conta apenas com 11 pontos, pretendendo o tribunal a quo antes referir-se ao ponto 10 da matéria de facto assente.

Analisando não apenas o que consta do teor do ponto 10 da matéria de facto, mas o integral conteúdo do documento nele referido, enquanto meio de prova, é possível aferir que assiste razão ao ora Recorrente no sentido de estar em causa a transmissão de uma mera informação e não a prática de um ato administrativo que reúna as características previstas no artigo 148.º do CPA e do artigo 51.º do CPTA.

Tendo a ora Recorrida sido notificada para substituir a petição inicial para formular o pedido cautelar, deveria ter formulado o pedido de intimação à adoção de conduta, no caso de pretender um horário diferente daquele que existe, ou uma providência de abstenção de conduta, no caso de pretender evitar a consumação da alteração do horário para as 24 horas.

No entanto, é possível verificar que logo no primeiro articulado apresentado a Autora alegara no artigo 8.º, mediante confissão, que o estabelecimento se encontra encerrado.

Ao contrário do alegado no requerimento inicial e do decidido na sentença recorrida, a comunicação eletrónica enviada pela Chefe de Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Sintra para a GNR de Colares a informar que o estabelecimento comercial da ora Recorrida só pode funcionar no horário compreendido entre as 07H00 e as 24H00, não constitui um ato administrativo que possa ser suspenso nos seus efeitos.

Não assiste razão à Requerente quanto à configuração da comunicação eletrónica emitida como um ato administrativo e, consequentemente, como decisão suspendenda no presente processo cautelar ou sequer a impugnar na ação administrativa instaurada ou a instaurar.

Nesse sentido, carece de sentido tudo quanto se mostra invocado na sentença recorrida, que acolhe tal solução, sob o pressuposto de se tratar de um ato administrativo.

O conceito de ato administrativo é o que vem previsto no artigo 148.º do CPA, sendo a decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Nos termos daquele preceito, a primeira característica de um ato qualificável como administrativo é a sua natureza de ato decisório, ou seja, de estatuição autoritária, determinação prescritiva ou resolução sobre uma certa situação jurídico-administrativa concreta, que define inovatoriamente o direito para esse caso concreto e é capaz de produzir, por si só, o efeito jurídico nela definido, dispensando a vontade constitutiva da parte contrária, seu destinatário.

Assim, o artigo 148.º do CPA afasta do conceito de ato administrativo e, consequentemente, do pressuposto da impugnabilidade quaisquer declarações jurídicas da Administração que não contenham verdadeiro conteúdo decisório.

Excluídos do universo da qualificação como ato administrativo estão, por isso, todos os atos cuja falta de perfil decisório resulte da circunstância de se traduzirem na análise preparatória ou instrutória desse ato, que informem, analisem ou constituem uma proposta de decisão sobre certa situação jurídica, submetendo ao órgão decisor um certo conteúdo para decisão ou que transmitam a outro órgão certa informação, com intuito não de decidir algo que anteriormente não esteja já decidido, mas meramente de informar.

É o que ocorre no caso dos autos com a mensagem de correio eletrónico enviada por um órgão administrativo a uma autoridade militar, como é a GNR.

Como decorre do seu próprio sentido literal, essa mensagem limita-se a informar certa situação jurídico-administrativa concreta, sem decidir nada, não se traduzindo num comando decisório inovador.

Por isso, tal conteúdo informativo é inimpugnável, justamente por não ser um verdadeiro ato administrativo, já que se limita a transmitir uma informação, sem nada decidir ou inovar, isto é, sem apresentar qualquer efeito jurídico inovatório.

Por conseguinte, carece totalmente de fundamento as razões que se mostram invocadas contra a citada correspondência eletrónica, como se ela fosse um ato administrativo impugnável, na aceção dos artigos 148.º do CPA e 51.º do CPTA.

Termos em que, procede o erro de julgamento, por errada apreciação dos factos e sua respetiva subsunção ao direito aplicável.


*

Em consequência, fica prejudicado o conhecimento e decisão de tudo quanto se mostra alegado e decidido a respeito do decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, por não estar em causa uma decisão administrativa que possa ser suspensa nos seus efeitos.

Não sendo a informação comunicada um ato administrativo, faltam os necessários pressupostos para se que conheçam dos demais fundamentos do recurso, quer no respeitante à caducidade da providência, por falta da sua impugnação judicial, quer no respeitante aos demais critérios de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, do fumus boni iuris, do periculum in mora e da ponderação de interesses.

Cumpre decidir, em substituição, do Tribunal a quo.

2. Da falta dos pressupostos gerais de decretamento de providência cautelar

Não obstante a inexistência de ato administrativo cujos efeitos possam ser suspensos na sua eficácia, considerando o poder que assiste ao juiz de adotar providência cautelar diversa daquela que haja sido requerida, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 3 do CPTA, impõe-se analisar se, no presente caso, em face dos factos que constam do julgamento de facto, designadamente, daqueles que ora foram aditados neste Tribunal ad quem, segundo a alegação factual da Requerente no respetivo requerimento inicial, se é possível o decretamento de outra providência cautelar.

Para o efeito, poderá dar-se o caso de não ser possível decretar a providência cautelar de suspensão judicial de efeitos de ato administrativo, por inexistir ato impugnável, mas estarem verificadas as condições, designadamente, no respeitante aos respetivos pressupostos de facto do caso concreto, para que seja decretada outra providência cautelar.

Porém, o facto que consta no ponto 13 do julgamento da matéria de facto inviabiliza o decretamento de qualquer providência cautelar.

Desde meados de 2018 que o estabelecimento da Requerente se encontra encerrado, pelo que, faltam os pressupostos gerais que caracterizam a tutela cautelar para que alguma providência cautelar possa ser adotada.

Se, por um lado, não pode a Requerente tentar obter pela via cautelar o que apenas pode ser peticionado na ação principal, não podendo ser emitida uma pronúncia de mérito definitiva sobre os termos do litígio, faltam os necessários pressupostos da necessidade e da urgência, próprios da tutela cautelar.

Além de se desconhecer se no caso já foi instaurada a ação principal e o seu concreto objeto, a fim de descortinar a necessária dependência, instrumentalidade e provisoriedade da tutela cautelar em relação ao meio principal.

As providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, de que são preliminares ou incidente, segundo os artigos 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1, do CPTA.

A específica finalidade do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da CRP, a adoção de medidas cautelares adequadas a precaver ou acautelar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal.

Constitui característica da adoção das providências cautelares, que as mesmas sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, segundo o disposto no artigo 112.º, n.º 1 do CPTA.

Assim, mostra-se exigível que a concreta providência requerida seja apta ou adequada a produzir o efeito jurídico pretendido pelo requerente, pois, caso contrário, faltarão os necessários pressupostos para o seu decretamento – a adequação, necessidade e utilidade no decretamento da providência requerida.

A par disso, é exigível que a providência cautelar requerida seja instrumental em relação ao efeito jurídico a obter no âmbito da ação principal.

Do mesmo modo que caracteriza a tutela cautelar a sua provisoriedade, não podendo produzindo efeitos jurídicos definitivos, por essa ser a finalidade própria da ação administrativa.

Assim como, que seja caracterizada no plano do facto, uma situação de urgência, que reclame uma pronúncia provisória e abreviada dos termos do litígio.

A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.

Razão pela qual se exige que as providências cautelares assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade.

Assim, o procedimento cautelar caracteriza-se:

(i) pela sua instrumentalidade, atenta a sua dependência em relação à ação principal;

(ii) pela sua provisoriedade, por não estar em causa a resolução definitiva de um litígio e

(iii) pela sumariedade, por implicar uma cognição sumária da situação em litígio através de um procedimento simplificado e rápido;

(iv) pela sua urgência, por não ser possível, no caso concreto, aguardar pela decisão definitiva, atentos os prejuízos que, no entretanto, podem ser produzidos.

Um dos traços característicos da tutela cautelar “é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos, que, por isso, são qualificados como processos principais”, Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha, “Comentário ao CPTA”, 2017, 4ª ed., pp. 914.

A instrumentalidade não consente que a providência cautelar antecipe a sentença do processo principal, conduzindo a efeitos definitivos e irreversíveis.

Se assim fosse, a sentença final definitiva perderia utilidade ou eficácia – neste sentido, o Acórdão do TCAS, de 25/11/2004, Proc. n.º 376/04.

A provisoriedade constitui também uma característica típica das providências cautelares, decorrente da sua própria natureza.

Por isso, “a tutela cautelar constitui, por definição, uma regulação provisória de interesses, de modo que um outro aspeto marcante das providências respetivas é o carácter de provisoriedade e de temporalidade, quer da duração da decisão, quer do seu conteúdo, que se manifesta em diversos planos. Desde logo, a decisão cautelar, mesmo que seja antecipatória, sempre será, pela sua função, provisória relativamente à decisão principal, na medida em que não a pode substituir e em que caduca necessariamente com a execução desta”, José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 7.ª ed., pp. 342.

Daí que na caracterização das providências cautelares, independentemente de assumirem cariz conservatório ou antecipatório, terão sempre que assumir natureza provisória.

“As providências cautelares conservatórias têm o propósito de evitar a deterioração do equilíbrio de interesses existente à partida, procurando que ele se mantenha, a título provisório, até que a questão de fundo seja dirimida no processo principal. Visam dar resposta a interesses dirigidos à conservação de situações jurídicas já existentes (…) As providências cautelares antecipatórias têm (…) o alcance de antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova, diferente da existente à partida (…) Disso são exemplo os tipos de providências mencionados nas alíneas b), c) e d) do nº 2. (…)” – vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, págs. 555 a 557 (sublinhados nossos).

Sobre esta questão, entre outros, o Acórdão do STA, datado de 27/04/2006, Proc. nº 19/2006: “As providências cautelares destinam-se a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num determinado litígio, podendo traduzir-se, consoante o seu conteúdo, em antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova cuja obtenção se visa alcançar, a título definitivo, no processo principal (providências antecipatórias), ou a manutenção, a título provisório, de uma situação jurídica já existente, até que a situação seja definida, a título definitivo, no processo principal (providências conservatórias).”.

O que implica que a provisoriedade da tutela cautelar impeça que o tribunal adote uma regulação que dê resposta à questão de fundo sobre a qual versa o litígio, a ser resolvida no processo principal.

Tem de estar em causa uma composição provisória de um litígio, cabendo à ação principal a composição definitiva do mesmo.

Como decidido no Acórdão do TCAS, de 24/04/2013, Proc. n.º 09825/13:

VI. Para que se apliquem os critérios de decretamento da providência cautelar previstos no artº 120º do CPTA, tem a concreta providência requerida de preencher os requisitos gerais das providências cautelares, previstos no artº 112º do CPTA, quanto o de a providência ser adequada, necessária, útil e instrumental.”.

Revertendo o expendido para o caso dos autos, encontra-se provado que o estabelecimento da Recorrida se encontra encerrado, pelo que, não estando a laborar, não é possível configurar qualquer situação de necessidade e de urgência da tutela cautelar, destinada a impedir que seja aplicado horário diferente de funcionamento.

O encerramento do estabelecimento da Requerente torna inviável o decretamento de qualquer providência cautelar destinada a acautelar os efeitos decorrentes de qualquer alteração ou de redução do seu respetivo horário de funcionamento.

O que permite comprovar a falta dos pressupostos da necessidade e da urgência da tutela cautelar.

Além de se reafirmar se desconhecer qual o meio principal a instaurar ou instaurado pela Requerente afim de descortinar a verificação dos demais pressupostos gerais da tutela cautelar.

Sem a existência dos pressupostos gerais da tutela cautelar não é possível o decretamento de qualquer providência, qualquer que ela seja.

Assim, não estão reunidos os legais pressupostos gerais de que a lei faz depender o uso da tutela cautelar, nos termos previstos no disposto artigo 112.º do CPTA, por falta de necessidade e de urgência.

Por esse motivo, não há que analisar a pretensão requerida à luz dos requisitos de decretamento previstos no artigo 120.º do CPTA, por tal análise e apreciação ficar prejudicada.

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Termos em que, será de conceder provimento ao recurso, por provado o erro de julgamento de facto e de direito, importando a revogação da sentença recorrida e, em substituição, indeferir o processo cautelar, por falta dos seus respetivos pressupostos gerais.
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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A comunicação eletrónica de um órgão municipal dirigida a uma autoridade militar (GNR), com conteúdo informativo sobre o horário de funcionamento de um certo estabelecimento, não constitui um ato administrativo na aceção dos artigos 148.º do CPA e 51.º do CPTA, para que possa ser suspenso nos seus efeitos.

II. Constituem características gerais da adoção das providências cautelares, que as mesmas sejam necessárias, adequadas, instrumentais, provisórias e úteis a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, segundo o disposto no artigo 112.º, n.º 1 do CPTA.

III. Mostra-se ainda exigível a configuração de uma situação de urgência, que se não se compadeça com a delonga própria do processo principal.

IV. Se a tutela cautelar requerida não for apta ou adequada a produzir o efeito jurídico de prevenir ou acautelar qualquer situação jurídica, faltarão os necessários pressupostos para o decretamento da providência requerida.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e, em substituição, indeferir o pedido cautelar.

Custas em ambas as instâncias pela Requerente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)