Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:196/17.2BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores: ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA
INDEMNIZAÇÃO
REALIDADE ECONÓMICO-FINANCEIRA DE CADA ESTADO
Sumário:I - Para efeitos de fixação do montante da indemnização por danos causados pela violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH e do art. 20º, nº 4, da Constituição, devemos considerar, entre outras, as indicações dadas pela jurisprudência do TEDH e, uma vez que estes conhecem bem a realidade nacional, dos tribunais nacionais.
II - Deve-se atender, por isso e de acordo com o art. 496º do Código Civil, às seguintes circunstâncias de cada caso concreto: (i) o tipo de processo; (ii) a duração desse processo concreto que vá além do normal e razoável (atendendo ao número de anos em que a ação esteve pendente no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso); (iii) a importância do concreto litígio para as partes e o seu impacto na esfera jurídica e ou patrimonial das partes (sendo de considerar haver especial relevância para as ações: laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas; e devendo a indemnização ser reduzida caso o litígio e a sua decisão assumam pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, relevando para o efeito o facto de a parte já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável); (iv) o comportamento das partes durante o processo (havendo lugar à redução do montante a arbitrar caso sejam apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, ou se a participação no procedimento foi curta ou breve); (v) a realidade económico-financeira de cada Estado; e (vi) o nível de vida do país.
III - São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito: 1º- a existência de um dano (aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito); 2º- um facto cometido ou omitido pelo agente lesante, ou seja, uma conduta humana; 3º- a ilicitude dessa conduta (= juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação); 4º- um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano (além de “conditio sine qua non”, exige-se uma causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser desde logo uma condição adequada do dano em termos de normalidade social); 5º- a culpa, ou real ou legalmente presumida, na comissão ou omissão da conduta (= juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, que é a base da imputação delitual ou aquiliana), ou seja, (i) o dolo ou (ii) a negligência do lesante, culpa que é de avaliar em abstrato, isto é, (iii) considerando como modelo avaliativo uma pessoa comum ou razoável incluída no mesmo meio social, cultural e económico do lesante, perante as circunstâncias do caso concreto.
IV - Tem-se entendido que um processo deve ter uma duração “normal”, aceitável ou razoável até 3 anos na 1ª instância e até 4 anos se houver recurso, isto como meros princípios orientadores. Após tais 3 anos ou 4 anos haverá duração ilícita, em princípio.
V - Constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH e do art. 20º, nº 4, da Constituição, relativamente ao direito fundamental à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas em tempo razoável.
VI - Os designados danos não patrimoniais comuns ou judicialmente presumíveis resultantes do atraso na obtenção de uma decisão em prazo razoável, merecem, em princípio, a tutela do Direito; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade. Quanto a danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a esses danos, pois que aqui não há factualidade notória ou presumida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

E…….. e C………, melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria ação administrativa contra

ESTADO PORTUGUÊS.

A pretensão formulada perante o tribunal “a quo” foi a seguinte:

- Que se declare que o Estado Português violou o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e o artigo 20.°, n.°s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”;

- Que se condene o Estado Português a pagar aos Autores:

Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a sete mil e quinhentos euros, a cada um dos Autores, pela duração do processo nº 1255/11.0BELRA;

Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo, também a título de danos morais a cada um dos Autores;

Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas em a) a b);

- que se condene o Estado Português ao pagamento das despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelos Autores, despesas de certidões e todas as despesas de tradução de documentos; Se condene o Estado Português a pagar os honorários a advogado dos Autores neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta da petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados;

- Que a todas as verbas peticionadas acresçam quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;

- Que se condene o Estado Português ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de quinhentos euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou ato dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários a cada um dos Autores;

- Que se condene o Estado Português em custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e quaisquer outras pagas pelos Autores.

Discutida a causa, o Tribunal Administrativo de Círculo decidiu no despacho saneador:

- julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, condenar o Réu a pagar a quantia de € 115,30 (cento e quinze euros e trinta cêntimos) a cada um dos Autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes da violação do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH e do artigo 20.°, n. °s 1 e 4 da CRP no segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, fruto da duração excessiva do processo n.º 1255/11.0BELRA, acrescida dos respetivos juros legais aplicáveis, desde a prolação da presente decisão até efetivo e integral pagamento e de todas as quantias devidas a título de imposto que incidam sobre os montantes a pagar pelo Réu,

- condenar o Réu a pagar aos Autores despesas que estes comprovem ter realizado com os honorários do advogado nos presentes autos, na parte em que comprovadamente sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas a liquidar em momento posterior à respetiva conta,

- absolver o Réu de todos os restantes pedidos e quantias indemnizatórias peticionados pelos Autores.

*

Inconformados com esta decisão, os autores interpuseram o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. Ficou provado nos presentes autos que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 1255/11.0BELRA, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 19/10/2011 e até 14/09/2016, o que perfaz um total de 4 anos, 11 meses e vinte dias;

2. Dos factos assentes resultou também que os Recorrentes acreditavam que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhes desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução, ou seja, durante 4 anos, 11 meses e vinte dias da duração do processo;

3. O Tribunal a quo fixou a indemnização para cada um dos Recorrentes em €115,30, tomando unicamente como fator determinante o valor da parcela que se encontrava em expropriação no processo referido na conclusão 1º), defendendo que o litígio terá assumido pouca importância na esfera jurídica e patrimonial das partes;

4. Este ponto de vista não se afigura correto bastando olhar para as regras da experiencia comum para concluir que se o litigio naquele processo assumisse pouca importância os Recorrentes não teriam gasto só em taxas de justiça e demais encargos processuais, sem contar com honorários de Advogado, valores muito superiores aos €115,30 do montante da expropriação;

5. Tal resulta do próprio conteúdo e contexto da pi daquele processo, no qual os Recorrentes relataram detalhadamente os motivos por via dos quais entenderam que a parcela de terreno em causa acabou por servir unicamente os supostos interesses de passagem dum terceiro, que, na perspetiva dos Recorrentes, não tinha o prédio encravado;

6. Neste contexto, não obstante a fraca relevância económica do valor indemnizatório em sede de expropriação, o certo é que para os Recorrentes o assunto e o significado do processo foi elevado (l’engeu du litige), assumindo-se como uma questão de honra, pois, de outro modo, não suportariam com o Tribunal encargos superiores aos da indemnização;

7. Assim, a decisão em causa não tomou em consideração a natureza dos interesses que estavam em jogo na ação, nem avaliou convenientemente os demais critérios para o cálculo da indemnização;

8. Assim, no que respeita à complexidade do processo, verifica-se que a ação teve a tramitação normal, com os articulados respetivos, tendo surgido a necessidade de realizar habilitação de herdeiros, que foi concretizada;

9. O processo terminou na fase da audiência prévia na qual foi proferida decisão, ou seja, um saneador sentença, motivo pelo qual inexistiram atos a produzir em sede de instrução do julgamento, sentença posterior ou recurso;

10. Os Recorrentes mantiveram uma atuação processual sem entraves ou limitações, agindo dentro dos parâmetros legais;

11. Quanto à atuação das autoridades competentes no processo na própria decisão se reconheceu a existência de falhas, por via dos quais a tramitação que em primeira instância demorou 4 anos, onze meses e 25 dias, foi imputável às autoridades judiciais, concluindo-se que a duração da tramitação foi desconforme com o direito dos Recorrentes a uma decisão em prazo razoável, tal como o preceituado nos artºs 6 nº1 da CEHD e 20 nº 1 e 4 da CRP;

12. No que concerne ao cômputo do prazo razoável, o Tribunal partiu duma perspetiva tabelar considerando que a média, em primeira instância, é de três anos;

13. No entanto, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando, cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida e data de entrada da ação no Tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva (cfr. Ac. T.C.Ad. Lisboa);

14. E analisando o caso em concreto, tratando-se de situação que se resolveu através de saneador / sentença não é justificável que o prazo razoável fosse de três anos, dado que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se acumulem nos Tribunais, caindo-se permanentemente numa situação de “non facere”, motivo pelo qual se deve considerar como razoável num prazo nunca superior a um ano / um ano e meio, para a conclusão do processo referido em 1º);

15. No que concerne à fixação do quantum indemnizatório o Tribunal a quo olvidou que as normas do direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz devem ser objeto de interpretação conforme à convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicados tomando em consideração a Jurisprudência do TEDH;

16. Nem na convenção, nem na Jurisprudência do TEDH, nem na dos Tribunais Nacionais se encontram critérios que determinem que a fixação da indemnização não possa ser superior ao valor fixado na ação principal, neste caso de expropriação;

17. De acordo com a Jurisprudência do TEDH, existe um núcleo de processos em que a indemnização por cada ano de demora dos mesmos pode subir do patamar de € 1.000,00 a € 1.500,00 para € 2.000,00;

18. Segundo o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, considerando nº --, “O montante global será aumentado até 2.000€ se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.”;

19. Ora, o Tribunal a quo afastou-se, de forma escandalosa, dos critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, dado que o caso sub judice possui todos os requisitos para que lhe seja fixado por cada ano de duração do processo, uma indemnização não inferior a €1.500,00 por cada ano de demora do processo, num total de €7.500 euros para cada um dos Autores;

20. A ser de outro modo, o Recorrido teria um imerecido prémio, dado que este tipo de decisões tem e deve assumir um carácter penalizador no sentido de se evitar a repetição de práticas que levem a que, um processo desta natureza, demore a ser resolvido em Tribunal 4 anos, 11 meses e vinte dias só para a realização da Audiência Prévia;

21. As exigências do artigo 6º do TEDH, do artigo 20º, nº 2 da CRP e 2º do CPC, foram completamente afastadas no caso concreto, em benefício do infrator, atendendo a que a indemnização fixada atribui a mísera quantia anual de cerca de € 23,00 por cada ano de duração do processo, o que é uma indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável e que tem que ser acolhida pelos nossos Tribunais, sob pena do Estado acabar por ser condenado no TEDH, esgotadas que sejam todas as etapas recursivas possíveis nos Tribunais Nacionais;

22. Mostram-se violados os preceitos contidos nos artigos 9º alínea b, 20º e 22º da CRP; 6º do TEDH; 2º do CPC;

23. A decisão deve ser assim, revogada e substituída por outra que fixe justa indemnização aos Recorrentes.

*

O recorrido contra-alegou, sem concluir.

*

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

1) Em 19/10/2011, foi interposta pelos Autores, uma ação no TAF de Leiria, que correu termos sob o n.º 1255/11.0BELRA [cf. registo de entrada no SITAF da petição inicial do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

2) Em 11/11/2011 foram remetidas citações no processo n.º 1255/11.0BELRA aos Réus indicados na petição inicial:

C…….., E.P., S.A. e

M……………... [cf. ofícios a fls. 115 a 123 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

3) Em 19/12/2011 os Réus C…….. e M…………, apresentaram contestação no processo n.º 1255/11.0BELRA suscitando a exceção da caducidade do direito de ação dos Autores, além da defesa por impugnação. [cf. contestação a fls. 136 a 211 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

4) Em 20/12/2011 os Réus referidos no ponto anterior apresentaram requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA juntando novamente a contestação referida no ponto anterior retificada. [cf. requerimento e contestação respetivamente a fls. 212 a 215 e 216 a 250 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

5) Em 20/12/2011 a Ré E…. P……. E.P. apresentou contestação no processo n.º 1255/11.0BELRA, na qual além da defesa por impugnação apresentou defesa por exceção suscitando a inimpugnabilidade do ato e a ilegitimidade da Ré E…… P……. [cf. contestação a fls. 251 a 299 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

6) Em 26/01/2012 foi remetida aos Autores no processo n.º 1255/11.0BELRA notificação das contestações apresentadas pelos Réus no processo n.º 1255/11.0BELRA. [cf. ofício a fls. 301 e 302 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

7) Em 08/02/2012 os Autores apresentaram requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA a responder à matéria de exceção suscitada pelos Réus e a requerer a intervenção principal provocada do Estado Português. [cf. requerimento a fls. 306 e 313 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

8) Em 28/09/2012 foi proferido despacho no processo n.º 1255/11.0BELRA, incorporado no SITAF em 01/10/2012, que conheceu do pedido de intervenção provocada que admitiu, determinando, no entanto, especificamente a citação do “Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (…)” [cf. despacho a fls. 320 a 328 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

9) Em 12/10/2012 foram remetidos às partes no processo n.º 1255/11.0BELRA ofícios a notificar do despacho referido no ponto anterior. [cf. ofícios a fls. 329 a 333 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

10) Em 19/12/2012 foi remetida citação no processo n.º 1255/11.0BELRA ao Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações – Gabinete do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas. [cf. ofício a fls. 337 e 338 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

11) Em 07/02/2013 o Ministério da Economia e do Emprego deduziu contestação no processo n.º 1255/11.0BELRA defendendo-se especificadamente por impugnação. [cf. contestação a fls. 340 a 360 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

12) Por ofício datado de 13/02/2013 os Autores foram notificados no processo n.º 1255/11.0BELRA da contestação referida no ponto anterior. [cf. ofício a fls. 361 e 362 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

13) Em 22/02/2013 os Autores apresentaram resposta no processo n.º 1255/11.0BELRA à contestação referida no ponto 11. [cf. requerimento a fls. 366 a 368 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

14) Em 21/03/2013 os Autores apresentaram requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA informando do falecimento da Ré M…….., referindo não terem conseguido localizar certidão de óbito, e requerendo a notificação do Réu C……. para juntar aos autos assento de óbito da Ré falecida ou informar onde o mesmo poderia ser obtido. [cf. requerimento a fls. 374 a 377 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

15) Em 27/03/2013 o Réu C………. apresentou requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA através do qual juntou aos autos certidão de óbito da Ré M……... [cf. requerimento a fls. 378 a 383 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

16) Em 30/12/2013 os Autores apresentaram no processo n.º 1255/11.0BELRA requerimento referindo terem obtido informação de que a Ré M………… havia deixado como herdeiros, além do viúvo - o Réu C……… - três filhos, e requerendo que o Réu C……… fosse notificado para indicar nos autos o nome, data e local de nascimento de cada um dos filhos, para os Autores poderem proceder à habilitação de herdeiros. [cf. requerimento a fls. 386 a 389 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

17) Em 08/01/2014 foi proferido no processo n.º 1255/11.0BELRA despacho, incorporado no SITAF em 10/01/2014, no qual se deferiu o requerimento dos Autores referido no ponto anterior e se determinou a suspensão da instância nos termos do artigo 270.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. [cf. despacho a fls. 390 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

18) Por ofícios datados de 06/03/2014 as partes no processo n.º 1255/11.0BELRA foram notificadas do despacho referido no ponto anterior. [cf. ofícios a fls. 391 a 398 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

19) Em 12/03/2014 o Réu C……… apresentou no processo n.º 1255/11.0BELRA requerimento juntando aos autos fotocópia do “(…) Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registo – Doc. 1, composto de 4 folhas – realizado por óbito de M……….. (…)” [cf. requerimento a fls. 399 a 403 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

20) Em 19/03/2014 os Autores apresentaram requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA a renovar o pedido efetuado através do requerimento referido no ponto 16. [cf. requerimento a fls. 407 a 409 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

21) Em 23/03/2014 o Réu C………… apresentou no processo n.º 1255/11.0BELRA requerimento referindo já ter procedido à apresentação no dia 12/03/2013 do “(…) Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registo (…)” mas que, por lapso, não havia notificado o mandatário dos Autores, requerendo a junção de documento comprovativo dessa notificação entretanto feita e requerendo a sanação do lapso. [cf. requerimento a fls. 410 a 412 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

22) Em 05/05/2014 os Autores apresentaram requerimento no processo n.º 1255/11.0BELRA a requerer a Habilitação de Herdeiros da falecida Ré M........... [cf. requerimento a fls. 416 a 422 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

23) Em 02/10/2014 foi remetido ofício de citação aos habilitandos identificados no requerimento referido no ponto anterior. [cf. requerimento a fls. 428 a 435 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

24) Em 01/03/2016 foi proferido despacho no processo n.º1255/11.0BELRA que julgou os habilitandos identificados no requerimento referido no ponto 22 habilitados para em substituição da falecida prosseguirem os termos do processo. [cf. despacho a fls. 452 a 454 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

25) Por ofícios datados de 18/03/2016 o despacho referido no ponto anterior foi notificado às partes no processo n.º 1255/11.0BELRA e aos habilitados. [cf. ofícios a fls. 455 a 468 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

26) Em 05/05/2016 foi proferido despacho no processo n.º 1255/11.0BELRA a declarar finda a suspensão da instância. [cf. despacho a fls. 473 a 474 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

27) Por ofícios datados de 09/06/2016 as partes no processo n.º 1255/11.0BELRA foram notificadas do despacho referido no ponto anterior. [cf. ofícios a fls. 475 a 487 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

28) Em 14/06/2016 foi proferido despacho no processo n.º 1255/11.0BELRA que designou o dia 06/09/2016 para a realização de audiência prévia. [cf. despacho a fls. 473 a 474 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

29) Por ofícios datados de 15/06/2016 as partes foram notificadas no processo n.º 1255/11.0BELRA da marcação de audiência prévia para o dia 06/09/2016. [cf. fls. 501 e a fls. 493 a 499 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

30) Em 24/06/2016 deu entrada no processo n.º 1255/11.0BELRA um requerimento do mandatário do Réu C...........referindo não ter disponibilidade para a realização da audiência prévia na data referida no ponto anterior. [cf. requerimento a fls. 493 a 499 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

31) Em 05/07/2016 foi proferido despacho no processo n.º 1255/11.0BELRA que alterou a data designada para a realização de audiência prévia no processo para o dia 14/09/2016. [cf. despacho a fls. 505 e 506 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

32) Por ofícios datados de 06/07/2016 as partes foram notificadas do despacho referido no ponto anterior. [cf. ofícios a fls. 507 a 514 requerimento a fls. 505 e 506 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

33) Em 14/09/2016 realizou-se audiência prévia no processo n.º 1255/11.0BELRA na qual se fixou como valor da ação € 461,22 e se julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, tendo as partes presentes na diligência sido imediatamente notificadas. [cf. ata de audiência prévia a fls. 538 a 549 (numeração do SITAF) do processo n.º 1255/11.0BELRA, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

34) Os Autores acreditavam que o processo n.º 1255/11.0BELRA se resolveria mais rapidamente do que sucedeu.

35) Os Autores, especialmente o Autor marido, viveram preocupados, nervosos e com sentimento de revolta até à resolução do processo n.º 1255/11.0BELRA, por força da incerteza causada pela demora na obtenção de uma decisão na mesma.

36) Os Autores deram entrada da petição inicial que deu origem aos presentes autos em 30/01/2017. [cf. registo da Petição Inicial que deu origem aos presentes autos no SITAF].

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo. Por outro lado, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto deverá, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito, decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de Direito.

Cumpre, pois, apreciar e resolver aqui o seguinte:

- Erro de julgamento na fixação do montante concreto de indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela violação do direito fundamental à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, com referência ao art. 6.º, § 1.º, da CEDH e ao art. 20º, nº 4, da Constituição portuguesa.

*

Temos presente tudo o que já expusemos, bem como o seguinte: (1º) a ordem jurídica ou Direito objetivo refere-se a um conjunto estruturado e unitário de regras e de várias espécies de princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista (sistema), cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação; (2º) existe um correto, objetivo e racional modo jurídico para conhecer e descrever o Direito objetivo e ainda uma correta, objetiva e racional metodologia para decidir processos jurisdicionais no âmbito de um Estado constitucional, democrático e social - cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC português quanto à interpretação e aplicação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o omnipresente elemento filológico ou gramatical da interpretação jurídica, o essencial elemento lógico-sistemático, o auxiliar e secundário elemento pragmático-teleológico-objetivo e o inerente elemento genético-histórico; (3º) para compreender objetivamente o Direito a aplicar pela jurisprudência dos tribunais, é mister assumir que o direito objetivo vigente não é igual à opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes de Direito e que a metódica da “jurisprudência teorética” ou “ciência” jurídica e a metódica interpretativa jurisdicional são realidades distintas; (4º) o Direito tem na sua natureza constitutiva a segurança jurídica. Destaca-se ainda, na Jurisdição do contencioso do Direito administrativo, (5º) o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo e bem comum por parte de todas as atividades de administração pública - cf. os artigos 266º e 268º-3-4 da CRP.

Passemos, assim, à análise do recurso de apelação.

1.

São, consabidamente, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito:

- a existência de um dano (aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito);

- um facto cometido ou omitido pelo agente lesante, ou seja, uma conduta humana;

- a ilicitude dessa conduta (= juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação);

- um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano (além de “conditio sine qua non”, exige-se uma causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser desde logo uma condição adequada do dano em termos de normalidade social);

- a culpa, ou real ou legalmente presumida, na comissão ou omissão da conduta (= juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, que é a base da imputação delitual ou aquiliana), ou seja, (i) o dolo ou (ii) a negligência do lesante, culpa que é de avaliar em abstrato, isto é, (iii) considerando como modelo avaliativo uma pessoa comum ou razoável incluída no mesmo meio social, cultural e económico do lesante, perante as circunstâncias do caso concreto.

Verificados tais pressupostos nasce então o direito do lesado a ser indemnizado pelos danos sofridos por causa da conduta ilícita.

2.

Ora, aqui, o Tribunal Administrativo de Círculo, numa decisão muito fundamentada, concluiu haver lugar a indemnização aos autores por danos morais, em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito fundamental a obter decisão jurisdicional num prazo razoável, uma vez que a ação que baseou o pedido indemnizatório teve uma duração de quase 5 anos na 1ª instância.

O Tribunal Administrativo de Círculo fixou o valor dessa indemnização em € 115,30 (cento e quinze euros e trinta cêntimos) a cada um dos Autores. Entendeu que a situação dos Autores é correspondente ao dano não patrimonial comum ou presumido decorrente do atraso na prolação de decisão judicial em prazo razoável, visto que não resultou provado nenhum outro dano não patrimonial especial que merecesse tutela jurídica ao abrigo do artigo 496.º do Código Civil.

Os autores entendem, como vimos, que esse valor é muito baixo.

3.

No que à responsabilidade civil por não prolação de decisão em prazo razoável concerne, tende-se a considerar que o arrastamento de um processo “resulta tipicamente de uma massa de atos e omissões de funcionários e magistrados que se vão ocupando sucessivamente dos autos, bem como de deficiências organizativas, escassez de meios e vicissitudes de toda a ordem, incluindo condutas das partes e dos restantes sujeitos com intervenção processual” (cf. Luís Fábrica, “Notas sobre a responsabilidade civil por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável”, Ab Instantia, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Abril 2013, Ano I, nº 1, pág. 52).

Ora, tem-se entendido, com base na experiência e em alguma uniformização europeia por vezes pouco consentânea com as diferentes realidades socio-financeiras de cada Estado vinculado à CEDH e ao TEDH, que um processo deve ter uma duração “normal”, aceitável ou razoável

-até 3 anos na 1ª instância e

-até 4 anos se houver recurso, isto como meros princípios orientadores.

Após tais 3 anos ou 4 anos é que haverá duração ilícita, em princípio.

4.

Constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH e do art. 20º, nº 4, da Constituição (a lei fundamental), relativamente ao direito à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.

O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e ver demonstrada a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu encargo processual, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.

Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e o risco da falta de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.

Portanto, os designados danos não patrimoniais comuns ou judicialmente presumíveis resultantes do atraso na obtenção de uma decisão em prazo razoável, merecem, em princípio, a tutela do Direito, não sendo de minimizar a respetiva relevância; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade.

Quanto a danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a esses danos, pois que aqui não há factualidade notória ou presumida.

5.

Logico-juridicamente, o acabado de expor supõe necessariamente a aplicação dos arts. 1º, 3º, 7º, 9º, 10º e 12º do RRCEEP/2007 e a aplicação dos arts. 483º ss, 563º ss e 342º ss do Código Civil (e 411º, 413º e 414º do Código de Processo Civil), “maxime” dos arts. 494º e 496º do Código Civil.

Com efeito, nem a CEDH, nem o TEDH, revogaram aquelas disposições legais.

6.

Na determinação ou concretização dos danos não patrimoniais resultantes do atraso na obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, há que atender:

i- ao período excessivo de duração do processo em causa,

ii- à importância dos interesses em jogo,

iii- ao comportamento processual do requerente e

iv- aos danos verificados,

considerando-se o dano comum ou presumido apenas quando o demandante não consiga obter a prova de dano não patrimonial superior.

7.

Relembremos que, de acordo com o art. 496º do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito, e que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Para efeitos de fixação do montante da indemnização nesta matéria, devemos considerar, entre outras, as indicações dadas pela jurisprudência do TEDH e dos tribunais nacionais, uma vez que estes conhecem bem a realidade nacional. Deve-se atender, por isso, às seguintes circunstâncias de cada caso concreto:

i- o tipo de processo;

ii- a duração desse processo concreto que vá além do normal e razoável (atendendo ao número de anos em que a ação esteve pendente no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso);

iii- a importância do concreto litígio para as partes e o seu impacto na esfera jurídica e ou patrimonial das partes (sendo de considerar haver especial relevância para as ações: laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas; e devendo a indemnização ser reduzida caso o litígio e a sua decisão assumam pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, relevando para o efeito o facto de a parte já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável);

iv- o comportamento das partes durante o processo (havendo lugar à redução do montante a arbitrar caso sejam apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, ou se a participação no procedimento foi curta ou breve);

v- a realidade económica e financeira de cada Estado; e

vi- o nível de vida do país.

A propósito da realidade económica e financeira de cada Estado e do nível de vida de cada país, é justificado, do ponto de vista do Direito e da aplicação jurisdicional da equidade, que o erário público de um Estado como o alemão ou o norueguês compense o dano moral através de um montante diferente do que é feito a argo do erário público de um Estado como a Grécia, a Venezuela, a Espanha, a Etiópia, a Somália ou Portugal.

8.

Devemos ainda distinguir duas realidades que nos aparecem muitas vezes confundidas: “duração de um processo jurisdicional” e “demora num processo jurisdicional”.

É um “distinguo” a fazer especialmente para efeitos de imputar um valor indemnizatório anual – ou mensal - pelos danos morais imediatamente decorrentes da duração irrazoável do processo. É que, evidentemente, não há danos indemnizáveis com relação à duração razoável do processo, porque neste caso não há ilicitude; e sem esta não há, evidentemente, responsabilidade civil extracontratual delitual ou por facto ilícito.

Portanto, a indemnização – por facto ilícito - refere-se não a todo o período de duração do processo, mas apenas ao período excessivo ou irrazoável, isto é, ao período em que se verifica ilicitude. Seria ilegal - e ilógico – atribuir e calcular uma indemnização por causa de uma duração irrazoável de um processo, indemnizando-se também pelo período em que a duração do processo esteve dentro da razoabilidade.

Por exemplo, considerando que, normalmente, uma ação comum não deve durar mais de 3 anos na 1ª instância (seja num país rico da CEDH, seja num país pobre da CEDH), e supondo agora uma ação comum com uma duração de 6 anos, a indemnização pelos danos morais resultantes da violação do direito a uma decisão jurisdicional em prazo razoável deve ser para o tempo desde o início do 4º ano de duração dessa ação. O montante - mensal ou anual - da indemnização a atribuir por causa da demora excessiva é que poderá ser de 10 euros ou de 1000 euros, consoante o caso concreto.

9.

Dito tudo isto, constatamos aqui o seguinte: dos quase 5 anos de duração – que não de demora - do processo, 1 ano relacionou-se com a preparação da habilitação de herdeiros, a cargo dos autores, em que o Estado-Administração, o Estado-Legislador ou o Estado-Tribunal não tiveram papel bloqueador, e quase 1 ano referiu-se a inércia do Estado-Tribunal.

Por outro lado, fora desses 2 anos – restando 3 - ocorreu, além da necessidade de os autores aperfeiçoarem uma sua peça processual, o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelos autores, em termos normais ou regulares, com a consequente citação de mais um réu, também em termos regulares.

Finalmente, como referiu o Tribunal Administrativo de Círculo, estava em causa uma indemnização expropriativa muito baixa, inferior a 500 euros.

Além disso, a factualidade provada não sustenta uma relevante e comum ou normal sensibilidade dos autores a propósito daquilo a que chamam de questão de honra relativamente a receberem a cit. indemnização expropriativa inferior a 500 euros.

Ao contrário do referido pelo Tribunal Administrativo de Círculo, não há relevância autónoma no facto de os autores acreditarem – ou não - que a ação seria breve.

E não releva contra o réu o facto de a ação ter findado no saneador. O que releva é a duração irrazoável ou razoável do processo.

Por isto, aplicando ao caso concreto o referido, é ligeiramente inadequada, injusta ou desequilibrada a cit. indemnização fixada pelo Tribunal Administrativo de Círculo, tendo presentes:

-a cit. duração do processo concreto além do normal e razoável, ou seja, um ano,

-a importância mediana do concreto litígio para as partes e o seu diminuto impacto na esfera jurídico-patrimonial das partes,

-o cit. comportamento das partes durante o processo,

-as pobres realidades económica e financeira do Estado português e

-o baixo nível de vida europeu do nosso país.

Com efeito, julgamos, nos citados termos do art. 496º do Código Civil, que o valor de 500,00 euros para cada lesado, para cada autor, é o adequado ao caso concreto. Carece, pois, de racionalidade e razoabilidade jurídica os valores de 1000,00 euros ou de 7500,00 euros pretendidos por cada um dos autores.

Cf. o teor dos seguintes:-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência, nº 4/02, de 09-05-2002;-Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso Ferreira Alves contra o Estado Português, de 04-12-2003;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2007, processo n.º 0308/07;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-10-2008, processo n.º 0319/08;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-03-2011, processo n.º 0336/10;-Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-05-2011, processo nº 7472/11;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-06-2012, processo n.º 0266/11;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-09-2014, processo n.º 090/12;-Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-05-2017, processo n.º 01004/16.

*

III – DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em, julgando-o parcialmente procedente, conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença apenas na parte relativa ao montante indemnizatório fixado e condenar o réu a pagar a cada um dos autores a quantia de 500,00 (quinhentos) euros, acrescida dos respetivos juros legais de mora aplicáveis desde a prolação da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo até efetivo e integral pagamento e de todas as quantias devidas a título de imposto que incidam sobre os montantes a pagar pelo Réu.

Custas em ambas as instâncias a cargo de autores e réu, na proporção dos decaimentos respetivos.

Lisboa, 19-06-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Pedro Marchão Marques

Alda Nunes