Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07287/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/07/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
CONTRATOS DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO (ALD).
ENQUADRAMENTO NO ARTº.23, DO C.I.R.C.
CONTRATOS DE SWAPS CAMBISTAS OU DE DIVISAS (CURRENCY SWAP). NOÇÃO.
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS.
Sumário:1. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
4. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
5. Os contratos de aluguer de longa duração (ALD), se bem que, naturalmente, sujeitos ao império da autonomia da vontade privada, emergente do artº.405, do C.Civil, é habitual reportar este tipo de contrato às normas jurídicas aplicáveis contidas no dec.lei 354/86, de 23/10, diploma relativo ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor (com as actualizações derivadas dos dec.lei 373/90, de 27/11, 44/92, de 31/3, e 77/2009, de 1/4).
6. No caso "sub judice" estão em causa custos com rescisão de contratos de ALD, por motivo de sinistro com perda total dos veículos segurados, sendo tais montantes correspondentes ao diferencial entre o valor recebido das companhias de seguros pela sociedade recorrida, a título de indemnização, e o valor das viaturas no momento do sinistro, mais tendo a impugnante contabilizado esse diferencial como custo, restituindo-o ao cliente.
7. A entrega dos referidos montantes aos clientes locatários não constitui uma mera liberalidade, estranha ao objecto e actividade social da sociedade impugnante, antes assentando em genuína motivação empresarial, pelo que se deve concluir que tais custos são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.
8. Os contratos de swaps cambistas ou de divisas (currency swap) consistem em tomar de empréstimo certa quantia numa determinada divisa para, logo de seguida, a trocar por quantia equivalente de uma outra moeda. Por outras palavras, tal contrato de swap consiste, no fundo, numa venda e compra simultâneas a uma só contra-parte de certa quantia de apenas uma divisa, sendo que uma das transacções se realiza a pronto e a outra a prazo. O objectivo é a cobertura de risco de flutuação cambial.
9. O princípio da especialização ou do acréscimo encontra-se consagrado no artº.18, do C.I.R.C. (cfr.artº.22, do anterior C.C.I.), o qual determina que os proveitos e os custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Por outras palavras, em determinado exercício, devem ser contabilizados os proveitos, e também os custos, que nele efectivamente tenham sido realizados, nisto se expressando o dito princípio da especialização dos exercícios.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.133 a 158 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “………………………, S.A.”, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 1996 e no montante total de € 561.371,06.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.188 a 201 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-No caso das correcções relacionadas "com rescisão de contratos de ALD", entendeu-se na douta sentença a quo que a contratação do seguro era uma condição associada à celebração daqueles contratos e inseria-se na política comercial da empresa em restituir ao locatário, que contratualmente assumia o custo do prémio de seguro, o valor correspondente à diferença entre o valor das rendas vincendas à data da perda total e o montante indemnizatório pago pela seguradora;
2-Entende a A. F. que em relação às anteditas correcções, que não deve haver lugar à contabilização de qualquer custo fiscal, pois resulta do regime dos contratos de ALD celebrados, que a impugnante nunca é lesada, no caso de existir destruição/ desaparecimento dos veículos, posto que caso o valor líquido fosse superior ao valor da indemnização, o diferencial era debitado ao cliente; na situação inversa, se a indemnização paga pela seguradora fosse superior ao valor líquido, o diferencial era creditado ao cliente/ locatário;
3-Assim, reconhecendo a impugnante que nos casos de perda total da viatura e em que existe indemnização paga pela seguradora, os proveitos originados pela cessação dos contratos de ALD são receita dos locatários, então apenas devia contabilizar tais valores nas respectivas contas de clientes, sem ter qualquer reflexo no apuramento de custos da impugnante;
4-Não tem assim qualquer justificação legal, o alegado pela impugnante, segundo o qual, semelhantes restituições se inseriam no âmbito de medidas de política comercial da sociedade;
5-Por tal facto, tais restituições devem qualificar-se como meras liberalidades, dado que nos termos contratuais, nenhuma prova se fez de que a restituição tivesse carácter de obrigatoriedade;
6-No que concerne aos custos contabilizados como "encargos financeiros e tributações autónomas", relacionados com a celebração de contratos de mútuo em ienes, seguidos de contratos de swap ienes/francos e, por fim a celebração de swap francos/escudos, considerou a douta sentença a quo que é possível surpreender os custos financeiros incorridos pela impugnante, relativos às operações de financiamento e que consistiram em perdas cambiais, juros e imposto de selo que vieram a ser contabilizados como tal;
7-Porém, entende esta representação da Fazenda Pública que não obstante as explicações prestadas pela impugnante, subsistem lacunas que não permitem apreender na sua integralidade todas aquelas operações financeiras, assim como os custos inerentes e por aquela contabilizados;
8-É notória a falta de documentação comprovativa de algumas das operações realizadas, nomeadamente documentos bancários comprovativos de todas as transferências financeiras efectuadas e recebidas, assim como de prova documental das taxas de câmbio e das taxas de juro aplicadas em toda a operação financeira, o que se revelava fundamental para o real apuramento dos custos fiscais apurados;
9-Ora, a omissão dos referidos elementos probatórios da materialidade das operações em causa - os quais se revelavam fundamentais para o apuramento das despesas em que a impugnante incorreu - apenas podia redundar na não aceitação das referidas despesas como custo, para efeitos do disposto no art.º 23 do CIRC;
10- Quanto aos "proveitos com débito de comparticipação 0%", considerou o Tribunal a quo que a contabilização efectuada pela impugnante respeitou o princípio da especialização dos exercícios, dado que não lhe poderia ser oponível a forma de contabilização dos correlativos custos por cada um dos concessionários, até porque, não foi questionada a contabilização da totalidade dos proveitos obtidos (entre imputados ao exercício e diferidos), motivo pelo qual, entendeu o Tribunal a quo, não existirem razões válidas para manter a correcção dos proveitos diferidos no valor de 58.435.086 PTE;
11-Porém e sempre com a devida vénia, entende esta representação da Fazenda Pública que as referidas correcções se devem manter no ordem jurídica, por não ter ficado demonstrado que os referidos custos também foram diferidos, à semelhança dos proveitos, como impõe o princípio da especialização dos exercícios previsto no art.º 18 do CIRC;
12-Com efeito, nestes casos o tratamento fiscal da operação deve ser homogéneo, ou seja, não se pode atribuir um tratamento à causa (custos ou encargos) e outro diferente ao respectivo efeito (rendimentos ou proveitos obtidos), posto que tratando-se de correcções que têm subjacente uma mera diferença temporal, devem dar origem a correcções de sentido inverso relativamente aos exercícios seguintes, sendo que estas correcções nunca foram efectuadas no caso concreto;
13-Ora no caso em apreço, sustenta a impugnante que o diferimento de proveitos por si operado, encontra respaldo no disposto na alínea b) do n° 3 do art.18 do CIRC, porém, este normativo não se refere apenas à periodização dos proveitos, mas, outrossim, à periodização dos "correspondentes custos suportados", pelo que o tratamento contabilístico de uns, não poderá ser diverso daquele que vier a ser dado aos outros;
14-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTiÇA.

X


A sociedade recorrida produziu contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.218 a 226 dos autos), nas quais termina com as seguintes Conclusões:
1-Não invoca a recorrente um único fundamento que permita, sequer, sustentar a admissão do presente recurso e menos ainda julgá-lo procedente;
2-A recorrente não invoca um único fundamento de anulação nem vício da sentença que habilite o Tribunal de Recurso a julgar a respectiva (in) procedência do recurso;
3-Demonstrou-se que, no que diz respeito à matéria relativa a “rescisão de contratos de ALD”, a recorrente confunde a própria matéria de facto: a situação fáctica subjacente não está “relacionada com os sinistros de viaturas entregues mediante celebração de contratos de aluguer de longa duração (ALD) mas , tem a ver com “rescisão de contratos de ALD (…) em virtude das quais a recorrida emite notas de crédito a clientes, contabilizando o seu valor em custos operacionais“, rescisão essa motivada em perda total dos veículos devidamente indemnizada pelas seguradoras;
4-A recorrente pretende que a sentença seja anulada no recurso porque, sem indicar como nem porquê, se trata de “liberalidades”. Não tira conclusões de tal asserção, não se apoia em prova dos autos, não contraria as conclusões que a sentença propugna relativamente a tal matéria, não reformula a questão. Porém, a sentença recorrida, depois de elencar os factos provados, de invocar doutrina e de se remeter à lei conclui que "a entrega dos referidos montante aos clientes locatários não constitui uma mera liberalidade, estranha ao objecto e actividade social da impugnante, nem se funda em razões de elisão fiscal (tax avoidance), ou evasão fiscal, (…), pelo que (…) é nosso entendimento que tais custos são fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23 do CIRC";
5-No que respeita a “encargos financeiros e tributações autónomas”: a recorrente não invoca um único fundamento de anulação da conclusão do Tribunal recorrido sobre esta matéria, não aprecia a prova produzida e apresentada pela recorrida e avaliada pelo Tribunal, designadamente os documentos traduzidos da língua estrangeira e persiste em dizer - sem qualquer aderência aos autos (!) - que “se tratam de documentos que não se encontram traduzidos”. O Tribunal recorrido apreciou a alegada “falta de demonstração da materialidade da operação subjacente aos lançamentos contabilísticos efectuados” e conclui que "a documentação apresentada pela impugnante permite apreender a substância e congruência das operações que originaram os encargos financeiros contabilizados";
6-A sentença aprecia cada uma das operações geradoras dos encargos financeiros. Porém, a recorrente, sem elencar ou indicar os documentos dos autos e a prova produzida, sem refutar a sentença e as conclusões nela vertidas, conclui que a recorrente não logrou demonstrar os “custos reais incorridos”;
7-No que respeita à prova dos custos, a sentença é muito clara quando refere que “relativamente aos encargos financeiros contabilizados com as operações de financiamento e swap, comprova-se que: a) incorreu em juros à taxa de 0,265% sobre o empréstimo titulado em JPY (…) e imposto do selo à taxa de 7% (…); b) incorreu em juros à taxa de 0,625% sobre o empréstimo titulado em JPY (…) e imposto do selo à taxa de 7% (…)., c) na maturidade do empréstimo, a impugnante entregou ao ………… para liquidação dos empréstimo 702.379.635 JPY (…) c) na operação swap com a “…………….”, por contrapartida da compra dos 41.203.715 FRF (….) a impugnante vendeu à ......... 1.258.597,097 PTE (…)” e conclui: “assim, os custos financeiros contabilizados em 59.196.797 PTE correspondem a perdas cambiais efectivas e juros decorrentes das operações de empréstimos e swap cambistas (…)”;
8-Quanto à matéria, a matéria relativa a “proveitos com débito de comparticipação 0%”: a recorrente pretende, ao invés do que conclui a sentença, que “não ficou provado que os referidos custos também foram diferidos, à semelhança dos proveitos”;
9-Há que referir que, nos autos, não estão em causa custos deferidos mas, se a recorrente se quer referir ao custo contabilizado pelas concessionárias e correspondente aos proveitos da recorrida, deve concluir-se, como bem refere a sentença recorrida acompanhando a jurisprudência do TCAS, que, tendo a recorrida contabilizado os custos corrigidos em “claro respeito pelo princípio da especialização dos exercícios, não lhe é oponível a forma de contabilização do correlativo custo por cada um dos concessionários”;
10-O recurso carece em absoluto de fundamentação, não deve ser admitido ou, sendo-o, deve ser indeferido;
11-NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, NÃO DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO POR FALTA DE FUNDAMENTOS LEGAIS DA RESPECTIVA ADMISSÃO OU, SENDO-O, DEVE SER JULGADO IMPORCEDENTE, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.242 e 243 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.244 e 247 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.135 a 140 dos autos):
1-A impugnante, “………………………….., S.A.”, com o n.i.p.c. ……………, tem por objecto social a compra e venda de veículos e aluguer de veículos automóveis sem condutor (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.76 a 115 do processo de reclamação graciosa apenso);
2-A sociedade impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização relativa ao ano de 1996 abrangendo, nomeadamente, o IRC que culminou com o relatório que constitui fls.76 a 115 do apenso instrutor, que damos por integralmente reproduzido e de que constam, entre outras, as seguintes correcções, parte delas sintetizadas na informação que suporta a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e constitui fls.65 a 85 dos presentes autos:
"(...)
Encargos com comissões

Conforme relatório da DSPIT, o montante contabilizado de 126.577.044$00 tem como documentos de suporte notas de crédito emitidas pela ……., pelo que, não se tratando de facturas ou documentos equivalentes emitidos pelos prestadores de serviços, não se consideram aqueles encargos devidamente documentados nos termos do disposto na alínea h) do nº1 do artº41º, do Código do IRC;
(...)
Custos de rescisão de contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD)

«Em algumas situações de rescisão de contratos de ALD, a ………….., S.A., emite notas de crédito aos clientes..., contabilizando o seu valor em custos operacionais, conta 65502.
Não se trata de qualquer anulação ou rectificação de documento anteriormente emitido, mas simplesmente da constituição de um custo cujo suporte é uma nota de crédito por si emitida.
Analisados os documentos referentes à rescisão dos contratos não se encontram justificações para a emissão de tais notas de crédito, para a sua contabilização como custos (...).
Face ao exposto, não é aceite o custo no valor de 11.731.596$00, nos termos da alínea h) do n.º1 do art.º41º do CIRC.
(...)
Custos financeiros

Conforme relatório da DSPIT, foi efectuada correcção ao resultado tributável de IRC no montante de 111.330.754$00, ao qual acresce a tributação autónoma à taxa de 25%, no montante de 27.832.689$00, resultante do facto de os documentos de suporte apresentados pela ….., comprovativos dos custos financeiros a que se referem os lançamentos nºs 36 de 01.04.96 no valor de 59.196.797$00 e 366, de 17.09.96, no valor de 52.133.957$00, não provarem, de forma clara e inequívoca, que o valor contabilizado é correcto, propondo a correcção nos termos da alínea h) do nº1 do artº41º do CIRC.
(...)
Anulação de vendas
A ……….., S.A., contabilizou a débito da conta 7171 a título de anulação de vendas, um montante de 693.479$00, o qual se encontra contabilisticamente suportado através de notas de crédito por si emitidas. A DSPIT considerou, no entanto, que para tal anulação de proveitos inerentes às mencionadas notas de crédito emitidas (pela …………., S.A.) ser aceite, seria necessária a comprovação da respectiva recepção, por parte dos beneficiários, invocando o disposto no nº 5 do artº 71º do CIVA.
(...)
Proveitos de aluguer

A (................., S.A.) registou na conta 723317 a título de anulação de rendas de aluguer, um montante de 2.599.350$00, o qual se encontra contabilisticamente suportado através de nota de crédito. A DSPIT, com base no disposto no nº 5 do artº 71º do CIVA, não aceitou, para efeitos de apuramento do resultado tributável de IRC, a anulação das rendas em causa, em virtude de a (..............., S.A.) não haver apresentado prova da recepção de tal nota de crédito, por parte do destinatário.
(...)
Proveitos com débito de comparticipações - 0%

Conforme relatório da DSPIT, a ..................S.A. debita, mensalmente, aos concessionários, comparticipações publicitárias. Também mensalmente, transfere da conta 27441 para a conta 72343 a imputação da comparticipação da campanha, tendo como documentos de suporte, documentos internos. As comparticipações debitadas aos concessionários no exercício ascendem a 79.299.962$00, enquanto as transferidas para proveitos somam 20.344.650$00. Referem ainda que os débitos aos concessionários das comparticipações publicitárias se efectuam mensalmente não fazendo os avisos de lançamento quaisquer referências à periodificação dos contratos, pelo que, para os concessionários, tais documentos constituem custo do exercício.
(...)
Juros debitados a concessionários

A (......................, S.A.) no seu articulado refere que registou na conta 78184, a título de anulação de juros, um montante de 5.582.617$00, o qual se encontra contabilisticamente suportado através de notas de crédito por si emitidas.
A DSPIT, com base no disposto no nº 5 do artº 71º do CIVA, não aceitou, para efeitos de apuramento do resultado tributável de IRC, a anulação dos juros em questão, em virtude de a (................., S.A.) não ter apresentado prova da recepção de tais notas de crédito por parte dos seus destinatários. Deste modo, aqueles avisos de lançamento não foram considerados justificativos, em sede de IRC, nos termos da alínea a) do nº 3 do artº 98º, do CIRC.
(...)
Avisos de lançamento credores

A ................... S.A., registou diversos avisos de lançamento credores no montante de 11.444.235$00, valor este que, à semelhança do exposto nos artigos anteriores, relativamente à anulação de juros, foi corrigido pela DSPIT, com base de não ter sido feita prova de recepção das notas de crédito em causa pelos respectivos destinatários.
(...)”.

3- Com base nas conclusões do relatório de inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável do IRC de 1996, que incluem as aludidas no ponto anterior, no montante total de 404.587.084$00 (cfr.mapa resumo que acompanha o relatório de inspecção junto a fls.78 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-As correcções resultantes da acção de fiscalização originaram a liquidação adicional de IRC nº ...................., de 29/03/2000, no montante de 112.544.793$00 (€ 561.371,06), com data limite de pagamento em 24/05/2000 (cfr.documento junto a fls.44 dos presentes autos);
5- A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação em 1/08/2000 (cfr. documento junto a fls.2 a 29 do processo de reclamação graciosa apenso);
6-A reclamação foi parcialmente deferida, tendo sido anulada a liquidação na parte assente em tributação autónoma de “encargos com comissões”, no montante de 31.644.261$00 - fls.75 dos autos; tributação autónoma de custos contabilizados com “rescisão de contratos de aluguer de longa duração”, no montante de 2.932.899$00 - fls.76 dos autos; correcção de “juros debitados a concessionários” na parte correspondente à superveniente apresentação dos avisos de lançamento nºs.1022 e 1331, com os carimbos e assinaturas dos destinatários, pelo montante de 1.803.193$00 - fls.80 dos autos e fls.61 e 62 do apenso; correcção de “avisos de lançamento credores”, pelo montante de 10.281.018$00, correspondente à superveniente apresentação do aviso de lançamento nº 2184, cuja fotocópia está carimbada e assinada pelo respectivo destinatário - fls.81 dos autos e fls.63 do apenso (cfr.despacho definitivo de 18/03/2003, do Sr. Director de Finanças Adjunto junto a fls.269 do apenso de reclamação);
7-Da decisão de reclamação graciosa foi a impugnante notificada em 23/03/2003 (cfr. documentos juntos a fls.290 e 291 do processo de reclamação graciosa apenso);
8- Apresentou impugnação judicial em 8/04/2003, conforme carimbo de entrada aposto na p.i., a fls.2 dos presentes autos;
9- A liquidação foi paga em processo executivo e a instância extinta por despacho de 2/03/2004 (cfr.documento junto a fls.133 dos presentes autos; ofício junto a fls.179 dos autos);
10-A impugnante contabilizou custos financeiros no montante de 111.330.754$00;
11-Tais custos correspondem a encargos com perdas cambiais, juros e imposto de selo provenientes de operações de swap destinadas à cobertura dos riscos de variação das taxas de câmbio associados a um empréstimo, titulado em ienes japoneses (JPY), contraído pela impugnante junto do ................. (cfr.documentos juntos a fls.204 e seg. do processo de reclamação graciosa apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, nessa medida anulando a liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos (cfr.nº.4 do probatório), nos seguintes vectores de custos contabilizados e objecto de correcção por parte da A. Fiscal:
1-Com a rescisão de contratos ALD;
2-Com encargos financeiros e a consequente tributação autónoma;
3-Com os proveitos com débito de comparticipações 0%.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se menciona, que não deve haver lugar à contabilização de qualquer custo fiscal, pois resulta do regime dos contratos de ALD celebrados, que a sociedade recorrida nunca é lesada, no caso de existir destruição/desaparecimento dos veículos, porquanto, caso o valor líquido fosse superior ao valor da indemnização, o diferencial era debitado ao cliente, sendo que, na situação inversa, se a indemnização paga pela seguradora fosse superior ao valor líquido, o diferencial era creditado ao cliente/locatário. Que não tem qualquer justificação legal o alegado pela recorrida, segundo o qual, semelhantes restituições se inseriam no âmbito de medidas de política comercial da sociedade. Que tais restituições se devem qualificar como meras liberalidades, dado que nos termos contratuais, nenhuma prova se fez de que a restituição tivesse carácter de obrigatoriedade (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1996; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14).
No caso "sub judice", encontramo-nos perante custos resultantes da celebração de contratos de aluguer de longa duração (ALD).
Se bem que, naturalmente, sujeito ao império da autonomia da vontade privada, emergente do artº.405, do C.Civil, é habitual reportar este tipo de contrato (ALD) às normas jurídicas aplicáveis contidas no dec.lei 354/86, de 23/10, diploma relativo ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor, com as actualizações derivadas dos dec.lei 373/90, de 27/11, 44/92, de 31/3, e 77/2009, de 1/4 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que os custos contabilizados derivados das restituições efectuadas pela sociedade recorrida em virtude da rescisão dos contratos de ALD celebrados por perda total dos respectivas viaturas se devem qualificar como meras liberalidades, dado que nos termos contratuais, nenhuma prova se fez de que a restituição tivesse carácter de obrigatoriedade.
Como se retira do exame do probatório (cfr.nº.2 da factualidade provada) apesar de ter chamado à colação o disposto no artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C. (encargos/custos não devidamente documentados), ao invés de fundamentar a correcção na falta de certificação externa das notas de crédito ou na falta de documentação, arguiu a A. Fiscal a falta de justificação para os custos em causa, o que o mesmo é dizer, questiona a indispensabilidade de tais custos por referência ao conceito ínsito no examinado artº.23, nº.1, do C.I.R.C.
A quantia não aceite como custo do exercício corresponde à soma dos montantes pagos à sociedade recorrida pelas seguradoras nas situações de perda total dos veículos e que eram restituídos aos locatários na parte excedente ao valor das rendas vincendas constantes do contrato de ALD deduzido da caução prestada pelo respectivo locatário.
Na verdade, a contratação dos seguros era uma condição associada à celebração dos contratos de ALD, sendo mesmo prática do mercado a devolução aos clientes de parte do valor da indemnização recebida pelas companhias de seguros em resultado de sinistros ocorridos com as viaturas objecto de tais contratos. Constituindo tal prática uma política comercial, com vista à manutenção da fonte produtiva, ainda que mediatamente, pela criação de uma boa relação com o cliente, locatário do veículo sinistrado, e pela segurança que dá aos locatários de que, se ocorrer qualquer sinistro, também parte do seu risco inerente ao contrato de locação será coberto pelo seguro.
Pelo que se afigura, no caso em apreciação, que está presente o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
A entrega dos referidos montantes aos clientes locatários não constitui, assim, uma mera liberalidade, estranha ao objecto e actividade social da sociedade impugnante, antes assentando em genuína motivação empresarial, pelo que se deve concluir, com o Tribunal "a quo", que tais custos são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14).
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso, em consequência se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Mais aduz o recorrente, em síntese, que relativamente aos custos contabilizados como "encargos financeiros e tributações autónomas" é notória a falta de documentação comprovativa de algumas das operações realizadas, nomeadamente documentos bancários comprovativos de todas as transferências financeiras efectuadas e recebidas, assim como de prova documental das taxas de câmbio e das taxas de juro aplicadas em toda a operação financeira, o que se revelava fundamental para o real apuramento dos custos fiscais apurados. Que a omissão dos referidos elementos probatórios da materialidade das operações em causa apenas podia redundar na não aceitação das referidas despesas como custos, para efeitos do disposto no artº.23, do C.I.R.C. (cfr. conclusões 6 a 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.10 e 11 do probatório) a sociedade recorrida contabilizou custos financeiros no montante de 111.330.754$00 (€ 555.315,46), os quais correspondem a encargos com perdas cambiais, juros e imposto de selo provenientes de operações de swap destinadas à cobertura dos riscos de variação das taxas de câmbio associados a um empréstimo, titulado em ienes japoneses (JPY), contraído pela impugnante junto do ..............................
As características das operações descritas, reconduzem-nas à modalidade de contratos de swaps cambistas ou de divisas (currency swap), que consistem em tomar de empréstimo certa quantia numa determinada divisa para, logo de seguida, a trocar por quantia equivalente de uma outra moeda. Por outras palavras, tal contrato de swap consiste, no fundo, numa venda e compra simultâneas a uma só contra-parte de certa quantia de apenas uma divisa, sendo que uma das transacções se realiza a pronto e a outra a prazo. O objectivo é a cobertura de risco de flutuação cambial (cfr.A. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. Edição, Almedina, 2014, pág.867 e seg.; Maria Clara Calheiros, O Contrato de Swap, Coimbra Editora, 2000, pág.35 e seg.).
Não coloca a Fazenda Pública em causa os custos financeiros que suportou a sociedade recorrida nas operações de financiamento levadas a efeito, evidenciando os mesmos as perdas cambiais, bem como encargos financeiros com juros e imposto de selo contabilizados, assim sendo possível traçar todo o percurso que fundou os lançamentos contabilísticos em causa. Por consequência, as correcções de custos financeiros levadas a efeito pela A. Fiscal, devido a alegada falta de prova quanto à materialidade das operações financeiras e quantificação dos respectivos encargos, não podem manter-se na ordem jurídica, explicada que foi, com suporte documental, a congruência das operações de financiamento e dos respectivos encargos. Mais, estando os encargos financeiros devidamente documentados, falecem os pressupostos da tributação autónoma à taxa de 25% (25.832.689$00) que a Fazenda Pública fez incidir sobre o montante daqueles encargos de 111.330.754$00 com base na indevida documentação do custo (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11).
Face ao exposto, também a correcção em causa padece de vício invalidante, neste sentido se confirmando a sentença apelada.
Por último, alega o recorrente que relativamente à correcção de "proveitos com débito de comparticipação 0%", no valor de 58.435.086$00, tal correcção deve manter-se na ordem jurídica, visto não ter ficado demonstrado que os correspondentes custos também foram diferidos, à semelhança dos proveitos, como impõe o princípio da especialização dos exercícios previsto no artº.18, do C.I.R.C. Que nestes casos o tratamento fiscal da operação deve ser homogéneo, ou seja, não se pode atribuir um tratamento à causa (custos ou encargos) e outro diferente ao respectivo efeito (rendimentos ou proveitos obtidos), posto que, tratando-se de correcções que têm subjacente uma mera diferença temporal, devem dar origem a tratamento contabilístico de sentido inverso relativamente aos exercícios seguintes, sendo que estas correcções nunca foram efectuadas no caso concreto (cfr.conclusões 10 a 13 do recurso), com base em tal proposição pretendendo consubstanciar um derradeiro erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a sentença do Tribunal "a quo" comporta tal pecha.
Conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.2 do probatório), a correcção sob exame tem por fundamento a alegada violação do princípio da especialização dos exercícios por parte do tratamento contabilístico dado pela sociedade recorrida a tais custos.
A vida de uma unidade económica não possui, em regra, qualquer limitação temporal, caracterizando-se pelo desenvolvimento de uma actividade de duração tendencialmente ilimitada, facto, aliás, que suporta a previsão, em sede do direito contabilístico, do princípio da continuidade da exploração. Porém, a actividade da unidade económica evolui em diversas fases, temporalizadas por exercícios económicos, genericamente coincidentes com o ano civil, realidade que alicerça, em termos de contabilização e de tributação, a previsão do princípio da especialização ou do acréscimo, ínsito no artº.18, do C.I.R.C. (cfr.artº.22, do anterior C.C.I.), o qual determina que os proveitos e os custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Por outra palavras, em determinado exercício, devem ser contabilizados os proveitos, e também os custos, que nele efectivamente tenham sido realizados, nisto se expressando o dito princípio da especialização dos exercícios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/4/2008, rec.807/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/9/2012, proc.3145/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.2832/09; J.L.Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, 2ª. Edição, Lex, 2000, pág.224 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.172 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, sustenta o recorrente que a efectivação das correcções em causa assenta na observância do princípio da especialização dos exercícios, porquanto, de acordo com o mesmo, em matéria de relevação contabilística, os proveitos deverão ser reconhecidos no período em que foram obtidos, tal como, por sua vez, o reconhecimento dos custos deve efectuar-se numa base de correlação directa com os proveitos que geraram, sendo que, "in casu", se verificou que a sociedade recorrida emitiu notas de débito aos concessionários, para os quais os respectivos valores constituíram, na sua totalidade, custos do exercício, enquanto que apenas um pequeno montante do valor emitido foi considerado proveito daquela (20.344.650$00 de 79.299.962$00 proveitos diferidos de 58.435.086$00).
Como assim, defende a A. Fiscal que tal modo de contabilização dos proveitos pela recorrida consubstancia uma evidente inobservância do princípio da especialização dos exercícios, por, em termos contabilísticos, não ter procedido ao reconhecimento dos proveitos no período em que foram obtidos, tendo ficado por estabelecer a necessária correlação entre custos do exercício, efectivamente reconhecidos, e os correspondentes proveitos que os mesmos originaram.
Por sua vez, a sociedade impugnante/recorrida sustenta quanto aos proveitos com débito de comparticipação, que existe diferimento dos mesmos, por força do princípio da especialização dos exercícios, pelo que não pode relevar o tratamento contabilístico que os concessionários possam ter efectuado, isto porque contabilizou os proveitos em causa atendendo à própria periodização dos contratos de ALD celebrados, já que a campanha implicava que o valor que seria, em regra, pago pelos locatários em cada uma das rendas, passasse a ser efectuado pelos concessionários.
Ora, isso quer dizer que a forma de contabilização destes proveitos foi efectuada pelo sujeito passivo em claro respeito pelo princípio da especialização dos exercícios, não lhe sendo oponível a forma de contabilização do correlativo custo por cada um dos concessionários, como pretende a Fazenda Pública, tanto mais que não vem questionada a contabilização da totalidade dos proveitos obtidos (entre imputados ao exercício e diferidos), inexistindo qualquer fraude fiscal e apresentando-se os argumentos aduzidos pela A. Fiscal no relatório de inspecção e decisão de reclamação graciosa insuficientes para abalar a presunção de veracidade de que gozam os elementos de contabilidade da impugnante/recorrida (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11), assim se devendo confirmar a decisão recorrida, também neste segmento.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 7 de Maio de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Anabela Russo - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)