Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:495/19.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:ÂNGELA CRISTINA DA SILVA CERDEIRA
Sumário:I - Os articulados supervenientes previstos no artigo 588º do CPC são admissíveis no processo de impugnação judicial, ao abrigo da alínea e) do artigo 2º do CPPT.
II - A apresentação do articulado superveniente deverá ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que, nos casos em que as partes são notificadas para apresentarem alegações escritas (cfr. artigo 120º, nº 1 do CPPT), ocorre com o termo do prazo fixado pelo juiz para o efeito.
III - No dia 20.03.2020 entrou em vigor a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que procedeu à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19, estipulando no seu artigo 7º, nº 1, a aplicação do regime das férias judiciais aos atos processuais praticados em processos não urgentes.
IV - O regime legal do artigo 7.º, nº 1 da Lei n.º 1-A/2020, vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º, colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais.
V – Verificando-se, no caso dos autos, que a notificação da Impugnante para apresentar alegações ocorreu em 23.03.2020 e que o articulado superveniente deu entrada nos autos em 17.04.2020, logo se conclui que o mesmo foi apresentado tempestivamente.
VI - O erro de julgamento atinente à tempestividade do articulado superveniente obsta ao conhecimento do mérito da decisão final recorrida, acarretando a anulação de todo processado subsequente, tendo, portanto, o processo de baixar para cumprimento, designadamente, do consignado no artigo 588.º, nº4, do CPC, e prolação de nova decisão.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

G......, LDA., doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho, proferido em 17 de Fevereiro de 2022, de rejeição do articulado superveniente por si apresentado no âmbito do processo de impugnação judicial deduzida ao abrigo do artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como da sentença, exarada na mesma data, que julgou improcedente essa Impugnação Judicial que visa as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes ao ano de 2005 e juros compensatórios associados, no montante global de €134.070,80.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1º A decisão da não admissão do articulado superveniente tendo por base a sua extemporaneidade constituiu uma decisão juridicamente errada.

2º A notificação do mandatário da impugnante para apresentação de alegações no prazo de 20 dias, foi feita através do sistema SITAF no dia 18-03-2020, (refª: 005165001).

3º O prazo para apresentação de alegações terminava a 21 de Abril de 2020, pelo que na data em que foi apresentada o articulado superveniente dia 17 de Abril de 2020, o prazo para apresentação de alegações escritas ainda não tinha transcorrido.

4º No ano de 2020, as férias judiciais no período da Pascoa decorreram entre o dia 5 e o dia 13 de Abril, pelo que tendo em conta o prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas, constante na notificação feita à impugnante com data de 18 de Março, terminaria esse prazo a 21 de Abril.

5º O tribunal ao ter decidido como decidiu, julgando extemporânea a apresentação do articulado superveniente fez uma errada aplicação da lei processual, nomeadamente do nº1, do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

6º Ainda que no período em causa, não nos encontrássemos a viver num tempo de excepção, da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, regulada por lei especial, a decisão do tribunal estaria igualmente errada, tendo em conta o disposto nº2, do artigo 20º do CPPT, nº1, do artigo 138º do CPC e o artigo 28º da Lei nº62/2013 de 26 de Agosto.

7º O tribunal, não teve em linha de conta os factos alegados na petição inicial e não realizou ou ordenou quaisquer diligências úteis para conhecer a verdade material.

8º Os requisitos específicos da sentença, em processo de impugnação judicial encontram-se previstos nos artigos 123º e 124º do CPPT, normas que tem de ser conjugadas com o disposto nos artigos 607º e seguintes do CPC, normas a ter em conta e a integrar na parte em que não estiver especialmente previsto no CPPT.

9º Nos termos do disposto no artigo 123º, nº2 do CPPT, relativamente à fundamentação de facto da sentença, o juiz terá de indicar, cumulativamente, quais os factos provados e quais os factos não provados.

10º A falta de discriminação da matéria de facto não provada, em sede de contencioso tributário, é equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, relevando a sua omissão para efeitos da nulidade da sentença, prevista no artº125º, nº1 do CPPT.

11º O processo tributário por contraposição ao processo civil, não é um processo de partes, não se encontra estruturado à volta do princípio do dispositivo, o processo tributário está estruturado e alicerçado no princípio do inquisitório. 10º No âmbito do processo tributário o interessado tem o direito à selecção e realização de todos os meios de prova, por dispor o juiz do tal leque alargado de poderes, não tendo o juiz de produzir toda e qualquer prova apresentada, mas tão-somente a necessária para a resolução da causa, como resulta do art. 114.º do CPPT e do art. 13.º que se refere às diligências que o juiz considere úteis ao apuramento da verdade dos factos e não toda e qualquer diligência.

11º O processo administrativo é a principal fonte de aquisição de informações com interesse para decisão, por isso juiz tem o ónus de verificar se o mesmo está completo e instruído com todos os documentos, para aferir se pode ou não conhecer o pedido logo no início do processo, artigos 110º e 113º do CPPT.

12º O Tribunal “a quo” deu como provados os pressupostos e conclusões do relatório, na íntegra, mas não respondeu e não se pronunciou sobre a matéria controvertida nos articulados e que era essencial para a decisão da causa.

13º Alegou a impugnante nos artigos 10º a 24º da petição inicial, que não lhe foi assegurado o direito ao contraditório e que não pôde controlar as provas contra si reunidas.

14º A sentença recorrida é nula por violação clara dos princípios basilares da defesa, do contraditório por se fundamentar em prova que não consta dos autos e à qual não foi dada à Impugnante oportunidade de se pronunciar.

15º Mas, o tribunal ao bastar-se e ao refugiar-se no que constava no RI, afirmando que as informações nele existentes faziam fé por se basearem em critérios objectivos, ficou de tal modo “ofuscado com a verdade do mesmo” que não se pronunciou sobre as falhas e omissões imputadas pela impugnante, deixando dessa forma a sentença ficar inquinada com o vício de omissão de pronuncia.

16º A decisão enferma, de erro de julgamento quanto à matéria de facto na medida em que o tribunal valorizou indevidamente a prova documental junta, por ter inflacionado o valor dos factos e os juízos de valor sobre eventuais factos constantes do relatório da inspecção.

17º A GNR não tem competência em matéria de inspecção tributária, a este OPC apenas compete nos termos da al. d) do nº2, do artigo 3º da Lei n.º63/2007 de 6 de Novembro - Prevenir e investigar as infracções tributárias, fiscais e aduaneiras, bem como fiscalizar e controlar acirculação de mercadorias sujeitas à acção tributária, fiscal ou aduaneira).

18º Na Alfândega de Peniche não foram instaurados quaisquer procedimentos de inspecção e de liquidação de IEC/IABA tendo por referência o processo de inquérito nº do inquérito nº37/14.2F1EVR.

19º As liquidações de IVA foram feitas de forma indirecta e juridicamente inválida (inexistência jurídica) por não ter sido a AT (DF de Santarém) a fazer o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, e também não foi ela que fez o lançamento objectivo através do qual se determinou a matéria colectável ou tributável do imposto.

20º Não se conseguem alcançar no RI, as razões ou fundamentos que permitissem justificar as conclusões a que a AT chegou, acerca da impugnante ter produzido e vendido as bebidas nele indicadas.

21º A circunstância de tempo, em que as bebidas terão sido comercializadas, que confessadamente se referiu desconhecer no RI, não é a única circunstância desconhecida, as circunstâncias de modo e lugar também se desconhecem, por não terem sido apresentadas e dadas a conhecer no RI e na sentença.

22º Pelo que a decisão enferma, de erro de julgamento quanto ao ponto 7 e 8 da matéria de facto dada como provada, nomeadamente na medida em que o tribunal valorizou indevidamente a prova documental junta, por ter inflacionado o valor dos factos e os juízos de valor sobre eventuais factos constantes do relatório da inspecção.

23º Pelo que uma criteriosa e ponderada análise do mencionado documento, ao que nele consta e especialmente ao que nele não consta, terá como necessário efeito uma decisão diversa da recorrida, ou seja, não vendeu a recorrente as quantidades de bebidas referidas no ponto III.2.2. do RI.

24º Por outro lado, para a descoberta da verdade material, deverão ser produzidos novos meios de prova, nomeadamente a testemunhal indicada pelas partes nos articulados, porque fundada é a dúvida acerca da impugnante ter produzido e comercializado as quantidades de bebidas referidas no RI e na sentença.

25º O grande equívoco da sentença quanto à matéria de ónus da prova começou a fls.24 e continuou a fls.30 e 31 da sentença, foi o de citar sem acerto nem propriedade, a norma contida no nº1, do artigo 76º da LGT.

26º As informações constantes no RI não foram observadas nem colhidas pela AT, foram colhidas pela GNR e dadas como certas pela Alfândega de Peniche e pela DF de Santarém.

27º Os factos afirmados com base em juízos formulados pela AT a partir de factos não apurados por si e não determinados por critérios objectivos, não fazem fé pública nem tem força probatória especial.

28º Assim, não foi feita apenas uma errada interpretação e aplicação do disposto no nº1, do artigo 76º da LGT, foi também feita uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 55º da LGT, no nº3 do artigo 103º e do artigo 266º da CRP por banda da AT e do tribunal.

29º A actuação da administração tributária, em matéria de liquidação e cobrança de impostos não está balizado por aquilo que não lhe é proibido fazer, mas sim por aquilo que lhe é permitido por Lei fazer.

30º As liquidações adicionais de IVA assentaram em elementos recolhidos pela GNR, entidade sem competência inspectiva, (logo tudo o que fez é considerado nulo nos termos da b) do nº2, do artigo 161º do CPA) as ditas liquidações de IVA, assentaram ainda em cálculos de impostos especiais de consumo IABA, sem que a Alfândega de Peniche tivesse sido credenciada, ou estivesse a agir ao abrigo de qualquer procedimento legalmente enquadrável, que lhe permitisse o apuramento das quantidades de bebidas consideradas como comercializadas e o respectivo imposto.

31º As liquidações adicionais de IVA por provirem, ou serem consequentes, de um acto tributário nulo ou ferido de inexistência jurídica, por lhe faltar sequer a materialidade de um acto tributário, existindo tão só a aparência disforme de um acto de liquidação, num pantanoso terreno de ninguém, a que chegou a investigação da GNR e para onde a alfândega de Peniche e DF de Santarém foram puxadas, não podem ser consideradas válidas.

Termos em que, e com os fundamentos acima expostos, se requer a REVOGAÇÃO da sentença recorrida, por ser de: Lei, Direito e JUSTIÇA.

Regularmente notificada do presente recurso, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1) G......, LDA., ora impugnante, iniciou a sua atividade em 1 de março de 2011 e, no ano de 2015, encontrava-se inscrita para exercício da atividade principal de “comércio ret. Flores, plantas, sementes e fertilizantes, est. esp.”, a que corresponde o CAE 47761 e para o exercício das atividades secundárias de “com. ret. combustível para veículos a motor, estab. espec.”, a que corresponde o CAE 047300, “restaurantes tipo tradicional”, a que corresponde o CAE 056101 e “comércio por grosso de bebidas alcoólicas”, a que corresponde o CAE 046241 – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 177 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

2) No ano de 2015, a impugnante tinha como gerente J...... (NIF ......96) – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 177 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

3) A impugnante foi sujeita a uma ação de inspeção tributária externa, com referência ao período de 2015, realizada a coberto da ordem de serviço n.º OI201800077, emitida no dia 26 de janeiro de 2018 – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 177 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

4) O procedimento inspetivo referido em 3) foi iniciado em 8 de março de 2018 e concluído em 8 de maio de 2018, no decurso da instrução do processo de inquérito n.º 37/14.2F1EVR - crimes de fraude fiscal (ação 107-05PNAITA), a correr termos no Departamento de Investigação e Ação Penal, 2.ª Seção de Santarém, visando proceder ao cálculo das prestações tributárias em falta em sede de IVA e IRC referentes ao ano fiscal de 2015 – cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 177 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

5) Através do ofício n.º 1573, de 11 de novembro de 2018, a impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção e para, querendo, exercer o direito de audição – cfr. documento de fls. 174 a 189, 190 a 205, 208 a 222, 223 a 228, 232 a 247, 248 a 263 da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

6) A impugnante exerceu o referido direito de audição, por escrito – cfr. documento de fls. 64 a 67 e documento de fls. 277 a 280 da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

7) No dia 11 de maio de 2018, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram o relatório final de inspeção tributária com correções, em sede de IRC e IVA, com base nos seguintes factos e fundamentos:

“(…) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL (…) III.1.2. Em sede de IVA Como já foi referido, esta Sociedade encontra-se registada para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, tendo, relativamente ao exercício fiscal de 2015, apresentado as declarações periódicas de IVA (DP´s) com os seguintes valores: (…)

III.2 Dados apurados no Inquérito n.º 37/14.2F1EVR Não obstante estes valores declarados pelo Sujeito Passivo, no Inquérito N.º 37/14.2F1EVR a correr os seus termos no Departamento de Investigação e Ação Penal – 2.ª Secção de Santarém, pelo Departamento de Ação Fiscal de Évora, da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana foram prestadas as seguintes informações.

III.2.1 Bebidas apreendidas

No dia 10 de dezembro de 2015, foram apreendidas, na Garagem S/N sita na Rua S…… – Alpiarça, que funcionava como local de transformação de bebidas espirituosas ocultado da administração aduaneira portuguesa, as seguintes provas materiais:

Sobre estas quantidades apreendidas pelo Órgão de Polícia Criminal Instrutor do Inquérito, tendo em consideração que não ocorreu a sua venda, não incidirão, no âmbito do presente procedimento inspetivo, quaisquer valores de IRC ou de IVA, ressalvando-se naturalmente os competentes Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC´s), de acordo com o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC – Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21/06), designadamente no seu capítulo sobre o álcool e as bebidas alcoólicas – IABA (artigos 66.º a 87.º, na redação em vigor no ano de 2015).

III.2.2. Bebidas comercializadas De acordo com os elementos constantes da instrução do inquérito n.º 37/12.2F1EVR, designadamente, de informação junta a folhas 3026 dos referidos autos, pelo Destacamento de Ação Fiscal de Évora, da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana, foram considerados como comercializadas no decorrer do ano de 2015 as seguintes bebidas:

Serão assim estas as quantidades que por terem sido devidamente documentadas no referido Processo Judicial, serão consideradas para o cálculo das prestações tributárias em falta em sede de IRC e IVA, conforme ordenado pela Digna Magistrada do Ministério Público em despacho de fls. 2836 e 2837. III.2.3. Preços de Venda Ainda de acordo com os elementos recolhidos pela Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana de Évora, os preços e venda ao público praticados pelo operador G......, LDA. seriam os seguintes:

Desta forma, desconhecendo-se outros valores de venda destas bebidas praticados pelo Sujeito Passivo, serão estes a considerar para efeitos de apuramento de impostos inerentes às vendas conhecidas. (…) III.3.2. Em sede de IVA As vendas deste tipo de bebidas realizadas pelo Sujeito Passivo ocorrem no decurso do ano de 2015 desconhecendo-se no entanto os precisos períodos em que os referidos bens são efetivamente transacionados.

Mostrando-se assim possível apurar o IVA sobre estas transmissões efetuadas pela sociedade no exercício anual, fica inviabilizada a sua imputação em concreto a cada período fiscal. Como já referido anteriormente, o Sujeito Passivo encontra-se registado para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º ambos do CIVA. Desta forma, atribuir todas as vendas daquelas bebidas ao último período fiscal para efeitos de IVA (2015/12), data em que todas as transmissões se encontram consumadas, seria, atento o disposto no artigo 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), penalizador para o Sujeito Passivo, motivo pelo qual, desconhecendo datas em concreto e os valores parcelares das vendas realizadas, se opta por uma distribuição uniforme das quantidades/valores e, consequentemente, propõe-se que os valores apurados sejam incutidos proporcionalmente nas respetivas declarações periódicas de IVA. Dos elementos reunidos pela Unidade de Ação Fiscal da GNR e que constam do inquérito n.º 37/14.2F1EVR, é indiciado à sociedade G......, LDA. a comercialização de 33.750,30 Litros de bebidas alcoólicas sem que tivesse sido liquidado qualquer imposto. Atento as características destas mesmas bebidas e em virtude do seu respetivo teor alcoólico, estas estariam sujeitas ao Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) conforme se observa nos cálculos agora efetuados pela Alfândega de Peniche o qual não foi liquidado pelo Sujeito Passivo. Este cálculo de IABA é assim determinante para o apuramento do IVA a liquidar, pois só somando o valor efetivo de venda ao imposto apurado em sede de IABA é que se poderá obter a base tributável relevante para efeitos de IVA à taxa normal de 23%. (…) III.4. Quantificação de impostos devidos Atento o supra exposto, ficou comprovada a venda de bebidas alcoólicas e a omissão declarativa em termos fiscais destas transmissões nos seguintes montantes:

III. 4.1 IRC (…) III.4.2. IVA A este valor de vendas apurado, e para a formação da base tributável em sede de IVA, tem de igualmente de ser considerado o valor de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas já calculado pela Alfândega de Peniche, pelo que a base tributável e IVA em dívida pelo Sujeito Passivo serão as seguintes:

Desta forma, haverá que corrigir as DP´s de IVA entregues, retificando os respetivos campos 4 (Imposto a favor do Estado) 93 (imposto a entregar ao Estado) e 94 (crédito de imposto a recuperar), nos seguintes montantes:

III.5 Outros elementos de prova analisados

III.5.1. Declarações do gerente G......

Nas declarações prestadas por G...... (Anexo 2) é, entre outras afirmações, negado que no ano de 2015 ele ou a sociedade G......, LDA. tivessem qualquer relacionamento com compras, fabrico e vendas de bebidas alcoólicas introduzidas no consumo de forma ilegal. Por este depoente foi mesmo alegado que os factos aqui indiciados seriam da responsabilidade de seu pai, de nome H........, o qual faleceu, ao que foi possível apurar, no decorrer do ano de 2015. III.5.2. Conta corrente do gerente G...... (conta 27803) Analisado os documentos contabilísticos disponibilizados pelo Sujeito Passivo, constatou-se a existência da subconta 27803, onde no final do ano de 2015 é atribuído um crédito a no valor de € 148.896,85, conforme extrato desta conta que se anexa (Anexo 4). Relativamente aos pequenos valores ali contabilizados, constatou-se que estes movimentos são relativos a pequenas despesas que este apresenta e, como nem sempre lhe entregam o dinheiro correspondente acabam por creditar a sua conta. Considerando os maiores valores debitados na referida subconta, verificou-se que o débito da quantia de € 180.000,00, datada de 2015-09-30 se ficou a dever a prestações suplementares, que resultaram numa “transferência” para a subconta 53102 igualmente titulada por G........ sendo de retirar cópia do documento de suporte deste lançamento (Anexo 5). Existem igualmente lançamentos a débito no valor de € 20.000,00, os quais correspondem a levantamentos de dinheiro realizados por G........, conforme Anexo 6. Já quanto a diversos lançamentos realizados de quantias significativas a crédito de G........, apurou-se que estes resultavam da emissão de avisos de pagamento a fornecedores, conforme alguns exemplos que se juntam (anexo 7), sendo alegado que para conciliação de contas de alguns fornecedores e creditada esta subconta 27803, sem que no entanto fosse devidamente esclarecido de onde vem e para onde vai o dinheiro relativo a estes movimentos monetários realizados nesta subconta 27803 do gerente G.......

III.5.3. Documentação de suporte em falta na contabilidade do Sujeito Passivo Na conferência da documentação contabilística realizada nas instalações do Sujeito Passivo, foi notada a ausência de alguns documentos de suporte, designadamente faturas emitidas pelos fornecedores R........, Lda. e A........, Lda., sendo justificado que aqueles documentos em falta haviam sido apreendidos pela Unidade de Ação Fiscal da GNR, conforme cópia de auto de apreensão que foi apresenta e que constitui o anexo 8. III.5.4. Furto ocorrido nas instalações do Sujeito Passivo Na contabilidade do Sujeito Passivo são evidenciados lançamentos de custos em diversas subcontas 684, todos datados de 2015-06-30, tendo-se confirmado que estas regularizações se encontravam justificadas pela ocorrência de um furto de bens nas instalações da Sociedade, facto que se encontrava devidamente documentado com uma certidão de ocorrência de furto e respetiva relação dos bens emitida pelo Posto Territorial da GNR de Alpiarça (Anexo 9). III.5.5. Outras conferências realizadas na contabilidade do Sujeito Passivo Foi confirmado que a Sociedade procedia corretamente à retenção na fonte do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativamente aos seus funcionários, que declarava mensalmente as remunerações pagas através da respetiva DMR e que procedia à devida entrega nos cofres do Estados dos valores retidos a título de IRS. Certificaram-se igualmente as tributações autónomas, nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC, tendo sido disponibilizado pelo Sujeito Passivo um mapa de apoio interno para os custos não aceites fiscalmente (Anexo 10). De idêntica forma, foi confirmado que as coimas multas e outros encargos relacionados que incidiram sobre o Sujeito Passivo foram devidamente acrescidas no campo 728, do quadro 07, da modelo 22 apresentada. Foi ainda realizada uma verificação aos custos de amortização contabilizados pelo Sujeito Passivo, tendo aquele apresentado os mapas de depreciação e amortizações de que dispunha (Anexo 11).

(…) INFRAÇÕES VERIFICADAS (…) VII.2. AO CÓDIGO DO IVA A situação descrita no ponto III.4.2. do presente relatório, relativa a vendas não declaradas pelo Sujeito Passivo e consequente falta de entrega do IVA nos cofres do Estado, constituem infrações ao disposto no n.º 1 do artigo 27.º, no artigo 29.º e no artigo 41.º, todos do CIVA nos respetivos períodos fiscais (2015/01, 2015/02, 2015/03, 2015/04, 2015/05, 2015/06, 2015/07, 2015/08, 2015/09, 2015/10, 2015/11 e 2015/12) e, atendendo aos valores em falta, são infrações consideradas como contraordenação fiscal, puníveis nos termos do n.º1 do artigo 114.º e do n.º 4 do artigo 26.º, ambos do RGIT. VIII – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES Tendo em consideração que o atraso na liquidação dos impostos em falta é imputável ao Sujeito Passivo, será de acrescer os respetivos juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária. IX – DIREITO DE AUDIÇÃO Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o Sujeito Passivo foi notificado, através do ofício n.º 1326, remetido por via postal em 2018-04-05, para querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição. Pelo sujeito passivo foi exercido o seu direito de audição, o qual foi apresentado em requerimento subscrito pelo Ilustre Advogado Dr. O........, que juntou para o efeito procuração e entregue no Serviço de Finanças de Almeirim em 2018- 04-24. Dispõe o artigo 60.º da LGT no seu n.º 7, sobre os efeitos da audição prévia no procedimento, que acaso sejam fornecidos elementos novos, os mesmos são obrigatoriamente analisados e tidos em conta na fundação da decisão final. Os argumentos expostos pelo sujeito passivo no direito de audição exercido mereceram a nossa atenção pelo que vai ser transcrito o texto em que foi corporizado o mesmo, que será posteriormente analisado. (…) Cumpre assim apreciar a exposição efetuada no exercício do direito de audição atempadamente apresentada pela sociedade G......, LDA. Relativamente ao exposto nos pontos 1.º e 2.º daquele requerimento, em que o Sujeito Passivo alude que os factos constantes do projeto de relatório têm origem no processo de inquérito criminal com o n.º 37/14.2F1EVR, tal facto e mesmo confirmado no próprio projeto de relatório (fls. 5, Ponto II.2.) sendo que a folhas 2836 daqueles mesmos autos de inquérito, pela Digna Magistrada do Ministério Público, foi ordenado que a AT procedesse ao cálculo das prestações tributárias em falta pela sociedade G......, LDA. Tais valores foram apurados no procedimento credenciado pela Ordem de Serviço OI201800077 e explanados no referido projeto de relatório de inspeção. Refira-se ainda que as correções projetadas decorrem de elementos de prova reunidos no âmbito do inquérito criminal com o n.º 37/14.2F1EVR o que para ele foram carreados pela entidade responsável pela investigação: Destacamento de Ação Fiscal de Évora, da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana. Quanto ao vertido nos pontos 3.º, 4.º e 5.º, o Sujeito Passivo aborda o ponto III.2.1. do projeto de relatório, que elenca as quantidades apreendidas pelo Órgão de Polícia Criminal Instrutor do Inquérito. Ora, tendo em consideração que por ter sido apreendida esta mercadoria não gerou vendas, não incidiram, no âmbito do presente procedimento inspetivo, quaisquer valores de IRC ou de IVA, em relação a esta mercadoria, ressalvando-se naturalmente os competentes Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC´s), de acordo com o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC – Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21/06), designadamente no seu capítulo sobre o álcool e bebidas alcoólicas – IABA (artigos 66.º a 87.º, na redação em vigor, no ano de 2015), valores apurados pela Alfândega de Peniche.

A apreensão foi efetuada pela Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana, na Garagem S/N sita na Rua S…… – Alpiarça, que funcionava como local de transformação de bebidas espirituosas ocultado da administração aduaneira portuguesa, dependência da empresa em que G........ também operava. O argumentado no ponto 6.º pelo Sujeito Passivo incide sobre o ponto III.2.2. do relatório, em que pela entidade competente para a investigação e recolha de prova concluiu pela sociedade G......, LDA. das mencionadas vendas, verificando-se que não são apresentadas quaisquer provas para desacreditar aquelas conclusões. Também no ponto 7.º, são abordados factos reunidos pela investigação e recolha de prova levada a cabo pelo Destacamento de Ação Fiscal de Évora, designadamente os preços de venda, sem que, mais uma vez, tenham sido apresentados elementos suscetíveis de ilibar aquela imputação. Relativamente a estes pontos (6.º, 7.º e 8.º), o Sujeito Passivo argumenta que o projeto de relatório não demonstra a sua participação e envolvimento nos factos que aqui lhe são imputados, omitindo assim toda a prova reunida da investigação levada a cabo pelo Destacamento de Ação Fiscal de Évora, da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana, a qual culminou num processo de inquérito n.º 37/14.2F1EVR. Do ponto de vista tributário, vale a presunção da Verdade Declarativa, consignada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT. Porém, a partir do momento em que se reúnem elementos fiscalmente relevantes que contrariam as “declarações fiscais de IRC e IVA, opera a inversão do ónus da prova, uma vez que a AT apresentou as listagens de vendas carreadas nos autos do inquérito n.º 37/14.2F1EVR. Destarte, uma vez demonstrada a falta de veracidade das declarações fiscais e propostas as respetivas correções, caberia ao Sujeito Passivo, na presente sede, trazer ao procedimento todos os argumentos e documentos pertinentes para exercer esse mesmo direito de participação. No entanto, o Sujeito Passivo não demonstra nem apresenta qualquer comprovativo que o desonere dos factos tributariamente relevantes e que produzem as correções aritméticas que ora são imputados.

Já nos pontos 9.º e 10.º o Sujeito Passivo apresenta considerações com o intuito de separação do presente procedimento inspetivo do inquérito com natureza criminal que se encontra a correr os seus termos no Departamento de Investigação e Ação Penal – 2.ª Secção de Santarém. Importa salientar que, ainda que os elementos que serviram de base às correções projetadas tenham sido recolhidos nesse inquérito, todo o apuramento e processo de cálculo das prestações tributárias em falta ocorreram em sede de procedimento inspetivo, não se limitando o projeto a remeter para essas conclusões. Assim, tendo sido devidamente ponderado o alegado pelo Sujeito Passivo no seu legítimo uso do direito de audição, que não exibiu qualquer elemento em suporte documental, nem apresentou factos novos suscetíveis de por em causa os elementos recolhidos e as conclusões do procedimento de inspeção tributária, mantêm-se as correções anteriormente propostas. Em face do exposto, será emitida nota de diligência, serão levantados os competentes autos de notícia pelas infrações descritas no capítulo VII, e elaborados os respetivos documentos de correção (DC) nos termos supra explanados. (…)” - cfr. documento de fls. 104 a 139 da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

8) Na sequência das conclusões/correções aritméticas referidas no relatório de inspeção tributária, a Administração Tributária emitiu à impugnante, com referência ao ano de 2015, as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios:

- cfr. informação constante da Informação da Direção de Finanças de Santarém, de fls. 56 da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

9) No dia 21 de novembro de 2018, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Almeirim, reclamação graciosa contra as liquidações referidas na alínea precedente – cfr. documento de fls. 70 a 103 da paginação eletrónica (processo administrativo);

10) No dia 26 de novembro de 2018, a Direção de Finanças de Santarém (Serviço de Finanças de Almeirim), analisando a reclamação graciosa, redigiu um “PARECER/PROPOSTA”, do qual se extrai o seguinte:

“(…)

4. No que respeita ao IVA, foram apuradas correções técnicas tendo em conta o valor do IABA já calculado pela Alfândega de Peniche (entidade competente para o cálculo das prestações em falta em sede de IEC´s devidos pela introdução no consumo destes referidos produtos), que se resumem no seguinte quadro e que deram origem às liquidações adicionais:

4.1-Por terem resultado factos tributários desfavoráveis em sede de IVA (proposta a correção em sede de IVA), foi notificado, por carta registada através do Of. N.º 1326, de 2018.04.05, para exercer o direito de audição prévia, de harmonia com o artigo 60.º da LGT e 60.º do RCPIT.

5- Em resposta, veio o reclamante alegar que discorda das correções propostas no Projeto de Relatório, com os fundamentos descritos a fls. 24 e 26, do RI.

6- Da análise, concluíram os Serviços Inspetivos que não foram carreados elementos suscetíveis de alterar o sentido do projeto notificado ao sujeito passivo e salientaram que, ainda que os elementos de suporte às correções projetadas tenham sido recolhidos no inquérito, todo o apuramento e processo de cálculo das prestações tributárias em falta ocorreram em sede de procedimento inspetivo, não se limitando a remeter para aquelas conclusões.

6.1 – Ademais informaram que, do ponto de vista tributário, vale a presunção da Verdade Declarativa, consignada no n.º 1 do art. 75.º da LGT. Porém, a partir do momento em que reúnem elementos fiscalmente relevantes que contrariam as “declarações fiscais de IRC e IVA”, opera a inversão do ónus da prova, uma vez que a AT apresentou as listagens de vendas carreadas nos autos de inquérito n.º 37/14.2F1EVR.

6.2 – Por último, informaram que o reclamante no uso daquele direito não exibiu qualquer elemento em suporte documental, nem apresentou factos novos suscetíveis de pôr em causa os elementos recolhidos e as conclusões do procedimento de inspeção tributária.

6.3 – Assim, mantiveram-se válidas as razões de facto e de direito em que se baseava o projeto de despacho, convertido em definitivo.

7 – Pretende a reclamante que, as liquidações, ora reclamadas sejam anuladas, por ausência ou errada fundamentação, violação de lei e incompetência.

MÉRITO DO PEDIDO Considerando a informação dos Serviços de Inspeção. Considerando que não foram apresentados factos novos suscetíveis de alterar o sentido das correções apuradas no âmbito das ações inspetivas.

CONCLUSÃO Soçobra, nestes termos, a arguição da reclamante, porquanto nos termos da informação supra as liquidações reclamadas devem permanecer na ordem jurídica, com as legais consequências. (…)

PARECER/PROPOSTA

Assim sendo, tendo em conta que a matéria de facto já foi suficientemente analisada pela DSAFA e pelos Serviços de Inspeção Tributária-DPIT II e que as alegações aduzidas na petição são as mesmas (com as devidas adaptações) apresentadas no âmbito do direito de audição, propõe-se o indeferimento total do pedido, porquanto não foram apresentados factos novos, suscetíveis de alteração da decisão, e ainda porque não se verifica preterição de formalidades legais no procedimento que possam ferir de anulabilidade/nulidade os atos tributários em crise. (…)” - cfr. documento de fls. 140 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

11) Através do Ofício n.º 1573, de 11 de novembro de 2018, a impugnante foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição relativamente ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 152 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

12) No dia 28 de dezembro de 2018, a impugnante exerceu, por escrito, o direito de audição no procedimento de reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 158 e seguintes da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

13) No dia 4 de janeiro de 2019 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos e com os fundamentos referidos na informação referida em 10) – cfr. documento de fls. 166 da paginação eletrónica (“processo administrativo”);

14) Através do ofício n.º 52, de 11 de janeiro de 2019, a impugnante foi notificada da decisão final de indeferimento – cfr. documento de fls. 167 a 171 da paginação eletrónica (“processo administrativo”).

Factos não provados:

Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados.


*

Motivação e análise crítica da prova produzida

Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal.

A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem sequer de reparo por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, sendo, por isso, aqui aplicável o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.»


***

Visando a decisão do recurso do despacho interlocutório, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1. Através de ofício remetido à Recorrente em 18.03.2020, por via eletrónica, foi a mesma notificada para, querendo, alegar por escrito, no prazo de 20 dias (cfr. doc. fls. 296 do suporte eletrónico dos autos);

2. Em 17.04.2020, a Recorrente apresentou articulado superveniente com o seguinte teor:

“A impugnante nos autos acima referidos, atenta a sua qualidade de arguida no processo (Proc. Nº37/14.2F1EVR), foi notificada da acusação, que lhe foi enviada sob correio registado no dia 07-01-2020, com vista à preparação e interposição do requerimento de abertura de instrução, teve a oportunidade de consultar os documentos do referido processo, os quais pela sua relevância, justificam o presente articulado superveniente, alteração da causa de pedir e do pedido, o que se requer nos termos permitidos pelos artigos 588º, 265º do CPC aplicáveis por força da alínea e), do artigo 2º do CPPT, neste sentido anotação 11, ao artigo 108º do CPPT anotado (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol. 2006, pág.783).

1º A requerente/arguida G...... LDA., com a notificação da acusação e do pedido de indemnização civil, teve pela primeira vez conhecimento que tinha uma dívida relativa a IEC/IABA (Doc.1).

2º A requerente para poder organizar e exercer o seu direito de defesa contra a liquidação adicional e dívida do referido tributo, solicitou à Direcção da Alfândega de Peniche, a certidão a que alude o artigo 37º do CPPT (Doc.2).

3º O que fez por competirem as liquidações adicionais de IEC/IABA às estâncias aduaneiras tendo em conta o disposto no nº6, do artigo 11º do Código dos Impostos Especiais de Consumo. 4º Em resposta veio aquela Direcção da Alfândega de Peniche apenas informar que não foi efectuado nenhum procedimento de inspecção, nem nenhuma liquidação (Doc.3).

5º Nos artigos 20º a 24º da p.i. do presente processo de impugnação judicial sustentámos que não foram dados a conhecer no RI os elementos fiscalmente relevantes que pudessem justificar ou fundamentar como comercializadas no ano de 2015 as quantidades de bebidas indicadas no ponto III.2.2..

6º A impugnante só ficou a perceber as ilegalidades cometidas e confessadas pela AT no ponto III.3.2.1 do RI no cruzamento da informação obtida na consulta do processo-crime e da resposta dada pela Direcção da Alfândega ao pedido de certidão.

7º E assim foi, porquanto julgava a impugnante que ainda pudesse vir a ser notificada relativamente a quaisquer procedimentos de inspecção e de liquidação de IABA.

8º Mas, tais procedimentos não foram efectuados, apesar disso foram inscritos os valores constantes nos quadros de fls. 14, 15 e 16 do RI e no pedido de indemnização civil do processo-crime.

9º Ao afirmado no ponto III.3.2.1 do RI, vem a impugnante dizer que a GNR ou qualquer outra entidade que não seja a AT, não tinha competência para identificar o sujeito passivo no contexto de uma relação jurídico-fiscal, nem para determinar a matéria colectável ou tributável de qualquer imposto, relativamente a qualquer exercício.

10º Os actos ainda que parcialmente, levados a cabo pela GNR como é admitido o RI e na decisão da RG, padecem dos vícios de inexistência e de incompetência.

11º A GNR enquanto OPC identificou a impugnante G......, Lda. como sujeito passivo, indicou a base tributável (quantidades e características das bebidas alcoólicas) e o exercício em causa, ou seja, o ano de 2015.

12º Essas indicações e informações serviram de base de cálculo do imposto e no seguimento disso a Alfândega de Peniche lá apresentou os “cálculos da prestação tributária em sede de IEC”, tal como constam de fls.3070 a fls.3074 do processo-crime (Doc.4).

13º Os ditos cálculos, tiveram ainda assim de passar por um longo calvário até conhecerem a luz do dia e aparecerem nas folhas destes autos, basta atentar no que ficou a constar de fls.2450, 2835, 2836, 2976, 2978, 3028, 3029, 3034, 3036, 3051, 3056, 3063, 3064, 3066 e 3070 do processo-crime (Docs.5 a 18).

14º O que ressalta das supra mencionadas folhas do processo-crime é que muitos dos seus intervenientes não sabiam o que estavam a fazer.

15º O OPC já tinha feito o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar os contribuintes, ou sujeitos passivos na relação jurídico-fiscal, o lançamento objectivo através do qual determinou a matéria colectável ou tributável do imposto, ou seja as quantidades e as qualidades ou características das bebidas, igualmente fixou o período económico para a liquidação, pouco restava já para fazer por banda da AT.

16º Uma vez que para o OPC apenas estava em falta era tão só a aplicação da taxa, ou taxas e o apuramento das colectas.

19º Ainda assim, o OPC chegou ao ponto de sugerir a fls.2451, que a DF de Santarém fizesse uso de métodos directos através de todos os elementos elencados no presente relatório, combinados com métodos indirectos previstos nos artigos 87º e seguintes da LGT e também com base nos elementos de prova do presente relatório.

20º O OPC fez o apuramento de factos relativos à liquidação de tributos sem que tivesse sido instaurado o competente e necessário procedimento de inspecção tributária, uma vez que só através dele é legalmente possível a indagação dos factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos em sede de IABA, tal como previsto na alínea b) do nº2 do artigo 2º, do Decreto-Lei n.º413/98 de 31 de Dezembro, doravante apenas RCPITA.

21º O RCPITA regula a actividade de inspecção tributária e aduaneira, ou seja é aplicável aos procedimentos inspectivos de impostos liquidados pelos serviços tributários e pelas alfândegas.

22º O que não foi observado, nem tido em conta pela alfândega de Peniche quanto ao IABA, este serviço da ATA, limitou-se a receber dados apurados por um OPC incompetente para a recolha dos mesmos.

23º Isso fez com que os valores apresentados no quadro de fls.14 do RI, resultassem de uma imperita actuação das entidades que participaram nessa apresentação de valores.

24º Em síntese pode-se afirmar quanto ao IABA verificaram-se os factos anómalos seguintes: - A falta do procedimento inspectivo para apuramento da liquidação deste imposto; - A falta de competência para o OPC para identificar a arguida G......, Lda. como sujeito passivo do imposto, indicar a base tributável (quantidades, características e preço das bebidas alcoólicas) e o exercício em causa, o ano de 2015; -A falta de credenciação dos funcionários da Alfândega de Peniche que procederam ao cálculo do IABA; - A falta da competente liquidação; - A ausência da fundamentação legalmente exigida; - A falta de notificação do acto de liquidação ao sujeito passivo.

25º Em síntese, pode-se afirmar quanto ao IVA, tributo cuja bondade da liquidação se discute no presente processo de impugnação, verificaram-se os factos anómalos seguintes:

- A falta de competência do OPC para identificar a arguida G......, Lda. como sujeito passivo do imposto, indicar a base tributável (quantidades, características e preço das bebidas alcoólicas) e o exercício em causa, o ano de 2015; - A sugestão constante de fls.2451, que a DF de Santarém fizesse uso de métodos directos através de todos os elementos elencados no presente relatório, combinados com métodos indirectos previstos nos artigos 87º e seguintes da LGT e também com base nos elementos de prova do presente relatório. - O que a DF de Santarém veio a aceitar tendo em conta o disposto nos pontos III.2.2, III.2.3, III.3.2.1, III.4 e III.4.1, a fls.10 e 14 do RI.

26º Essas faltas e omissões constituem não só uma incompetente actuação de alguns serviços, como constituem ainda uma ofensa aos mais básicos princípios do ordenamento jurídico-tributário, onde o cidadão e o sujeito passivo devem ver respeitados nos seus direitos e interesses tal como previsto nos artigos 103º e 266º da CRP.

27º Os cálculos das prestações tributárias de IABA, assentes em meros cálculos sem os competentes procedimentos de inspecção tributária e de liquidação, constantes no RI padecem do vício de inexistência jurídica e de incompetência.

28º As liquidações de IVA e de IRC, por provirem, ou serem consequentes, de um acto tributário ferido de inexistência jurídica, por lhe faltar sequer a materialidade de um acto tributário, existindo tão só a aparência disforme de um acto de liquidação, num pantanoso terreno de ninguém, a que chegou a investigação da GNR e para onde a alfândega de Peniche e DF de Santarém foram puxadas, não podem ser válidas, neste sentido vide anotações 10, aos artigos 99º, 102º e anotação 2 ao artigo 124º do CPPT anotado (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol. 2006, págs. 712,735 a 736 e 879 a 880).

29º As liquidações de IVA assentaram em factos ou elementos recolhidos pela GNR, entidade incompetente em matéria de inspecção tributária e de liquidação (Vide fls.14 do RI).

30º A partir dos elementos recolhidos pela GNR a Alfândega de Peniche apesar de ser a entidade competente para a liquidação de IABA, fez os cálculos das prestações tributárias em falta de IEC`s devidos pela introdução no consumo destes referidos produtos, mas essa acção da Alfândega de Peniche foi levada a cabo sem qualquer enquadramento legal.

31º O que apenas se veio a apurar e a confirmar com a notificação da acusação e através do documento ora junto como doc.3.

32º Ora para um destinatário normal ao ler o que ficou consignado de fls.14 e 16 do RI e os quadros aí também indicados, ficava com a convicção que existiram acções de inspecção conjuntas com a constituição de equipas mistas, ou que os factos tinham sido recolhidos e apurados num quadro de normalidade legal.

33º Mas não foi isso que aconteceu, as liquidações de IVA assentaram em elementos recolhidos pela GNR, entidade sem competência inspectiva e as ditas liquidações de IVA, assentaram ainda em cálculos de impostos especiais de consumo IABA, sem que a Alfândega de Peniche tivesse sido credenciada, ou estivesse a agir ao abrigo de qualquer procedimento legalmente enquadrável, que lhe permitisse o apuramento das quantidades de bebidas consideradas como comercializadas e o respectivo imposto.

34º Pelo que tendo em conta os supra descritos factos as liquidações de IVA padecem das seguintes ilegalidades, inexistência jurídica, incompetência e preterição de outras formalidades legais. Nos sobreditos termos e nos melhores de Direito, deve ser admitido o presente articulado superveniente e também conhecidos os vícios geradores de inexistência, incompetência e preterição de outras formalidades legais com as legais consequências.” (cfr. fls. 300 a 305 do suporte eletrónico dos autos);

3. Com o articulado referido no ponto anterior, a Recorrente juntou 18 documentos – cfr. fls. 306 a 368 do suporte eletrónico dos autos.

4. Em 17 de Fevereiro de 2022, foi proferido despacho conforme segue:

“Requerimento de fls. 300 e seguintes da paginação eletrónica

A presente ação foi proposta no dia 15 de abril de 2019 (cfr. págs. 1 e seguintes da paginação eletrónica) e, após notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações por escrito, a impugnante veio, em 17 de abril de 2020, requerer a admissão de articulado superveniente, alegando que, no dia 7 de janeiro de 2020, foi notificada da acusação contra si deduzida no processo n.º 37/14.2F1EVR, e que, por via dessa notificação, teve a oportunidade de consultar os documentos do referido processo, “os quais pela sua relevância, justificam o presente articulado superveniente, alteração da causa de pedir e do pedido, o que se requer nos termos permitidos pelos artigos 588º, 265º do CPC aplicáveis por força da alínea e), do artigo 2º do CPPT” (cfr. fls. 300 e seguintes da paginação eletrónica).

E, fundamentando a sua pretensão, alegou, ainda, o seguinte:

Só quando foi notificada da referida acusação é que tomou conhecimento de que tinha uma dívida de IEC/IABA que contende com as liquidações de IVA e de IRC;

A GNR ou qualquer outra entidade que não seja a AT não tinha competência para identificar o sujeito passivo no contexto de uma relação jurídico-fiscal, nem para determinar a matéria coletável ou tributável de qualquer imposto, relativamente a qualquer exercício;

Os atos tributários, ainda que parcialmente levados a cabo pela GNR, como é admitido no relatório de inspeção tributária, nomeadamente no que toca à identificação e quantificação das bebidas alcoólicas apreendidas, com referência ao ano de 2015 e que serviram de base ao cálculo do imposto devido pelo sujeito passivo e na decisão da reclamação graciosa, padecem dos vícios de inexistência e de incompetência;

Não foi realizado o devido procedimento inspetivo para apuramento da liquidação do IABA e os funcionários da Alfândega de Peniche que procederam ao cálculo do IABA não tinham credenciação para o efeito;

A liquidação de imposto carece de fundamentação e o sujeito passivo não foi notificado do ato de liquidação. E concluiu as suas alegações do seguinte modo: “Nos sobreditos termos e nos melhores de Direito, deve ser admitido o presente articulado superveniente e também conhecidos os vícios geradores de inexistência, incompetência e preterição de outras formalidades legais com as legais consequências.”

Devidamente notificada, a Fazenda Pública veio opor-se ao requerido, por carecer de fundamento legal – cfr. documento de fls. 380 a 382 da paginação eletrónica.

A Digna Magistrada do Ministério Público não se opôs à requerida ampliação – cfr. documento de fls. 370 da paginação eletrónica.

Cumpre apreciar e decidir.

O CPPT é omisso no que toca aos articulados supervenientes, mas isso não significa que os mesmos não sejam admissíveis, porquanto, conforme já foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (vide, entre outros, o acórdão de 29.6.2011, proferido no âmbito do proc. 030/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt), trata-se de uma lacuna que, nos termos da al. e) do art.º 2.º do CPPT, deve ser preenchida com recurso ao art.º 588.º do CPC.

Com pertinência para o caso ora em apreço, no citado acórdão escreveu-se o seguinte:

“A possibilidade de modificação da instância em sede de processo tributário tem também sido admitida pela doutrina para quem, “quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjetivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos vícios ao ato impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 506.º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT” – cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, Áreas Editora, Lisboa, 2006, pág. 783

Também João Valente Torrão, no seu CPPT, a pág. 486, admite a possibilidade de junção posterior de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior.

A admissibilidade de modificação/ampliação da causa de pedir e do pedido, na sequência de novos factos suscetíveis de integrarem vícios do ato impugnado, e por aplicação subsidiária do CPTA, parece-nos igualmente a nós ser, também, a solução que mais se coaduna com os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP).” Subscrevendo inteiramente o entendimento perfilhado no referido acórdão, vejamos, agora, o que estipula o artigo 588.º (anterior art.º 506.º) do CPC, no que concerne à admissibilidade dos articulados supervenientes:

“1. Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

2. Dizem-se supervenientes tantos os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caos produzir-se prova da superveniência.

3. O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:

a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;

b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;

c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior, às referidas nas alíneas anteriores.

4. O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.

5. As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.

6. Os factos articulados que interesse à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”

Ora, como decorre do disposto no art.º 588.º, os articulados supervenientes só podem ser apresentados, o mais tardar, até ao final da audiência de julgamento. Na presente ação não houve lugar a audiência de julgamento e o articulado superveniente foi apresentado pela impugnante depois de ter já decorrido o prazo para as alegações escritas, mais precisamente em 17 de abril de 2020, ou seja, quando o processo já estava para fase de elaboração da sentença. Entendemos, por isso, que a sua apresentação é manifestamente extemporânea, não podendo, por isso, o mesmo ser admitido.

Indefere-se, pois, o requerido. Custas do incidente pela impugnante, que se fixam em 1 UC (cfr. n.º 1 do artigo 7.º e tabela II-A (“incidentes/procedimentos anómalos”) do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique.”

(cfr. pág. 1 a 5 do doc. incorporado no processo eletrónico a fls. 403 e ss.).

III – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente não se conforma com o despacho que rejeitou, por extemporaneidade, o articulado superveniente que apresentou no âmbito da impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, devidamente identificadas no ponto 8) da factualidade assente, nem com a sentença que veio a julgar totalmente improcedente a acção.

Importa, desde logo, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção deste Tribunal, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

1) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando mediante despacho exarado em 17 de fevereiro de 2022, rejeitou o articulado superveniente apresentado pela ora Recorrente, com fundamento na extemporaneidade do mesmo;

2) Se a sentença recorrida incorreu em nulidades, por falta de discriminação da matéria de facto não provada, por violação dos princípios da defesa e do contraditório e por omissão de pronúncia;

3) Se existe erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada, designadamente quanto à valoração da prova documental junta aos autos;

4) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artigo 76º da LGT e no artigo 55º da mesma lei, e ainda no nº 3 do artigo 103º e no artigo 266º da CRP.

Face ao exposto, haverá que conhecer previamente o despacho que rejeitou liminarmente o articulado superveniente, na medida em que rejeitando o mesmo um articulado, a proceder o erro de julgamento atinente à sua tempestividade, tal obstará, naturalmente, ao conhecimento do mérito da decisão recorrida, acarretando a anulação de todo processado subsequente, tendo, portanto, o processo de baixar para cumprimento, designadamente, do consignado no artigo 588.º, nº4, do CPC, e prolação de nova decisão.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta que o despacho recorrido, ao julgar extemporânea a apresentação do articulado superveniente, fez uma errada aplicação da lei processual, nomeadamente do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.

Acrescenta que, ainda que não fosse aplicável a referida lei especial, a decisão do tribunal de 1ª instância estaria igualmente errada, tendo em conta o disposto no nº 2, do artigo 20º do CPPT, nº 1 do artigo 138º do CPC e artigo 28º da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.

Cumpre apreciar.

Atentando no teor do despacho recorrido, verifica-se que o Tribunal a quo fundamentou a rejeição do articulado superveniente com base na extemporaneidade do mesmo, por ter sido “apresentado pela impugnante depois de ter já decorrido o prazo para alegações escritas, mais precisamente em 17 de abril de 2020, ou seja, quando o processo já estava para fase de elaboração da sentença”.

Vejamos.

O artigo 588º do CPC prevê, no que releva ao presente caso, o seguinte:
“ 1 – Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitam, até ao encerramento da discussão.
2 – Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha tido conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.

3 – O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;

b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;

c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.

4 – O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 – As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.

(…)”.

Por conseguinte, estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa, estabelecendo o preceito o timing concreto para o seu oferecimento, ao estatuir que
o novo articulado é oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento; nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; e na audiência final, se os factos ocorrerem, ou a parte dele teve conhecimento em data posterior às anteriormente referidas (cfr. n.º 3, alíneas a), b) e c), do citado preceito).

A aplicação desta norma ao processo de impugnação judicial tem sido admitida pela jurisprudência e pela doutrina (ressalvando as devidas adaptações), ao abrigo da alínea e) do artigo 2º do CPPT, tal como, aliás, é afirmado no despacho recorrido, apoiando-se no acórdão do STA de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo nº 030/11, disponível em www.dgsi.pt e nos autores aí citados.

Relativamente ao momento processual para a admissibilidade do articulado superveniente no processo de impugnação judicial, acompanhamos igualmente o entendimento da 1ª instância segundo o qual a sua apresentação deverá ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que, nos casos em que as partes são notificadas para apresentarem alegações escritas (cfr. artigo 120º, nº 1 do CPPT), ocorre com o termo do prazo fixado pelo juiz para o efeito.

No caso em apreço, resulta da factualidade convocada por este Tribunal que a Recorrente foi notificada para, querendo, alegar por escrito, no prazo de 20 dias, através de ofício remetido por via eletrónica, em 18.03.2020.

No que respeita ao regime da notificação eletrónica, dispõe o art.º 248º do C. P. Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do CPPT:

“Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”

Por conseguinte, a notificação da aqui Recorrente para alegações considera-se efetuada no dia 23.03.2020.

Ora, no dia 20.03.2020(1) entrou em vigor a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que procedeu à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19, estipulando no seu artigo 7º, nº 1, o seguinte:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.”

O regime legal do artigo 7.º, nº 1 da Lei n.º 1-A/2020, vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º, colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais.

Em face do regime legal descrito, logo se conclui que o articulado superveniente foi apresentado quando ainda nem sequer tinha começado a correr o prazo fixado para as alegações, incorrendo, em consequência, o despacho recorrido em erro de julgamento ao entender que o mesmo era extemporâneo.

Nestes termos é de julgar procedente o recurso do despacho interlocutório, com a consequente revogação do mesmo e anulação do processado subsequente, incluindo a sentença proferida nos autos.

A revogação deste despacho determina, inelutavelmente, a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferido despacho de admissão liminar do articulado superveniente, se a tal nada mais obstar, designadamente, se não for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa, como impõe expressamente o nº 4 do artigo 588º do CPC.

Com efeito, tendo em conta, desde logo, a função do articulado superveniente - carrear para o processo factos objectiva ou subjectivamente supervenientes, como decorre do consignado no n.º 1 do citado artigo 588º do CPC - e tendo em consideração, ainda, que, segundo a posição da maioria da doutrina, os factos constitutivos cuja alegação superveniente se prevê na referida norma tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efectiva alteração ou modificação da causa de pedir inicial (ampliação da causa de pedir), resultam evidentes as repercussões na decisão do litígio suscetíveis de serem produzidas por uma eventual viabilidade processual do articulado superveniente apresentado pela Recorrente e da ampliação das causas de pedir que o mesmo comporta.

Como referido no Acórdão do TR Lisboa, processo nº 1951/07, de 22.02.2018, o articulado superveniente, tem por “[d]esiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão”, logo, tendo sido valorado incorretamente a questão da sua tempestividade, há que revogar esse despacho e anular todo o processado subsequente, por ser questão a montante que influencia o demais (no mesmo sentido, vide Acórdão do TR Guimarães, processo nº 387/11, de 10.04.2014).

Em face do exposto, verificando-se que o articulado superveniente é tempestivo, assiste razão à Recorrente, impondo-se, por isso, determinar a baixa do processo ao tribunal recorrido para legal e normal tramitação dos autos, devendo o despacho revogado ser substituído por outro que, considerando o articulado superveniente tempestivo, se pronuncie sobre o interesse dos factos ali alegados para a boa decisão da causa, nos termos do referido nº 4 do artigo 588º do CPC.

V - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em conceder provimento ao recurso do despacho de rejeição liminar do articulado superveniente, revogando-o, com a consequente anulação dos atos subsequentes, incluindo a sentença proferida nos autos, e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância para prolação de despacho liminar que, considerando o articulado superveniente apresentado em tempo, se pronuncie sobre o interesse dos factos ali alegados para a boa decisão da causa, nos termos supra referidos, seguindo-se os demais termos até final.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Abril de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)


(1)Cfr. artigo 11.º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.