Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04410/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:01/25/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE IRS
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO CONSAGRADO NO ARTº 60º DA LGT
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO IMPUGNADO.
Sumário:I) - O direito de audição no procedimento tributário através das formas previstas no art° 60.ºa LGT apenas tem lugar quando "a lei não prescrever em sentido diverso".

II) - Assim, prevê-se uma situação de dispensa do exercício do direito de audição no n°2 deste artigo, estando afastada no caso concreto a aplicação do regime deste artigo pois a liquidação impugnada se baseou nas declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes.

III) - A fundamentação (formal) do acto de liquidação consiste em a AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer uma outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão;

IV) - Na fundamentação de direito basta-se a lei que seja apontada a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que aquela se baseou, sem necessidade da invocação da concreta norma jurídica donde resulte tal efeito;

V) -A prova da veracidade dos elementos de facto que suportam a liquidação do imposto já não se situa no âmbito da fundamentação formal, mas sim no âmbito da validade substancial do acto.

VI) - O acto de liquidação dos juros compensatórios também se encontra sujeita a um mínimo de fundamentação formal, como seja a indicação do período a que respeitam, a taxa de juros aplicável e o montante sobre que incidem.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

I – ROGÉRIO .......................... e mulher, MARIA ..........................., com os sinais identificadores dos autos, impugnaram judicialmente a liquidação do IRS relativo ao ano de 1999.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação improcedente.
Inconformados com tal decisão, os impugnantes interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
“ a. A liquidação adicional de imposto, ao não ser precedida de audição prévia dos Recorrentes é ilegal, por preterição de uma formalidade essencial, nos termos dos artigos 60.°, n.º 1 da LGT, 45.° do CPPT, 8.° do CPA e 267.°, n.° 5 da CRP;
b. Ainda que a liquidação oficiosa fosse efectuada com base nos elementos declarados pelos Recorrentes, a emanação da mesma teria sempre de ser precedida de audição prévia, nos termos do artigo 45.° do CPPT que, em virtude de se tratar de um corpo de normas posterior à Lei Geral Tributária, prevalece quando em contradição com esta última;
c. A falta de fundamentação da liquidação de imposto e respectivos juros não permitiram aos Recorrentes aferir, em concreto, os efeitos e alcance do acto que lhe havia sido notificado, impedindo-os de averiguar da legalidade do acto e exercer cabalmente os seus direitos, em clara violação do preceituado nos artigos 77.° da LGT e 36.°, n.° 2 do CPPT.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência deverá a decisão recorrida ser revogada, por ilegal e substituída por outra, que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, tudo com as legais consequências.
Assim, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!”
Não houve contra - alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento pelas razões a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. - FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- DOS FACTOS:

Com base na documentação junta aos autos e constante do processo administrativo, bem como na posição assumida pelas partes, consideraram-se provados os seguintes factos:
“a) Em 25 de Maio de 2000 os ora Impugnantes, Rogério ....................... e Maria .........................., entregaram nos serviços da Administração Fiscal, Declaração de Rendimentos, modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 1999, acompanhada do anexo G, respeitante a rendimentos de Mais-Valias - Cfr. documentos a fls. 31 a 50 do PAT, apenso aos autos;
b) Consta do quadro 4, do anexo G, referido na alínea anterior, a aquisição de um bem imóvel no dia 8 de Outubro de 1997, pelo valor de €164.603,31 - Cfr. documento a fls. 32 do PAT, apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Consta, também, do quadro 4 do anexo G, referido na alínea a), a alienação do imóvel referido em b), no dia 20 de Janeiro de 1999, pelo valor de €411.508,27 - Cfr. documento a fls. 32 do PAT, apenso aos autos;
d) Consta do quadro 5 do anexo G, referido em a), a indicação de que o Impugnante pretendia reinvestir o valor de €411.508,27 - Cfr. documento a fls. 32 do PAT, apenso aos autos;
e) Em 30 de Novembro de 2001 os ora Impugnantes entregaram, nos serviços da Administração Fiscal, Declaração de Rendimentos, modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2000, acompanhada apenas do anexo G, indicando que tinham procedido ao reinvestimento da quantia de €149.639,37 - Cfr. documentos a fls. 34 a 36 do PAT, apenso aos autos;
f) Em 15 de Março de 2002 os ora Impugnantes entregaram, nos serviços da Administração Fiscal, Declaração de Rendimentos, modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2001, acompanhada apenas dos anexos A e H – Cfr. documentos a fls. 36 e 44 do PAT, apenso aos autos;
g) Em 7 de Novembro de 2003 os Serviços da Administração Fiscal efectuaram liquidação oficiosa de IRS, relativa ao ano de 1999, da qual resultou o valor a pagar de €30.2851,92, com data limite de pagamento em 26 de Dezembro de 2003 - Cfr. documento a fls. 14, e documento a fls. 40 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
h) Em 1 de Outubro de 2004 os Impugnantes deduziram Reclamação Graciosa relativa à liquidação oficiosa de IRS de 1999 - Cfr. carimbo aposto a fls. 2 do PAT (processo de reclamação graciosa), apenso aos autos;
i) Em 28 de Junho de 2005 deu entrada a presente Impugnação Judicial - Cfr. carimbo aposto a fls. 2.
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Ao abrigo do artº 712º do CPC e tendo em conta a matéria atinente à liquidação dos juros compensatórios, adita-se ao probatório o seguinte facto:
j) Do documento de liquidação junto a fls. 14 constam juros compensatórios no valor de €3.573.15 (linha 27), sem se referir qualquer norma, qual a taxa de juros aplicada, qual o montante sobre que incidiu essa taxa e qual o termo inicial e final tidos em conta no cálculo dos juros compensatórios no referido valor.
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Nada mais se provou com interesse para a decisão.
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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.”
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o o seu objecto, são as seguintes as questões a apreciar no presente recurso:
a)- Saber se foi violado o direito de audição consagrado no artº 60º da LGT (conclusões a) e b) -);
b)- Saber se ocorre a falta de fundamentação do acto tributário impugnado ( conclusão c)-).
Assim:
A primeira questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, baseando-se a fundando-se a liquidação na declaração do contribuinte, tem de ser-lhe garantido o exercício do direito de audição, nos termos do art. 60.° da LGT.
É que, a sentença recorrida, na consideração de que resulta do probatório que a liquidação de IRS foi efectuada com base nas declarações de rendimentos apresentadas pelos Impugnantes nos serviços da Administração Fiscal, tendo em conta o preceituado no n°2 do artigo 60° da LGT, que prevê, expressamente que é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, conclui que não era exigível que fosse cumprido o princípio da participação, por consubstanciar um dos casos em que a lei, expressamente, dispensa tal formalidade.
O EPGA, alinhando pelo ponto de vista dos impugnantes, entende que no caso em análise não se pode sustentar a dispensa do direito de audição prévia ao abrigo do estatuído no artigo 60.°/2/ da LGT (redacção vigente á data da liquidação sindicada), pois que conforme decorre da liquidação sindicada, cuja cópia faz fls. 14 esta não coincide factualmente com a liquidação apresentada pelos recorrentes e cuja cópia faz fls. 13.
Isso porque a AT procedeu à liquidação adicional sindicada através da análise das declarações de rendimentos de 1999 a 2001, constatação que nada tem a ver com o facto da mesma liquidação ter sido efectuada com base em declaração feita para o efeito, não sendo o exercício de tal direito nessas circunstâncias, absolutamente, inócuo, por insusceptível de alterar o sentido da decisão, pelo que a sua omissão se degradaria numa formalidade essencial, insusceptível de determinar a invalidade das liquidações.
Vejamos.
A Constituição da República Portuguesa, no n.° 5 do art. 267.° impõe que o processamento da actividade administrativa assegure a «participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito».
Não se concretiza, nesta norma constitucional, a forma como deve ser assegurada tal participação.
Relativamente à actividade da Administração, em geral, o art. 100.° do CPA concretizou a forma de exercer esse direito de participação, estabelecendo que «concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».
Os n.°s 2 e 3 do art. 101.º e o n.° 2 do art. 102.° do CPA revelam o conteúdo do direito de audição, ao indicarem que a notificação fornece elementos relativos a «todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito», que «os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento» e que «na audiência oral podem ser apreciadas todas as questões com interesse para a decisão, nas matérias de facto e de direito».
No entanto, no n.° 2 deste art. 103.° indicam-se as situações em que pode ser dispensada audiência dos interessados, que são a de estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas, e a de os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
O art. 60.° da LGT veio regular especialmente o exercício do direito de audição no procedimento tributário.
A Lei n.° 16-A/2002, de 31 de Maio, deu a actual redacção ao referido art. 60.°, introduzindo um novo n.° 3, com natureza interpretativa (nos termos do n.° 2 daquele art. 13.° da Lei n.° 16-A/2002), passando dos n.°s 3, 4, 5 e 6 da redacção inicial a serem os n.°s 4, 5, 6, e 7, respectivamente.
É a seguinte a nova redacção:
Artigo 60.°
Princípio da participação
1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; (A redacção da alínea d) resulta da Lei n.° 55-8/2004, de 30 de Dezembro, sendo-lhe atribuída natureza interpretativa pelo n.° 2 do seu art.40.°.)
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2. É dispensada a audição em caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3. Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.° i, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Como resulta do disposto no n.° 1 deste artigo, o exercício do direito de audição nas situações e nos termos previstos neste art. 60.° apenas ocorre «sempre que a lei não prescrever em sentido diverso».
Assim, prevê-se uma situação de dispensa do exercício do direito de audição no n.° 2 deste artigo, estando afastada no caso concreto a aplicação do regime deste artigo.
É que, como se apura nos autos, é incontroverso que a liquidação impugnada se baseou nas declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes.
Com efeito, os impugnantes, enquanto sujeitos passivos de IRS apresentaram, em 25 de Maio de 2000, fora do prazo legal, a sua declaração de rendimentos referente ao exercício fiscal de 1999, sendo a mesma formada pela modelo 3 onde foi identificado o montante auferido pelo sujeito passivo A, correspondente a rendimentos de trabalho dependente, no montante de 14.833,79 euros (cfr. fls. 31 do PAT apenso) e, ainda, pelo anexo G, mediante o qual os contribuintes declararam terem alienado no dia 20 de Janeiro de 1999 um imóvel de propriedade comum aos dois sujeitos passivos, pelo montante de 411.508,27 euros (cfr. fls. 32 do mesmo PAT) e o qual tinha sido adquirido em 8 de Outubro de 1997 pelo valor de 164.603,31 euros.
Foi, outrossim, declarada a intenção de reinvestimento total do valor de realização, nos dois anos seguintes, o que motivou a suspensão da tributação da mais-valia nos termos do n.° 5 do artigo 10° do CIRS, pelo que a liquidação resultante da declaração apresentada pelo contribuinte considerou apenas o valor de 14.833,79 euros de rendimento global (cfr. fls. 39 do dito PAT).
Sucede que, no ano seguinte, através da declaração de rendimentos apresentada em 30 de Novembro de 2001, referente ao exercício de 2000, os contribuintes apresentaram novamente o anexo G indicando que tinham reinvestido o valor de 149.639,37 euros.
E, no ano seguinte, na declaração referente ao exercício fiscal de 2001, que foi entregue em 15 de Março de 2002, o contribuinte não apresentou qualquer anexo G referente ao valor que ainda teria ficado por reinvestir.
Tendo em conta a sucessão de tais factos e o teor das várias declarações dos contribuintes, em 7 de Novembro de 2003, foi emitida uma liquidação adicional referente ao exercício de 1999, acrescendo o valor de 78.560,67 euros ao rendimento global dos contribuintes e que consubstancia o objecto da impugnação ora em análise.
Perante essa factualidade, e tendo em conta o disposto no nº 2 do artº 60º da LGT, é patente que não ocorre a preterição de audição prévia, e que o contribuinte não teria que ser notificado para exercer o seu direito de participação na formação das decisões que lhe diziam respeito, através de direito de audição antes da emissão da liquidação.
Na verdade, os Impugnantes sustentam que a liquidação não se baseou nos elementos por eles declarados, mas o que decorre dos elementos probatórios carreados para os autos é que a liquidação adicional impugnada se ancora única e exclusivamente em elementos fornecidos pelos contribuintes, mormente ao facto de terem apenas reinvestido parcialmente o valor da realização do imóvel, pelo que seria necessária a tributação pela diferença da mais-valia.
Com efeito, na sua declaração inicial de 1999 os contribuintes indicaram que iriam reinvestir o valor de 411.508,27 euros, correspondente à totalidade do valor de venda do imóvel em questão, pelo que, nos termos da lei, ficou a tributação da mais-valia suspensa até à concretização, ou não, do referido reinvestimento.
Já na declaração referente a 2000 foi declarado o reinvestimento parcial no valor de 149.639,37 euros, mas, em 2001, ano limite para o fazer, não foi declarado qualquer reinvestimento.
Significa que foi efectuado apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, estabelece o n.° 7 do artigo 10° do CIRS que "o benefício a que se refere o n.° 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido".
Ora, pressupondo a situação sem reinvestimento, a mais-valia apurada tributável seria de 123.452,50 euros, resultante da diferença entre o valor da aquisição (164.603,31 euros) e da realização (411.508,27 euros), que totalizaria 246.904,96 euros, dos quais apenas 50% seriam tributados (246.904,96: 50% = 123.452,50).
Tendo em conta que os contribuintes procederam ao reinvestimento parcial do valor da realização do imóvel, haveria que apurar a parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido. Consequentemente, o valor de realização de 411.508,27 euros estaria para a mais valia de 123.452,50 euros, assim como o valor não reinvestido de 261.868.90 euros (411.508,27 € [valor total de realização] - 149.639,37€ [valor reinvestido declarado pelo contribuinte]) estaria para a mais valia a tributar.
Esta operação proporcional, operada a coberto do n.° 7 do artigo 10° do CIRS, resultou no apuramento do valor de mais-valia a tributar de 78.560,68 euros, baseado apenas na declaração do contribuinte de que teria apenas reinvestido o valor de 149.639,37 euros.
Daí a conclusão definitiva de que era aplicável a dispensa do direito de audição nos termos previstos no nº 2 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, não padecendo o acto impugnado do vício de forma que lhe vem assacado e improcedendo as conclusões de recurso em análise.
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Vejamos, seguidamente, se ocorre o outro vício assacado pelos recorrentes ao acto impugnado consistente na falta de fundamentação do acto tributário impugnado.
No ponto, afirmam os recorrentes que tal falta de fundamentação da liquidação de imposto e respectivos juros existe e não permitiu aos Recorrentes aferir, em concreto, os efeitos e alcance do acto que lhe havia sido notificado, impedindo-os de averiguar da legalidade do acto e exercer cabalmente os seus direitos, em clara violação do preceituado nos artigos 77.° da LGT e 36.°, n.° 2 do CPPT.
Na sentença considerou-se que o acto de liquidação impugnado e a que se refere a alínea g) do probatório respeita os requisitos da fundamentação legalmente exigidos, pois que, tratando-se de acto de liquidação resultante de declaração do sujeito passivo, como vimos supra, os requisitos da fundamentação são reduzidos ao mínimo, sendo que do mesmo constam a natureza do acto, do imposto, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, pelo que improcede a alegada falta de fundamentação.
Para o EPGA, basta olhar para a liquidação adicional sindicada junta a fls. 14 para se concluir que o acto sindicado não está suficientemente fundamentado de facto e de direito.
Substanciando, refere o EPGA que, por exemplo, não consta da liquidação nem a AT deu a conhecer qualquer outro documento donde conste a resposta à questão de saber como é que e com base em que normas a AT aumenta o rendimento global declarado pelos recorrentes de ESC. 2.973.907$00 (fls. 13) para € 93.394,46 (fls. 14).
Por outro lado e ainda segundo o Distinto Magistrado do MP, a nota de liquidação não responde a essa questão de saber como é que a AT calculou o montante de €3.573,15 de JC, não tendo apresentado documento externo donde conste tal cálculo.
Importa recordar que a fundamentação dos actos tributários deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto tributário, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (cfr. v.g. art. 77° LGT e art. 124° e art. 125° do CPA): neste sentido CPA anotado por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, 2° edição, Almedina, neste sentido também Acórdão do STA de 28-01-1998, proferido no Processo n.° 021331, disponível em www.DGSI.pt.
Assim, e porque a liuqidação se baseou nos elementos declarados pelos contribuintes como supra se demonstrou relativamente à preterição do direito de audição, resulta dos autos que o acto em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verifica qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo ás liquidação adicional impugnada.
Concluindo, a liquidação adicional em apreço mostra-se fundamentada de forma bastante e suficiente.
Não obstante, os impugnantes parece defenderem a independência da liquidação dos actos que a precedem, mas isso não é correcto pois a determinação da matéria colectável e a liquidação devem ser vistas conjuntamente, porque esta é incindível daquela, em louvação de Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2001, pp 252 e segs.:- “A liquidação “lato sensu” ou seja enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar a apurar o montante do imposto, compreende:- 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto, 3) a liquidação "stricto sensu' traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta'.
Ora, resulta claro que os impugnantes sabiam que a liquidação foi motivada pelo reinvestimento parcial das mais valias pelo que, se se analisar o conteúdo da liquidação a partir das declarações em que manifestaram a intenção desse reinvestimento em conjunto, a fundamentação do acto tributário resulta cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.
O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.
Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa.
E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente ficaram os recorrentes a saber o porquê de tal decisão já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Neste contexto, o que se impõe, a nosso ver é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Como se disse, impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
É entendido na Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que a fundamentação há-de ser «a indicação dos factos e das normas jurídicas que a justificam» (Prof. J. Alberto Reis,in vol. V-pag.24).
Ou ainda como diz Henri Capitant, no seu «Vocabulaire Juridique», a «exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam... uma decisão».
Ou, também, como diz Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, «a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta,ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra».
Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (v. art° 48°, n°s. l e 2 e 268° n° l da CRP ) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios ( art°s- 20° e 268° n° 4 da CRP ) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.
A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.
Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 3 do art° 1° do Dec.-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho e agora no n°1 do art° 77º da LGT e 125º do CPA, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n°1 do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante do acto por remissão para as declarações dos anos anteriores tendo em vista o pretendido reinvestimento.
Ora, a fundamentação prossegue ainda o princípio da verdade material na medida em que como ensina Osvaldo Gomes in «Fundamentação do Acto Administrativo» pag 21 e segs.- obriga a administração a aprofundar as razões da sua conduta, a procurar a conformidade completa entre o direito e a vida.
Na verdade, a realização do interesse público postula o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei acarreta a irrenunciabilidade aos poderes que esta atribui aos órgãos administrativos.
A fundamentação realiza uma espécie de «aveu préconstitué» das razões do acto pela administração funcionando coma um processo de autolimitação.
Por outro lado, sujeita-se indirectamente a certas regras de trabalho na medida em que a toma mais prudente, mais atenta e mais respeitadora do direito e lhe impõe a racionalização dos métodos de trabalho administrativo servindo de meio de reacção contra o comodismo a rotina e o arbítrio.
Ora, visto que a liquidação resultou dos elementos apresentados pelos próprios contribuintes onde declararam que apenas reinvestiram parcialmente o valor de realização, é forçoso concluir que qualquer destinatário normal focaria esclarecido sobre as razões que motivaram o acto de liquidação adicional.

Perante todo o exposto, afigura-se-nos que deve entender-se que em relação ao caso «sub iudicio» a administração esclareceu em concreto os motivos da sua decisão, a motivou clara e congruentemente e tudo indica que no acto impugnado se socorreu a entidade decidente de fórmula tendente a enfrentar os estrangulamentos organizacionais derivados da prática maciça de actos administrativos semelhantes.
Todavia, o acto tributário, como salienta José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos-pressupostos do acto.
Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara- i. é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua-, congruente- i. é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão pôr si para sustentar o acto, dos factos e razões de direito- tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele.
Analisando os elementos de suporte da decisão em causa, vê-se que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Assim, a fundamentação formal existe e é manifestamente suficiente e clara, pelo que não ocorre a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.
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No entanto, há que ressalvar a fundamentação dos juros compensatórios que obedece a requisitos específicos.
Como decorre do probatório (al.j)-) do documento de liquidação junto a fls. 14 constam juros compensatórios no valor de €3.573.15 (linha 27), sem se referir qualquer norma, qual a taxa de juros aplicada, qual o montante sobre que incidiu essa taxa e qual o termo inicial e final tidos em conta no cálculo dos juros compensatórios no referido valor, pelo que tal liquidação é ilegal por falta de fundamentação, merecendo também censura a decisão a quo que em si baseou sendo que, evidenciada está também a falta de culpa da Recorrente na apreciação dos factos e na sua subsunção ao Direito relevante, pelo que sempre se revelaria a liquidação de juros compensatórios ilegal face à jurisprudência constante dos Tribunais Superiores nestas circunstâncias.
Há, manifestamente, falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios em si, que nenhuma contém, em que lhe são assacados vícios autónomos consubstanciados na falta dos elementos essenciais que enformem essa liquidação, como seja a taxa de juro aplicada, a forma de cálculo, número de dias, etc.
Como tem sido entendido, designadamente na jurisprudência deste Tribunal (1), também a liquidação dos juros compensatórios, não obstante estarmos perante actos produzidos em grande quantidade, a chamada produção de actos em massa, mesmo nestes casos, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la.
No caso, quer no documento de cobrança de IRS, cuja cópia consta a fls. 16 dos autos, quer na fundamentação das correcções efectuadas, nenhuma fundamentação se encontra para tal liquidação de juros compensatórios, tendo pura e simplesmente se omitido qualquer fundamentação a tal respeito.
Não se dá assim a conhecer ao contribuinte qual o período em que incidiram os juros, sobre que montante e nem qual a taxa aplicada, não permitindo o contribuinte conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformar-se ou impugná-la.
Tendo em conta os requisitos para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a AF tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta. Não o tendo feito no caso, nada tendo aduzido para tal fundamentação, há falta de fundamentação dessa liquidação de juros, sendo a mesma de anular, procedendo a impugnação nesta parte.
É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida e de julgar procedente a impugnação quanto aos juros compensatórios liquidados.

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3. - DECISÃO:

Nestes termos, acordam os juízes deste TCAS em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no tocante aos juros compensatórios, julgar a impugnação procedente e determinar a anulação da liquidação dos mesmos.

Custas pelos impugnantes apenas na 1ª instância e na proporção do seu decaimento.
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Lisboa, 25/01/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)

(1) Veja-se, por todos, o Acórdão de 09-03-2004, Recurso nº 00969/03 do qual, sob os descritores FUNDAMENTAÇÃO (FORMAL) JUROS COMPENSATÓRIOS IRS, dimana a seguinte doutrina:1. A fundamentação (formal) do acto de liquidação consiste em a AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer uma outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão; 2. Na fundamentação de direito basta-se a lei que seja apontada a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que aquela se baseou, sem necessidade da invocação da concreta norma jurídica donde resulte tal efeito; 3. A prova da veracidade dos elementos de facto que suportam a liquidação do imposto já não se situa no âmbito da fundamentação formal, mas sim no âmbito da validade substancial do acto; 4. O acto de liquidação dos juros compensatórios também se encontra sujeita a um mínimo de fundamentação formal, como seja a indicação do período a que respeitam, a taxa de juros aplicável e o montante sobre que incidem.