Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:847/09.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:URBANISMO;
EDIFICAÇÃO EM ZONA DISPERSA;
RAZÕES PONDEROSAS;
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.
Sumário:I. As normas do n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento do PDM de Albufeira e do n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve são normas excecionais, permitindo que se viabilize a edificação de novas construções em zona dispersa e que provoque um aumento dessa edificação dispersa, sob o pressuposto de não serem derrogadas as normas do Regulamento do PDM de Albufeira e as normas do PROT – Algarve, mediante razões poderosas.

II. É excecionalmente consentida a autorização de novas edificações isoladas, mediante a verificação de razões ponderosas.

III. A circunstância de o PROT – Algarve prever o advérbio, “designadamente”, significa que para além das “que digam respeito à organização de explorações agrícolas”, possam existir outras razões ponderosas.

IV. O legislador além de não vedar em absoluto a construção de novas edificações em zona isolada ou dispersa, também não apresenta como única razão ponderosa, que essa nova edificação diga forçosamente respeito à organização de explorações agrícolas, não existindo nem uma proibição absoluta, nem uma taxatividade de razões ponderosas.

V. Antes existe uma cláusula aberta, a ser preenchida pela Administração, de acordo com critérios que, embora sob respeito das vinculações decorrentes dos pressupostos da norma, consentem juízos de oportunidade e de mérito quanto às razões ponderosas em causa, que não se limitam à questão de a construção nova estar ligada a uma exploração agrícola.

VI. Será a Administração que, perante cada caso, considerará se as razões invocadas serão ou não ponderosas, sendo este um juízo eminentemente resultante do exercício do poder discricionário.

Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido por esse Tribunal, datado de 26/05/2017, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra o Município de Albufeira e o Contrainteressado, J............., julgou a ação improcedente, absolvendo os Demandados do pedido de declaração de nulidade dos atos administrativos praticados no Processo camarário n.º 92/03, a deliberação da Câmara municipal de Albufeira, de 30/08/2005, que deferiu o pedido de licença de construção e o despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de 21/09/2006, que deferiu o pedido de emissão do alvará de licença de obras.

A Relatora, por decisão singular, proferida em 28/02/2020, negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

Inconformado com tal decisão o Autor e Recorrente, veio reclamar para a conferência da decisão singular da Relatora, limitando-se a pedir que seja proferido acórdão em conferência.

Notificada a parte contrária, nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 3, in fine, do CPC, a mesma nada disse ou requereu.


***

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, podendo a parte afetada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme as disposições conjugadas, à data, dos artigos 705.º e 700.º, n.º 3, do CPC, hoje previstas nos artigos 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656.º, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º do CPTA.

Conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/02/2015, Processo n.º RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1, deduzida reclamação para a conferência “(...) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.

No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (...)”.

Na senda do citado Acórdão e no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, pode o Recorrente restringir o objeto do recurso, “(...) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do art º 632° nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial (...).” – Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pp. 85.

A delimitação objetiva do recurso é dada pelas conclusões, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, na medida em que “(...) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamara, de forma sintética, nas conclusões. (...) Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visa da pela impugnação. (...) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (...)”, cfr. artigo 635.º, n.º 4, do CPC (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, pp. 115 e 84-85).

No tocante à ampliação do objeto do recurso, o artigo 636.º, n.º 1 do CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da ação (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

O ato processual de convocação da conferência no regime dos artigos 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656º, do CPC, não é configurado como meio adjetivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objeto (artigo 635.º, n.º 4 do CPC), nem para desistir do recurso (artigo 632.º, n.º 5 do CPC), posto que “(...) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso. Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (...)” – cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, pp. 71-72.

Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objeto do recurso proferida pelo relator, nos termos do citado regime previsto nos artigos 652.º, n.ºs 1 c) e 3 e 656.º, do CPC, ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, segundo o artigo 632.º, n.º 5 do CPC.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objeto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objeto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635.º, n.º 4 do CPC, mas não pode ampliar o seu objeto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636.º, n.º l do CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da ação, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.

Como decidido nos Acórdãos da Relação do Porto e deste TCA supra citados, no regime do artigo 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656.º, do CPC, a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objeto recursório anteriormente definido nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC.

A propósito do artigo 656.º do CPC, Abrantes Geraldes afirma expressamente que “Ainda que não se trate de uma opção do relator de natureza discricionária, a lei não extrai especiais consequências da inverificação do condicionalismo de que depende”, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 207.

Existem diversas razões para que o Relator entenda que, no caso concreto, é mais adequado tomar uma decisão singular, sendo que a eventual complexidade da matéria em apreço não é obstáculo a que se tome tal opção.

Isso porque ainda seguindo o mesmo autor e obra citados, “As expressões empregues pelo legislador para delimitar o campo de intervenção individual do relator sobre o mérito do recurso revelam a sua natureza inequivocamente exemplificativa, ainda que não se possa concluir que se trate de emanação de um poder discricionário (...) Independentemente do grau de complexidade da questão, pode justificar-se a opção pela decisão individual quando, pelo modo como a mesma foi colocada ou pela envolvente factual em que se sustenta, se verifique que o recurso é manifestamente infundado” e “Nada obstará a que se opte pela decisão individual quando, independentemente do grau de complexidade, a questão já tenha sido decidida reiteradamente pelo relator e pelos adjuntos num determinado sentido. O caráter exemplificativo do preceito deixa aberta esta oportunidade, a qual pode encontrar objetiva justificação no facto de a intervenção do órgão colegial não introduzir qualquer factor valorativo e na previsão de que, em caso de reclamação para a conferência, esta se limitará a confirmar a decisão do relator”.

Assim, pelas razões de direito expostas e porque não ocorre qualquer nulidade da decisão singular, nem a mesma foi invocada no caso concreto, cumpre reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pela Relatora.

Sendo isto que exatamente ocorreu no presente caso, passa a apreciar-se do bem fundado da decisão singular proferida pela Relatora, que adota o seguinte teor:

“Decide-se na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido por esse Tribunal, datado de 26/05/2017, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra o Município de Albufeira e o Contrainteressado, J............., julgou a ação improcedente, absolvendo os Demandados do pedido de declaração de nulidade dos atos administrativos praticados no Processo camarário n.º 92/03, a deliberação da Câmara municipal de Albufeira, de 30/08/2005, que deferiu o pedido de licença de construção e o despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de 21/09/2006, que deferiu o pedido de emissão do alvará de licença de obras.


*

Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

1.ª – Na presente acção foi formulado pedido de declaração da nulidade da Deliberação da Câmara Municipal de Albufeira de 30 de Agosto de 2005 e do Despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara de 21 de Setembro de 2006, que deferiram, respectivamente, a licença de construção e a emissão do alvará de licença de obras de construção de uma moradia num terreno situado em Jogo Ruivo, freguesia de Paderne, concelho de Albufeira, a requerimento do contra-interessado J.............;

2.ª – O terreno em que foi licenciada a edificação situa-se em Zona de Enquadramento Rural, segundo a Carta de Ordenamento do PDM de Albufeira ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/95, de 4 de Maio, então vigente, e abrangido pela Rede Natura 2000;

3.ª – Para obter esse licenciamento, o contra-interessado invocou que “é emigrante no Reino Unido, pretendendo regressar definitivamente ao País”, razões de carácter eminentemente pessoal ou subjectivo, sem nada terem a ver com actividades agrícolas ou florestais, mas que foram aceites como razões ponderosas para efeitos de aplicação das disposições dos art.ºs 18.º, n.º 3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira, e 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve, que admitem, excepcionalmente, a edificação dispersa;

4.ª – E no douto acórdão, no seguimento da sentença proferida pela Juíza a quo, também se considerou que as razões apresentadas pelo contra-interessado tinham enquadramento legal nas referidas normas, em manifesto erro de julgamento em matéria de direito, por via do qual se considerou válido o acto administrativo impugnado e se julgou a acção improcedente;

5.ª – O art.º 18.º, n.º 3, do Regulamento do PDM de Albufeira proíbe a edificação dispersa, e o n.º 3.1 do mesmo dispositivo consagra uma excepção, ao dispor que “por razões ponderosas demonstradas pelo interessado podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao presente Regulamento”.

6.ª – Por sua vez, o art.º 26.º, n.º 1, do PROT-Algarve proíbe, fora das zonas de ocupação urbanística, a autorização de novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa;

7.ª – E o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que não resultem derrogações do estabelecido no presente diploma”;

8.ª – A interpretação da norma do n.º 3.1 do art.º 18.º do Regulamento do PDM de Albufeira tem de fazer-se no estrito respeito pelo PROT-Algarve, de acordo com o disposto nos art.ºs 2.º, n.º 3, daquele Regulamento e 6.º do próprio PROT-Algarve;

9.ª – Consequentemente, a norma excepcional do art.º 18.º, n.º 3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira só poderá ser interpretada como assimilando o carácter excepcional e restritivo da norma do art.º 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve;

10.ª – E assim, a conexão relevante para efeitos do n.º 2 do art.º 26.º do PROT-Algarve e do n.º 3.1 do art.º 18.º do Regulamento do PDM de Albufeira deve, pois, traduzir uma relação funcional apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados, em concretização no local;

11.ª – Por isso, as razões ponderosas susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados – nomeadamente nas "zonas de recursos naturais e equilíbrio ambiental" –, quer na óptica do bom aproveitamento desses usos, quer, em relação de coordenação, na dos interesses do titular;

12.ª – Logo, não pode aceitar-se o argumento aduzido no douto acórdão recorrido de que, nas normas em questão, o legislador ao consignar que as razões ponderosas poderiam ser, designadamente, as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, não transmite a ideia de imperatividade, mas tão-só a de uma nomeação a título exemplificativo, sendo admissíveis razões de qualquer outra natureza;

13.ª – Pelo contrário, conforme se concluiu no mencionado Parecer da Procuradoria-Geral da República, as razões ponderosas susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados, quer na óptica do bom aproveitamento desses usos, quer, em relação de coordenação, na dos interesses do titular;

14.ª - E também não pode ter acolhimento o argumento da “política de fixação demográfica das populações”, mormente dos naturais da terra, referido na douta sentença confirmada pelo douto acórdão recorrido como objectivo a prosseguir pelos municípios do Algarve e presumivelmente determinante nos actos administrativos impugnados terem sido consideradas razões ponderosas e atendíveis as invocadas pelo contra-interessado de pretender regressar ao País e fixar-se naquele local;

15.ª – Com efeito, a política de fixação demográfica das populações não pode ser prosseguida à custa da edificação dispersa que os planos de ordenamento proíbem, mas sim através da criação e valorização dos aglomerados urbanos infra-estruturados preconizados pelos planos de ordenamento do território;

16.ª - Ademais, o contra-interessado nem sequer é natural do Algarve, mas antes da região de Lisboa.

17.ª - Acresce que, mesmo que se considerasse que poderão ser invocadas razões de carácter meramente subjectivo para excepcionar as regras de proibição de edificação dispersa, tais razões têm que ser ponderosas, ou seja, excepcionais, não se podendo considerar como excepcional a mera circunstância de não se ter uma casa naquele Concelho.

18.ª – O Município de Albufeira, ao aceitar razões de carácter eminentemente pessoal ou subjectivo que nada têm a ver com actividades agrícolas ou florestais, para autorizar a edificação através do acto administrativo impugnado, violou as normas dos art.ºs 18.º, n.º 3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira e 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve;

19.ª – A violação do Regulamento do PDM e do PROT-Algarve inquina de nulidade o acto administrativo impugnado, nos termos dos art.ºs 68.º, al. a), do RJUE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, então vigente, e 133.º, n.º 1, do CPA;

20.ª – Na douta sentença recorrida incorreu-se em erro de julgamento na aplicação do direito, na medida em que se fez incorrecta interpretação das normas excepcionais dos art.ºs 18.º, n.º 3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira, e 26.º, n.º 2, do PROT- Algarve;

21.ª – Interpretaram-se essas normas no sentido de que razões de carácter eminentemente pessoal ou subjectivo, sem nada terem a ver com actividades agrícolas ou florestais, podem ser consideradas como razões ponderosas, para efeitos de subsunção nessas normas;

22.ª – Mas deviam ter sido interpretadas, como entende o recorrente, no sentido de que razões ponderosas susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e declarada a nulidade dos atos administrativos impugnados.


*

O ora Recorrido, Município de Albufeira, notificado da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1.ª O juízo que se exige do Tribunal, para aferir da juridicidade, ou falta dela, dos actos administrativos em presença, envolve a integração de um conceito indeterminado, consubstanciado na previsão normativa de razões ponderosas que permitam derrogar o regime regra de proibição da edificação dispersa vazado quer no PROT-Algarve, quer no PDM de Albufeira;

2.ª Nesta órbita positiva, incumbirá ainda, em momento ulterior, saber se tais razões ponderosas, que excepcionalmente tornam admissível casos (naturalmente pontuais) de edificação dispersa, serão, única e exclusivamente, as que apresentem como pressuposto a organização de explorações agrícolas ou florestais, ou se abarcam também razões subjectivas do particular interessado.

3.ª No caso vertente, o douto Acórdão recorrido contém, claros e suficientes, os fundamentos de facto e de direito que se mostram adequados a sustentar a conformidade legal dos actos administrativos impugnados pelo D.M.M.P., à luz dos preceitos legais e regulamentares invocados.

4.ª A douta Decisão verberada mostra-se também irrepreensível ao afastar, com enunciado cristalino da respectiva ratio, a exigência sine qua non de conexão funcional entre a edificação isolada e o aproveitamento agro-florestal do solo a ocupar por aquela, ao contrário do propugnado pela Recorrente, que, sob invocação do Parecer da Procuradoria-Geral da República de 09.07.1997, insiste que tal conexão é imperativa,

5.ª Ao arrepio de múltiplos Julgados quer deste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, quer do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, que manifestaram ao longo de mais de uma década o entendimento sufragado no Acórdão aqui recorrido, e do qual, de resto, este é declarado tributário.

6.ª Tal como justamente considerado na douta decisão apelada, os actos administrativos sub iuditio não padecem das ilegalidades que o M.º P.º lhes assaca.

7.ª Razões bastantes, sem prejuízo das demais que, sendo de Direito, resultem do sempre douto suprimento de V. Ex.as, para que devam improceder as conclusões da D. Recorrente no presente recurso, confirmando-se na íntegra o douto Acórdão recorrido,”.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do artigo 18.º, n.º 3 do Regulamento do PDM de Albufeira, que proíbe a edificação dispersa e do seu n.º 3.1., quanto à existência de razões ponderosas que permitam, excecionalmente, a autorização de edificações isoladas e do artigo 26.º, n.º 2 do PROT-Algarve, que proíbe, fora das zonas de ocupação urbanística, a autorização de novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa, salvo por razões ponderosas.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“Com relevância para a decisão, encontram-se provados os seguintes factos:

1) No dia 5 de Março de 2003 o contra-interessado J............. apresentou na Câmara Municipal de Albufeira um requerimento a pedir informação prévia sobre a viabilidade de construção de uma moradia unifamiliar no prédio rústico de cultura arvense, situado em Jogo Ruivo, freguesia de Paderne e concelho de Albufeira, inscrito na matriz rústica sob o artigo …. – Secção AA, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº………, de que era proprietário, requerimento esse que deu origem ao processo administrativo nº 92/03 – doc. n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial;

2) Esse prédio situa-se em Zona de Enquadramento Rural, segundo a Carta de Ordenamento do Plano Director Municipal (PDM) de Albufeira, ratificado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 43/95, de 4 de Maio, então vigente, e insere-se na Rede Natura 2000 - doc nº 4 junto com a petição inicial.

3) O contra interessado J............., sobre as razões pelas quais apresentava aquela pretensão localizada em Zona de Enquadramento Rural, mencionou que “o requerente é emigrante no Reino Unido, pretendendo regressar definitivamente ao País” – doc. n.º 1, fls. 2, junto com a petição inicial.

4) Em 3 de Junho de 2003 o Sector de Acção Social da Câmara Municipal de Albufeira elaborou um Relatório Social onde concluiu que “… embora não existam carências económicas, existem no entanto indicadores de carência habitacional, pois o requerente não dispõe de casa própria no País, sendo emigrante na Inglaterra há cerca de 28 anos” – doc. n.º 5.

5) Em 6 de Outubro de 2003 foi emitido um parecer técnico em que se diz que “o processo correu todos os trâmites de acordo com a deliberação de Câmara de 22/08/00 relativamente à aplicação de razões ponderosas…”, remetendo para apreciação superior a decisão sobre se a proposta se enquadrava na excepção prevista no nº 3.1 do artigo 18.º do Regulamento do PDM – doc. nº 4;

6) Por deliberação de 9 de Março 2004 a Câmara Municipal de Albufeira decidiu “considerar viável o pretendido uma vez que a Câmara Municipal considera preenchidos os requisitos previstos no artigo 18º do RPDM para tratamento do pedido como ponderoso” – doc. n.º 2 junto com a petição inicial;

7) Na sequência dessa informação prévia, em 13 de Outubro de 2004 o contra interessado J............. apresentou na Câmara Municipal de Albufeira um requerimento a pedir a licença de obras de construção de uma moradia unifamiliar com a área de implantação de 250 m2 – doc. n.º 6 junto com a petição inicial.

8) Por deliberação de 1 de Fevereiro de 2005, a Câmara Municipal de Albufeira decidiu “aprovar o projecto de arquitectura, tal como é requerido, tendo em conta a viabilidade conferida em deliberação de Câmara de 09-03-2004”- doc. n.º 1, fls. 1, junto com a petição inicial.

9) Essa deliberação foi comunicada ao contra interessado J............. através do ofício nº 414, de 9-02-2005, com a advertência de que tinha o prazo de 6 meses para presentar todos os processos das especialidades, sob pena de caducidade da aprovação do projecto de arquitectura e arquivamento oficioso do processo – doc. n.º 7 junto com a petição inicial.

10) Por deliberação da Câmara Municipal de Albufeira de 30 de Agosto de 2005 foi deferido o pedido de licença de construção – doc. n.º 1, fls. 1, junto com a petição inicial;

11) Na sequência, em 24 de Agosto de 2006 o contra interessado J............. requereu a emissão do alvará de licença de construção, o que lhe foi deferido por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de 21 de Setembro 2006 – doc. n.º 1, fls. 21 junto com a petição inicial.

12) Em 28 de Setembro de 2006 a Câmara Municipal de Albufeira emitiu o alvará de obras de construção n.º ......... - doc. n.º 1, fls. 23, junto com a petição inicial.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 18.º, n.º 3 do Regulamento do PDM de Albufeira, que proíbe a edificação dispersa e do seu n.º 3.1., quanto à existência de razões ponderosas que permitam, excecionalmente, a autorização de edificações isoladas e do artigo 26.º, n.º 2 do PROT-Algarve, que proíbe, fora das zonas de ocupação urbanística, a autorização de novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa, salvo por razões ponderosas

Vem o Ministério Público recorrer do acórdão que julgou improcedente a ação por si interposta, assacando-lhe o erro de julgamento de direito no que se refere à legalidade dos atos impugnados, que deferiram a licença de construção e a emissão do alvará de licença de obras de construção de uma moradia, por entender que os motivos invocados pelo Contrainteressado não constituem razões ponderosas para efeitos de aplicação dos artigos 18.º, n.º 3.1. do Regulamento do Plano Diretor Municipal (RPDM) de Albufeira e 26.º, n.º 2 do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROT – Algarve), que admitem, excecionalmente, a edificação dispersa.

Alega que as razões invocadas, de o Contrainteressado ser emigrante no Reino Unido e de pretender regressar definitivamente ao país, são razões de caráter eminentemente pessoal ou subjetivo, não assimilando o caráter excecional e restritivo da norma do artigo 26.º, n.º 2 do PROT – Algarve.

Considera que as razões ponderosas suscetíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados.

Além de que, sustenta que, ainda se que considerasse que podem ser invocadas razões subjetivas, as mesmas têm de ser ponderosas, ou seja, excecionais, não se podendo considerar excecional não ter uma casa naquele concelho.

Por isso, assaca a nulidade aos atos impugnados, nos termos dos artigos 68.º, a) do RJUE, aprovado pelo D.L. n.º 177/2001, de 04/06 e 133.º, n.º 1 do CPA.

Vejamos.

Com vista a apreciar os fundamentos do recurso, importa antes de mais analisar a factualidade que se dá como provada nos autos, pois será com base nela que se procederá à aplicação dos normativos de direito.

Tendo o Contrainteressado apresentado um pedido de informação prévia sobre a viabilidade de construção de uma moradia unifamiliar no prédio de que é proprietário, situado em Zona de Enquadramento Rural, segundo a Carta de Ordenamento do RPDM de Albufeira, em que invocou que é emigrante no Reino Unido e que pretende regressar definitivamente ao país, veio a Câmara Municipal de Albufeira a deliberar considerável viável o pedido, por considerar estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 18.º do RPDM de Albufeira.

Em sequência, emitida informação prévia favorável, o Contrainteressado requereu o licenciamento de uma obra de construção de uma moradia unifamiliar, a qual foi deferida pela edilidade e emitido o respetivo alvará de construção.

A questão decidenda respeita a saber se a aceitação pela Câmara Municipal de Albufeira das razões invocadas pelo requerente, para que pudesse construir uma moradia no prédio que se situa em Zona de Enquadramento Rural, nos termos refletidos nos atos impugnados, constituem uma violação do RPDM de Albufeira e do PROT – Algarve.

No que respeita ao enquadramento de direito, ao litígio em presença têm aplicação as normas estabelecidas nos planos de ordenamento do território, o RPDM de Albufeira, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/95, de 04/05 e o PROT – Algarve, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 11/91, de 21/03.

O RPDM de Albufeira então vigente, previa no seu artigo 18.º, sob a epígrafe «Disposições gerais», o seguinte:

3 – Fora dos espaços urbanos e urbanizáveis não são autorizadas edificações que provoquem o surgimento de novas situações de edificação dispersa.

3.1 – Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao presente Regulamento.

3.2 – As construções para habitação unifamiliar que se realizem ao abrigo do n.º 3.1 terão um máximo de dois pisos e uma área de implantação inferior a 250 m2.

3.3 – Nos casos em que o proprietário, embora não dispondo de exploração agrícola com área equivalente ao mínimo da cultura, seja autorizado a construir, por lhe terem sido reconhecidas graves dificuldades habitacionais e financeiras, a parcela a edificar terá, além do condicionamento previsto no n.º 3.2, de possuir uma área superior a 600 m2, com uma frente para a via pública de, pelo menos, 20 m.”.

Por sua vez, a norma convocada do PROT-Algarve, dispunha, no artigo 26.º, o seguinte:

1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 23.º, 24.º e 25.º, fora das zonas de ocupação urbanística, a que se referem os artigos 9.º e 11.º, não podem ser autorizadas operações de loteamento nem novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa.

2 – Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que dizem respeito à organização das explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma.”.

O fundamento do recurso tal como colocado pelo Ministério Público encerra natureza unicamente de direito, visto não ser impugnada a matéria de facto assente e centrar-se na interpretação e aplicação das citadas disposições legais.

Coloca para decisão matéria que não é nova nos tribunais administrativos, como de resto, consta da própria fundamentação de direito do acórdão recorrido, ao acolher a fundamentação de dois acórdãos proferidos por este tribunal.

O acórdão recorrido, alicerçado nos factos e no direito aplicável, assim como da jurisprudência consolidada dos tribunais administrativos, não enferma do erro de julgamento que lhe é assacado pelo Recorrente, sendo, consequentemente, de manter.

Acolhendo a fundamentação de direito do Acórdão do TCAS, de 04/10/2018, Processo n.º 12478/15, de que fomos relatora:

Ora, como decorre do elemento literal das normas regulamentares em causa, estão, claramente, em causa normas excecionais, permitindo que se viabilize a edificação de novas construções em zona dispersa e que provoque um aumento dessa edificação dispersa, sob o pressuposto de não serem derrogadas as normas do Regulamento do PDM (…) e as normas do PROT – Algarve.

Em face do Regulamento do PDM (…), mostra-se excecionalmente consentida a autorização de novas edificações isoladas, mediante a verificação de razões ponderosas que não se traduzam em derrogações ao presente Regulamento e, nos mesmos termos, segundo o PROT – Algarve, sendo que neste encontra-se prevista uma dessas razões ponderosas, a saber, “que digam respeito à organização de explorações agrícolas”.

Considerando o advérbio de modo utilizado na norma do n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve, “designadamente”, entende-se que a razão ponderosa respeitante à exploração agrícola seja apenas uma das razões ponderosas possíveis, de entre outras igualmente possíveis.

O legislador além de não vedar em absoluto a construção de novas edificações em zona isolada ou dispersa, também não apresenta como única razão ponderosa, que essa nova edificação diga forçosamente respeito à organização de explorações agrícolas.

Quer das normas do Regulamento do PDM (…), quer do PROT – Algarve estão, por princípio, vedadas as construções novas em zonas isoladas ou dispersas, podendo, excecionalmente, essas construções novas ser autorizadas, mediantes razões ponderosas, a ponderar pela Administração.

Não existe nem uma proibição absoluta, nem uma taxatividade de razões ponderosas.

Antes existe uma cláusula aberta, a ser preenchida pela Administração, de acordo com critérios que, embora sob respeito das vinculações decorrentes dos pressupostos da norma, consentem juízos de oportunidade e de mérito quanto às razões ponderosas em causa, que não se limitam à questão de a construção nova estar ligada a uma exploração agrícola.

Nada resulta dos preceitos regulamentares em causa, em especial, do disposto no n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve, que a Administração, fora do caso expressamente previsto da construção nova estar associada à organização da atividade agrícola, mas ainda assim sempre dependente do juízo em face das circunstâncias do caso concreto, não possa considerar outras razões ponderosas.

Será a Administração que, perante cada caso, considerará se as razões invocadas serão ou não ponderosas, sendo este um juízo eminentemente resultante do exercício do poder discricionário.

Para além dos aspectos vinculados quanto ao exercício do poder e do âmbito normativo da norma do n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve e do n.º 2 do artigo 39.º do RPDM (…), o controlo jurisdicional do exercício do poder discricionário quanto à aceitação do que possam ou não ser razões ponderosas ocorrerá através dos princípios gerais de direito administrativo, enquanto parâmetro de controlo da atividade administrativa.

Assim, não se retira das normas em questão que as razões ponderosas não possam dizer respeito à situação individual e concreta do requerente, que assumam caráter eminentemente pessoal ou subjetivo ou que, forçosamente, tenham de dizer respeito à atividade agrícola.

(…) Constituindo as normas do n.º 2 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 39.º dos planos de ordenamento supra identificados, uma derrogação à regra geral prevista nos respetivos n.ºs 1 de cada um dos preceitos em causa, com o apelo pelo legislador de apenas consentirem construções novas em casos excecionais mediantes razões ponderosas, cabe à Administração apreciar em cada caso que razões ponderosas são essas, mas sem que resulte a imposição de que uma dessas razões se refira a que construção diga respeito à organização da atividade agrícola, como resulta do entendimento do Autor e foi assumido no julgamento da decisão sob recurso.

Ao contrário do decidido, a circunstância de as razões ponderosas invocadas pelo requerente e dadas por verificadas, não dizerem respeito ao exercício da atividade agrícola, não determina, sem mais, o juízo de ilegalidade a que chegou a decisão sob recurso, por essa razão considerada ponderosa não se encontrar prevista como obrigatória ou sequer como uma condição para a aceitação da invocação das razões ponderosas pelo requerente.

Tal determina que, sob esse argumento, não possa proceder o juízo de ilegalidade dos atos impugnados, por a Entidade Demandada, ora Recorrente, ao aceitar as razões ponderosas invocadas pelo requerente, por si só, não ter violado as normas previstas no n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve e do n.º 2 do artigo 39.º do RPDM (…).”.

No sentido da interpretação e aplicação de direito antecedente, também decidiu o STA, nos Acórdãos de 28/01/2016, Processo n.º 01172/12; de 23/06/2016, Processo n.º 0299/14; de 01/06/2017, Processo n.º 0229/17 e de 28/09/2017, Processo n.º 288/17.

Como se disse, no Acórdão do STA, de 28/01/2016, Processo n.º 01172/12:

I - Refere o n.º 2 do artigo 26.º do PROT-Algarve que, “Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma”.

II - (i) As “razões ponderosas” podem reportar-se a interesses pessoais, designadamente, a organização de uma exploração agrícola por um particular; (ii) o legislador deu relevo a uma razão ponderosa que associa as razões pessoais à utilização agrícola dos solos; (iii) a razão ponderosa exemplificada, porque assim o é, não é de molde a excluir outras razões, designadamente de natureza pessoal – ou seja, a referência às explorações agrícolas não aboliu totalmente a indeterminação do conceito utilizado; (iv) não é qualquer razão que deve ser aceite como razão ponderosa.”.

Por conseguinte, considerando as razões antecedentes, não assiste razão ao Recorrente, não incorrendo o acórdão recorrido no erro de julgamento de direito que se mostra invocado, antes procedendo a uma interpretação e aplicação dos normativos de direito em conformidade com a lei e com a jurisprudência consolidada deste TCAS e do STA, nos termos dos arestos supra identificados.

Termos em que, em face de todo o exposto, improcedem as conclusões do recurso, por não provadas.


*

Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso e em manter o acórdão recorrido.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. As normas do n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento do PDM de Albufeira e do n.º 2 do artigo 26.º do PROT – Algarve são normas excecionais, permitindo que se viabilize a edificação de novas construções em zona dispersa e que provoque um aumento dessa edificação dispersa, sob o pressuposto de não serem derrogadas as normas do Regulamento do PDM de Albufeira e as normas do PROT – Algarve, mediante razões poderosas.

II. É excecionalmente consentida a autorização de novas edificações isoladas, mediante a verificação de razões ponderosas.

III. A circunstância de o PROT – Algarve prever o advérbio, “designadamente”, significa que para além das “que digam respeito à organização de explorações agrícolas”, possam existir outras razões ponderosas.

IV. O legislador além de não vedar em absoluto a construção de novas edificações em zona isolada ou dispersa, também não apresenta como única razão ponderosa, que essa nova edificação diga forçosamente respeito à organização de explorações agrícolas, não existindo nem uma proibição absoluta, nem uma taxatividade de razões ponderosas.

V. Antes existe uma cláusula aberta, a ser preenchida pela Administração, de acordo com critérios que, embora sob respeito das vinculações decorrentes dos pressupostos da norma, consentem juízos de oportunidade e de mérito quanto às razões ponderosas em causa, que não se limitam à questão de a construção nova estar ligada a uma exploração agrícola.

VI. Será a Administração que, perante cada caso, considerará se as razões invocadas serão ou não ponderosas, sendo este um juízo eminentemente resultante do exercício do poder discricionário.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, decide-se neste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso e em manter o acórdão recorrido, que julgou a ação improcedente.

Sem custas.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho)”


*

Visto que, como supra explanado, a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pela Relatora faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo Recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o Recorrente, ora Reclamante, restringir na reclamação o objeto recursório anteriormente definido nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC e porque esta última hipótese não se verifica, nada mais importa do que confirmar a decisão sumária reclamada.

Face ao exposto, a pretensão do Reclamante não pode proceder, pois a decisão sumária ora reclamada, ao limitar-se, na improcedência do recurso, a confirmar a decisão judicial recorrida e julgando a ação improcedente, não enferma de qualquer erro de julgamento.

III – DECISÃO

Em face de todo o exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, em indeferir a reclamação e em confirmar a decisão reclamada, assim se negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida.

Sem custas.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade e voto de vencido com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, respetivamente, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Alda Nunes)


Votei vencido por entender que o acórdão fundamento para que remete a decisão sumária não tem correspondência fáctica com o caso concreto.

Acompanhando o teor das alegações do Ministério Público, como constante das conclusões 3.ª e 13.ª a 19.ª do recurso interposto, concederia provimento ao recurso e revogaria a sentença recorrida, deferindo, consequentemente, a reclamação para a conferência.

Com efeito, o Município de Albufeira, ao aceitar razões de carácter eminentemente pessoal ou subjectivo que nada têm a ver com actividades agrícolas ou florestais, para autorizar a edificação através do acto administrativo impugnado, violou as normas dos art.s 18.º, n.º 3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira e 26.º, n.º 2, do PROT-Algarve. Sendo que a violação do Regulamento do PDM e do PROT-Algarve inquina de nulidade o acto administrativo impugnado, nos termos dos art.s 68.º, al. a), do RJUE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, então vigente, e 133.º, n.º 1, do CPA (na redacção aplicável).


(Pedro Marchão Marques)