Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:54/19.6BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:OMISSÃO DE DESPACHO DEVIDO;
REQUISITOS PARA A DISPENSA DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA;
BAIXA DOS AUTOS.
Sumário:I. Após o novo CPC e a revisão do CPTA de 2015, audiência prévia está regulada nos artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA e nos artigos 591.º, 592.º e 593.º do CPC, com grandes similitudes entre os respetivos regimes.

II. Prevendo-se no artigo 87.º-A do CPTA que a audiência prévia deva ser convocada com vista à realização de alguma das suas finalidades enunciadas nas várias alíneas do seu n.º 1, estabelece o artigo 87.º-B do CPTA as condições e regime da sua não realização.

III. O artigo 87.º-A do CPTA conjuga quer os poderes do juiz, quer das partes: recaindo sobre o juiz o poder de convocar ou não a audiência prévia, porque a mesma não se realiza (n.º 1) ou porque o juiz a dispensou (n.º 2), assiste às partes o direito potestativo de requerer a realização da audiência prévia (n.º 3).

IV. O juiz profere despacho a convocar a realização da audiência prévia (artigo 87.º-A, n.º 1) ou, pelo contrário, despacho a dispensar a sua realização (artigo 87.º-B, n.º 2), para permitir às partes que, querendo, façam uso da prerrogativa que a lei lhes concede de requerer a sua realização.

V. A lei processual civil e administrativa consagram a regra da obrigatoriedade da audiência prévia.

VI. Sem que ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual, sob o artigo 7.º-A, n.º 1 do CPTA e os artigos 547.º e 6.º do CPC, esteja vedada a possibilidade de o juiz introduzir um desvio à tramitação legal do processo – que consagra a obrigatoriedade da realização da audiência prévia – quando as especificidades da causa o justifiquem, é condição que ocorra a prévia audição das partes para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual, sob pena de nulidade processual por omissão de um ato que a lei prescreve, segundo o artigo 195.º, n.º 1 do CPC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A A….., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do despacho e do saneador-sentença, ambos proferidos em 24/09/2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no âmbito da ação administrativa instaurada contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, que dispensou a audiência prévia e os meios de prova e julgou a ação improcedente, em que é pedida a anulação do ato do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, que determinou a alteração do contrato de financiamento n.º 02024628/0 e a devolução do valor de € 147.096,80, recebido pela Autora a título de subsídio de investimento.


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Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, depois de sintetizadas, as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

“1ºO despacho “a quo” viola o dever de gestão processual consagrado nos artºs 7º-A e 118º nºs. 1 e 5 CPTA;

2º Ao não admitir os meios de prova requeridos pela A. o despacho “a quo” pôs em crise as condições do processo para a justa composição do litígio;

3º Ao decidir como decidiu, impedindo a produção de prova requerida pela A., o despacho “a quo” não permitiu o exercício do direito de contraditório da A., violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (cfr. artº 3º e 4º CPC);

4º Ao decidir dispensar a realização da audiência prévia sem ouvir previamente as partes, o despacho “a quo” viola o princípio do contraditório previsto no artº 3º CPC;

5º O despacho “a quo” que dispensou a realização da audiência prévia viola o direito da A. a discutir em sede de audiência prévia o litígio em diferendo;

6º O despacho “a quo”, ao não facultar às partes o direito de reclamarem a realização da audiência prévia, viola o disposto no artº 87º-B, nº 3, CPTA;

7º O despacho “a quo” violou o direito da A. à prova dos factos alegados, em desrespeito manifesto do princípio do processo equitativo consagrado no artº 10º da Declaração Universal do Direitos do Homem e no artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa;

8º Nos termos do artº 118º nº 2 CPTA e do artº 574º nº 1 CPC, ao contestar, deve o R. tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, considerando-se como admitidos por acordo os factos que não forem impugnados na contestação (cfr. artº 574º nº 2 CPC);

9º No caso “sub judice” o Requerido não impugnou especificadamente, como a lei impôe, a substancialidade dos factos articulados na petição inicial, dando o seu acordo/confessando factualidade que é essencial para a boa decisão da causa, mas que o Meritíssimo Juiz desprezou no seu julgamento sobre a matéria de facto;

10º É o que sucede com toda a factualidade articulada na p.i. relativa à integral execução dos trabalhos objeto da operação; à aceitação pelo R. dos trabalhos executados na operação; ao controlo do R. de toda a execução dos trabalhos no decurso da operação; ao controlo dos pagamentos dos trabalhos executados; à aprovação e aceitação do R. de todos os pedidos de pagamento e respetivos comprovativos de despesas da operação, com expressa validação das despesas apresentadas pela A., sobre as quais recai agora o argumento da ausência da pista de controlo da sua execução e pagamento;

11º Ora porque essa factualidade é manifestamente relevante para a decisão da causa, à luz do artº 118º nº 2 CPTA e do artº 574º nºs. 1 e 2 CPC, devem ser levados à matéria assente nos autos a factualidade alegada pela A. nos artºs. 52º a 55º; 63º a 68º; 75º; 80º a 84º; 87º a 91º; 94º a 98º; 101º a 105º; 108º a 112º; 115º a 119º; 122º a 126º; 129º a 134º da p.i., matéria confessada pelo R.

12º É óbvio que existe a pista de controlo das despesas da operação, salvo prova em contrário, pois de outra forma o Recorrido não teria aceitado como boas as despesas apresentadas pela Recorrente e não as teria liquidado, como liquidou, integralmente;

13º Nos presentes autos não há qualquer fundamento de facto que permita concluir que não existe a necessária pista de controlo das despesas apresentadas pela A. na operação, dado que está provado nos autos que essas despesas foram fiscalizadas, validadas e pagas pelo Recorrido;

14º À luz do artº 342º CC era ao R. que competia fazer prova dos factos que evoca para fundamentar a anulação dos subsídios atribuídos à A.;

15º É manifesto que o R. não fez prova nos autos de qualquer facto que infirme a anterior decisão de aceitação e pagamento dos trabalhos executados pela A., e que agora foram objeto da anulação do subsídio atribuído;

16º A decisão “a quo” faz um errado julgamento da matéria de facto discutida nos autos, devendo por isso ser revogada;

17º A sentença “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do artº 342º CC;

18º A sentença “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação dos artºs 121º e 122º CPA;

19º A sentença “a quo” viola o artº 33º do Regulamento (UE) nº 65/2011, de 27- 1, e os requisitos de fundamentação exigidos para o ato administrativo nos artºs 151º a 153º CPA;

20º Desde logo porque, a pista de controlo analisada na sentença “a quo”, à luz do art.º 33º do Regulamento (EU) nº 65/2011, de 27-1, é feita na avaliação da relação contabilística entre os fornecedores da Requerente, P….. Lda., A………. Lda e R…….. Lda, e os subcontratados destas sociedades, e não, como devia ser, entre aqueles fornecedores e a A., violando o art.º 33º do Regulamento (EU) nº 65/2011, de 27-1;

21º A sentença “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artº 30º do Regulamento (EU) nº 65/2011, da Comissão de 27-1, e no artº 1º nº 2 do Regulamento (CE, EUTATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18-012-1995.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as devidas consequências legais.


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O ora Recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações ao recurso, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público, notificado nos termos do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC, ex vi, artigo 140.º do CPTA.

As questões suscitadas, resumem-se, em suma, em determinar se o despacho e o saneador-sentença recorridos, enfermam de:

1. Ilegalidade ao dispensar a realização da audiência prévia e a produção de prova requerida pela Autora, com fundamento em:

1.1. Violação do dever de gestão processual, previsto nos artigos 7.º-A e 118.º, n.ºs 1 e 5 do CPTA;

1.2. Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, previstos nos artigos 3.º e 4.º do CPC;

1.3. Violação do artigo 87.º-B do CPTA, ao não permitir a reclamação contra a dispensa da audiência prévia;

1.4. Violação do princípio do processo equitativo, previsto no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.º 4 da CRP;

2. Erro de julgamento de facto, por admissão de factos por acordo, atenta a falta de impugnação especificada, devendo ser aditados os factos alegados nos artigos 52.º a 55.º, 63.º a 68.º, 75.º, 80.º a 84.º, 87.º a 91.º, 94.º a 98.º, 101.º a 105.º, 108.º a 112.º, 115.º a 119.º, 122.º a 126.º e 129.º a 134.º da petição inicial;

3. Erro de julgamento de direito no tocante à aplicação do artigo 342.º do CC, dos artigos 121.º e 122.º do CPA, dos artigos 30.º, n.º 1 e 33.º do Regulamento (UE) n.º 65/2011, de 27/01, dos artigos 151.º a 153.º do CPA e do artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento (CE, EURATOM), n.º 2988/95 do Conselho, de 18/12/1995.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A) A A. é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, e tem por objeto social a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora; a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados: cfr. doc. n º 1 junto com a Petição Inicial – PI;
B) Em 2012-12-28, a A. firmou com a Entidade Demandada um acordo denominado “Contrato de Financiamento nº 02024628/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000030957, designada por “Área Agrupada da Quinta da Vinha e Anexas”, no âmbito da candidatura ao Programa PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, subprograma 2 – “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 – “Gestão do Espaço Florestal e Agroflorestal”, Ação 2.3.3 – “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub ação 2.3.3.3 “Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”: cfr. doc. 2 junto com a PI;
C) Do acima referido contrato, ressalta além do mais, que a Entidade Demandada concedeu à A. um subsídio não reembolsável no valor de € 197.949,04, correspondente a 61,90% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela Área Agrupada; que os pagamentos são realizados sob a condição da sua elegibilidade e conformidade com as normas aplicáveis, tendo o ultimo pagamento ocorrido em 2013-12-31 e; ainda que, em caso de incumprimento, pode ocorrer a modificação unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas: cfr. doc. 2 junto com a PI e PA;
D) Em 2017-02-08, a A. foi notificada, para efeitos de audiência prévia, nos seguintes termos:

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: cfr. doc. 4 junto com a PI;

E) Em 2017-02-23, a A. pronunciou-se em sede de audiência prévia, sustentando, em resumo, inexistirem relações especiais (entre o Promotor e Fornecedores) e terem sido executados e pagos os trabalhos faturados, requerendo produção de prova complementar e pugnando pela reformulação da intenção de alteração unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução do montante do subsídio atribuído, mantendo-se o valor do subsídio inicial atribuído à ora Requerente: cfr. doc. 5 junto com a PI;

F) Em 2017, as contas da A. registam um prejuízo de € 579.202,72 e apresentam prejuízos acumulados de € 3.577.408,07, assim como proveitos nulos, regista dívidas no valor global de € 3.576.581,30, e um resultado financeiro negativo de € 3.571.793,79, correspondente à soma do prejuízo de € 579.202,72 no exercício de 2017 e os prejuízos acumulados dos anos anteriores (resultados transitados) no valor de € 2.992.591,07: cfr. doc. 29 a doc. 32 juntos com o RI da PC apensa;

G) Ato impugnado:

Em 2018-10-10, o Presidente do Conselho Diretivo da Demandada decidiu:


«imagem no original»

: cfr. doc. 3 junto com a PI;

H) Em 2018-10-11, foi a A. notificada do ato impugnado: cfr. doc. 3 junto com a PI;

I) Em 2019-01-11, a A. intentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a presente ação e, bem assim a providência cautelar apensa: cfr. fls. 1 e seguintes;

J) Para além, para além do ato impugnado a Entidade Demandada, determinou também a alteração de, pelo menos, 23 outros contratos de financiamento celebrados com a A., e a devolução do valor total de € 3.013.668,57, correspondente aos montantes dos subsídios atribuídos à A. nas operações a seguir identificadas:

1. Operação nº 020000038846, designada por Área Agrupada de Figueira Negra e Barba Torta, determinando a devolução do valor de € 78.374,48;

2. Operação nº 020000043789, designada por Área Agrupada da Barba Torta, determinando a devolução do valor de € 108.207,98;

3. Operação nº 020000038767, designada por Área Agrupada da Faia e Monte Junto e Velho, determinando a devolução do valor de € 59.024,78;

4. Operação nº 020000040403, designada por Área Agrupada de Tremelgas e Anexas, determinando a devolução do valor de € 228.765,26;

5. Operação nº 020000038799, designada por Área Agrupada de Courelas e Zambujinho, determinando a devolução do valor de € 3.622,24;

6. Operação nº 020000038861, designada por Área Agrupada de Marmelos, determinando a devolução do valor de € 11.880,40;

7. Operação nº 020000038768, designada por Área Agrupada de Sernada e Moutinho, determinando a devolução do valor de € 100.007,12;

8. Operação nº 020000040404, designada por Área Agrupada Vale Penedos e Anexos, determinando a devolução do valor de € 520.042,98;

9. Operação nº 020000040402, designada por Área Agrupada da Herdade da Torre e Anexas, determinando a devolução do valor de € 524.383,54;

10. Operação nº 020000043664, designada por Área Agrupada de Vale Penedo e Anexas, determinando a devolução do valor de € 166.543,04;

11. Operação nº 020000045617, designada por Área Agrupada Herdade Vale das Águias e Leões, determinando a devolução do valor de € 109.647,58;

12. Operação nº 020000043667, designada por Área Agrupada de Tremelgas e Anexas, determinando a devolução do valor de € 60.655,78;

13. Operação nº 020000038787, designada por Área Agrupada da Lobeira, determinando a devolução do valor de € 3.379,32;

14. Operação nº 020000043660, designada por Área Agrupada de Torre e Anexas, determinando a devolução do valor de € 33.112,94;

15. Operação nº 020000043549, designada por Área Agrupada da Courela do Salgueiro e Trepada, determinando a devolução do valor de € 55.618,87.

16. Operação nº 020000018555, designada por Área Agrupada de Andreu, determinando a devolução do valor de € 56.229,86.

17. Operação nº 020000030529, designada por Área Agrupada Fonte da Pipa, determinando a devolução do valor de € 87.842,47.

18. Operação nº 020000045669, designada por ZIF do Viso e Anexas, determinando a devolução do valor de € 379.233,88.

19. Operação nº 020000034968, designada por ZIF do Viso e Anexas, determinando a devolução do valor de € 44.858,90.

20. Operação nº 020000040221, designada por Área Agrupada de Vale Bom, determinando a devolução do valor de € 106.942,59.

21. Operação nº 020000034865, designada por ZIF de São Bartolomeu da Serra, determinando a devolução do valor de € 101.729,42.

22. Operação nº 020000017979, designada por Área Agrupada da Courela do Salgueiro e Trepada, determinando a devolução do valor de € 47.814,85.

23. Operação nº 020000017931, designada por Área Agrupada de Vale Grande e Ramalhais, determinando a devolução do valor de € 125.759,29: cfr. doc. 6 a doc. 28 juntos com o RI da PC apensa;

K) A A. não é possuidora ou proprietária de qualquer património: cfr. doc. 33 junto com o RI da PC apensa;

L) Em agosto de 2018, nas contas bancárias tituladas pela A., todas da Caixa Geral de Depósitos, o saldo bancário disponível era de € 1.040,60: cfr. doc. 34 junto com o RI da PC apensa.


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FACTOS NÃO PROVADOS:


Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente factos fossem suscetíveis de colocar em causa a justeza da não validação das despesas, já que as demais asserções das partes integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito.”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, importa entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, segundo a sua ordem lógica de precedência.

Como se extrai da enunciação do objeto do recurso e das questões a decidir, a Recorrente vem interpor recurso do despacho que dispensou a realização da audiência prévia e a produção de prova requerida pela Autora e do saneador-sentença, proferidos na mesma ocasião, cujos fundamentos cumpre agora apreciar e decidir.

1. Ilegalidade do despacho que dispensou a realização da audiência prévia e a produção de prova requerida pela Autora

Inconformada com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que dispensou a realização da audiência prévia e a produção dos meios de prova requeridos pela Autora (prova testemunhal e declarações de parte), em momento imediatamente anterior ao saneador-sentença, contra o mesmo invoca múltiplos fundamentos de ilegalidade que cumpre agora apreciar e decidir, segundo uma ordem lógica de conhecimento.

1.1. Violação do dever de gestão processual, previsto nos artigos 7.º-A e 118.º, n.ºs 1 e 5 do CPTA

Segundo a Autora, ora Recorrente, o Tribunal a quo violou o dever de gestão processual, consagrado nos artigos 7.º-A e 118.º, n.ºs 1 e 5 do CPTA.

Alega que o Tribunal veio a entender ser desnecessária a produção da prova testemunhal e a tomada de declarações de parte requeridas pela Autora, considerando que a matéria que se discute é essencialmente de direito e que é admissível apenas a prova documental, sendo irrelevante para a decisão da causa a prova dos factos articulados pela Autora, mas veio a julgar improcedente a ação interposta, por a Autora não concretizar e provar os factos objetivos suscetíveis de preencher os pressupostos de facto e de direito dos vícios invocados.

Entende que ao prescindir da prova e ao julgar a ação improcedente, por falta de prova, o Tribunal a quo violou o dever de boa gestão processual.

Vejamos.

Em primeiro lugar carece de razão a ora Recorrente ao invocar a violação do disposto do artigo 118.º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, porquanto sendo a presente ação uma ação administrativa, tal preceito não tem aplicação, por respeitar ao regime de produção de prova do processo cautelar.

Em segundo lugar, compulsando o teor do saneador-recorrido dele consta que a matéria de facto julgada provada assentou na prova junta aos autos, do processo administrativo e do processo cautelar, da prova por admissão e das regras da experiência comum e que não foram julgados factos não provados, por ter sido considerado que “as demais asserções das partes integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito”.

Por conseguinte, faltam os pressupostos em que a ora Recorrente alicerça o fundamento do recurso, pois não se pode retirar do despacho e do saneador-sentença recorridos, que o Tribunal a quo tenha entendido pela dispensa da produção dos meios de prova requeridos e depois haja julgado a ação improcedente, por falta de prova dos factos essenciais à procedência da ação.

O que se decidiu foi a dispensabilidade da produção dos meios de prova requeridos, por os mesmos não serem aptos a alterar o juízo acerca da pretensão requerida, o que em sim mesmo, não constitui a violação do dever de gestão processual, previsto no artigo 7.º-A do CPTA.

O dever de gestão processual consente a dispensa da produção dos meios de prova se os mesmos não se afigurarem pertinentes para a boa decisão da causa, pelo que, não tem a Recorrente razão quanto ao fundamento do recurso.

Termos em que é de julgar improcedente, por não provada, a violação do dever de gestão processual.

1.2. Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, previstos nos artigos 3.º e 4.º do CPC

Invoca ainda a Recorrente que o Tribunal a quo incorre na violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, pois decidiu apenas com base na versão dos factos e da prova apresentada pela Entidade Demandada, sem que tivesse sido dada a oportunidade à Autora para exercer o contraditório na produção das provas e na alegação de direito, afetando quer o contraditório, quer a igualdade das partes.

Sem razão.

Poderá a decisão sob recurso incorrer em erro de julgamento de facto e/ou de direito, ao omitir ou desconsiderar factos relevantes para a boa decisão da causa e, em consequência, errar na interpretação e aplicação das regras de direito aplicáveis, mas é de recusar que a dispensa da produção de prova requerida, com o fundamento da sua dispensabilidade, atenta a produção de outros meios de prova produzidos nos autos, consubstancie a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Assim seria se tivesse sido apenas admitida a prova requerida por uma das partes, o que não se verifica, pois quer a Autora, quer a Entidade Demandada requereram a produção de prova testemunhal, tendo tal meio de prova, assim como as declarações de parte requeridas pela Autora, sido indeferidas.

O julgamento que preside ao despacho recorrido não só não viola o princípio da igualdade das partes, como não afeta o contraditório, na expressão que desses princípios é feita nos artigos 3.º e 4.º do CPC.

Pelo que, será de negar provimento ao fundamento do recurso, por não provado.

1.3. Violação do artigo 87.º-B do CPTA

No demais, vem ainda a Recorrente invocar a violação do artigo 87.º-B do CPTA, por o Tribunal a quo ter dispensado a realização da audiência prévia sem ouvir as partes, em violação do artigo 87.º-B, n.º 1 e ainda por não ter permitido às partes exercer o seu direito à reclamação, requerendo a audiência prévia, em violação do artigo 87.º-B, n.º 3.

Alega que a dispensa da realização da audiência prévia sem ouvir as partes constitui uma verdadeira decisão surpresa, que viola o princípio do contraditório, errando o Tribunal a quo ao entender que o interesse na celeridade da decisão deve prevalecer sobre os direitos processuais das partes consagrados na lei, designadamente, o direito a discutir o mérito da causa em sede de audiência prévia.

Vejamos.

Como se extrai do teor do despacho sob recurso, proferido por ocasião do proferimento do saneador-sentença, o Tribunal a quo proferiu o despacho de dispensa da realização da audiência prévia, sob a invocação dos artigos 87.º-B, 88.º, n.º 1, b) e 7.º-A, todos do CPTA, por entender que “Compulsados os autos, considero que o estado dos autos permite já, sem necessidade de mais indagações, apreciar e decidir como se segue (...)”.

O Tribunal a quo não proferiu o citado despacho antes de ser proferido o saneador-sentença, nem o notificou previamente às partes, para que sobre ele tivessem a oportunidade de se pronunciar e de reagir em tempo útil.

Foi proferido despacho a dispensar a audiência prévia por ocasião do proferimento do saneador-sentença, no momento processual imediatamente anterior, mas na mesma data e, por isso, desadequado, pois vedou o direito às partes de se pronunciarem.

Na prática tudo se passa como se tal despacho não tivesse sido proferido, pois embora tivesse sido determinada a sua notificação, a mesma só veio a ocorrer em simultâneo com a notificação do saneador-sentença.

Pelo que, o proferimento de tal despacho e a sua notificação apenas teria sentido útil se tivessem ocorrido em momento anterior ao saneador-sentença.

O regime da audiência prévia sofreu alterações nas últimas revisões das leis processuais, nos termos do novo CPC e na alteração introduzida ao CPTA, em 2015.

Na lei processual administrativa, a audiência prévia está regulada nos artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA; no direito processual civil regulam os artigos 591.º, 592.º e 593.º do CPC.

Prevendo-se no artigo 87.º-A do CPTA que a audiência prévia deva ser convocada, com vista à realização de alguma das suas finalidades enunciadas nas várias alíneas do seu n.º 1, estabelece o artigo 87.º-B do CPTA as condições e o regime da sua não realização.

O artigo 87.º-A do CPTA conjuga quer os poderes do juiz, quer das partes: recaindo sobre o juiz o poder de convocar ou não a audiência prévia, seja porque a mesma não se realiza (n.º 1), seja porque o juiz a dispensou (n.º 2), assiste às partes o direito potestativo de requerer a realização da audiência prévia (n.º 3).

Por isso, estabelece a lei processual que o juiz deva proferir despacho a convocar a realização da audiência prévia (artigo 87.º-A, n.º 1) ou, pelo contrário, despacho a dispensar a sua realização (artigo 87.º-B, n.º 2), para permitir às partes que, querendo, façam uso da prerrogativa que a lei lhes concede de, mesmo nos casos em que a audiência prévia tenha sido dispensada pelo juiz, requerer a sua realização.

Tal regime processual revela a sua grande proximidade com o direito processual civil, existindo um decalque dos artigos 87.º-A e 87-B, do CPTA em relação ao disposto nos artigos 591.º, 592.º e 593.º, do CPC, por existirem grandes similitudes entre os respetivos regimes.

No âmbito dos citados preceitos do CPC, consagrou-se a regra da obrigatoriedade da audiência prévia no processo declarativo comum.

A própria Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (PL 521/2012, de 22/11/2012), que precede a Lei n.º 41/2013 que aprovou o CPC é clarificadora a este respeito, nas seguintes partes:

Há um manifesto investimento na audiência prévia, entendida como meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade. Tem-se presente que a audiência preliminar, instituída em 1995/1996, ficou aquém do que era esperado, mas há também a convicção de que, além da inusitada resistência de muitos profissionais forenses, certos aspectos da regulamentação processual acabaram, eles próprios, por dificultar a efetiva implantação desta audiência no quotidiano forense.

(…) A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.

(…) Numa perspetiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia. Nessa hipótese, o juiz proferirá despacho saneador, proferirá despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, programando e agendando ainda os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração”.

O regime previsto no CPTA não permite afastar a tendencial realização da audiência prévia no processo administrativo, prevendo-se também a sua realização, a par do regime da sua não realização, da sua dispensa pelo juiz e do requerimento da sua realização por alguma das partes.

Há que distinguir os casos de não realização de audiência prévia dos casos de dispensa.

Nos primeiros casos, recai a situação prevista no artigo 87.º-B, n.º 1 do CPTA (também prevista no artigo 592.º, n.º 1, b) do CPC): a audiência prévia não se realiza quando “seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória”.

Os segundos casos de dispensa da realização da audiência prévia estão previstos no artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA (artigo 593.º, n.º 1 do CPC), preceituando que “Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e), e f) do artigo anterior (…).”

No presente caso, com a decisão recorrida, o processo findava com o conhecimento imediato do mérito da causa, pelo que, à luz dos citados normativos, não podia ter sido dispensada a audiência prévia.

Não se trata de um caso de “não realização da audiência prévia”, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 1 do CPTA, nem tão pouco a audiência prévia podia ser dispensada, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA, já que a mesma não se destinaria apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA, mas antes a facultar às partes a discussão nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA.

Sem que ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual, sob o artigo 7.º-A, n.º 1 do CPTA e os artigos 547.º e 6.º do CPC, esteja vedada a possibilidade de o juiz introduzir um desvio à tramitação legal do processo – que consagra a obrigatoriedade da realização da audiência prévia – quando as especificidades da causa o justifiquem, é condição que ocorra a prévia audição das partes, para que possam previamente se pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual.

Neste mesmo sentido, o tem decidido o Tribunal da Relação de Lisboa – a título meramente exemplificativo, veja-se o Acórdão de 09/10/2014, no Processo n.º 2164/12.1TVLSB.L1-2, cujo sumário, pelo seu interesse ora se transcreve:

I. Se, em ação contestada, de valor superior a metade da alçada da Relação, o juiz entende, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, que o processo deverá findar imediatamente com prolação de decisão de mérito, deverá convocar audiência prévia, a fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito.

II. A não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio; tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.º 6.º n.º 1 e 3.º n.º 3 do CPC).

III. A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença, com dispensa de audiência prévia, assente tão só na asserção de que “o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa”, desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e a consequente anulação do saneador-sentença proferido.”.

No mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/05/2015, no Processo n.º 1386/13.2TBALQ.L1-7; de 08/02/2018, no Processo n.º 3054-17.7T8LSB-A.L1-6 e de 06/06/2019, no Processo n.º 21172/16.7T8LSB.L1-2.

Também entre nós tem assim sido decidido, como no Acórdão do TCAS, datado de 12/09/2019, Processo n.º 1780/14.1BESNT, de que fomos Relatora.

No presente caso, o despacho de dispensa da audiência prévia foi proferido e incluído no mesmo ato processual do saneador-sentença, ambos proferidos na mesma data e notificados em simultâneo, pelo que, tal atuação processual teve por efeito vedar às partes o direito ao contraditório sobre a diferente tramitação da causa.

Assim, o que se verifica nos presentes autos é que por omissão do despacho devido em tempo processualmente útil e adequado, não foi facultada à Autora, ora Recorrente, quer a possibilidade de se pronunciar sobre a diferente tramitação da causa, quer sobre o que verdadeiramente releva, requerer a audiência prévia.

Ocorreu, efetivamente a omissão de um despacho judicial devido em tempo útil, pois cabendo ao poder discricionário do juiz dispensar ou não a realização da audiência prévia, já não lhe assiste o poder de deixar de proferir tal despacho em tempo adequado, sob pena de coartar o direito de as partes fazerem uso do disposto no disposto no artigo 87.º-B, n.º 3 do CPTA.

O Tribunal a quo não só omitiu a tramitação legal prevista que contempla a realização da audiência prévia, omitindo a prolação do despacho de dispensa da audiência prévia no tempo devido, como privou as partes de se pronunciarem e de requererem a realização da audiência prévia potestativa.

Além de que não é possível formular um qualquer juízo de que a omissão da tramitação devida não possa influir no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa.

O despacho proferido em momento imediatamente anterior ao saneador-sentença, que, sob a invocação dos artigos 87.º-B, 88.º. n.º 1, b) e 7.º-A, do CPTA, dispensa a audiência prévia, não permite que as partes se pronunciem sobre o desvio à tramitação da causa, nem que exerçam o direito potestativo de requerer a realização da audiência prévia, previsto no artigo 87.º-B, n.º 3 do CPTA, também previsto no artigo 593.º, n.º 3 do CPC.

Para que possa haver lugar a dispensa da audiência prévia – em situação em que deva ter lugar – forçoso é que o juiz profira despacho invocando a sua dispensa ao abrigo do dever de gestão processual e explicitando que se considerava já habilitado a conhecer do mérito da causa, determinando que as partes sejam notificadas para se pronunciar sobre a eventual dispensa de audiência prévia.

Só então e perante a ausência do requerimento de alguma das partes requerer a realização da audiência prévia, fica a mesma dispensada no processo, podendo o juiz decidir do mérito da causa.

Caso contrário, manifestando a parte interesse na realização da audiência prévia e discordando da sua não realização, o tribunal deve convocar a sua realização, sob pena de nulidade processual.

Nestes termos, em face do que antecede será de proceder o fundamento do recurso decorrente da violação do regime previsto no artigo 87.º-B do CPTA, traduzido na omissão de um ato processual devido, a omissão do despacho que em tempo processualmente útil e adequado assegure o contraditório das partes sobre a diferente tramitação da causa e assegure o uso do poderem requerer a realização da audiência prévia, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 3 do CPTA e do artigo 593.º, n.º 3 do CPC.


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Consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido e, consequentemente, anulado o saneador-sentença, ordenando-se a baixa dos autos de modo a sanar-se a regularidade do processado e proferido o despacho preterido, com o normal prosseguimento da causa, se nada mais obstar.

Termos em que, em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.


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Em consequência, será de conceder provimento ao recurso jurisdicional.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, assim se conclui:

I. Após o novo CPC e a revisão do CPTA de 2015, audiência prévia está regulada nos artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA e nos artigos 591.º, 592.º e 593.º do CPC, com grandes similitudes entre os respetivos regimes.

II. Prevendo-se no artigo 87.º-A do CPTA que a audiência prévia deva ser convocada com vista à realização de alguma das suas finalidades enunciadas nas várias alíneas do seu n.º 1, estabelece o artigo 87.º-B do CPTA as condições e regime da sua não realização.

III. O artigo 87.º-A do CPTA conjuga quer os poderes do juiz, quer das partes: recaindo sobre o juiz o poder de convocar ou não a audiência prévia, porque a mesma não se realiza (n.º 1) ou porque o juiz a dispensou (n.º 2), assiste às partes o direito potestativo de requerer a realização da audiência prévia (n.º 3).

IV. O juiz profere despacho a convocar a realização da audiência prévia (artigo 87.º-A, n.º 1) ou, pelo contrário, despacho a dispensar a sua realização (artigo 87.º-B, n.º 2), para permitir às partes que, querendo, façam uso da prerrogativa que a lei lhes concede de requerer a sua realização.

V. A lei processual civil e administrativa consagram a regra da obrigatoriedade da audiência prévia.

VI. Sem que ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual, sob o artigo 7.º-A, n.º 1 do CPTA e os artigos 547.º e 6.º do CPC, esteja vedada a possibilidade de o juiz introduzir um desvio à tramitação legal do processo – que consagra a obrigatoriedade da realização da audiência prévia – quando as especificidades da causa o justifiquem, é condição que ocorra a prévia audição das partes para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual, sob pena de nulidade processual por omissão de um ato que a lei prescreve, segundo o artigo 195.º, n.º 1 do CPC.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, em revogar o despacho recorrido e, em consequência, anular o saneador-sentença recorrido, ordenando a baixa dos autos para que seja proferido o despacho que permita às partes se pronunciar sobre a realização ou a dispensa da audiência prévia, e o seu normal prosseguimento, se nada mais obstar.

Sem custas.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)