Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5575/01
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2002
Relator:Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DO TRIBUTO LIQUIDADO PELA CML
QUALIFICAÇÃO DA IMPOSIÇÃO
OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA
Sumário:I. A sinalagmaticidade característica da taxa exige como contrapartida a utilização individual de um bem semi-público, isto é, um bem susceptível de satisfazer, além de necessidades colectivas, também necessidades individuais de satisfação activa na medida em que supõem a procura de coisas pelo consumidor.
II. A instalação das tubagens no subsolo do domínio público municipal para implantação da rede de gás natural pela GDL- Sociedade Distribuidora de Gás Natural de Lisboa, SA, inscreve-se no exercício da actividade de concessionária da construção e exploração, em regime de serviço público, da Rede de Distribuição Regional de Gás Natural de Lisboa(DL n°33/91,16 Janeiro, art.4°n°l ).
III. Neste domínio a actuação da concessionária não se dirige à satisfação de um interesse próprio, individual, antes de um interesse público por cuja satisfação fica responsável, nos termos do contrato de concessão de serviço público.
IV. A concessionária ficou investida no direito de utilizar o domínio público para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão nos termos da legislação aplicável(Base XVII anexa ao DL n°33/91,16 Janeiro/clausula 23 do contrato de concessão outorgado entre o Estado Português e a GDP em 15.09.95).
IV. No caso de obras que envolvam o levantamento de terrenos ou pavimentos a concessionária deve contactar as outras entidades utilizadoras do subsolo de modo a obter a harmonização dos respectivos trabalhos(clausula 34 n°2 do contrato de concessão).
V. A harmonização pretendida jamais poderia ser alcançada mediante a imposição de taxa por ocupação do subsolo do domínio público, antes mediante prestações convencionais com a natureza de preço/nos termos de protocolo a estabelecer entre a CM e a GDL.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
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l. G..., S.A., recorreu para o STA da sentença que, no 5° do Tribunal Tributário de 1a Instância de Lisboa, julgou improcedente a impugnação do acto tributário da liquidação da licença de ocupação da via pública. Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
I - Inexistiu qualquer acto de legítimo licenciamento da ocupação da via pública e do devido procedimento administrativo correspondente.
II - A CML não tem competência nem legitimidade quer para atribuir a licença em apreço quer para aplicar as taxas correspondentes, porque a alínea c) do art. 11° da Lei n°. 1/87, de 6 de Janeiro apenas contempla a ocupação do solo e não a do subsolo.
III - A tributação do subsolo, feita ao abrigo da autorização legal de tributar meramente o solo constitui violação do princípio constitucional da tipicidade tributária, consagrada no art. 103°., n°s 2 e 3 da Lei Fundamental.
IV - Na sequência da nacionalização da C.R.G.E. e da assunção pelo Estado, do dever, da competência e da responsabilidade dos actos conducentes à manutenção e expansão do «gás de cidade», e nos termos da lei que aprovou as bases gerais da concessão e do título contratual desta, a CML, mantendo embora o domínio, ficou privada dos poderes de administração da porção do subsolo da via pública que viesse a ser necessária para a instalação das infra-estruturas adequadas ao estabelecimento da concessão - art°. 15°, alínea c) do DL n°. 374/89, de 25/10.
V - Por se tratar de um serviço público, no qual o próprio Estado é o concedente é, até, dispensado o licenciamento municipal para a realização de quaisquer obras inerentes à rede de distribuição - n. 3, alínea b) do art°. 13° do DL 374/89; Bases XXXIV e XXXV anexas ao DL n°. 33/91 de 16/1 ; cláusula 25a., n°. 2, alínea a) do contrato de concessão, datado de 16/12/93.
VI-A consequente impossibilidade, de Direito, de a CML negar a atribuição de qualquer licença de ocupação do subsolo para os fins em vista é bem demonstrativa de que não se trata de uma taxa.
VII - E intempestiva e contra-natura a concessão de qualquer licença nos anos de 1994/95, assim como em 1996, relativamente à utilização de uma rede subterrânea implantada e explorada no subsolo desde 1889.
VIII - A tributação da utilização do subsolo pela recorrente constituiria, a existir tal direito na esfera jurídica da CML, um abuso do mesmo, na modalidade de «venire contra factum proprium», com violação do normativo consagrado no art° 334° do Código Civil, que constitui um principio geral de Direito.
IX - É ilegal o procedimento administrativo da CML, maxime por violação dos princípios da participação, da audiência dos interessados e da devida fundamentação dos actos administrativos - art°s 8°, 95°, 96°, 100° e 124° do Cód. Proc. Administrativo.
X - A CML, não tendo licenciado validamente, não pode exigir a contrapartida do licenciamento.
XI - Carece, em absoluto, de justificação e de fundamentação concreta o «quantum» da taxa exigida, ao arrepio do que determina o art°. 103°, n°. 2 e 112°, n°. 8 da C.R.P. e os art°s 124° e seguintes do C. P. Administrativo.
XII - O tributo que se pretende cobrar não tem a natureza jurídica de uma taxa pôr lhe faltar, principalmente, o elemento sinalagmático que é a contrapartida (Ac. do T.C. n°. 76188, 7/4; B.M.J. n°. 376, págs. 191 e seguintes).
XIII - É irrelevante a discussão sobre a existência ou não de uma isenção, «in casu».
No STA foi declarada a incompetência em razão da hierarquia e, remetidos os autos a este TCA, a EMMP junto deste pronunciou-se pelo improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. A sentença recorrida fixou o seguinte quadro factual:
a) Em 28/03/1994 a Divisão de Publicidade e Via Pública da Câmara Municipal de Lisboa (adiante CML) solicitou à Direcção de Infra-estruturas e Saneamento - Divisão de Subsolo e Cadastro, da mesma CML, que informassem quais as ocupações do subsolo pôr parte da G..., SA e qual a metragem das condutas com diâmetro até 20 cm e com medida superior a esta-cfr.fls.223;
b) Em 26/01/1995 a Divisão de Subsolo e Cadastro informou qual a metragem das referidas condutas - cfr. Q;.221;
c) Em 15/02/1995 a Divisão de Publicidade e Via Pública da CML comunicou à G..., SA, que iria ser emitida a respectiva licença relativa à ocupação da via pública - subsolo -, pela qual são devidas taxas de ocupação do subsolo da via pública e que, com base na metragem de tubagem de gás existente na cidade de Lisboa, em breve seriam avisados para o pagamento - cfr. fl.224;
d) Em 03/08/1995 a G..., SA solicitou à Divisão de Publicidade e Via Pública da CML que informassem quais as licenças a que respeitavam os avisos que tinham recebido, bem como quais os regulamentos ou actos que estabeleceram tais quantitativos, quais os critérios de cálculo -cfr.fl.226;
e) Em 22/09/1995 a Divisão de Publicidade e Via Pública da CML informou a G..., SA, que, os avisos que tinha recebido respeitam à ocupação da via pública do subsolo com tubagens de 170 000 m de tubagem de gás com diâmetro superior a 200 cm e 630 000 m de tubagem com diâmetro inferior a 200 cm. Informou ainda que com base em tal informação foi emitida a referida ocupação através da licença n° 5919613. Os anos de 1994/5 foram emitidos em 95/07/01, como não foi pedido qualquer tipo de cancelamento desta licença, a licença em causa foi renovada automaticamente, sendo que o ano de 1996 foi emitido em 01/06/96, na importância de 203 700 000$00. Informou ainda que as taxas aplicadas estão previstas nas alíneas a) e b) do n° 17 do art° 21° da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais - cfr. fls. 15 a 39,96 a 98,211,212,234 a 243;
f) Em 30/06/1995 à GDP, SÁ, sucedeu, em todos os direitos e obrigações, a G..., SA, ora impugnante - cfr. fls. 40 a 66; -
g) Entre a Câmara Municipal de Lisboa e a impugnante não foi formalizado qualquer protocolo para a cedência e utilização dos bens do domínio público municipal do tipo daquele a que alude a cláusula 23a, n° 3, do Contrato de Concessão da rede de distribuição de gás natural de Lisboa entre o Estado Português e G..., SA, outorgado em 16/12/1993.- cfr. fls. 114;
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3.- A questão «decidenda» consiste em determinar qual a natureza da receita autárquica denominada “licença de ocupação de subsolo” ou “licença de ocupação da via pública”.
A jurisprudência deste TCA firmada sobre esta mesma questão encontra-se no aresto tirado em 02/10/2001 e, por similitude com uma questão jurídica semelhante (instalação no subsolo de infra – estruturas para telecomunicações pelo Portugal Telecom, em vários recursos a que infra se fará alusão.
Assim, no citado Acórdão, faz-se referência a um douto parecer do EMMP que é do seguinte teor:
1.-A sinalagmaticidade característica da taxa exige como contrapartida a utilização individual de um bem semi-público, isto é, um bem susceptível de satisfazer, além de necessidades colectivas, também necessidades individuais de satisfação activa na medida em que supõem a procura de coisas pelo consumidor (cfr. como síntese de abundante doutrina e jurisprudência sobre o conceito de taxa acs. TC 11.01.98 DR-II Série e de 2.02.99 DR- II Série 31.03.99;sobre a noção de bem semi - público Prof. Teixeira Ribeiro RLJ, ano 117°.p.291)
2.- A instalação das tubagens no subsolo do domínio público municipal para implantação da rede de gás natural pela GDL- Sociedade Distribuidora de Gás Natural de Lisboa, SA, inscreve-se no exercício da actividade de concessionária da construção e exploração, em regime de serviço público, da Rede de Distribuição Regional de Gás Natural de Lisboa(DL n°33/91,16 Janeiro, art.4°n°l ).
Neste domínio a actuação da concessionária não se dirige à satisfação de um interesse próprio, individual, antes de um interesse público por cuja satisfação fica responsável, nos termos do contrato de concessão de serviço público. A concessionária ficou investida no direito de utilizar o domínio público para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão nos termos da legislação aplicável(Base XVII anexa ao DL n°33/91,16 Janeiro/clausula 23 do contrato de concessão outorgado entre o Estado Português e a GDP em 15.09.95).
No caso de obras que envolvam o levantamento de terrenos ou pavimentos a concessionária deve contactar as outras entidades utilizadoras do subsolo de modo a obter a harmonização dos respectivos trabalhos(clausula 34 n°2 do contrato de concessão). Segundo entendimento que secundamos a harmonização pretendida jamais poderia ser alcançada mediante a imposição de taxa por ocupação do subsolo do domínio público, antes mediante prestações convencionais com a natureza de preço/nos termos de protocolo a estabelecer entre a CM e a G...(parecer subscrito por Saldanha Sanches, fls.446 e segs).
3.- Sobre questão jurídica semelhante instalação no subsolo de infra-estruturas para telecomunicações pela P...) jurisprudência dos Tribunais superiores tem-se pronunciado no sentido de que o tributo exigido pela CMLisboa para reposição de pavimentos e despesas de fiscalização não obedece aos requisitos característicos da taxa(acs. TA 2.06.99 rec. ° 23 166;16.06.99 rec. °23 175; 1. 06 . 2000 rec.n°23 279,-acs.TCA 12.07.2000 proc.n°3 259/00;26.09.2000 proc.n°3 290/00; 17.10.2000 proc.n°3 288/00).
Louvando-se no douto parecer acima referido o aresto de que vimos falando, adoptou a seguinte fundamentação:
A CMS vem invocar a proibição de "venire contra factura proprium" alegando que a impugnante aceitou expressamente o pagamento de tais taxas no protocolo que celebrou consigo, taxas essas que tem vindo a pagar sem qualquer contestação até a gora.
Sem questionar a aplicação desse princípio no domínio das relações tributárias, passemos a analisar se a situação se pode qualificar como tal.
A proibição do "venire contra factum proprium", enquanto manifestação de abuso de direito na vertente da tutela da confiança, está sujeita à verificação de três requisitos: a verificação de uma situação objectiva de confiança, um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento, e boa-fé da contraparte que confiou proprium ( Cf Batista Machado, Tutela da Confiança e " Venire contra factum propium" RLJ, ano 118, pag 171-172).
Ora, em face dos considerandos enunciados no início do referido protocolo e da não univocidade de sentido do conteúdo da cláusula vigésima desse mesmo protocolo (e sempre se poderá afirmar que, par além dos sentidos invocados, objectivamente ela se terá de referir a taxas estabelecidas na forma prescrita na lei) não se pode falar numa situação objectiva de confiança, como uma tomada de posição vinculante. E o facto de se proceder ao pagamento de determinada taxa uma vez não é uma situação que, em termos de relacionamento interpessoal, crie uma vinculação a jamais, de futuro, questionar a legalidade dessa taxa (é, aliás, a própria lei ao estabelecer o contrário permitindo a impugnação após o pagamento voluntário).
E muito menos se vê que da parte da CMS tenha ocorrido qualquer investimento na confiança, pois que se não vislumbra que a CMS exclusivamente com base nessa confiança tenha estabelecido ou organizado qualquer 'plano de vida'. Pelo contrário, o estabelecimento das taxas em questão não tem qualquer causa no relacionamento com a impugnante mas sim na lei que lhe atribui o poder de fixar taxas.
Não há, pois,, lugar a aplicação do referido princípio da proibição de 'ventre contra factum proprium".
Relativamente à questão material posta à apreciação do tribunal importa, em primeiro lugar, definir com precisão o que se entende pôr taxa.
No que concerne à definição do conceito de taxa irei seguir de muito perto (frequentemente limitando-me a reproduzir) o que sobre a matéria se encontra escrito num parecer sobre a matéria junto na impugnação n° 13/2000 deste tribunal, da autoria dos Drs J. Xavier de Basto e António Lobo Xavier, pois que nele se sintetiza, com uma singela clareza, o que considero a melhor opinião.
O critério geral da distinção entre impostos e taxas não surge, á primeira vista, como um problema de especial delicadeza ou de difícil solução. Em primeira aproximação, a doutrina limita-se praticamente a aplicar um teste simples, o qual consiste em saber se a prestação exigida pelo Estado, por uma pessoa colectiva pública ou por uma entidade privada dotada de poderes públicos tem um carácter unilateral ou bilateral.
Assim, estaremos perante um imposto quando a obrigação de pagar em que ele se traduz não está ligada a qualquer contraprestação específica por parte do Estado. Diz-se, por isso, que ele constitui uma prestação coactiva e unilateral, justamente para sublinhar que a conexão entre o imposto pago e os serviços públicos de que o cidadão usufrui é um nexo meramente abstracto, não indivudualizado ou não sinalagmático.
Esta mesma simplicidade de critérios encontra paralelismo a propósito da identificação do conceito de taxa: diferentemente do que se passa com o imposto, diz-se que à obrigação de pagar uma taxa corresponde uma contrapartida individualizável prestada pelo Estado. Fala-se, a este propósito, do carácter sinalagmático desta receita pública.
Apesar da simplicidade dos conceitos básicos, a verdade é que as receitas públicas se oferecem sob diversos matizes, muitas vezes combinando características pertencentes a mais do que um tipo puro. São justamente estas situações de fronteira, avessas a um enquadramento fácil nas molduras doutrinárias fundamentais, que têm requerido esforços suplementares de caracterização. Esforços esse que são especialmente importantes para os ordenamentos, como o nosso, em que a uma diferente natureza da receita pública corresponde um diferente modo de produção normativo.
Por ser de imediato relevo jurídico-constitucional, tem-se vindo a assistir, na doutrina, a contribuições para a afinação dos critérios susceptíveis de proporcionar uma cuidadosa definição da fronteira entre a taxa e o imposto; e essa afinação de critérios tem-se praticamente reconduzido ao aperfeiçoamento do conceito de taxa, partindo da caracterização desta receita pública que a Ciência das Finanças elaborou.
Para efeitos de uma correcta caracterização da taxa é útil a distinção marcada com nitidez pela doutrina nacional entre três tipos de situações que podem dar lugar à exigência de uma taxa, correspondentes a três diferentes naturezas de que pode revestir-se a contrapartida oferecida pelo Estado.
São. em primeiro lugar, as taxas devidas pela utilização dos serviços públicos individualizados.
São, em segundo lugar, as taxas devidas pela utilização de bens do domínio público.
São, finalmente, as taxas devidas pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício de certas actividades pêlos particulares, muito frequentemente designadas pôr 'licenças'.
Em qualquer dos casos, a Ciência das Finanças precisa que a condição de sinalagmaticidade que caracteriza a taxa é que se verifique a utilização de um bem semi-público.
Ora é certo que esta utilização dar-se-á sempre que a taxa seja a contrapartida de um serviço prestado pela administração; e não é menos certo que a utilização de um bem semi-público terá ainda lugar quando a taxa for o correspectivo da utilização de um bem do domínio público.
É, porém, no domínio das licenças que as questões de fronteira se suscitam, com maior acuidade e se revestem de maior delicadeza.
Acontece frequentemente, com efeito, ser exigido ao particular o pagamento de certa taxa para que este logre a remoção de um obstáculo jurídico, sem que, no entanto, se possa, com verdade, dizer que tenha ocorrido a utilização de um bem semipúblico.
Teixeira Ribeiro veio recentemente insistir sobre este ponto, esclarecendo justamente que nem sempre a importância devida ao Estado pela outorga de uma licença haverá de ser considerada como uma taxa.
Segundo o autorizado financista, só serão taxas as 'licenças' que permitem a remoção de um limite jurídico á utilização de um bem semipúblico; quando a 'licença', ao invés, apesar de possibilitar o levantamento de um obstáculo jurídico, não proporciona, afinal, a utilização de qualquer bem semipúblico, estaremos antes perante um verdadeiro imposto, pois que o que sucede, nestes casos, é que a entidade pública aguarda que os particulares revelem a sua capacidade contributiva para lhes exigir o respectivo imposto.
Este entendimento tem tido acolhimento uniforme e sustentado na jurisprudência.
Assim, em acórdão de 10FEV83 ( AD, 257,259), ai" secção do STA estabelecia, que "considera-se taxa o preço autoritariamente estabelecido, pago pela utilização individual de bens semi-públicos, tendo a sua contrapartida numa actividade do Estado ou de outro ente publico, especialmente dirigida ao obrigado pelo pagamento".
Por seu turno, o Tribunal Constitucional refere (Ac. 558/98,29 Set98, DR,II,11NOV98,16044) que "a diferença específica entre 'imposto' e 'taxa' se situa na existência ou não de um vínculo sinalagmático que é apontado à segunda. Assim, o encargo característico das 'taxas' representa como que (...) o 'preço' do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará. (...)", não passando em claro que "mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aquela outra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma 'taxa' somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi - publico" ( Ac. 312/92 (DR, II, 18FEV93))
E no seu Acórdão 357/99 (- del5JUN99 (DR, II, 2MAR2000. 4255), remete para uma jurisprudência sedimentada da qual se retira, "como traço fundamental definidor do conceito de imposto e na sua diferenciação com o de taxa, o da 'unilateralidade' (...) em contraste com a 'bilateralidade' caracterizadora da taxa. No que concerne especificamente à taxa ela vem sendo definida como uma prestação exigida como restituição dos serviços prestados individualmente aos particulares no exercício de uma actividade pública, quer como contrapartida de utilização de um bem do domínio público, quer ainda da remoção de um limite jurídico á actividade dos particulares".-
E também a 2ª secção do STA (' Ac. de 2JUN99 (BMJ, 488, 219). veio afirmar que tem "como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente; pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; a utilização individualizada pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi -públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte".
Tendo a Lei Geral Tributária vindo a sufragar esse entendimento ao estabelecer no seu art° 4°, n° 2, que "as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares"-Invocando essa norma para afastar a exigência da utilização de um bem semipúbico pode ver-se o Ac. da 2a secção do STA. de 26MA199 (BMJ, 487, 201); interpretação essa que, no entanto, não obtém a minha adesão)
Munidos do entendimento que fica expresso entendo poder, desde já, entrar na apreciação da legalidade das taxas impugnadas, sem necessidade de discorrer sobre os plúrimos argumentos que são invocados no pareceres juntos aos autos. Com efeito, previa à discussão sobre se existe isenção ou não dessas taxas e se tal isenção, tal como foi conferida, obedece aos parâmetros constitucionais, é a qualificação como taxas das imposições em causa.
Segundo a Lei das Finanças Locais (Lei 1/87, 6JAN - art° 11, als. b) e c); Lei 42/98, 6AGO - art° 19, ais. b) e c)) os municípios podem cobrar taxas pôr concessão de licenças de ocupação da via pública pôr motivo de obras e pôr ocupação (ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo) do domínio público (municipal).
Mas não é toda a ocupação que legitima a imposição de taxas. De acordo com a definição dessa figura, como ficou dito, a taxa pressupões uma utilização individualizada de bens semipúblicos; uma utilização que satisfaça, 'além das necessidades colectivas, necessidades individuais, isto é, necessidades de satisfação activa, necessidades cuja satisfação exige a procura das coisas pelo consumidor.
E no caso concreto em apreço verifica-se, precisamente, a ausência dessa utilização individualizada de bens do domínio público. Com efeito, não se trata, como o configura a CMS, de uma utilização para satisfação de necessidades individuais da GDP. O que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas que é a existência de uma rede de distribuição de gás natural (independentemente da procura que ela venha a ter e sem que se possa individualizar quem e em que medida poderá individualmente vir a usufruir das utilidades pôr ela proporcionadas).
E nessas condições as quantias que a CMS pretende cobrar a titulo de abertura de valas e utilização do subsolo não podem ser qualificadas com taxas, pôr extravasarem os limites delimitadores dessa figura.
E estando o poder tributário dos municípios limitado ao estabelecimento de taxas, as liquidações efectuadas têm de se haver como ilegais.”
Acolhendo inteiramente tal fundamentação tem o presente recurso de ser provido.
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4.- Termos em que, face ao exposto, acordam os Juizes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença, julgar procedente a impugnação e, consequentemente, anular o acto de liquidação impugnado.
Sem custas.
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Lisboa,12/03/2002
Gomes Correia
Jorge Lino Alves de Sousa
Maria Cristina Santos