Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09423/16
Secção:CT
Data do Acordão:02/09/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA SOBRE BENS IMÓVEIS
VALOR PROBATÓRIO DOS DOCUMENTOS PARTICULARES E AUTÊNTICOS
VALOR PROBATÓRIO DO REGISTO PREDIAL
Sumário:1) A jurisprudência inúmeras vezes vem considerando, excepcionalmente, que são admissíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche todos os requisitos de uma verdadeira posse, actuando uti dominus. Em determinados casos, portanto, dependendo de uma análise casuística, podemos ser levados a concluir que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
2) Os elementos colhidos nos autos não comprovam a ocorrência de actos materiais inequívocos e públicos de exercício da posse em nome próprio sobre as fracções em causa por parte do embargante.
3) Os documentos particulares ou documentos autênticos fazem prova dos termos das declarações negociais emitidas pelas partes, mas não permitem, só por si, sem outros elementos coadjuvantes, afiançar, sobre os termos em que teve lugar a materialização do negócio documentado.
4) O registo predial definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
R... interpõe o presente recurso jurisdicional contra sentença proferida a fls. 108/141, que julgou improcedentes os embargos de terceiros deduzidos pelo recorrente contra os actos de penhora das fracções autónomas designadas pela letra “I” e “J”, no âmbito da execução fiscal n.º ..., em que é Executada a sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, instaurado por dívida de IRC de 2006, cujo montante, com acrescidos, é de €139.811,26.
Nas alegações de fls. 161/173, o recorrente formula as conclusões seguintes:

I. É de facto e de direito a presente apelação, assim deixada à reapreciação e veredicto desse Tribunal "ad quem", adentro do cometido poder cognitivo.
Assim, e quanto à questão de facto,

II. Além da materialidade assente, pela prolação da decisão da questão de facto, também a factualidade considerada não provada, nos pontos 1 e 2, dos factos não provados, deverá ser dada por assente e levada ao probatório, com aquisição processual.
III. Tanto resulta indelevelmente, do próprio contrato-promessa (Doc. 2 - Al. M) do probatório) e da escritura definitiva (Doc. 5 - Al. L) do probatório), cuja validade formal e material não foi infirmada pela Embargada formando prova plena das menções inscritas, sobre quem impendia o ónus da prova - Art. 342, nº 2, do C. Civil.
IV. Outrossim, dos depoimentos corroborados pelas testemunhas (ut. A); B) e C)), cujos depoimentos contextualizados tanto corroboraram e firmam.
V. Também deverá ser levado ao probatório e assim alterado o ponto 3, dos factos não provados, alterando-se a decisão da questão de facto nessa parte, talqualmente a matéria alegada e vertida nos itens 8 e 9, da petição inicial de embargos;

VI. Tanto decorre quer da articulação da abundante prova documental e conjugada com o demais probatório, bem assim da contextualização dos depoimentos referidos e extractados das testemunhas, sobreditas, que tanto inculca;

VII. Deverá, pois, ser alterada em conformidade a decisão da questão de facto no propugnado alcance e ao abrigo do disposto no Artigo 662, nº 1, do C.P. Civil e legais efeitos.

Por outro lado, e quanto à questão de direito,

VIII. A posse do Recorrente que os autos ostentam, declaradamente titulada, pública, pacífica e de boa-fé, causal da aquisição originária peta usucapião e documentada também a aquisição derivada do seu direito de propriedade justifica a tutela do direito, pelo decretamento da procedência dos embargos e levantamento da penhora, que tanto ofende -Artigo 237 do CPPT e 333, do C. P. Civil.

IX. In casu, o Recorrente/Embargante, prevaleceu-se da violação da sua posse em nome próprio, bem assim do direito de propriedade sobre os bens penhorados, justificado originária e derivadamente.

X. A habitação, pessoal e familiarmente, nas fracções penhoradas, há mais de 20 anos, a título como proprietário e figurando mesmo sempre como titular matricial inscrito, pagando os inerentes impostos e por todos reconhecido como o dono, praticando os actos próprios, ostentando e prevalecendo-se também da escritura de aquisição como decorre irrefragavelmente dos depoimentos das testemunhas, legitima a oposição do Embargante e a tutela do direito, sendo o meio exercitado o próprio.

XI. Doutro modo, e por ilegítimo, configurava sempre declarando abuso de direito por parte da Fazenda Pública por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e quebra da confiança que a ordem jurídica não consente - Artigo 334.º do C. Civil.

XII. Decidindo diferentemente e em desconformidade, violou os sobreditos preceitos e princípio de direito a Sentença recorrida, devendo ser revogada no alcance propugnado e legais efeitos.

Termos em que, e nos melhores de Direito, deve ser provido o recurso, assim se fazendo Justiça»

*
Não há registo de contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 184/186), no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A. Em 12 de Julho de 1993, foi constituída a sociedade por quotas “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, com o objecto social de promoção e gestão imobiliária, comercialização de imóveis, administração de propriedades e condomínios e o comércio de materiais de construção (cfr. certidão da conservatória do registo comercial de ..., a fls. 30 a 35 do processo de execução fiscal-PEF apenso).
B. O capital social da empresa de € 299.278,74 (Esc. 60.000.000,00) referida em A), era representado pelas quotas e sócios que infra se descreve:
Quota: €149.639,37 (30.000.000$00) Titular - R...
Quota: € 37.409,84 (7.500.000$00) Titular-A...
Quota: € 37.409,84 (7.500.000$00) Titular - A...
Quota: € 37.409,84 (7.500.000$00) Titular - F...
Quota: € 37.409,84 (7.500.000$00) Titular - R... (cfr. certidão da conservatória do registo comercial de ... , a fls. 30 a 35 do PEF apenso).

C. Tendo sido nomeados gerentes todos os sócios (cfr. certidão da conservatória do registo comercial de ..., a fls. 30 a 35 do PEF apenso).

D. A 10 de Fevereiro de 1995, foi outorgado no Cartório Notarial de A..., escritura pública de compra e venda, constando como primeiro outorgante R... que outorga por si e na qualidade de procurador de sua mulher R... e como segundos outorgantes R... e A..., em representação da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, e na qualidade de sócios gerentes nos termos do qual o primeiro outorgante declara “que em seu nome e no da sua representada, vende à representada dos segundos, pelo preço de CATORZE MIL CONTOS, já recebido, a fracção autónoma designada por “I”, correspondente a uma habitação no quarto andar esquerdo, com tudo o que o compõe, entrada pelo número 21, do prédio urbano, sito na ..., 3/81, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376, com o valor patrimonial de dois milhões quinhentos e setenta e sete mil novecentos e sessenta escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número sete mil, no livro B-vinte e dois, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição dois mil duzentos e oitenta, no livro F-seis, com inscrição de aquisição vinte e cinco mil novecentos e vinte e três, no livro G-cinquenta e oito” e declarando os segundos outorgantes “Que, para a sua representada, aceitam este contrato, destinando-se o seu objecto a revenda, no exercício da sua actividade” (cfr. fls. 80 a 82 dos autos).

E. A 10 de Fevereiro de 1995, foi outorgado no Cartório Notarial de A..., escritura pública de compra e venda, constando como primeiro outorgante R... que outorga por si e na qualidade de procurador de sua mulher R... e como segundos outorgantes R... e A..., em representação da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, e na qualidade de sócios gerentes, nos termos do qual o primeiro outorgante declara “ que em seu nome e no da sua representada, vende à representada dos segundos, pelo preço de QUINZE MIL CONTOS, já recebido, a fracção autónoma designada por “J”, correspondente a uma habitação no quarto andar direito, com tudo o que o compõe, entrada pelo número 21, do prédio urbano, sito na ..., 3/81, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376, com o valor patrimonial de dois milhões oitocentos e trinta e cinco mil setecentos e cinquenta e seis escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número sete mil, no livro B-vinte e dois, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição dois mil duzentos e oitenta, no livro F-seis, com inscrição de aquisição dezassete mil e trinta e nove, no livro G-quarenta e quatro” e declarando os segundos outorgantes “Que, para a sua representada, aceitam este contrato, destinando-se o seu objecto a revenda, no exercício da sua actividade” (cfr. fls. 83 a 85 dos autos).
F. Pela apresentação nº 4, de 20 de Fevereiro de 1995, foi registada na Conservatória do Registo Predial de ..., a aquisição da fracção autónoma designada por “I”, correspondente a uma habitação no quarto andar esquerdo, com tudo o que o compõe, entrada pelo número 21, do prédio urbano, sito na ..., 3/81, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376, melhor descrita em D), constando como sujeito activo “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA” e sujeito passivo R... (cfr. fls. 87 dos autos).
G. Pela apresentação nº 5, de 20 de Fevereiro de 1995, foi registada na Conservatória do Registo Predial de ..., a aquisição da fracção autónoma designada por “J”, correspondente a uma habitação no quarto andar direito, com tudo o que o compõe, entrada pelo número 21, do prédio urbano, sito na ..., 3/81, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376, melhor descrita em E), constando como sujeito activo “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA” e sujeito passivo R... (cfr. fls. 87 verso dos autos).
H. A 24 de Fevereiro de 1995, foi registada a cessão da participação social-quota do Embargante R... a A... (cfr. certidão da conservatória do registo comercial de ..., a fls. 30 a 35 do PEF apenso).
I. Por escrito datado de 29 de Maio de 1995, e denominado de “contrato promessa de compra e venda”, R... e A..., em representação da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, na qualidade de dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente a uma habitação no 4º andar esquerdo, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-I, e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o então nº 7000, do Livro B-22 e B-30 e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., declarou prometer vender a R..., que declarou prometer comprar, pelo preço de 15.500.000$00, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, a fracção e respectivo recheio (cfr. doc. de fls. 11 e verso dos autos).
J. No contrato promessa a que se faz alusão na alínea que antecede, estipulou-se, textualmente na sua cláusula segunda, o seguinte: “Que pelo presente contrato promete vender ao segundo outorgante ou a quem ele indicar (pessoa singular ou colectiva), livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, a aludida fracção e recheio, e pelo preço de 15.500.000$00 (quinze milhões e quinhentos mil escudos), tendo a primeira signatária já recebido, do segundo outorgante, a quantia de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), dando, desde já, a respectiva quitação (cfr. doc. de fls. 11 e verso dos autos que se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).
K. Foi ainda declarado que “a escritura será outorgada quando o segundo outorgante entender mais conveniente que avisará a primeira em carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 30 dias, comunicando a data e local em que a mesma se realizará” (cfr. doc. de fls. 11 e verso dos autos que se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).
L. Por escrito datado de 29 de Maio de 1995, e denominado de “contrato promessa de compra e venda”, R... e A..., em representação da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, na qualidade de dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente a uma habitação no 4º andar direito, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-J, e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o então nº 7000, do Livro B-22 e B-30, declarou prometer vender a R..., que declarou prometer comprar, pelo preço de 17.500.000$00, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, a fracção e respectivo recheio (cfr. doc. de fls. 17 e verso dos autos).
M. No contrato promessa a que se faz alusão na alínea que antecede, estipulou-se, textualmente na sua cláusula segunda, o seguinte: “Que pelo presente contrato promete vender ao segundo outorgante ou a quem ele indicar (pessoa singular ou colectiva), livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, a aludida fracção e recheio, e pelo preço de 17.500.000$00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos), sendo 15.000.00$00 relativos à fracção e 2.500.000$00 relativos ao recheio, tendo a primeira signatária já recebido, do segundo outorgante, a quantia de 17.000.000$00 (dezassete milhões de escudos), dando, desde já, a respectiva quitação (cfr. doc. de fls. 17 e verso dos autos que se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).
N. Foi ainda declarado que “a escritura será outorgada quando o segundo outorgante entender mais conveniente que avisará a primeira em carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 30 dias, comunicando a data e local em que a mesma se realizará” (cfr. doc. de fls. 17 e verso dos autos que se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).
O. A 9 de Outubro de 1997, foi registada a cessação das funções de gerência do Embargante e, à data ex-sócio, R... (cfr. certidão da conservatória do registo comercial de ..., a fls. 30 a 35 do processo de execução fiscal-PEF apenso).
P. A 5 de Outubro de 2010 foi autuado, no Serviço de Finanças de ..., o processo de execução fiscal nº ... contra a sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, por dívidas relativas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2006, e respectivos juros compensatórios e de mora, no montante total de € 139.811,27 (fls. 1 e 2 do PEF em apenso);
Q. Em 13 de Janeiro de 2011, no âmbito do processo de execução fiscal nº ..., foi lavrado o auto de penhora das fracções autónomas designadas: pela letra “I”, correspondente a uma habitação no 4º andar esquerdo, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-I; e pela letra “J”, correspondente a uma habitação no 4º andar direito, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-J, melhor descritas nas alíneas D) e E) supra (cfr. fls. 16 e 17 do PEF apenso).
R. A 13 de Janeiro de 2011, foi outorgado no Cartório Notarial de L..., escritura pública de compra e venda, constando como primeira outorgante M... na qualidade de sócia gerente e em representação da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, e segundo outorgante R... na qualidade de adquirente, nos termos do qual a primeira outorgante “pelo preço global de CENTO E OITENTA MIL EUROS”, já recebido, vende ao segundo outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, os seguintes bens imóveis:
UM-Por noventa mil euros, a fracção autónoma designada pelas letra “I”, correspondente a uma habitação no quarto andar esquerdo e aparcamento na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-I, com o valor patrimonial de €50.310,70.
DOIS- Por noventa mil euros, a fracção autónoma designada pela letra “J”, a uma habitação no quarto andar direito e aparcamento e arrecadação, na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-J, com o valor patrimonial de €55.341,75.” (cfr. fls. 26 a 28 dos autos);
S. Do teor da escritura pública referida na alínea antecedente, consta a seguinte declaração por parte do ora Embargante R...: “a fracção “J” destina-se exclusivamente à sua morada própria e permanente” (cfr. fls. 26 a 29 dos autos).
T. Pela apresentação nº 2239, de 13 de Janeiro de 2011, com registo no sistema às 14:51:35, UTC-penhora, foram registadas na Conservatória do Registo Predial de ..., as penhoras das fracções autónomas designadas pela letra “I”, correspondente a uma habitação no 4º andar esquerdo, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-I e da letra “J”, correspondente a uma habitação no 4º andar direito, com entrada pelo número 21, do prédio em propriedade horizontal sito na ..., número 21, freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6376-J, melhor descritas em D), E) e Q) supra, a favor da Fazenda Nacional, para garantia de pagamento da dívida objecto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº ... no valor de €139.811,27 (cfr. fls. não numeradas do PEF apenso).
U. Pela apresentação nº 3859, de 13 de Janeiro de 2011, com registo no sistema 20:04:53 UTC-Aquisição, foi registado na Conservatória do Registo Predial de ..., a aquisição das fracções autónomas designadas pelas letra “I”, correspondente a uma habitação no quarto andar esquerdo e aparcamento na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-I, e a fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente a uma habitação no quarto andar direito e aparcamento e arrecadação, na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-J, constando como sujeito activo R... e sujeito passivo “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA” (cfr. fls. não numeradas do PEF apenso).
V. As fracções autónomas designadas pelas letras “I”, correspondente a uma habitação no quarto andar esquerdo e aparcamento na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-I, e pela letra “J”, correspondente a uma habitação no quarto andar direito e aparcamento e arrecadação, na cave, com entrada pelo nº 21 da ..., inscrita na matriz sob o artigo 6376-J, encontram-se inscritas junto do Ministério das Finanças-Direcção Geral dos Impostos e para efeitos de Contribuição Autárquica e de Imposto Municipal de Imóveis desde, pelo menos, 1996 em nome de R... (facto alegado no artigo 7.º e não impugnado e que se extrai dos documentos juntos a fls. 88 a 101 dos autos).
W. Foram emitidos os documentos de cobrança de Contribuição Autárquica e de Imposto Municipal de Imóveis, relativos às fracções autónomas inscritas na matriz sob os artigos 6376-I e 6376-J, melhor descritas em D) e E), respeitantes aos períodos de 1996 a 2011, em nome R... (cfr. documentos juntos a fls. 88 a 101 dos autos).
X. Os documentos de cobrança referidos na alínea antecedente foram integralmente pagos pelo Embargante (facto que se extrai dos documentos juntos a fls. 88 a 101 dos autos, concretamente, respectivos selos apostos nos cantos inferiores esquerdos coadjuvado com o depoimento da testemunha A...).
Y. O Embargante teve conhecimento das penhoras a que se alude em Q) supra em 24 de Janeiro de 2011, quando na sequência da outorga da escritura pública referida em R) obteve certidão permanente on line (facto alegado no artigo 12.º e não impugnado). A Z. 14 de Fevereiro de 2011, deu entrada junto do Serviço de Finanças de ... a presente acção (cfr. fls. 2 dos autos).
AA. Desde a data da celebração dos contratos de promessa de compra e venda, e a esse título, que o Embargante passou a estar e fruir essas fracções (facto alegado no artigo 6.º e 7.º da p.i. e que se extrai do depoimento das testemunhas C..., L... e A...).
BB. Mantendo a sua habitação e da sua filha e fazendo a sua corrente vida doméstica (facto alegado no artigo 6.º e 7.º da p.i. e que se extrai do depoimento das testemunhas C..., L... e A...).

***
FACTOS NÃO PROVADOS
1. Que o Embargante pagou a quantia de € 74.819,68 (15.000.000$00) à sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, a título do preço acordado no contrato de promessa de compra e venda, referido em I), e que esta o tenha recebido.
2. Que o Embargante pagou a quantia de €84.795,64 (17.000.000$00) à sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, a título de preço acordado no contrato de promessa de compra e venda, referido em M), e que esta o tenha recebido.
3. Que o Embargante tenha adaptado comunicação entre as fracções autónomas, optimizando-as e melhorando-as».

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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, e do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, e bem assim, no depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Foi valorado quanto à factualidade constante nas alíneas AA) e BB), o depoimento das testemunhas C..., L... e A..., em face do que sumariamente se descreve.

C... é filho de R... um dos sócios gerentes da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, e demonstrou conhecer as fracções autónomas em questão, referindo que várias vezes foi ao local e que sabe que é lá que o Embargante reside.

Quanto à venda das fracções autónomas em 10 de Fevereiro de 1995 e aos contratos de promessa de compra e venda celebrados em 29 de Maio de 1995, não tem conhecimento directo sobre os mesmos, uma vez que não participou na sua elaboração e o que sabe é do que o seu pai R... lhe transmitia. Apenas tem conhecimento directo do negócio da venda que ocorreu em 13 de Janeiro de 2011, uma vez que foi o mesmo que tratou da sua outorga.

L... demonstrou conhecer o Embargante em termos pessoais e profissionais uma vez que trabalha para uma das empresas do Embargante, denominada “S...” a qual referiu que, em tempos, teve dificuldades financeiras.

Revelou conhecer as fracções autónomas em causa, referindo que é lá que o Embargante reside e que por diversas vezes se deslocou à sua residência. Quanto aos contratos de promessa e às intenções subjacentes à celebração dos mesmos reconheceu que não sabe muito, e utilizou muitas vezes a expressão “Suponho”, o que demonstra hesitação e incerteza. Quanto ao negócio da venda de 2011, pouco sabe e o que sabe é do que ouviu dizer, mais sublinhando que “do património pessoal não lida com isso”.

Quanto à testemunha A... demonstrou conhecer o Embargante da Direcção do “SPORT CLUBE DE ...” e que lidou com ele mais ou menos 9 anos. Demonstrou conhecer as fracções autónomas, referindo que no contexto profissional e algumas vezes pessoal se deslocou à sua residência que identificou como sendo as das fracções sitas na .... Relativamente aos contratos de promessa e à venda ocorrida em 2011, não participou na sua elaboração, não tendo conhecimento directo sobre os mesmos.

Quanto à questão da alínea X), referiu que, por vezes, foi o próprio que a pedido do Embargante efectuou o pagamento dos Impostos do património referentes às fracções autónomas em causa, o que conjugado com os documentos juntos aos autos permite inferir que o pagamento dos impostos foi realizado pelo Embargante.

Os factos dados como não provados resultam da ausência de prova documental a seu respeito, e da insuficiência da prova testemunhal produzida, como infra se descreve.

Relativamente aos factos não provados nº1 e nº2, respeitantes à falta de prova do pagamento do preço, o Tribunal entende que não feita qualquer prova sobre o pagamento.

Desde logo, porque o Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório notificou o Embargante para fazer prova do pagamento do preço e o mesmo limitou-se a dizer que “não dispõe de qualquer documento de quitação, além do prestado no próprio contrato-promessa”. Ainda que não tenha sido impugnada a genuinidade dos documentos, concretamente do teor dos contratos de promessa de compra e venda em análise, não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se tenham de considerar, de per si, como provados.

Até porque, o Ilustre Representante da Fazenda Pública contesta que o Embargante esteja investido na qualidade de proprietário das fracções autónomas, defendendo que os poderes que o Embargante exerceu sobre as aludidas fracções autónomas penhoradas até à outorga da escritura pública sempre foram exercidos a título precário, não correspondendo, por isso, aos poderes que resultam do verdadeiro direito do proprietário adquirente.

Ademais, os comprovativos dos pagamentos devem ser efectuados por prova documental, quando, de resto, a promessa de aquisição das aludidas fracções foi realizada a um ente societário que tinha como objecto social a “promoção e gestão imobiliária, comercialização de imóveis e administração de propriedades”.

O Embargante não apresentou qualquer justificativo para a não apresentação dos comprovativos de pagamento, limitando-se a remeter para o teor dos aludidos contratos de promessa e a reiterar que, independentemente dos respectivos títulos translativos as fracções prometidas adquirir sempre se mantiveram na posse e fruição do Embargante, o que se revela manifestamente insuficiente.

No respeitante ao depoimento sobre o pagamento do preço, nenhuma das testemunhas depôs sobre a questão, aliás como já referido anteriormente, relativamente aos aludidos contratos de promessa de compra e venda nenhuma das testemunhas tem conhecimento directo sobre a questão.

É certo que todas as testemunhas ouvidas mencionaram a existência de dificuldades financeiras do Embargante e que, eventualmente, foram essas questões financeiras que motivaram a venda das fracções à sociedade, por uma questão de garantia. Mas, para além do conhecimento das testemunhas não ter sido circunstanciado em termos fácticos e de datas, resultando de conversas com o Embargante e com o sócio R..., a verdade é que na p.i. nada é alegado nesse sentido, nunca tendo sido convocada a existência de dificuldades financeiras e outorga de contratos como forma de garantia da dívida. De todo o modo, existindo dificuldades e empréstimos sempre os mesmos careceriam de ser provados documentalmente. Quando devidamente inquiridas quanto às razões subjacentes à dilação temporal, cerca de 16 anos, entre a celebração dos contratos de promessa de compra e venda e a outorga da escritura pública, nenhuma das testemunhas conseguiu avançar com uma razão justificativa, apenas avançando com suposições como “não tinham pressa”, e que talvez fosse pela “relação próxima”, e talvez pela circunstância de que “havia tanta confiança”.

Quanto ao facto não provado nº3, o Tribunal entende que não foi feita prova de que o Embargante tenha adaptado comunicação entre as fracções autónomas, optimizando-as e melhorando-as. Embora as testemunhas tenham evidenciado que as fracções estavam ligadas, a verdade é que os depoimentos não se afiguraram credíveis, desde logo, porque muito genéricos e desacompanhados de quaisquer circunstâncias factuais. Note-se que a segunda testemunha referiu “suponho que comunicam” e a terceira testemunha de forma titubeante mencionou “tem uma passagem interior”. Não foram, por isso, convincentes no sentido de que tenham existido obras e adaptações, mormente, para ligarem essas fracções. Note-se que da própria escritura pública realizada em 13 de Janeiro de 2011, não se retira que as fracções estejam ligadas, pois é apenas feita expressa menção que a fracção “J” destina-se exclusivamente à sua morada própria e permanente”, nada se referindo quanto à fracção “I”, o que permite inferir o contrário.

Ademais, ainda que tivessem logrado provar a existência de obras e adaptações nas fracções sempre importaria provar que as mesmas tivessem sido ordenadas pelo Embargante sem qualquer autorização do proprietário, o que nos presentes autos não se logrou, de todo, provar. Atenta a ausência de prova documental para o efeito, concretamente, orçamentos, recibos de obras e licenças camarárias para a execução de obras nas fracções autónomas e a insuficiência da prova testemunhal, as quais não revelavam conhecimento directo sobre a concreta existência de obras e sua determinação, o Tribunal conclui que tal realidade de facto não se mostra provada.».


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2.2. O recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento da matéria de facto, o qual, no seu entender, determina a alteração da mesma, dando como provados os quesitos considerados não provados.

2.2.1. O recorrente procura, através de prova testemunhal e através da invocação dos documentos que titulam os contratos-promessa de compra e venda e as escrituras definitivas de compra e venda dos imóveis, sustentar a asserção de que realizou o pagamento na íntegra dos valores de venda dos imóveis referidos.

Sucede, porém, que a prova testemunhal não se mostra idónea à comprovação da referida matéria de facto. No que respeita aos documentos que titulam a promessa de transacção ou a transacção definitiva, os mesmos não se mostram idóneos à comprovação do pagamento efectivo do preço acordado, o qual requer a existência de elementos que justifiquem a ocorrência de fluxos financeiros entre comprador e vendedor; elementos que não foram juntos pelo recorrente.

Na escritura de compra e venda, datada de 13.01.2011, relativa às fracções I) e J), não se refere a ocorrência do pagamento do preço de €90.000,00, por cada uma das fracções em causa. Na escritura em causa, o recorrente apenas declara que aceita a presente venda e que a fracção J), se destina exclusivamente à sua morada própria e permanente. Os documentos particulares ou documentos autênticos fazem prova dos termos das declarações negociais emitidas pelas partes (artigos 371.º e 376.º do Código Civil), mas não permitem, só por si, sem outros elementos coadjuvantes, afiançar, sobre os termos em que teve lugar a materialização do negócio documentado.

Ao dar como não provada a matéria de facto em apreço, a sentença recorrida não incorreu erro de julgamento.

Em face do exposto, impõe-se julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.2. O recorrente pretende reverter o facto não provado n.º 3; invoca, para tal, a prova testemunhal.

Sucede que, seja do registo predial das fracções em causa, seja da inscrição matricial das mesmas, não se comprova a falta de autonomia ou a ligação entre as fracções em causa. Recorde-se que «[o] registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define»(1). Não existem elementos nos autos que comprovem realização de obras de melhoramentos de cada fracção, o mesmo se diga em relação à existência de uma ligação interna entre cada uma delas. A prova testemunhal, sem outros elementos coadjuvantes, tal como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto, não permite afastar a asserção mencionada.

Ao dar como não provada a matéria de facto em apreço, a sentença recorrida não incorreu erro de julgamento.

Em face do exposto, impõe-se julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

Em 13.01.2011, as fracções em causa nos autos (I e J) encontram-se inscritas na matriz em nome da sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA” – fls. 21/25, do pef.


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II - De Direito

3. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 108/141, que julgou improcedentes os embargos de terceiros deduzidos pelo recorrente contra os actos de penhora das fracções autónomas designadas pela letra “I” e “J”, no âmbito da execução fiscal n.º ..., em que é Executada a sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, instaurado por dívida de IRC de 2006, cujo montante, com acrescidos, é de €139.811,26.

3.1. Para julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro, a sentença considerou que o embargante não logrou provar o elemento subjectivo da posse sobre os imóveis em causa, pelo que não existe ofensa de direito do embargante incompatível com a diligência judicial em apreço.

3.2. O recorrente censura o entendimento que fez vencimento na instância. Invoca a posse, a usucapião, a aquisição originária e derivada da propriedade; o abuso de direito da embargada.

A sentença julgou não verificado o requisito subjectivo da posse, porquanto, «para além da falta de prova do pagamento do preço, importa, outrossim, relevar que o facto de o Embargante residir no imóvel com a sua filha e de usar e fruir o mesmo desde a data da outorga do contrato de promessa de compra e venda mais não prova de que tem um direito pessoal de gozo sobre a coisa. // Dito de outro modo, viver na fracção, usando-a e fruindo-a de forma exclusiva e permanente, não consubstancia só por si ou em conjunto, a actuação de um verdadeiro proprietário, uma vez que, por exemplo, também um simples arrendatário os pode praticar relativamente à coisa arrendada».

3.3. «O possuidor cuja posse seja ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo» (artigo 1285.º do Código Civil).

Estabelece o artigo 237.º/1, do CPPT, que «[q]uando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro».

Não sofre dúvida que «[n]o nosso ordenamento jurídico consagrou-se aquilo que se denomina por concepção subjectiva da posse, ou seja, uma concepção que envolve um elemento objectivo e um elemento subjectivo; um corpus e um animus. O primeiro elemento caracteriza-se pelo exercício de poderes de facto sobre uma coisa; o segundo pela existência de uma intenção de, ao exercer tais poderes, estar a agir como titular do direito a que os actos praticados correspondem. // São concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiro que, com base nela, sejam deduzidos. // Se os embargantes pretendem a defesa da sua posse sobre o prédio penhorado, impõe-se-lhes que aleguem e demonstrem essa posse, seja na vertente material, seja na vertente intencional»(2).

Mais se refere que «[a] jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no seguimento, sobretudo, da doutrina de Antunes Varela, tem vindo a decidir no sentido de que “são concebíveis (…) situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse”, dando-se como exemplo as situações em que, “havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade” – cf. acórdão STA 10 Fev. 2010, recurso 1117/09, disponível em versão integral no endereço www.dgsi.pt, e que, nestas situações excepcionais em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiro que, com base nela, sejam deduzidos – neste mesmo sentido, acórdão STA 10 Abr. 2002, recurso 26295 e acórdão STA 27 Out. 2010, processo 0453/10, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt”.

Como se sabe, em regra, o contrato-promessa de compra e venda, ainda que seja acompanhado de tradição da coisa, não transfere a posse ao promitente-comprador o qual adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ou seja, a sua situação é a de mero detentor ou possuidor precário.

Porém, como a jurisprudência inúmeras vezes vem considerando, excepcionalmente, são admissíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche todos os requisitos de uma verdadeira posse, actuando uti dominus. Em determinados casos, portanto, dependendo de uma análise casuística, podemos ser levados a concluir que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa»(3).

No caso, do probatório resulta o seguinte:

a) Em 10.02.1995, o embargante vendeu à sociedade “E... PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA” as fracções em presença.

b) Em 20.02.1995, a aquisição das fracções em favor da sociedade imobiliária foi inscrita no registo.

c) Em 29.05.1995, a sociedade imobiliária, na qualidade de promitente-vendedora, celebrou com o embargante contratos de promessa de compra e venda das fracções em causa.

d) Em 13.01.2011 (14.51H) foram inscritas no registo predial, à ordem do PEF ..., as penhoras objectos dos autos.

e) Em 13.01.2001 (20.04H), foi inscrita no registo predial a transacção definitiva em favor do embargante das fracções objecto das penhoras dos autos.

Dir-se-á que «o direito em que se funda o embargante deve ser anterior à penhora, de forma que, ao realizar-se esta, aquele já fosse titular do direito em causa»(4).

O recorrente invoca a posse sobre as fracções, resultante da tradição das mesmas, ao abrigo dos contratos-promessa outorgados. Importaria, porém, a demonstração da ocorrência do animus possidenti. Por outras palavras, o embargante recebeu da sociedade proprietária a posse sobre as fracções em causa, no âmbito dos referidos contratos-promessa, usufruindo dos bens em causa, em nome do proprietário, pelo que a sua situação corresponde à de detentor ou possuidor precário (artigo 1253.º do Código Civil). Sem embargo, tal posição não o impede de adquirir a posse definitiva sobre o bem (artigo 1263.º do Código Civil). Para tal, importaria a inversão do título da posse (artigo 1265.º do Código Civil).

A este título, o recorrente invoca a tradição das fracções e o seu uso, como residência permanente, por parte do seu agregado familiar, o pagamento da contribuição autárquica e do IMI, relativos às fracções em apreço, as obras de melhoramentos que efectuou sobre as mesmas.

Todavia, os elementos em presença não são suficientes para justificar a posse em nome próprio do recorrente. As fracções pertencem a uma sociedade, da qual o embargante foi sócio e gerente, e cujo objecto reside na compra para revenda de fracções, como as que estão em causa nos autos. As fracções foram adquiridas pela sociedade com essa finalidade. A prova do uso das fracções como habitação do agregado, não permite inverter o título da posse, o qual permanece precário, dado que é exercida em nome da sociedade, sua proprietária. As alegadas obras de melhoramentos que o recorrente terá feito sobre os imóveis não se mostram comprovadas nos autos. O mesmo se diga em relação ao pagamento do preço acordado nos contratos-promessa e no contrato de compra e venda. A inscrição no registo predial das fracções em nome do embargante ocorre em momento posterior ao registo das penhoras objecto dos presentes autos. A inscrição matricial das fracções em liça mantém-se, na mesma data, em nome da sociedade imobiliária.

A inversão do título da posse pode revestir duas modalidades, a saber(5): «a oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía» ou «acto de terceiro capaz de transferir a posse».

Sucede, porém, que os elementos colhidos nos autos não comprovam a ocorrência de actos materiais inequívocos e públicos de exercício da posse em nome próprio sobre as fracções em causa por parte do embargante.

Ao julgar no sentido referido, a sentença em crise não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto - Cristina Flora)

(2º. Adjunto - Ana Pinhol)

(1)Artigo 7.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, com alterações posteriores.
(2) Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09492/16.

(3) Acórdão do TCAS, de 05.11.2015, P. 08559/15.

(4) Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2010, p. 302.

(5) Artigo 1265.º do Código Civil.