Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2557/08.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2022
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:CLÁUSULA ANTI-ABUSO
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO
CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O procedimento próprio, previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, foi instaurado tempestivamente, isto é, o procedimento foi aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso. Pelo que não se verifica a violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso.
II – Conclui-se que à data, quer da instauração do procedimento, quer da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de quatro anos para liquidar o tributo, previsto no nº 1 do art. 45º da LGT.
III - Estando os quatro pressupostos verificados, para a aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários da dedução fiscal do resultado de liquidação, bem como da dedutibilidade fiscal da menos-valia conexa com a operação e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros.
IV - O acto de autorização considera a fundamentação do Relatório Final, e por o mesmo conter todos os elementos constantes do nº 9 do art. 63º do CPPT e necessários para aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT. Não tem, assim, qualquer suporte legal, a alegação da Autora de violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização.
V - A Administração Tributária no Relatório Final apresentou formas jurídicas que poderiam ter sido utilizadas se não fosse a intenção de reduzir o imposto a pagar.
VI - A Administração Tributária demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO


E...., S.A., com melhor identificação nos autos vem, ao abrigo do disposto no art. 63º, nº 10, do CPPT, artigos 95º, nº 1 e 2, alínea h) da LGT, artigos 46 e sgs. e 58º, nº 2, alínea b), do CPTA, aplicáveis ex vi do art. 97º, nº 2 do CPPT, recorrer judicialmente do acto praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que autorizou a aplicação da cláusula anti-abuso, prevista no artigo 38º, nº 2, da LGT (despacho nº 217/2008- XVII).

A Autora assaca ao acto os seguintes vícios:

1) Vícios de forma:

A) Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização;

B) Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”.

2) Vícios de lei:

A) Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos;

B) Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso;

C) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT.

E, termina pedindo a anulação do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ora impugnado, por vício de forma e/ou vício de violação de lei, com as devidas consequências legais.

Citado, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio apresentar a contestação onde defende que não se verifica a arguida “caducidade” tal como não se verifica a alegada “violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos”, defendendo as conclusões do Relatório Final, nomeadamente, que a Administração demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios.

Termina, pedindo que o Réu seja absolvido do pedido, com as legais consequências.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 85.º, nº 5, do CPTA tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido de que a acção deve ser julgada improcedente.

Foram as partes notificadas do referido parecer, tendo a A. apresentado requerimento, e o R. sido notificado para se pronunciar sobre o mesmo.

Apresentado requerimento pelo R., a A. apresentou novo requerimento.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, constante a fls. 320 dos autos.

Foram as partes notificadas para apresentarem alegações, nos termos do artigo 91.º, n.ºs 4 a 6, do CPTA.

O Autor, E...., SA. terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
«Em suma, foram expendidos na presente acção administrativa especial e confirmados por prova documental, factos que atestam a necessidade de afastar os alegados fundamentos do acto de autorização recorrido, bem como argumentos legais que sustentam que o acto em crise no sentido da violação as normas legais aplicáveis. A saber:
A. A Autora perante a sua exposição a riscos de diversa natureza (riscos cambiais, risco de incumprimento, risco político, risco regulatório, etc) decorrentes da detenção de obrigações de uma sociedade brasileira (E...) procurou eliminar ou mitigar significativamente a materialização desses riscos nas suas contas individuais no exercício de 2004.
B. Nessa medida, alienou as ditas obrigações a uma sociedade do Grupo E.... em 29 de Janeiro de 2004 e, deste modo, isolou os riscos nessa mesma sociedade, nomeadamente por esta se encontrar sujeita nas suas contas individuais ao dólar americano (USD) permitia eliminar o risco de desvalorização cambial decorrente da detenção das obrigações da E....
C. No final de 2004, fruto de um reestruturação societária interna do Grupo E.... na qual se procurava centralizar a detenção de participações sociais em sociedades fora da União Europeia numa sociedade holding com sede na Irlanda, numa decisão de eficiente gestão e redução de custos com a duplicação de estruturas societárias, decidiu liquidar uma sociedade que detinha na Madeira em 29 de Dezembro de 2004.
D. A Administração Fiscal procurou “reconstruir” as transacções da Autora e imputar-lhe um fim de natureza abusiva da legislação fiscal, procurando aplicar a esses negócios e actos a cláusula geral anti-abuso, sendo a aplicação dessa norma sancionada pelo acto de autorização recorrido.
E. No entanto, a Administração Fiscal incorreu em diversos vícios de natureza procedimental (v.g., o procedimento próprio e autónomo previsto no artigo 63.° do CPPT) e substantiva (v.g., os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38.°, n.° 2 da LGT), os quais não permitiam que fosse concedida essa autorização, sob pena de manifesta ilegalidade.
F. Assim, desde logo, a instauração do procedimento para a aplicação de normas anti-abuso é aberto e notificado à Autora em 22 de Janeiro de 2008, data em que já havia também decorrido o prazo legal de três anos para a sua abertura sobre a data do negócio jurídico (alienação de obrigações realizada em 29 de Janeiro de 2004) e acto jurídico (liquidação de sociedade em 29 de Dezembro de 2004) a que se pretenderia aplicar a cláusula geral anti-abuso, uma vez que a lei é clara no sentido de que «o procedimento (...) pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti-abuso» (cf. artigo 63.°, n.° 3 do CPPT).
G. A Autora provou documentalmente e demonstrou ser destituída de qualquer fundamento a alegação pela Entidade Demandada de que a instauração do procedimento teria ocorrido em 17 de Abril de 2007, com a notificação de um procedimento de inspecção que quanto ao seu âmbito e extensão é “Geral (,Alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° do RCPIT)”... e não qualquer procedimento autónomo/próprio como exige expressamente o artigo 63.° do CPPT.
H. Mais, demonstrou-se com o recurso a prova documental, a contradição decorrente entre primeiro se ter afirmado em 22 de Janeiro de 2008 que «configuradas/enquadradas que estão as operações em apreço no âmbito dos pressupostos constantes do artigo 38° da LGT, designadamente do seu n.º 2, que se procedeu à elaboração do presente relatório para efeitos de posterior se assim se vier superiormente a entender (sic), instauração do procedimento próprio e autónomo a que alude o artigo 63° do CPPT» (cf. pg. 11 do Projecto de Relatório) e, depois de alertado oportunamente pela Autora em sede de exercício do direito de audição prévia, se vir invocar que a instauração do procedimento próprio «teve o seu início em 17 de Abril de 2007 (data de assinatura da Ordem de Serviço)», remetendo-se para a cópia de um impresso, quando se sabe que esse é o impresso Standard para toda e qualquer inspecção externa e não um procedimento próprio e autónomo para a aplicação de normas anti-abuso!
I. Igualmente, demonstrou-se cabalmente que também não pode proceder e é manifestamente fantasiosa uma interpretação da cristalina norma do artigo 63.°, n.° 3 da LGT - «o procedimento (...) pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti-abuso,» - que sustente que aí se deva ler afinal que se alude ao «efectivo momento de atribuição da eficácia jurídico-fiscal a todas as operações objecto de análise (sic)» e que este seria aquele em que se procede à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 (in casu, 30 de Maio de 2005) [cf Relatório Final, pp. 92-94, § 52-58].
J. Demonstrou-se também que a interpretação apresentada pela Entidade Demandada, sem a citação de qualquer preceito legal que suporte a sua leitura da lei por pura impossibilidade, é uma interpretação contra legem e contrária a todos os cânones interpretativos e carecendo de total suporte dado não ter «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» (cf. artigo 9.°, n.° 2 do Código Civil).
K. A lei refere como momento relevante para início da contagem do prazo o da «realização do acto ou da celebração do negócio jurídico», sendo pois o legislador claro em demonstrar, no caso desta disposição (e.g., n.° 3 do artigo 63° do CPPT), a irrelevância da data da produção de efeitos para fins tributários. Relevante é a data em que ocorrem os actos ou são celebrados os negócios.
L. Ignora-se também que no que respeita aos efeitos tributários dos actos dos contribuintes a lei já é clara no n.° 9 do artigo 8.° do Código do IRC ao estabelecer que «o facto gerador de imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação», pelo que o momento da produção dos efeitos fiscais dos actos ou negócios dos contribuintes, regra geral, é a data do último dia do seu respectivo exercício fiscal.
M. Nessa medida, ainda que a fazer fé a tese propugnada pelo inspector tributário e Entidade Demandada - o que apenas se admite a título meramente académico e por dever de patrocínio - os actos e negócios a que se pretende aplicar as normas anti-abuso revelariam para efeitos fiscais, na melhor das hipóteses, no dia 31 de Dezembro de 2004 e, por isso e uma vez mais, na data de instauração do procedimento próprio/autónomo (i.e., 22 de Janeiro de 2008) já tinham decorrido mais de três anos...
N. Por último, retenham-se as palavras do próprio IRMP, o qual não teve quaisquer dúvidas em afirmar peremptoriamente, sem dar azo a discussões de natureza interpretativa, que «o prazo de caducidade para o procedimento anti-abuso, fixado no n.°3 do artigo 63. ° do CPPT, deve começar a contar-se a partir desta última data [29/12/2004], momento culminar do processo eventualmente tendente à obtenção do resultado tributário pretendido pela Autora» (negrito nosso).
O. A Autora logrou assim provar cabalmente que o procedimento próprio e autónomo que conduziu ao acto de autorização do SEAF para a aplicação de normas anti-abuso está viciado ab initio, pois foi aberto em flagrante violação do prazo de caducidade previsto no artigo 63.°, n.° 3 do CPPT.
P. Acresce ainda que o próprio acto de autorização e a instauração do procedimento próprio e autónomo para a aplicação de normas anti-abuso ocorreram em datas (respectivamente, 15 de Abril de 2008 e 22 de Janeiro de 2008) em que já tinha caducado o prazo do direito para a liquidação de impostos, o qual in casu se deve considerar ser um prazo de três anos em virtude da aplicação conjugada do prazo do artigo 63.°, n.° 3 do CPPT e a norma geral do artigo 45°, n.° 1, in fine da LGT.
Q. No entanto, o acto de autorização recorrido encontra-se ainda viciado em virtude da aplicação in casu da cláusula geral anti-abuso ao presente caso se manifestar integralmente ilegal uma vez que não se encontrarem reunidos os pressupostos de facto e de direito previstos no artigo 38.°, n.° 2 da LGT.
R. Ora, a verificação, ainda que elementar, do preenchimento desses pressupostos básicos é certamente um dos elementos essenciais da razão pela qual o legislador introduziu a necessidade da aplicação de normas anti-abuso ser sujeita a um acto formal expresso de autorização pelo dirigente máximos dos serviços, tendo em vista garantir e salvaguardar os direitos dos contribuintes.
S. Ora, a Administração Fiscal não logrou demonstrar, em termos objectivos, que a intenção da Autora era exclusivamente abusiva e procurando defraudar a lei fiscal, porque esta apresentou as razões comerciais e de gestão que nortearam as transacções realizadas no decurso de 2004 e, assim, a sua consistente substância económica.
T. Efectivamente, a Administração Fiscal limitou-se em termos subjectivos a imputar um determinado fim às acções da Autora e, num verdadeiro “processo de intenções”, a reconstruir e justificar todas as transacções com base nesse fim que imputou aprioristicamente à Autora.
U. A Autora provou documentalmente que a Administração Fiscal e o SEAF no seu acto de autorização não evidenciaram qual seria a transacção ou transacções que aquela deveria ter efectuado para se proteger contra os riscos reais para as suas contas individuais a que se encontrava exposta em virtude da detenção das obrigações da E... caso o seu intuito não fosse o de obter uma qualquer abusivo ganho de natureza fiscal.
V. Mais, no Relatório Final e acto de autorização, não se logrou sequer demonstrar a existência de uma qualquer inequívoca intenção de tributar os rendimentos decorrentes da liquidação de uma sociedade através da não concessão aos rendimentos daí resultantes do regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros (cf. artigo 46.° do CIRC), porque a lei conscientemente permitia que rendimentos que não tivessem sido sujeitos a tributação efectiva anteriormente poderiam beneficiar daquele regime.
W. Assim, através de uma aplicação imprópria da cláusula geral anti-abuso, o que verdadeiramente se procura é integrar uma lacuna consciente da legislação fiscal portuguesa em 2004 e “manipular” as normas incidência no sentido de tributar aquilo que conscientemente o legislador não pretendia tributar
X. Logo, não se pode afirmar existir uma qualquer “intenção inequívoca” do legislador de tributar os rendimentos da Autora e, por isso, de fundamentar a aplicação da cláusula geral anti-abuso por aquele ser um pressuposto de direito absolutamente essencial para que se possa aplicar a norma do artigo 38.°, n.° 2 da LGT.
Y. Acresce ainda que, em momento algum, se demonstrou a existência de um qualquer abuso das formas jurídicas perpetuado pela Autora e outro elemento essencial para a aplicação da cláusula geral anti-abuso, sendo que se provou que a Autora se limitou, em transacções totalmente distintas e sem qualquer ligação entre si, a alienar obrigações que detinha num momento para se precaver de riscos e, mais tarde, a liquidar uma sociedade no âmbito de uma reestruturação procurando reduzir custos numa decisão de gestão eficiente de recursos.
Z. Igualmente, desde logo o artigo 63.°, n.° 9 do CPPT exigia que a fundamentação do próprio acto de autorização contivesse uma série de elementos especificamente elencados, os quais se encontram ausentes do acto de autorização, o qual meramente remete para o Relatório Final da Administração Fiscal sem qualquer análise própria como a lei exige.
AA. Acresce que a alínea c) do n.° 9 do artigo 63.° do CPPT exige expressamente que a que entre a fundamentação para a aplicação de normas anti-abuso se encontre «a descrição do negócio jurídico celebrado ou dos actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhe aplicam», tendo-se provado documentalmente que nem o acto de autorização ou o Relatório Final da Administração Fiscal procedem a semelhante demonstração, entendida unanimemente pela doutrina como fundamental para a cabal prova da intenção abusiva dos contribuintes e, por isso, pressuposto decisivo para a aplicação de normas anti-abuso.
BB. Finalmente, refira-se ainda que a aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.°, n.° 2 da LGT e em conjugação com o artigo 63.° do CPPT, interpretada, como parece pretender a Administração Fiscal e a Entidade Demandada no caso sub judice, de modo a permitir ao Fisco uma requalificação unilateral de actos e negócios jurídicos dos particulares num sentido contrário àquele que estes, no legítimo exercício da sua autonomia privada, efectivamente pretenderam e realizaram, e ao abrigo de um procedimento em se que violaram flagrantemente as regras procedimentais básicas do procedimento próprio e autónomo necessário para a aplicação de normas anti-abuso previsto no artigo 63.° do CPPT, seria contrária e violadora de princípios estruturantes do Estado de Direito como a segurança jurídica, a boa fé, a confiança e a justiça, o que violaria o disposto nos artigos 2.°, 13.°, 26.°, 61.°, 62.°, 103.° e 266.° da CRP.
Em face da prova produzida e das alegações apresentadas, deverá a presente acção ser julgada procedente, devendo-se, em consequência e em face das normas legais supra citadas, anular o acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ora impugnado, por vício de forma e/ou vício de violação de lei, tudo nos termos supra mencionados e nos demais de direito que V. Exas entendam convenientes, com as devidas consequências legais.»

A Entidade Demandada, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou as suas alegações, mas não formulou conclusões, tendo a final das mesmas escrito o seguinte:

«Como decorre do exposto, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº212/2008-XVII, de 11-4-2008, não padece de qualquer vício, traduzindo a correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que deve mantido e confirmado na ordem jurídica.

Nestes termos, considerando a prova de todo o alegado, que produzida pela Administração e que incorpora o PA, e com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve o R. ser absolvido do pedido, com as legais consequências.»


***

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A. A sociedade E...., S.A., NIPC: ……256, CAE: 40130, Actividade Desenvolvida: Distribuição e Comércio de Electricidade, quanto ao enquadramento fiscal, em termos de IRC encontra-se enquadrado e tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (R.E.T.G.S.), constituindo-se como a sociedade dominante do respectivo grupo empresarial. Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrado no regime normal, periodicidade mensal, com direito à dedução total do imposto suportado nas aquisições, cfr. nºs 1.1.2.1 e 1.1.2.2. do Relatório, cfr. Doc.1 junto à p.i.;

B. A Autora foi objecto de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, autorizada pela Ordem de Serviço n.º OI200700145, de 19 de Março de 2007, respeitante ao exercício de 2004, cfr.Doc. nº 7 junto à p.i;




C. Em 22 de Janeiro de 2008, foi elaborado Projecto de Relatório elaborado para efeitos do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 63º do CPPT, sob o assunto «Aplicação de normas anti-abuso relativamente aos efeitos tributários decorrentes da operação de liquidação da sociedade E.... ...., L.da, bem como da operação, que a precede, de alienação de obrigações relativas à sociedade E…, S.A., realizada entre a E...., S.A. e a E.... .... Ltd - Exercicio Fiscal de 2004», no qual consta, além do mais, o seguinte:





«texto no original»




Cfr. Doc.2 junto à p.i., que se dá por totalmente reproduzido.

D. Em 22.01.2008, o Director de Serviços da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, exarou no Relatório a que alude a al.C., o seguinte despacho:

«1. Concordo.

2. Notifique-se o contribuinte nos termos do artigo 63.º, n.º 1, 4, 5 e 6 do CPPT».

Cfr. Doc.2 junto à p.i.

E. Através do Ofício n.º 00210, de 22.01.2008, a Autora foi notificada, nos termos dos nºs 4 e 5 do Artigo 63.ºdo CPPT, para «exercer(em) o direito de Audição Prévia, sobre o Projecto de Relatório, elaborado na sequência da aplicação das normas constantes dos Artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT

(cfr. doc. junto ao PAT não numerado)

F. Em 22/02/2008, a Autora tendo sido notificada do projecto de relatório de inspecção tributária «com respeito à aplicação de norma anti-abuso relativamente aos efeitos tributários da (i) liquidação da sociedade E.... I....essoal, LDA e (ii) alienação de obrigações entre a E...., S.A. e E.... Investment and Services, LTD no exercício de 2004,» veio, ao abrigo do disposto no artigo 63º, nºs 4, 5 e 6 do CPPT, exercer o direito de audição prévia relativamente às correcções nele propostas, (cfr. Doc. 3 junto à p.i., que se dá por integralmente reproduzido).

G. Em 4 de Março de 2008, foi elaborado Relatório Final, sob o assunto: «Proposta de aplicação de Normas Anti-Abuso relativamente aos efeitos tributários decorrentes da operação de liquidação da sociedade E....- ...., L.da, bem como da operação, que a precede, de alienação das obrigações relativas à sociedade E..., SA, realizada entre a E...., S.A. e a E.... .... Ltd - Exercicio Fiscal de 2004», cfr. Doc. 1 junto à p.i., que se dá por integralmente reproduzido.

H. O Relatório Final foi submetido a autorização, a qual foi concedida pelo Despacho nº 217/2008-XVII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), datado de 11 de Abril de 2008, o qual que se passa a reproduzir, cfr. Doc. 1 junto à p.i.:


“(texto integral no original; imagem)”

I. Em 15 de Abril de 2008, a Autora foi notificada do Relatório Final e do acto de autorização do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para a aplicação do disposto no artigo 38º, nº 2 da LGT, cfr. Doc. 1 junto à p.i.

J. Em 12 de Maio de 2008, após a notificação do Relatório Final, a Autora apresentou um requerimento solicitando uma certidão de teor integral dos elementos em falta, por entender que a mesma não estava completa, por não conter todos os elementos relativos aos meios de defesa e prazos de reacção, cfr. Doc.4 junto à p.i.




K. No dia 28 de Maio de 2008, a Autora foi notificada da Informação nº 127-A.J.T./08 elaborada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, a qual procedeu a notificação dos elementos em falta, cfr. Doc.5 junto à p.i.




L. Em 16/07/2008, a Autora veio recorrer judicialmente do acto praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que autorizou a aplicação da cláusula anti-abuso, prevista no art. 38º, nº 2 da LGT, melhor identificado na alínea H., cfr. fls. 1 da p.i.




M. No Relatório Final referido em G., foram proferidas as seguintes Conclusões:

«texto no original»





N. Em 29 de Janeiro de 2004, a E...., S.A., até à referida data detentora dos títulos obrigacionistas relativos à E..., S.A., procedeu à alienação integral destas obrigações por si detidas e valorizadas, para efeitos da respectiva alienação, em USD 344.465.936,11 (com o respectivo contravalor da operação venda de € 274.155.590,22) à sociedade E.... .... Limited (E.... IS), cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 22/23, junto à p.i.;

O. No dia 29 de Dezembro de 2004, foi efectuada a Escritura de Dissolução e Liquidação de sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira, E...., Lda., sendo que todos os valores apurados para efeitos contabilísticos e fiscais são reportados à data de 15 de Dezembro desse ano, na medida em que é esta a data de referência de fim de exercício económico (e fiscal) desta sociedade alvo de dissolução, cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 30/31, junto à p.i.;

P. Em 30 de Maio de 2005, a Autora procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2004, cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 92/93, junto à p.i.;


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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO:

Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos, bem como do processo administrativo em apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.


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II.2. De Direito

Nos presentes autos, vem a Autora requerer a anulação do acto de autorização do SEAF supra identificado, para aplicação da norma anti-abuso, por vício de forma e/ou vício de lei.
Assim, as questões decidendas, a apreciar nos presentes autos, reconduzem-se a saber se o acto recorrido padece dos seguintes vícios:

1) Vícios de forma:

- Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização;

- Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”.

2) Vícios de lei:

- Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos;

- Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento de próprio para a aplicação de disposições anti-abuso;

- Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT.

Nos presentes autos está em causa a cláusula geral anti-abuso, introduzida no ordenamento jurídico português (artigo 32º-A do Código de Processo Tributário, vigente à data) pelo artigo 51º, nº 7, da Lei n° 87-B/98, de 31/12, transitando mais tarde para a Lei Geral Tributária (artigo 38º, nº 2).
Refere a doutrina que é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil de vislumbrar.
Nesta linha de busca das formas possíveis de minimização dos impostos a doutrina aponta três vias: a gestão ou planeamento fiscal; a evasão ou elisão fiscal; e a fraude fiscal.(1)
A primeira delas consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais.(2)
Nestes termos, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação, tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei.(3)
A segunda via - da evasão ou elisão fiscal - caracteriza-se pela prática de actos ou negócios lícitos mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, assim devendo qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos. Também caracterizados como comportamentos "extra legem", em contraposição com a via da fraude fiscal, caracterizada como "contra legem". Dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadania, situações que se fundam em causas de carácter político, económico, psicológico e técnico. As formas utilizadas giram em torno de actos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei (vg. Utilização do regime especial de tributação dos grupos de sociedades – art. 63º e seg. do CIRC – através de produção de menos valias ou da utilização de benefícios fiscais através da transmissão de prejuízos) ou interpretando-a com fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente, designadamente aproveitando-se da existência de jurisdições fiscais diferentes para escolher, apenas por motivações de diminuição do imposto a pagar, a localização mais favorável para a residência de pessoas singulares ou colectivas ou para nelas instalar "estruturas" que não desempenham outra função que não seja permitirem essa diminuição.(4)
A terceira via – da fraude fiscal – caracteriza-se pela realização de actos ou negócios ilícitos frontalmente contrários à lei fiscal, por isso mesmo também designados como "contra legem". São exemplo desta via de minimização dos impostos a não entrega ao Estado dos tributos cobrados a terceiros, a obtenção de reembolsos de tributos indevidos, a alteração ou ocultação de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou de declarações fiscais, ou a existência de negócios simulados, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza.
É, pois, neste contexto, que os Estados se preocupam com a tomada de medidas visando combater os comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos através das designadas cláusulas específicas anti-abuso, e cláusulas gerais anti-abuso, de que é exemplo a norma contida no artigo 38º, n° 2 da LGT, em causa nos presentes autos.


Começaremos a nossa apreciação pelos apontados vícios de violação de lei, pois a sua, eventual, procedência propicia ao interessado tutela mais estável e eficaz, uma vez que, em geral, impede a renovação do acto.

Pelo que se conhecerá primeiro do vício da violação do prazo de caducidade do início de procedimento de próprio para a aplicação de disposições anti-abuso, e caso o referido vício improceda, os restantes vícios assacados ao acto.

- Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso

Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse mesmo prazo. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e segurança jurídica e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis.

Assim, a caducidade do direito acarreta a competente extinção do mesmo.

A Autora vem invocar que na data de instauração do procedimento, já havia decorrido o prazo de três anos previsto na lei para a abertura do procedimento. E que, nestes termos, o acto recorrido, que determinou a possibilidade da aplicação da norma anti-abuso, enquanto acto destacável passível de recurso contencioso autónomo, enferma de um manifesto vício de violação da lei com fundamento na preterição de uma condição essencial, o prazo de caducidade.

Para defender o seu entendimento, a Autora alega que a primeira transacção a que alude o Projecto de Relatório refere-se a uma alienação pela Autora de obrigações que detinha numa sociedade brasileira (E..., S.A.), ocorrida em Janeiro de 2004.

A última transacção mencionada no referido Projecto de Relatório ocorre em 29 de Dezembro de 2004, com a dissolução e liquidação da sociedade E.... ...., LDA.

Nessa medida, o inspector tributário responsável pelo Projecto de Relatório propunha à data da sua elaboração, 22 de Janeiro de 2008, aos seus superiores hierárquicos a instauração do procedimento próprio a que alude o art. 63º do CPPT.

Nessa mesma data, o superior hierárquico proferiu despacho em que concordou com o Projecto de Relatório e determinou, também em 22 de Janeiro de 2008, a instauração do solicitado «procedimento próprio/autónomo», ordenando a notificação da Autora «nos termos do artigo 63º, nº 1, 4, 5 e 6 do CPPT»

A Autora foi então notificada da instauração do procedimento próprio para aplicação das normas anti-abuso e para exercer o seu direito de audição prévia sobre o Projecto de Relatório, direito que exerceu e onde sustentou que em termos formais não seria possível utilizar este procedimento anti-abuso porque já decorreu o prazo de caducidade.

Por sua vez, o R. Secretário de Estado dos Assuntos fiscais, na sua contestação, e com base no que se refere no Relatório Final da Inspecção, tem o entendimento de que o procedimento regulado no artigo 63º do CPPT foi aberto pela Ordem de Serviço nº …….145, despachada em 19 de Março de 2007 e notificada ao contribuinte em 17/04/2007.

Do mesmo modo, e como se conclui também no Relatório Final, o recorrido vem defender que o acto jurídico que determina a aplicação da disposição anti-abuso prevista no art. 38º, nº 2, da LGT e que inicia a contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT é o da declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia.

De onde decorre, no seu entender, que o acto jurídico que implica a aplicação “in casu” da norma antiabuso consagrada no nº 2 do art. 38º da LGT é o acto de dedução declarado pela A. ao abrigo do art. 46º do CIRC e a declaração como custo fiscal da menos-valia. Pelo que só esse momento é relevante para efeitos do nº 3 do art. 63º do CPPT.

Estando em causa no caso em apreço, um acto complexo de execução continuada – ou, se quisermos, uma “step transaction” -, só findo (ou concluído) que seja esse acto se pode contabilizar aquele prazo legal de três anos. Só então o “puzzle” está completo e a operação elisiva é perceptível como tal.

E assim sendo, é patente que o direito conferido à Administração Tributária para abertura do procedimento foi exercido tempestivamente. Pelo que não se verifica a arguida “caducidade”.

Vejamos.

Antes de mais, importa ter presente o disposto no art. 63º, do CPPT, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que dispunha:

Artigo 63.º


Aplicação das normas antiabuso


1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.
2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.



3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.(5)


4 - A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei.


5 - O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito.


6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.


7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.
8 - As disposições não serão aplicáveis se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de seis meses.



9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá:


a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;


b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente;


c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.


10 - A autorização referida no n.º 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.





Decorre, pois, do nº 3 do art. 63º do CPPT, que o procedimento pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.


Não sendo controvertido o prazo de 3 anos, o mesmo não se pode dizer quanto à data do início do procedimento, como supra evidenciámos.


O recorrido, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais vem defender que o início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT é o da declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia, pois no seu entender, o acto jurídico que implica a aplicação “in casu” da norma antiabuso consagrada no nº 2 do art. 38º da LGT é o acto de dedução declarado pela A. ao abrigo do art. 46º do CIRC e a declaração como custo fiscal da menos-valia. Pelo que só esse momento é relevante para efeitos do nº 3 do art. 63º do CPPT. Isto porque, estando em causa no caso em apreço, um acto complexo de execução continuada – ou, se quisermos, uma “step transaction” -, só findo (ou concluído) que seja esse acto se pode contabilizar aquele prazo legal de três anos. Só então o “puzzle” está completo e a operação elisiva é perceptível como tal. Conclui que o direito conferido à Administração Tributária para abertura do procedimento foi exercido tempestivamente. Pelo que não se verifica a arguida caducidade.

Adianta-se, desde já que, nesta questão, assiste razão ao recorrido.

Dispondo o nº 3 do art. 63º do CPPT, que o procedimento pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso, devemos interpretar a referida norma quando refere “a realização do acto” ou “da celebração de negócio jurídico”.


Vejamos o que diz a nossa melhor doutrina.


«A noção de acto jurídico é, na linguagem da norma, propositadamente ampla, visando toda e qualquer acção ou conduta humana à qual sejam atribuídos efeitos jurídicos, tal como sucede com a maioria das abordagens gerais anti-abusivas. Abrange como tal todo o vasto leque de comportamentos humanos, das operações às declarações, que possam permitir atingir o desiderato do ganho fiscal.(6) Quando envolvam acordos de vontades, estaremos no domínio do negócio jurídico, igualmente previsto na norma.


(…)


Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é hipótese porventura mais comum, formar um conjunto – conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida – uma estrutura – importando conhecer agora os respectivos traços.


A doutrina e jurisprudência britânicas que, como se viu, com mais profundidade desenvolveram o tema, e cuja influência noutros ordenamentos jurídicos é conhecida, apurou a verificação dessa unidade quando – step-by-step doctrine – no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado. E tal sucederá, ainda que não exista acordo expresso em tal sentido, conquanto exista um circunstancialismo económico-prático, do qual se possa concluir que os actos posteriores ao primeiro não deixariam de ser levados a efeito.


Não vemos razões para decidir em sentido diverso, no caso português.


Pode comprovar-se a lógica intrínseca no conjunto dos actos praticados quando, pela busca das finalidades da estrutura jurídica em análise (finalidades económica e fiscal) e ainda que os actos ou negócios sejam cronologicamente não coincidentes ou mesmo relativamente distantes, se constate a existência de uma montagem jurídica com tal finalidade.


A delimitação do objecto sobre o qual vai funcionar a CGAA, retira-se pois, quer do apuramento de facto de actos ou negócios praticados pelo contribuinte, quer pela relação de interdependência que entre eles se estabeleça, comprovando os laços que os ligam, de um ponto de vista lógico e finalístico.»(7)





Também no domínio jurisprudencial, encontramos as declarações como sendo um acto jurídico, nos termos e para os efeitos do art. 63º, nº 3 do CPPT.


A título de exemplo, veja-se o Acórdão do CAAD no Proc. 123/2012-T, que teve como Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e onde se escreveu:


«O artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, originariamente, dispunha que este apenas podia ser aberto “no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”.


Na redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1-1-2009, aquele artigo 63.º, n.º 3, passou a estabelecer que o procedimento de aplicação de normas antiabuso “pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso”. Com a excepção da entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, os demais actos ou negócios jurídicos praticados pelos sujeitos passivos(8) ocorreram antes (o último a 22-7-2008) da entrada em vigor da nova lei que difere temporalmente o início da contagem do prazo.»





Temos, pois, que concluir que, no caso concreto, o início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, é o dia 30 de Maio de 2005, data em que foi efectuada a declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia (cfr. alínea P. do probatório), ou melhor dito, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2004.


Isto, porque é o acto e o momento da relevação, de âmbito declarativo, da dedução fiscal referente à menos valia gerada e apurada e, paralelamente, da dedução do resultado apurado com a liquidação da sociedade, pertencente ao Grupo E.... (E.... I....., Lda).





Aqui chegados, importa, ainda decidir qual a data da instauração do procedimento, para podermos determinar, se nessa data, já havia decorrido o prazo de três anos previsto na lei para a abertura do procedimento.


A data da instauração do procedimento é controvertida.


O recorrido Secretário de Estado dos Assuntos fiscais, com base no que se refere no Relatório Final da Inspecção, tem o entendimento de que o procedimento regulado no artigo 63º do CPPT foi aberto pela Ordem de Serviço nº …..145, despachada em 19 de Março de 2007 e notificada ao contribuinte em 17/04/2007.

Mas não tem razão.

Conforme alínea B. do probatório, a Autora foi objecto de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, autorizada pela Ordem de Serviço n.º …..145, de 19 de Março de 2007, respeitante ao exercício de 2004.

Ora, sendo um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, temos de concluir que não foi o referido procedimento e/ou Ordem de Serviço que abriu o procedimento regulado pelo art. 63º do CPPT, que é um procedimento próprio e autónomo.

Mas se dúvidas houvesse (que não há!) bastaria atentar no que foi escrito no Projecto de Relatório elaborado em 22 de Janeiro de 2008, para efeitos do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 63º do CPTT:

Assim, o procedimento foi instaurado em 22 de Janeiro de 2008, até porque foi nesse dia que - para além do mais, constante do probatório (alíneas C. e D.) -, o Autor foi notificado, através do Ofício n.º 00210, de 22.01.2008, nos termos dos nºs 4 e 5 do Artigo 63.ºdo CPPT, para «exercer(em) o direito de Audição Prévia, sobre o Projecto de Relatório, elaborado na sequência da aplicação das normas constantes dos Artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT.», cfr. alínea E. do probatório.

Convém realçar que, ainda que se entenda que o procedimento só foi instaurado na data do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contendo o acto de autorização, isto é, 11 de Abril de 2008 (cfr. alínea H. do probatório), a referida data conduziria, exactamente, ao mesmo resultado, que veremos de seguida.

Aqui chegados, em que sabemos que a data de início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, é o dia 30 de Maio de 2005 e que o referido procedimento foi instaurado em 22 de Janeiro de 2008, forçoso é concluir que o procedimento próprio foi instaurado tempestivamente, isto é, que o procedimento foi aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

Pelo que não se verifica a violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso, improcedendo o presente fundamento de recurso.

- Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos

Entende o Autor que à data da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso e consequentemente ser «efectivada a correcção técnica ao resultado tributável de IRC do exercício de 2004 pela liquidação do montante proposto», já o prazo de caducidade para a liquidação dos tributos estaria ultrapassado e, assim, violar-se-ia o art. 63º, nº 3, do CPPT e art.45º, nº 1, in fine da LGT, pelo que deve o mesmo acto ser anulado, com as devidas consequências legais.

A presente questão prende-se com a questão apreciada anteriormente e que foi decidida desfavoravelmente à pretensão do Autor, por se ter concluído que o procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT foi instaurado tempestivamente, pelo que remetemos para o já decidido, evitando, assim, repetições inúteis.

Ainda assim, sempre se dirá, que o prazo previsto no art. 63º, nº 3 do CPPT e no art. 45º, nº 1, da LGT, são prazos distintos, estabelecidos para diferentes efeitos.

«No entanto, a fixação de um prazo mais curto do que o prazo normal de liquidação de tributos (que é de quatro anos, nos termos do n.° 1 do art. 45.° da LGT) consubstancia uma opção legislativa cujo fundamento não é claro, pois, tendo a aplicação de disposições antiabuso apenas efeitos tributários, não afectando a validade dos actos ou negócios realizados, não existirão especiais razões de segurança jurídica que justifiquem que não seja aplicado apenas o prazo normal de caducidade do direito de liquidação dos tributos . De qualquer forma, uma vez iniciado o procedimento e mesmo sem qualquer notificação ao contribuinte relativa ao seu início, não há um prazo especial para o terminar, podendo a liquidação ser feita enquanto não caducar o direito de liquidação(9)(10)

Pelo que forçoso é concluir que à data, quer da instauração do procedimento, quer da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de quatro anos para liquidar o tributo, previsto no nº 1 do art. 45º da LGT.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

- Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT

Entende o Autor que o acto de autorização em crise deve entender-se viciado por manifestamente não estarem verificados no caso sub judice os pressupostos fácticos e jurídicos para a aplicação da norma anti-abuso do art. 38º, nº 2 da LGT, de que depende a concessão da autorização para a sua aplicação. De facto, a aplicação desta disposição não deveria ser autorizada quando não se verificaram sequer os pressupostos que a própria norma legal exige.

Vejamos o que dispõe o art. 38º, nº 2, da LGT, na redacção resultante da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro:

Artigo 38.º


Ineficácia de actos e negócios jurídicos


1 – (…)


2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.





A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são:


1 - O elemento meio – o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;


2 – O elemento resultado – o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal dos impostos;


3 – O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;


4 – Elemento normativo – o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas.


Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal.(11)


O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão.





Retornando ao caso concreto, importa, pois, que analisemos da existência dos identificados pressupostos.


Em face do exposto no Relatório Final, o que não é aceite por parte da Administração Tributária assenta na prática de manipulação da forma jurídica de que foram alvo os juros das obrigações por parte da E...., S.A., quando esta mesma entidade classifica tais rendimentos na sua respectiva esfera fiscal enquanto resultado de liquidação de sociedade e não como o que os mesmos em substância são de facto respeitantes: isto é, juros. Adicionalmente, também o meio – alienação das obrigações – utilizado para conseguir tal fim, designadamente o seu resultado – menos valia – se coloca também crise.


Quanto ao primeiro pressuposto enunciado, relevam para a respectiva análise os meios utilizados e a forma essencial ou primacialmente artificiosa ou fraudulenta com que o são, visando a minimização dos impostos.


O resultado de liquidação em vez de juros, teve como objecto a obtenção de uma vantagem fiscal.


Ao distorcer a operação através da utilização artificiosa das empresas E.... Finance, BV, ED IS e E.... , L.da, na referida operação e através do consequente tratamento, indevido, dos proveitos inerentes à operação como resultado de liquidação, a E...., S.A., conseguiu anular a carga fiscal a que a operação em causa, em condições normais estaria sujeita.


Adicionalmente, evidencia nas suas contas, de forma artificiosa uma menos valia com a alienação das obrigações da E..., indispensável à geração de qualquer proveito tributável, sendo o valor de recebimento conexo com tal alienação nada mais do que o reembolso do capital que a E...., S.A. proveu, no sentido de operacionalizar toda a operação, cfr. alíneas G. e M. do probatório.


Pelo que se considera que a factualidade provada, preenche o primeiro dos pressupostos (elemento meio) de aplicação do art. 38º, nº 2 da LGT, ao caso concreto.





Quanto ao segundo pressuposto – elemento resultado – julgamos que, igualmente, se mostra preenchido.


A sociedade E...., S.A. poderia não realizar a operação em questão, não envolvendo as sociedades E.... IS, E.... Finance, BV e E.... ., L.da, conseguindo, no entanto, obter os mesmos rendimentos económicos (ou seja, os juros das obrigações que detinha antes de realizar toda a operação), ver ponto 3.2 do Relatório.


De facto, a transferência/alienação do activo financeiro não se revestiu de qualquer objectivo conexo, quer com a geração e realização de ganhos (antes vieram a realizar uma perda), quer ainda com outra qualquer aplicação de natureza financeira que não fosse a transformação de ganhos efectivamente tributáveis (juros, neste caso de obrigações) em ganhos não tributados (resultado da liquidação de sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira), objectivo esse que foi, em simultâneo, na esfera do sujeito passivo, acrescido da obtenção e realização de uma perda (menos valia decorrente da alienação das obrigações) que, na realidade, se mostrou dispensável, por não conexa com a formação de qualquer proveito tributável, cfr. alíneas G. e M. do probatório.





Quanto ao terceiro pressuposto – elemento intelectual – julgamos encontrar-se demonstrado no Relatório (pontos 2.2, 2.3 e 3. B


2) que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um predominante fim fiscal em que se provou que o resultado da liquidação apurado na esfera da E...., S.A. se consubstancia de facto como o recebimento dos juros provenientes das obrigações.


Sendo que, supletivamente, a menos-valia será consubstanciada no meio para alcançar aquele fim.


Pelo que o terceiro pressuposto de aplicação do art. 38º, nº 2, da LGT, também se encontra preenchido.





Em relação ao quarto pressuposto – elemento normativo – julgamos existir uma reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, pois com estas operações, o sujeito passivo procura evitar que sejam tributadas situações que a lei fiscal visa tributar, como é o caso dos juros.


O que aqui se verificou foi uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado que não existiu qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção das empresas E.... Finance, BV, E.... IS e E.... I....., L.da em toda esta operação, que não a referida poupança fiscal, com a totalidade dos benefícios económicos que decorrem para o sujeito passivo.


Assim, o contorno da lei permitiu ao contribuinte atingir os efeitos económicos equivalentes sem ser tributado.


Pelo que o presente pressuposto se encontra, igualmente, verificado.





Estando os quatro pressupostos verificados, para a aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários da dedução fiscal do resultado de liquidação, bem como da dedutibilidade fiscal da menos-valia conexa com a operação e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros.





Alega, ainda, o Autor, que o art. 38º, nº 2 da LGT, interpretado de modo a permitir à Administração Fiscal a requalificação unilateral de actos e negócios jurídicos dos particulares num sentido contrário àquele que estes, no legítimo exercício da sua autonomia privada, efectivamente pretenderam e realizaram, viola o disposto nos artigos 26º, 61º, 62º e 103º da CRP.


Mas não tem razão.


A Administração Fiscal apenas se limitou, por imposição do princípio da legalidade, a corrigir os efeitos tributários que a Autora pretendia dar aos mesmos, por não estarem em conformidade com a lei fiscal.


Pelo que não foi violado nenhum dos alegados preceitos constitucionais.


Face ao exposto, improcede o invocado vício do erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT.




Tal enquadramento contextual é assim consubstanciado na desconsideração da dedução prevista nos nºs 1 e 7 do art. 46º do CIRC, relativamente ao resultado de liquidação da sociedade E.... I...., L.da e na tributação de juros com base no que se encontra preceituado na alínea c) do nº 1 do art. 20º do mesmo diploma legal, no montante de € 19.332.698,20, relativamente ao exercício de 2004.


Adicionalmente, e de forma simultânea, consubstancia-se ainda na desconsideração da dedução prevista na alínea i) do nº 1 do art. 23º do CIRC (menos-valias realizadas), relativamente à menos-valia fiscal apurada com a alienação (por parte do sujeito passivo, tendo por destino a sociedade E.... IS) das obrigações da E..., no valor que ascende à quantia de € 2.295.033,51.





Importa, agora, apreciar os invocados vícios de forma.


- Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização;

Alega a Autora, a violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização, o qual contêm uma suposta fundamentação por remissão, que é insuficiente, ao contrário do que exige o procedimento próprio/autónomo definido para a aplicação de disposições anti-abuso, aquele acto de autorização carece de ser anulado por estar ferido do vício de forma por falta de fundamentação própria.


Vejamos o que dispõe os nºs 7 e 9 do art. 63º do CPPT:


7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.
8 – (…)



9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá:


a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;


b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente;


c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.


Vejamos, agora, o Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 217/2008, de 11/04/2008, cujo conteúdo se encontra totalmente reproduzido na alínea H. do probatório, e de onde se extrai o seguinte:

1. Considerando o relatório final da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária e contendo este todos os elementos constantes do n.° 9 do artigo 63.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPTT), necessários para a aplicação do n.° 2 do artigo 38.° da Lei Geral Tributária (LGT), à situação em apreço.
2. Tendo em conta o direito de audição apresentado pela E.... — Energias de Portugal, SA, exigido pelo n.° 4 do artigo 63.° do CPPT.
3. Autorizo a aplicação do disposto na Cláusula Anti-Abuso, prevista no n.° 2 do artigo 38.°da LGT, de forma a ser efectivada a correcção técnica ao resultado tributável de IRC do exercício de 2004 pela liquidação do montante proposto.

Da leitura do referido despacho, e ao contrário do alegado pela Autora, o SEAF autoriza a aplicação da cláusula anti-abuso, atendendo ao constante no Relatório Final, ou seja, com os fundamentos que do mesmo constam.


Pode ler-se, ainda, que o acto de autorização considera a fundamentação do Relatório Final, e por o mesmo conter todos os elementos constantes do nº 9 do art. 63º do CPPT e necessários para aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT.


Não tem, assim, qualquer suporte legal, a alegação da Autora de violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização.


Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.


- Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”.

Vem a Autora alegar violação do disposto no artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c), do CPPT em virtude da falta de «descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados» conforme exige o procedimento próprio/autónomo definido para a aplicação de disposições anti-abuso, o acto de autorização carece de ser anulado por estar ferido do vício de forma por falta de fundamentação.


Vejamos.


Embora a Autora reconheça ao Relatório Final «uma minuciosa descrição das operações e da alegada “intenção” da Autora de defraudar a lei», entende que o mesmo em momento algum parece apresentar quais seriam as “formas jurídicas” alternativas ao dispor da Autora para obter os efeitos económicos que a mesma pretendia com o conjunto de transacções efectuadas.


Mas, mais uma vez, a Autora não tem razão.


A Administração Tributária no Relatório Final apresentou formas jurídicas que poderiam ter sido utilizadas se não fosse a intenção de reduzir o imposto a pagar.


Foi explicitado que o contribuinte poderia não ter efectuado a operação – desde logo, poderia não ter procedido à alienação das obrigações, mantendo-as no seu activo, e conseguindo desse modo, os mesmos rendimentos económicos, correspondentes aos juros dessas obrigações.


Veja-se a pag. 73 do Relatório Final, onde ao clarificar a verificação dos pressupostos da cláusula anti-abuso, e sobre o pressuposto que designou por “vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas – elemento resultado”, onde se escreveu: «o elemento resultado encontra-se presente quando «…se comprove a característica especial da equivalência de resultados não fiscais (ou económicos) a que não corresponde uma equivalente oneração tributária”, verificando-se tal equivalência quando os actos efectivamente praticados por parte do sujeito passivo sejam passíveis de ser substituídos, nos seus efeitos, pelos actos normais tributados.


Ora, tal sucede na situação em concreto, conforme foi demonstrado no ponto 3.2, na directa medida em que a sociedade E...., SA, poderia não realizar a operação em questão, não envolvendo as sociedades E.... IS, E.... Finance BV e E.... I..... Lda., conseguindo, no entanto, obter os mesmos rendimentos económicos (ou seja, os juros das obrigações que detinha antes de realizar toda a operação)»


Para além desta, a fundamentação em causa encontra-se desenvolvida ao longo de todo o Relatório. Vejam-se, também, os pontos 67 e 68 da pág. 96.


Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.





Em suma, temos de concluir, como no Relatório Final , que a Administração Tributária demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios.





Pelo que improcede na totalidade o presente recurso.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa e, consequentemente, absolver a entidade demandada do pedido, confirmando o despacho objecto dos autos (alínea H.do probatório).

Valor da acção para efeito de custas: € 30.000,01 (artigo 34.º do CPTA).

Custas a cargo da Autora.

Registe e Notifique.



Lisboa, 27 de Outubro de 2022


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Hélia Gameiro Silva]


(1)"Fiscalidade", de Freitas Pereira, Manuel Henrique, Almedina, 2a edição, 2007, pág. 401.

(2)De que são exemplo a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no IRS; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de IRC; opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em IRC.
(3) "Manual de Direito Fiscal", de Saldanha Sanches, J. L., Coimbra Editora, 3a edição, 2007, pág. 159.

(4)Manuel Henrique de Freitas Pereira, ob.cit., pág.423 e seg.

(5)Negrito nosso.
(6) Sublinhado nosso.

(7)A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, Contributos Para a Sua Compreensão, Gustavo Lopes Courinha, Ed. Almedina, 2009, págs.166/167.

(8) Sublinhado nosso.

(9)Anotação nº 4 (pág. 582) ao art. 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 6ª Edição 2011
(10)Sublinhado nosso.
(11)J.L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág. 169 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso, Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.165 e seg.