Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2557/08.9BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/27/2022 |
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Relator: | LURDES TOSCANO |
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Descritores: | CLÁUSULA ANTI-ABUSO CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO |
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Sumário: | I - O procedimento próprio, previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, foi instaurado tempestivamente, isto é, o procedimento foi aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso. Pelo que não se verifica a violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso. II – Conclui-se que à data, quer da instauração do procedimento, quer da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de quatro anos para liquidar o tributo, previsto no nº 1 do art. 45º da LGT. III - Estando os quatro pressupostos verificados, para a aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários da dedução fiscal do resultado de liquidação, bem como da dedutibilidade fiscal da menos-valia conexa com a operação e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros. IV - O acto de autorização considera a fundamentação do Relatório Final, e por o mesmo conter todos os elementos constantes do nº 9 do art. 63º do CPPT e necessários para aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT. Não tem, assim, qualquer suporte legal, a alegação da Autora de violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização. V - A Administração Tributária no Relatório Final apresentou formas jurídicas que poderiam ter sido utilizadas se não fosse a intenção de reduzir o imposto a pagar. VI - A Administração Tributária demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO E...., S.A., com melhor identificação nos autos vem, ao abrigo do disposto no art. 63º, nº 10, do CPPT, artigos 95º, nº 1 e 2, alínea h) da LGT, artigos 46 e sgs. e 58º, nº 2, alínea b), do CPTA, aplicáveis ex vi do art. 97º, nº 2 do CPPT, recorrer judicialmente do acto praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que autorizou a aplicação da cláusula anti-abuso, prevista no artigo 38º, nº 2, da LGT (despacho nº 217/2008- XVII). A Autora assaca ao acto os seguintes vícios: 1) Vícios de forma: A) Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização; B) Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”.
2) Vícios de lei: A) Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos; B) Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso; C) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT. E, termina pedindo a anulação do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ora impugnado, por vício de forma e/ou vício de violação de lei, com as devidas consequências legais.
Citado, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio apresentar a contestação onde defende que não se verifica a arguida “caducidade” tal como não se verifica a alegada “violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos”, defendendo as conclusões do Relatório Final, nomeadamente, que a Administração demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios. Termina, pedindo que o Réu seja absolvido do pedido, com as legais consequências.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 85.º, nº 5, do CPTA tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido de que a acção deve ser julgada improcedente. Foram as partes notificadas do referido parecer, tendo a A. apresentado requerimento, e o R. sido notificado para se pronunciar sobre o mesmo. Apresentado requerimento pelo R., a A. apresentou novo requerimento. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, constante a fls. 320 dos autos. Foram as partes notificadas para apresentarem alegações, nos termos do artigo 91.º, n.ºs 4 a 6, do CPTA. O Autor, E...., SA. terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: A Entidade Demandada, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou as suas alegações, mas não formulou conclusões, tendo a final das mesmas escrito o seguinte: «Como decorre do exposto, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº212/2008-XVII, de 11-4-2008, não padece de qualquer vício, traduzindo a correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que deve mantido e confirmado na ordem jurídica. Nestes termos, considerando a prova de todo o alegado, que produzida pela Administração e que incorpora o PA, e com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve o R. ser absolvido do pedido, com as legais consequências.» *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência. *** II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. De Facto Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A. A sociedade E...., S.A., NIPC: ……256, CAE: 40130, Actividade Desenvolvida: Distribuição e Comércio de Electricidade, quanto ao enquadramento fiscal, em termos de IRC encontra-se enquadrado e tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (R.E.T.G.S.), constituindo-se como a sociedade dominante do respectivo grupo empresarial. Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrado no regime normal, periodicidade mensal, com direito à dedução total do imposto suportado nas aquisições, cfr. nºs 1.1.2.1 e 1.1.2.2. do Relatório, cfr. Doc.1 junto à p.i.;
B. A Autora foi objecto de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, autorizada pela Ordem de Serviço n.º OI200700145, de 19 de Março de 2007, respeitante ao exercício de 2004, cfr.Doc. nº 7 junto à p.i;
C. Em 22 de Janeiro de 2008, foi elaborado Projecto de Relatório elaborado para efeitos do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 63º do CPPT, sob o assunto «Aplicação de normas anti-abuso relativamente aos efeitos tributários decorrentes da operação de liquidação da sociedade E.... ...., L.da, bem como da operação, que a precede, de alienação de obrigações relativas à sociedade E…, S.A., realizada entre a E...., S.A. e a E.... .... Ltd - Exercicio Fiscal de 2004», no qual consta, além do mais, o seguinte:
«texto no original» Cfr. Doc.2 junto à p.i., que se dá por totalmente reproduzido.
D. Em 22.01.2008, o Director de Serviços da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, exarou no Relatório a que alude a al.C., o seguinte despacho: «1. Concordo. 2. Notifique-se o contribuinte nos termos do artigo 63.º, n.º 1, 4, 5 e 6 do CPPT». Cfr. Doc.2 junto à p.i.
E. Através do Ofício n.º 00210, de 22.01.2008, a Autora foi notificada, nos termos dos nºs 4 e 5 do Artigo 63.ºdo CPPT, para «exercer(em) o direito de Audição Prévia, sobre o Projecto de Relatório, elaborado na sequência da aplicação das normas constantes dos Artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT.» (cfr. doc. junto ao PAT não numerado)
F. Em 22/02/2008, a Autora tendo sido notificada do projecto de relatório de inspecção tributária «com respeito à aplicação de norma anti-abuso relativamente aos efeitos tributários da (i) liquidação da sociedade E.... I....essoal, LDA e (ii) alienação de obrigações entre a E...., S.A. e E.... Investment and Services, LTD no exercício de 2004,» veio, ao abrigo do disposto no artigo 63º, nºs 4, 5 e 6 do CPPT, exercer o direito de audição prévia relativamente às correcções nele propostas, (cfr. Doc. 3 junto à p.i., que se dá por integralmente reproduzido).
G. Em 4 de Março de 2008, foi elaborado Relatório Final, sob o assunto: «Proposta de aplicação de Normas Anti-Abuso relativamente aos efeitos tributários decorrentes da operação de liquidação da sociedade E....- ...., L.da, bem como da operação, que a precede, de alienação das obrigações relativas à sociedade E..., SA, realizada entre a E...., S.A. e a E.... .... Ltd - Exercicio Fiscal de 2004», cfr. Doc. 1 junto à p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
H. O Relatório Final foi submetido a autorização, a qual foi concedida pelo Despacho nº 217/2008-XVII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), datado de 11 de Abril de 2008, o qual que se passa a reproduzir, cfr. Doc. 1 junto à p.i.: “(texto integral no original; imagem)” I. Em 15 de Abril de 2008, a Autora foi notificada do Relatório Final e do acto de autorização do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para a aplicação do disposto no artigo 38º, nº 2 da LGT, cfr. Doc. 1 junto à p.i.
J. Em 12 de Maio de 2008, após a notificação do Relatório Final, a Autora apresentou um requerimento solicitando uma certidão de teor integral dos elementos em falta, por entender que a mesma não estava completa, por não conter todos os elementos relativos aos meios de defesa e prazos de reacção, cfr. Doc.4 junto à p.i.
K. No dia 28 de Maio de 2008, a Autora foi notificada da Informação nº 127-A.J.T./08 elaborada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, a qual procedeu a notificação dos elementos em falta, cfr. Doc.5 junto à p.i.
L. Em 16/07/2008, a Autora veio recorrer judicialmente do acto praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que autorizou a aplicação da cláusula anti-abuso, prevista no art. 38º, nº 2 da LGT, melhor identificado na alínea H., cfr. fls. 1 da p.i.
M. No Relatório Final referido em G., foram proferidas as seguintes Conclusões: «texto no original»
N. Em 29 de Janeiro de 2004, a E...., S.A., até à referida data detentora dos títulos obrigacionistas relativos à E..., S.A., procedeu à alienação integral destas obrigações por si detidas e valorizadas, para efeitos da respectiva alienação, em USD 344.465.936,11 (com o respectivo contravalor da operação venda de € 274.155.590,22) à sociedade E.... .... Limited (E.... IS), cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 22/23, junto à p.i.;
O. No dia 29 de Dezembro de 2004, foi efectuada a Escritura de Dissolução e Liquidação de sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira, E...., Lda., sendo que todos os valores apurados para efeitos contabilísticos e fiscais são reportados à data de 15 de Dezembro desse ano, na medida em que é esta a data de referência de fim de exercício económico (e fiscal) desta sociedade alvo de dissolução, cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 30/31, junto à p.i.;
P. Em 30 de Maio de 2005, a Autora procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2004, cfr. Relatório, Doc. 1, fls. 92/93, junto à p.i.; * * Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos, bem como do processo administrativo em apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra. *** II.2. De Direito Nos presentes autos, vem a Autora requerer a anulação do acto de autorização do SEAF supra identificado, para aplicação da norma anti-abuso, por vício de forma e/ou vício de lei. 1) Vícios de forma: - Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização; - Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”.
2) Vícios de lei: - Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos; - Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento de próprio para a aplicação de disposições anti-abuso; - Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT. Pelo que se conhecerá primeiro do vício da violação do prazo de caducidade do início de procedimento de próprio para a aplicação de disposições anti-abuso, e caso o referido vício improceda, os restantes vícios assacados ao acto.
- Da violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse mesmo prazo. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e segurança jurídica e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Assim, a caducidade do direito acarreta a competente extinção do mesmo. A Autora vem invocar que na data de instauração do procedimento, já havia decorrido o prazo de três anos previsto na lei para a abertura do procedimento. E que, nestes termos, o acto recorrido, que determinou a possibilidade da aplicação da norma anti-abuso, enquanto acto destacável passível de recurso contencioso autónomo, enferma de um manifesto vício de violação da lei com fundamento na preterição de uma condição essencial, o prazo de caducidade. Para defender o seu entendimento, a Autora alega que a primeira transacção a que alude o Projecto de Relatório refere-se a uma alienação pela Autora de obrigações que detinha numa sociedade brasileira (E..., S.A.), ocorrida em Janeiro de 2004. A última transacção mencionada no referido Projecto de Relatório ocorre em 29 de Dezembro de 2004, com a dissolução e liquidação da sociedade E.... ...., LDA. Nessa medida, o inspector tributário responsável pelo Projecto de Relatório propunha à data da sua elaboração, 22 de Janeiro de 2008, aos seus superiores hierárquicos a instauração do procedimento próprio a que alude o art. 63º do CPPT. Nessa mesma data, o superior hierárquico proferiu despacho em que concordou com o Projecto de Relatório e determinou, também em 22 de Janeiro de 2008, a instauração do solicitado «procedimento próprio/autónomo», ordenando a notificação da Autora «nos termos do artigo 63º, nº 1, 4, 5 e 6 do CPPT» A Autora foi então notificada da instauração do procedimento próprio para aplicação das normas anti-abuso e para exercer o seu direito de audição prévia sobre o Projecto de Relatório, direito que exerceu e onde sustentou que em termos formais não seria possível utilizar este procedimento anti-abuso porque já decorreu o prazo de caducidade.
Por sua vez, o R. Secretário de Estado dos Assuntos fiscais, na sua contestação, e com base no que se refere no Relatório Final da Inspecção, tem o entendimento de que o procedimento regulado no artigo 63º do CPPT foi aberto pela Ordem de Serviço nº …….145, despachada em 19 de Março de 2007 e notificada ao contribuinte em 17/04/2007. Do mesmo modo, e como se conclui também no Relatório Final, o recorrido vem defender que o acto jurídico que determina a aplicação da disposição anti-abuso prevista no art. 38º, nº 2, da LGT e que inicia a contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT é o da declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia. De onde decorre, no seu entender, que o acto jurídico que implica a aplicação “in casu” da norma antiabuso consagrada no nº 2 do art. 38º da LGT é o acto de dedução declarado pela A. ao abrigo do art. 46º do CIRC e a declaração como custo fiscal da menos-valia. Pelo que só esse momento é relevante para efeitos do nº 3 do art. 63º do CPPT. Estando em causa no caso em apreço, um acto complexo de execução continuada – ou, se quisermos, uma “step transaction” -, só findo (ou concluído) que seja esse acto se pode contabilizar aquele prazo legal de três anos. Só então o “puzzle” está completo e a operação elisiva é perceptível como tal. E assim sendo, é patente que o direito conferido à Administração Tributária para abertura do procedimento foi exercido tempestivamente. Pelo que não se verifica a arguida “caducidade”.
Vejamos. Antes de mais, importa ter presente o disposto no art. 63º, do CPPT, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que dispunha:
Artigo 63.º Aplicação das normas antiabuso 1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio. 3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.(5) 4 - A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei. 5 - O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito. 6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes. 7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência. 9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá: a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente; c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam. 10 - A autorização referida no n.º 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.
Decorre, pois, do nº 3 do art. 63º do CPPT, que o procedimento pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso. Não sendo controvertido o prazo de 3 anos, o mesmo não se pode dizer quanto à data do início do procedimento, como supra evidenciámos. O recorrido, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais vem defender que o início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT é o da declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia, pois no seu entender, o acto jurídico que implica a aplicação “in casu” da norma antiabuso consagrada no nº 2 do art. 38º da LGT é o acto de dedução declarado pela A. ao abrigo do art. 46º do CIRC e a declaração como custo fiscal da menos-valia. Pelo que só esse momento é relevante para efeitos do nº 3 do art. 63º do CPPT. Isto porque, estando em causa no caso em apreço, um acto complexo de execução continuada – ou, se quisermos, uma “step transaction” -, só findo (ou concluído) que seja esse acto se pode contabilizar aquele prazo legal de três anos. Só então o “puzzle” está completo e a operação elisiva é perceptível como tal. Conclui que o direito conferido à Administração Tributária para abertura do procedimento foi exercido tempestivamente. Pelo que não se verifica a arguida caducidade.
Adianta-se, desde já que, nesta questão, assiste razão ao recorrido. Dispondo o nº 3 do art. 63º do CPPT, que o procedimento pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso, devemos interpretar a referida norma quando refere “a realização do acto” ou “da celebração de negócio jurídico”. Vejamos o que diz a nossa melhor doutrina. «A noção de acto jurídico é, na linguagem da norma, propositadamente ampla, visando toda e qualquer acção ou conduta humana à qual sejam atribuídos efeitos jurídicos, tal como sucede com a maioria das abordagens gerais anti-abusivas. Abrange como tal todo o vasto leque de comportamentos humanos, das operações às declarações, que possam permitir atingir o desiderato do ganho fiscal.(6) Quando envolvam acordos de vontades, estaremos no domínio do negócio jurídico, igualmente previsto na norma. (…) Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é hipótese porventura mais comum, formar um conjunto – conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida – uma estrutura – importando conhecer agora os respectivos traços. A doutrina e jurisprudência britânicas que, como se viu, com mais profundidade desenvolveram o tema, e cuja influência noutros ordenamentos jurídicos é conhecida, apurou a verificação dessa unidade quando – step-by-step doctrine – no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado. E tal sucederá, ainda que não exista acordo expresso em tal sentido, conquanto exista um circunstancialismo económico-prático, do qual se possa concluir que os actos posteriores ao primeiro não deixariam de ser levados a efeito. Não vemos razões para decidir em sentido diverso, no caso português. Pode comprovar-se a lógica intrínseca no conjunto dos actos praticados quando, pela busca das finalidades da estrutura jurídica em análise (finalidades económica e fiscal) e ainda que os actos ou negócios sejam cronologicamente não coincidentes ou mesmo relativamente distantes, se constate a existência de uma montagem jurídica com tal finalidade. A delimitação do objecto sobre o qual vai funcionar a CGAA, retira-se pois, quer do apuramento de facto de actos ou negócios praticados pelo contribuinte, quer pela relação de interdependência que entre eles se estabeleça, comprovando os laços que os ligam, de um ponto de vista lógico e finalístico.»(7)
Também no domínio jurisprudencial, encontramos as declarações como sendo um acto jurídico, nos termos e para os efeitos do art. 63º, nº 3 do CPPT. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do CAAD no Proc. 123/2012-T, que teve como Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e onde se escreveu: «O artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, originariamente, dispunha que este apenas podia ser aberto “no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”. Na redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1-1-2009, aquele artigo 63.º, n.º 3, passou a estabelecer que o procedimento de aplicação de normas antiabuso “pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso”. Com a excepção da entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, os demais actos ou negócios jurídicos praticados pelos sujeitos passivos(8) ocorreram antes (o último a 22-7-2008) da entrada em vigor da nova lei que difere temporalmente o início da contagem do prazo.»
Temos, pois, que concluir que, no caso concreto, o início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, é o dia 30 de Maio de 2005, data em que foi efectuada a declaração fiscal da dedução do resultado apurado com a liquidação da E.... I....., Lda e da menos valia (cfr. alínea P. do probatório), ou melhor dito, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2004. Isto, porque é o acto e o momento da relevação, de âmbito declarativo, da dedução fiscal referente à menos valia gerada e apurada e, paralelamente, da dedução do resultado apurado com a liquidação da sociedade, pertencente ao Grupo E.... (E.... I....., Lda).
Aqui chegados, importa, ainda decidir qual a data da instauração do procedimento, para podermos determinar, se nessa data, já havia decorrido o prazo de três anos previsto na lei para a abertura do procedimento. A data da instauração do procedimento é controvertida. O recorrido Secretário de Estado dos Assuntos fiscais, com base no que se refere no Relatório Final da Inspecção, tem o entendimento de que o procedimento regulado no artigo 63º do CPPT foi aberto pela Ordem de Serviço nº …..145, despachada em 19 de Março de 2007 e notificada ao contribuinte em 17/04/2007. Mas não tem razão. Conforme alínea B. do probatório, a Autora foi objecto de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, autorizada pela Ordem de Serviço n.º …..145, de 19 de Março de 2007, respeitante ao exercício de 2004. Ora, sendo um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, temos de concluir que não foi o referido procedimento e/ou Ordem de Serviço que abriu o procedimento regulado pelo art. 63º do CPPT, que é um procedimento próprio e autónomo. Mas se dúvidas houvesse (que não há!) bastaria atentar no que foi escrito no Projecto de Relatório elaborado em 22 de Janeiro de 2008, para efeitos do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 63º do CPTT:
Assim, o procedimento foi instaurado em 22 de Janeiro de 2008, até porque foi nesse dia que - para além do mais, constante do probatório (alíneas C. e D.) -, o Autor foi notificado, através do Ofício n.º 00210, de 22.01.2008, nos termos dos nºs 4 e 5 do Artigo 63.ºdo CPPT, para «exercer(em) o direito de Audição Prévia, sobre o Projecto de Relatório, elaborado na sequência da aplicação das normas constantes dos Artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT.», cfr. alínea E. do probatório. Convém realçar que, ainda que se entenda que o procedimento só foi instaurado na data do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contendo o acto de autorização, isto é, 11 de Abril de 2008 (cfr. alínea H. do probatório), a referida data conduziria, exactamente, ao mesmo resultado, que veremos de seguida. Aqui chegados, em que sabemos que a data de início da contagem do prazo de abertura do procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT, é o dia 30 de Maio de 2005 e que o referido procedimento foi instaurado em 22 de Janeiro de 2008, forçoso é concluir que o procedimento próprio foi instaurado tempestivamente, isto é, que o procedimento foi aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso. Pelo que não se verifica a violação do prazo de caducidade do início de procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso, improcedendo o presente fundamento de recurso.
- Da violação do prazo de caducidade da liquidação de tributos Entende o Autor que à data da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso e consequentemente ser «efectivada a correcção técnica ao resultado tributável de IRC do exercício de 2004 pela liquidação do montante proposto», já o prazo de caducidade para a liquidação dos tributos estaria ultrapassado e, assim, violar-se-ia o art. 63º, nº 3, do CPPT e art.45º, nº 1, in fine da LGT, pelo que deve o mesmo acto ser anulado, com as devidas consequências legais. A presente questão prende-se com a questão apreciada anteriormente e que foi decidida desfavoravelmente à pretensão do Autor, por se ter concluído que o procedimento previsto no art. 63º, nº 3, do CPPT foi instaurado tempestivamente, pelo que remetemos para o já decidido, evitando, assim, repetições inúteis. Ainda assim, sempre se dirá, que o prazo previsto no art. 63º, nº 3 do CPPT e no art. 45º, nº 1, da LGT, são prazos distintos, estabelecidos para diferentes efeitos. «No entanto, a fixação de um prazo mais curto do que o prazo normal de liquidação de tributos (que é de quatro anos, nos termos do n.° 1 do art. 45.° da LGT) consubstancia uma opção legislativa cujo fundamento não é claro, pois, tendo a aplicação de disposições antiabuso apenas efeitos tributários, não afectando a validade dos actos ou negócios realizados, não existirão especiais razões de segurança jurídica que justifiquem que não seja aplicado apenas o prazo normal de caducidade do direito de liquidação dos tributos . De qualquer forma, uma vez iniciado o procedimento e mesmo sem qualquer notificação ao contribuinte relativa ao seu início, não há um prazo especial para o terminar, podendo a liquidação ser feita enquanto não caducar o direito de liquidação.»(9)(10) Pelo que forçoso é concluir que à data, quer da instauração do procedimento, quer da prática do acto de autorização do SEAF para aplicação da norma anti-abuso, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de quatro anos para liquidar o tributo, previsto no nº 1 do art. 45º da LGT. Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.
- Erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT Entende o Autor que o acto de autorização em crise deve entender-se viciado por manifestamente não estarem verificados no caso sub judice os pressupostos fácticos e jurídicos para a aplicação da norma anti-abuso do art. 38º, nº 2 da LGT, de que depende a concessão da autorização para a sua aplicação. De facto, a aplicação desta disposição não deveria ser autorizada quando não se verificaram sequer os pressupostos que a própria norma legal exige.
Vejamos o que dispõe o art. 38º, nº 2, da LGT, na redacção resultante da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro: Artigo 38.º Ineficácia de actos e negócios jurídicos 1 – (…) 2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1 - O elemento meio – o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2 – O elemento resultado – o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal dos impostos; 3 – O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4 – Elemento normativo – o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas. Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal.(11) O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão.
Retornando ao caso concreto, importa, pois, que analisemos da existência dos identificados pressupostos. Em face do exposto no Relatório Final, o que não é aceite por parte da Administração Tributária assenta na prática de manipulação da forma jurídica de que foram alvo os juros das obrigações por parte da E...., S.A., quando esta mesma entidade classifica tais rendimentos na sua respectiva esfera fiscal enquanto resultado de liquidação de sociedade e não como o que os mesmos em substância são de facto respeitantes: isto é, juros. Adicionalmente, também o meio – alienação das obrigações – utilizado para conseguir tal fim, designadamente o seu resultado – menos valia – se coloca também crise. Quanto ao primeiro pressuposto enunciado, relevam para a respectiva análise os meios utilizados e a forma essencial ou primacialmente artificiosa ou fraudulenta com que o são, visando a minimização dos impostos. O resultado de liquidação em vez de juros, teve como objecto a obtenção de uma vantagem fiscal. Ao distorcer a operação através da utilização artificiosa das empresas E.... Finance, BV, ED IS e E.... , L.da, na referida operação e através do consequente tratamento, indevido, dos proveitos inerentes à operação como resultado de liquidação, a E...., S.A., conseguiu anular a carga fiscal a que a operação em causa, em condições normais estaria sujeita. Adicionalmente, evidencia nas suas contas, de forma artificiosa uma menos valia com a alienação das obrigações da E..., indispensável à geração de qualquer proveito tributável, sendo o valor de recebimento conexo com tal alienação nada mais do que o reembolso do capital que a E...., S.A. proveu, no sentido de operacionalizar toda a operação, cfr. alíneas G. e M. do probatório. Pelo que se considera que a factualidade provada, preenche o primeiro dos pressupostos (elemento meio) de aplicação do art. 38º, nº 2 da LGT, ao caso concreto.
Quanto ao segundo pressuposto – elemento resultado – julgamos que, igualmente, se mostra preenchido. A sociedade E...., S.A. poderia não realizar a operação em questão, não envolvendo as sociedades E.... IS, E.... Finance, BV e E.... ., L.da, conseguindo, no entanto, obter os mesmos rendimentos económicos (ou seja, os juros das obrigações que detinha antes de realizar toda a operação), ver ponto 3.2 do Relatório. De facto, a transferência/alienação do activo financeiro não se revestiu de qualquer objectivo conexo, quer com a geração e realização de ganhos (antes vieram a realizar uma perda), quer ainda com outra qualquer aplicação de natureza financeira que não fosse a transformação de ganhos efectivamente tributáveis (juros, neste caso de obrigações) em ganhos não tributados (resultado da liquidação de sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira), objectivo esse que foi, em simultâneo, na esfera do sujeito passivo, acrescido da obtenção e realização de uma perda (menos valia decorrente da alienação das obrigações) que, na realidade, se mostrou dispensável, por não conexa com a formação de qualquer proveito tributável, cfr. alíneas G. e M. do probatório.
Quanto ao terceiro pressuposto – elemento intelectual – julgamos encontrar-se demonstrado no Relatório (pontos 2.2, 2.3 e 3. B 2) que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um predominante fim fiscal em que se provou que o resultado da liquidação apurado na esfera da E...., S.A. se consubstancia de facto como o recebimento dos juros provenientes das obrigações. Sendo que, supletivamente, a menos-valia será consubstanciada no meio para alcançar aquele fim. Pelo que o terceiro pressuposto de aplicação do art. 38º, nº 2, da LGT, também se encontra preenchido.
Em relação ao quarto pressuposto – elemento normativo – julgamos existir uma reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, pois com estas operações, o sujeito passivo procura evitar que sejam tributadas situações que a lei fiscal visa tributar, como é o caso dos juros. O que aqui se verificou foi uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado que não existiu qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção das empresas E.... Finance, BV, E.... IS e E.... I....., L.da em toda esta operação, que não a referida poupança fiscal, com a totalidade dos benefícios económicos que decorrem para o sujeito passivo. Assim, o contorno da lei permitiu ao contribuinte atingir os efeitos económicos equivalentes sem ser tributado. Pelo que o presente pressuposto se encontra, igualmente, verificado.
Estando os quatro pressupostos verificados, para a aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários da dedução fiscal do resultado de liquidação, bem como da dedutibilidade fiscal da menos-valia conexa com a operação e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros.
Alega, ainda, o Autor, que o art. 38º, nº 2 da LGT, interpretado de modo a permitir à Administração Fiscal a requalificação unilateral de actos e negócios jurídicos dos particulares num sentido contrário àquele que estes, no legítimo exercício da sua autonomia privada, efectivamente pretenderam e realizaram, viola o disposto nos artigos 26º, 61º, 62º e 103º da CRP. Mas não tem razão. A Administração Fiscal apenas se limitou, por imposição do princípio da legalidade, a corrigir os efeitos tributários que a Autora pretendia dar aos mesmos, por não estarem em conformidade com a lei fiscal. Pelo que não foi violado nenhum dos alegados preceitos constitucionais.
Face ao exposto, improcede o invocado vício do erro sobre os pressupostos de facto e de direito para a aplicação do artigo 38º, nº 2 da LGT.
Tal enquadramento contextual é assim consubstanciado na desconsideração da dedução prevista nos nºs 1 e 7 do art. 46º do CIRC, relativamente ao resultado de liquidação da sociedade E.... I...., L.da e na tributação de juros com base no que se encontra preceituado na alínea c) do nº 1 do art. 20º do mesmo diploma legal, no montante de € 19.332.698,20, relativamente ao exercício de 2004. Adicionalmente, e de forma simultânea, consubstancia-se ainda na desconsideração da dedução prevista na alínea i) do nº 1 do art. 23º do CIRC (menos-valias realizadas), relativamente à menos-valia fiscal apurada com a alienação (por parte do sujeito passivo, tendo por destino a sociedade E.... IS) das obrigações da E..., no valor que ascende à quantia de € 2.295.033,51.
Importa, agora, apreciar os invocados vícios de forma. - Da violação do dever de fundamentação do art. 63º, nº 9 do CPPT: Da invalidade da fundamentação por remissão do acto de autorização; Alega a Autora, a violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização, o qual contêm uma suposta fundamentação por remissão, que é insuficiente, ao contrário do que exige o procedimento próprio/autónomo definido para a aplicação de disposições anti-abuso, aquele acto de autorização carece de ser anulado por estar ferido do vício de forma por falta de fundamentação própria. Vejamos o que dispõe os nºs 7 e 9 do art. 63º do CPPT: 7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência. 9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá: a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente; c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam. Vejamos, agora, o Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 217/2008, de 11/04/2008, cujo conteúdo se encontra totalmente reproduzido na alínea H. do probatório, e de onde se extrai o seguinte: 1. Considerando o relatório final da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária e contendo este todos os elementos constantes do n.° 9 do artigo 63.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPTT), necessários para a aplicação do n.° 2 do artigo 38.° da Lei Geral Tributária (LGT), à situação em apreço. Da leitura do referido despacho, e ao contrário do alegado pela Autora, o SEAF autoriza a aplicação da cláusula anti-abuso, atendendo ao constante no Relatório Final, ou seja, com os fundamentos que do mesmo constam. Pode ler-se, ainda, que o acto de autorização considera a fundamentação do Relatório Final, e por o mesmo conter todos os elementos constantes do nº 9 do art. 63º do CPPT e necessários para aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT. Não tem, assim, qualquer suporte legal, a alegação da Autora de violação do disposto no art. 63º, nºs 7 e 9 do CPPT, em virtude da falta de fundamentação própria do próprio acto de autorização. Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.
- Da violação do dever de fundamentação do artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c) do CPPT: Da falta de demonstração da “substância económica equivalente”. Vem a Autora alegar violação do disposto no artigo 63º, nº 9, alíneas b) e c), do CPPT em virtude da falta de «descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados» conforme exige o procedimento próprio/autónomo definido para a aplicação de disposições anti-abuso, o acto de autorização carece de ser anulado por estar ferido do vício de forma por falta de fundamentação. Vejamos. Embora a Autora reconheça ao Relatório Final «uma minuciosa descrição das operações e da alegada “intenção” da Autora de defraudar a lei», entende que o mesmo em momento algum parece apresentar quais seriam as “formas jurídicas” alternativas ao dispor da Autora para obter os efeitos económicos que a mesma pretendia com o conjunto de transacções efectuadas. Mas, mais uma vez, a Autora não tem razão. A Administração Tributária no Relatório Final apresentou formas jurídicas que poderiam ter sido utilizadas se não fosse a intenção de reduzir o imposto a pagar. Foi explicitado que o contribuinte poderia não ter efectuado a operação – desde logo, poderia não ter procedido à alienação das obrigações, mantendo-as no seu activo, e conseguindo desse modo, os mesmos rendimentos económicos, correspondentes aos juros dessas obrigações. Veja-se a pag. 73 do Relatório Final, onde ao clarificar a verificação dos pressupostos da cláusula anti-abuso, e sobre o pressuposto que designou por “vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas – elemento resultado”, onde se escreveu: «o elemento resultado encontra-se presente quando «…se comprove a característica especial da equivalência de resultados não fiscais (ou económicos) a que não corresponde uma equivalente oneração tributária”, verificando-se tal equivalência quando os actos efectivamente praticados por parte do sujeito passivo sejam passíveis de ser substituídos, nos seus efeitos, pelos actos normais tributados. Ora, tal sucede na situação em concreto, conforme foi demonstrado no ponto 3.2, na directa medida em que a sociedade E...., SA, poderia não realizar a operação em questão, não envolvendo as sociedades E.... IS, E.... Finance BV e E.... I..... Lda., conseguindo, no entanto, obter os mesmos rendimentos económicos (ou seja, os juros das obrigações que detinha antes de realizar toda a operação)» Para além desta, a fundamentação em causa encontra-se desenvolvida ao longo de todo o Relatório. Vejam-se, também, os pontos 67 e 68 da pág. 96. Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.
Em suma, temos de concluir, como no Relatório Final , que a Administração Tributária demonstrou que um conjunto de operações, realizadas pelo sujeito passivo, consubstanciadas na realização de determinados negócios jurídicos, bem como na prática dos correspondentes actos, foram essencial e principalmente dirigidos à redução de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios.
Pelo que improcede na totalidade o presente recurso. *** III- DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa e, consequentemente, absolver a entidade demandada do pedido, confirmando o despacho objecto dos autos (alínea H.do probatório).
Valor da acção para efeito de custas: € 30.000,01 (artigo 34.º do CPTA). Custas a cargo da Autora. Registe e Notifique. Lisboa, 27 de Outubro de 2022 -------------------------------- [Lurdes Toscano] ------------------------------- [Maria Cardoso] -------------------------------- [Hélia Gameiro Silva]
(1)"Fiscalidade", de Freitas Pereira, Manuel Henrique, Almedina, 2a edição, 2007, pág. 401. (2)De que são exemplo a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no IRS; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de IRC; opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em IRC. (4)Manuel Henrique de Freitas Pereira, ob.cit., pág.423 e seg. (5)Negrito nosso. (7)A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, Contributos Para a Sua Compreensão, Gustavo Lopes Courinha, Ed. Almedina, 2009, págs.166/167. (8) Sublinhado nosso. (9)Anotação nº 4 (pág. 582) ao art. 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 6ª Edição 2011 |