Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:126/08.2 BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE MANDATÁRIO E TESTEMUNHAS
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I- Tendo sido marcada a diligência de inquirição de testemunhas e ocorrendo falta quer do Mandatário da Recorrente, quer das testemunhas pelo mesmo arroladas, a aplicação do disposto no artigo 118.º, n.º 4, do CPPT, não configura violação do princípio do inquisitório.
II- O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, sempre norteado pela justa composição do litígio e no apuramento da verdade, razão pela qual a falta de remarcação de uma audiência tendo subjacente um comportamento pouco previdente e cauteloso da parte em nada pode consubstanciar a violação do princípio do inquisitório.
III- O instituto do caso julgado exerce duas funções, uma positiva e uma negativa, sendo a primeira exercida através da autoridade do caso julgado, enquanto a segunda é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.
IV- No instituto do caso julgado, quer na função positiva, quer na função negativa, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.
V- A prescrição da obrigação tributária não constitui fundamento de anulação da liquidação, sendo apenas um pressuposto da utilidade do conhecimento das causas de invalidade alegadas na impugnação, razão pela qual não constando no processo todos os elementos para a sua apreciação, não só não se deve conhecer da prescrição, como não se impõe qualquer averiguação ou instrução nesse sentido.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em :


ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

C………, Lda (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, no montante global de €131.176,34.

A Recorrente alegou tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) Tendo em conta que foi um único procedimento administrativo que deu origem ao processo com nº ……/07.2BECTB e a estes autos, que correm ambos neste TAFCB e em que o MM Juiz foi o mesmo até certa altura; estando em causa em ambos os processos as mesmas questões de facto e de direito; tendo sido produzidas diligências instrutórias e inquiridas testemunhas no âmbito do Processo com nº ……/07.2BECTB e não tendo sido realizada nenhuma das diligências instrutórias expressamente requeridas pela impugnante no âmbito destes autos, foi com surpresa que em dezembro de 2019, a impugnante foi notificada da sentença proferida no âmbito destes autos que não teve em conta as provas produzidas e os factos provados e não provados no outro processo “irmão” com nº ……./07.2BECTB, e que decidiu não anular as liquidações em causa, sendo que como atrás se referiu, estão em causa as mesmas questões de facto e de direito nos dois processos.

B) Efetivamente, como atrás se referiu, consultados estes autos, constatou-se que não foi efetuada nenhuma das diligências instrutórias solicitadas pela impugnante, nem foi agendada nova data para a inquirição das testemunhas de que não se prescindiu e que por doença não puderam comparecer. Ora, estas omissões podem constituir uma nulidade prevista no artº 615º, nº 1 d) do CPC e uma nulidade processual prevista no art.º 195º do CPC. Dada a relevância das diligências instrutórias requeridas que não foram ordenadas (tendo-se deduzido que o Tribunal, naturalmente aproveitasse as diligências já antes realizadas no âmbito outro processo “irmão” com nº …../07.2BECTB para evitar duplicação), consideramos que devido a essas omissões foi proferida uma decisão-surpresa, e influíram no exame e decisão da causa. E como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que estas nulidades sejam invocadas e conhecidas em sede de recurso.

C) Pelo que, deve proferir-se nestes autos uma nova decisão, que tenha em conta as provas produzidas e os factos provados e não provados no outro processo “irmão” com nº ……../07.2BECTB e atrás especificados, devendo naturalmente concluir-se e decidir-se também pela anulação das liquidações em causa nestes autos, tal como foi decidido no âmbito do Processo com nº ………/07.2BECTB.

D) A autoridade do caso julgado, que é uma exceção dilatória inominada, cujo conhecimento, oficioso se impõe, tem também um efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo e as consequências da decisão anterior.

E) Os tributos em causa nestes autos dizem respeito aos anos de 2003 a 2006. Com a dedução da impugnação ocorreu a interrupção da prescrição, que, no entanto, começou novamente a correr a partir dessa data (19/03/2008). Como entretanto não ocorreu a suspensão da prescrição e uma vez que estamos em final de janeiro de 2020, já decorreram quase 12 anos. Pelo que, como o prazo de prescrição é de 8 anos, já ocorreu a prescrição dos tributos em causa nestes autos.

Termos em que, tendo em conta o alegado e com o douto suprimento de V.ª s Ex.ª s, deve este recurso ser declarado procedente Justiça

Junta: Sentença proferida no âmbito do processo com nº ……./07.2BECTB – a junção só se tornou necessária em virtude da sentença contraditória proferida nestes autos, tendo a anterior (que se junta) sido proferida em 28/02/2016, logo em data posterior quer aos articulados (19/03/2008), quer à audiência de inquirição agendada para 02/03/2009.”


***

O Digno Representante da Fazenda Pública apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“a) A fazenda pública acompanha a bondade e justeza da douta sentença em apreço.

b) Quanto ao alegado pela impugnante, relativamente à não inquirição das testemunhas arroladas, é de salientar que a mesma não veio recorrer do despacho proferido na ata de inquirição de testemunhas, no que respeita ao indeferimento do requerimento da impugnante nos termos do antigo artigo 512º-A do CPC à data em vigor. Nem recorreu do despacho a notificar as partes para alegações escritas.

c) Sendo que, tendo embora proferido alegações escritas, nem em sede de alegações escritas nem no âmbito de eventual recurso do despacho interlocutório proferido na ata de inquirição de testemunhas, coloca em causa a preterição da inquirição das testemunhas.

d) Aliás, em alegações escritas, requerendo embora a junção duma série de documentos pela fazenda pública e pelo Tribunal Judicial do Sabugal, não faz em relação às testemunhas qualquer referência no sentido da imprescindibilidade da sua inquirição e relativamente a que factos se revelariam importantes.

e) A impugnante, deixando embora precludir o prazo para reclamar ou recorrer da não inquirição das testemunhas faltosas, vem em sede de recurso de sentença invocar a existência duma decisão surpresa invocando para o efeito aparentes causas ou faltas que só a si poderão ser imputadas.

f) Quanto à alegação de autoridade de caso julgado, para além do facto da sentença proferida no processo de impugnação nº ……../07.2BECTB ter sido objeto de recurso ainda sem prolação de acórdão, procurará a impugnante violar os princípios da soberania e independência dos tribunais previstos nos artigos 202º e 203º da Constituição da República Portuguesa.

g) Quanto à invocação da prescrição dos tributos, estará em causa um novo pedido e uma nova causa de pedir, antes não invocados e insuscetíveis de análise pelo tribunal “a quo”, pelo que os mesmos também não deverão ser acolhidos no sentido de colocar em causa a bondade e justeza da douta sentença em apreço.

Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de V.Exªs,

Deve, pois, ser negado provimento ao recurso.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças da Guarda, a coberto da ordem de serviço n.º …………, de 15/11/2002, de âmbito parcial [IVA e IRC], a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 2003, 2004, 2005 e 2006 – cfr. fls. 4 do processo administrativo apenso aos autos.

B) Em 03/04/2007, no âmbito do referido procedimento de inspeção, foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 82/92 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:

[…]

3.2 – Situação Tributária

Trata-se de um sujeito passivo enquadrado em IVA no regime normal trimestral e em IRC no regime geral nos exercícios de 2003 e 2004.

[…]

Não entrega as declarações periódicas de IVA desde 02.03T, bem como as declarações de rendimentos para efeitos de IRC e declarações de anuais de informação contabilística e fiscal desde o exercício de 2002.

3.3 – Verificações efectuadas

Para a execução desta acção inspectiva, deslocamo-nos ao local da sede da empresa, no sentido de verificarmos os elementos de escrita e respectiva documentação de apoio, tendo constado a sua inexistência, procedemos em 15/11/2006 à notificação, (Anexo I) na pessoa da sócia gerente M……., para a sua exibição no dia 30/11/2006, no Serviço de Finanças do Sabugal.

Decorrido o prazo, o sujeito passivo informou não lhe ser possível dar cumprimento à referida notificação, uma vez estar impossibilitado de pagar ao Técnico Oficial de Contas os serviços necessários à execução da contabilidade e cumprimentos das obrigações declarativas em falta.

Em resultado de consulta efectuada à base de dados de IRS, verificamos através de cruzamento com as declarações modelo 3 de IRS, que o sujeito passivo pagou rendimentos de trabalho por conta de outrem, nos exercícios de 2003, 2004 e 2005 a três empregados e dois gerentes a seguir identificados: (Anexo II)

[…]

IV Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

Os factos apresentados, Capítulo II, ponto 3.3, atestam que estão reunidas as condições necessárias para que a tributação em IRC e IV A, se possa fazer mediante o recurso a métodos indirectos, de harmonia com o disposto no artigo 52º CIRC, artº 84º do CIVA e artº (s) 87° al. b) e 88º nº 1 al. a) da Lei Geral Tributária, uma vez estarmos impossibilitados de determinar por meios directos o rendimento colectável.

Atendendo ao preceituado no art.º 88º alínea a) do mesmo diploma legal, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável resulta de falta de exibição de escrita, após notificação no termos do n" 2 do art. 52º do CIRC, (Anexo J).

V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

1. IRC

De acordo com o disposto no art. 90.° n.º1 alíneas d) da LGT, por remissão do art. 54.° do CIRC, o apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2003, 2004, e 2005 vai ter em conta os seguintes elementos:

1.1. Justificação das quantificações

Exercício de 2003

As quantificações do lucro tributável inerente ao exercício de 2003 terão por base os seguintes pressupostos:

a) Para cálculo dos proveitos omitidos, neste exercício, tomaremos como base os custos com pessoal, calculados com base nos valores das remunerações declaradas para efeitos de IRS, acrescidos dos encargos com a Segurança Social respeitantes a entidade pagadora, ou seja 23,75% no caso dos trabalhadores e 21,25% no tocante aos gerentes.

Total dos custos com pessoal = 32852,20 + 7 471,20 = 40323,40

b) Para o efeito utilizaremos os rácios de âmbito regional para este sector de actividade, em poder da DGCI, cuja forma de cálculo é a correspondente ao R.18 - Rendimento do Pessoal, demonstrada no oficio …… de 97/10/10 da DSEPCPIT.

RI8 = Volume de Negócios.

Custos com pessoal

Trabalharemos com o rácio de 4,12 correspondente à mediana. ( Anexo III)

c) O Lucro Tributável proposto é calculado abatendo a Volume de Negócios os custos necessários á formação dos proveitos que dada a natureza da actividade, serviços prestados, corresponde aos custos com o pessoal.

Exercício de 2004

Com base nos mesmos pressupostos as quantificações do lucro tributável deste exercício serão:

a) Neste exercício o gerente A…., não apresentou declaração de rendimentos, para efeitos de IRS, pelo que presumimos uma remuneração igual à do ano anterior.

Total dos custos com pessoal = 33 594,00 + 7 647,98 = 41 241,98

b. Neste exercício o rácio correspondente á mediana é de 4,07. (Anexo IV )

Exercício de 2005

Também neste exercício usaremos os mesmos pressupostos para a quantificação do lucro tributável deste exercício:

a) Remunerações declaradas no exercício:

Total dos custos com pessoal = 33 060,00 + 7 521,75 = 40 581,75

b) Uma vez não dispormos de rácio para este exercício, usaremos, o rácio 4,07, utilizado no exercício de 2004, uma vez ser o exercício mais próximo que se encontra determinado.

Volume de Negócios. = 167 854,86

Lucro tributável = Volume de Negócios. - Custos

Lucro tributável = 167 854,86. - 41 241,98

Lucro tributável proposto = 126 612,88

2005

Rácio 4,07

Custos com pessoal = 40 581,75

V.N. ?

4,07 = Volume de Negócios

40 581,75

Volume de Negócios. = 165 167,72

Lucro tributável = Volume de Negócios. - Custos

Lucro tributável = 165 167,72 -40 581,75

Lucro tributável proposto = 124 585,97

IVA

[…]

C) As correções propostas no relatório de inspeção foram sancionadas superiormente – cfr. fls. 82 do processo administrativo apenso aos autos.

D) Em 24/05/2007 a impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento de fls. 67 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Em 05/07/2007 realizou-se a reunião dos peritos do sujeito passivo e da Fazenda Pública, a qual terminou sem se alcançar qualquer acordo - cfr. fls. 74/75 do processo administrativo apenso aos autos.

F) O perito da impugnante elaborou o laudo constante de fls. 76 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

G) O perito da Administração Tributária elaborou o laudo constante de fls. 77/79 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

H) Em 20/06/2007 o Diretor de Finanças da Guarda emitiu decisão que fixou a matéria tributável em sede de IRC em 125.809,00 € para o ano de 2003, 126.612,88 € para o ano de 2004, e, de 124.585,97 € para o ano de 2005, e o IVA em falta, nos montantes de 31.565,16 €, 31.892,42 €, 33.033,54 € e 34.685,22 €, para os anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, respetivamente – cfr. fls. 70/73 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

I) Na sequência da ação inspetiva e subsequente do procedimento de revisão da matéria tributável, foram emitidos os atos de liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006.

J) Em 20/10/2002 foram penhorados e apreendidos no processo de execução ordinária que correu termos com o n.º …./95 os bens identificados a fls. 72 e seguintes do suporte físico dos autos, que aqui se dão por reproduzidas.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou, essencialmente, do exame crítico dos documentos e informações constantes do suporte físico dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

K) A 20 de dezembro de 2008, no âmbito do presente processo, foi proferido despacho pelo Meritíssimo Juiz, com o seguinte teor:



(cfr. despacho com a referência ……. na plataforma SITAF);

L) A 02 de março de 2009, o Ilustre Mandatário da Impugnante expediu via telecópia às 09.44, requerimento com o teor que infra se descreve:

(cfr. requerimento com a referência ……… na plataforma SITAF);

M) Foi prolatada ata de inquirição de testemunhas, datada de 02 de março de 2009, da qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

(cfr. ata com a referência ………. na plataforma SITAF);

N) Nessa sequência, foi o Ilustre Mandatário da Impugnante notificado do despacho lavrado em ata que antecede, e para, querendo, apresentar alegações escritas no prazo de 30 dias (cfr. notificação com a referência ……… na plataforma SITAF);

O) Em resultado da notificação constante na alínea antecedente, o Ilustre Mandatário da Impugnante, apresentou requerimento tendente a justificar a falta das testemunhas faltosas, juntando declarações atinentes ao efeito, e com o teor que se extrata infra:

“Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e

Fiscal de Castelo Branco

Proc. N.º 126/08.2BECTB

Impugnação

C…….. Lda. identificada nos autos supra referenciados, vem, por este meio, requerer a junção aos autos de:

- Uma declaração comprovativa em como a testemunha F…. se encontra, actualmente, a residir no estrangeiro, em França;

- Três declarações emitidas pelo Centro de Saúde do Sabugal que atestam que as testemunhas M…, J…… e R………..,deram entrada no serviço de urgências SAP na parte da manhã do dia 02/03/2009.

Com estas declarações as testemunhas pretendem justificar as faltas à Audiência de Inquirição de Testemunhas de 02/03/2009.

Junta: Declarações referidas.”

(cfr. requerimento com a referência ……… na plataforma SITAF);

P) A 28 de fevereiro de 2016, foi proferida sentença no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, com o nº de processo ……/07, que a julgou totalmente procedente e anulou os atos tributários de liquidação de IRC de 2003, com o nº…….., no valor de 42.362,82€, de 2004 com o n.º………., no valor de 34.261,79€ e do exercício de 2005, com o n.º……., no valor de 32.467,44€,05, da qual se extrata, designadamente, o seguinte:

Factos não provado:
1. Que J… e R…. nos anos em causa tenham auferido rendimentos de trabalho dependente provenientes da sociedade aqui impugnante.
Não é possível concluir que J…. e R…., que foram inquiridos, fossem trabalhadores da aqui impugnante, recebendo da impugnante rendimentos a título de retribuição de trabalho dependente, isto é que de facto estivessem ao trabalho da mesma, ficando este Tribunal com a convicção de que os mesmos não eram capazes de distinguir entre trabalhos realizados para o Sr. C……e a sociedade C….., Lda. o que é compatível com o seu depoimento no sentido de que o Sr. C….. apesar de lhes arranjar os trabalhos, muitas das vezes lhes dizia “para se arranjarem” dividindo entre si o pagamento que fosse devido. Mais afirmou a segunda testemunha que os instrumentos de trabalho não eram da sociedade, o que de resto está provado quanto à carrinha e andaimes.
Por fim leva-se também em conta que, como afirmou a primeira testemunha, J….e R…. nem sempre trabalhavam em construção civil, sendo que por vezes R…. e J….. iam apanhar lenha para consumo do Sr. C….. ou do seu filho e que faziam “bricolage”.
De resto esta conclusão é também compatível com a falta de entrega das declarações contributivas junto do ISS, IP.
Assim considera-se verosímil o defendido pela impugnante no sentido de que as
declarações de rendimento entregues por V…., R…., J…., F…. e A… tenham sido elaboradas em erro, o que aliás se compatibiliza com os conhecimentos que pessoas que trabalham na área da construção têm das cada vez mais complexas obrigações declarativas que sobre si impendem.
De nada vale, tendo em consideração o que se escreveu, nomeadamente quanto à confusão entre C…., sujeito singular e C…, Lda. a sua convicção no sentido de terem apenas deixado de trabalhar para a impugnante em Agosto de 2012.
(…)
quanto à quantificação as decisões da AT se podem manter, e aqui chegados temos de concluir que não. É que a base de cálculo em que a AT se fundamentou não resulta provada, isto é, não resulta provado que as pessoas singulares que entregaram declarações de IRS no sentido de terem auferido rendimentos no ano de 2003 a 2005 provenientes da impugnante tenham de facto auferido aqueles rendimentos com aquela origem e a título de retribuição de trabalho dependente.
(…)
não se provou que sequer os custos com pessoal existissem e não se reuniram indicadores suficientes para concluir que a impugnante sequer laborava” (…)
os actos impugnados não se podem manter por concluirmos existir excesso de quantificação (…)
Com a fundamentação supra procede na totalidade a presente impugnação e em consequência decido anular as liquidações de IRC de 2003 com o nº……., no valor de
42.362,82€, de 2004 com o n.º…….., no valor de 34.261,79€ e do exercício de 2005, com o n.º……., no valor de 32.467,44€, com todas as consequências.”

(cfr. sentença com a referência …….. na plataforma SITAF);

Q) A 25 de junho de 2020, foi proferido Acórdão por este TCAS, datado de 25 de junho de 2020, que confirmou a decisão constante na alínea antecedente, extratando-se, designadamente, o seguinte:

“[n]ão tendo o recurso sido correctamente estruturado segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível ao tribunal ad quem alterar a matéria de facto, e não existindo elementos que permitam considerar que a convicção formada no tribunal a quo é irrazoável ou ilógica, o recurso está fatalmente votado ao insucesso.” (cfr. Acórdão com a referência ……….. na plataforma SITAF);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos JC, referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, no montante global de €131.176,34.

Importa, assim, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

¾ Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, subsumindo-se normativamente no artigo 615.º, nº1, alínea d), do CPC;

¾ Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual porquanto não foi efetuada qualquer diligência instrutória, nem agendada nova data de inquirição de testemunhas, e face a essa omissão ocorreu uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditório e bem assim do inquisitório;

¾ Se face ao teor da decisão proferida no processo nº …../07, há que convocar a Autoridade do Caso Julgado, na medida em que os factos essenciais da causa de pedir são os mesmos e o pedido principal é o mesmo quer para as liquidações de IVA, quer para as liquidações de IRC.

¾ Subsidiariamente, requer que seja reconhecida a prescrição da obrigação tributária, porquanto os factos tributários remontam a 2003 a 2006.

Vejamos, então.

Comecemos por aferir a questão da nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(1) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” . (1)Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.

Ora, feitos estes considerandos de direitos não se vislumbra, nem a Recorrente o substancia conforme legalmente se encontrava vinculada, qual a questão, em concreto, que não foi objeto de pronúncia na decisão recorrida, porquanto de uma leitura atenta da mesma conclui-se que todas os vícios do ato impugnado foram objeto de concreto análise.

Neste concreto particular, e ainda que a Recorrente não identifique essa específica omissão de pronúncia, a verdade é que, conforme decorre da matéria de facto, ora, aditada, a própria questão atinente à remarcação da audiência não carecia de uma expressa análise, porquanto, já, inteiramente, dirimida nos autos e em sede própria.

Logo, inexiste qualquer omissão de pronúncia, é certo que poderá redundar, sendo caso disso, em nulidade processual, ou mesmo erro de julgamento, no entanto, em nada traduz uma nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia.

Improcede, assim, a arguida nulidade da decisão.

Prosseguindo, ora, com as nulidades processuais e concretas violações de princípios basilares.

A Recorrente sustenta que o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual porquanto não foi efetuada qualquer diligência instrutória, nem agendada nova data de inquirição de testemunhas e face a essa omissão ocorreu uma decisão surpresa.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o artigo 118.º, números 3 e 4 do CPPT, com a redação à data aplicável:

“3 - Na marcação da diligência, o juiz deve observar o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
4 - A falta de testemunha, do representante da Fazenda Pública ou de advogado não é motivo de adiamento da diligência.”

Por seu turno, a norma do artigo 155.º, números 1 e 5 do CPC, para que aquela remete apresentava a seguinte redação:

“1 – A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
5 – Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada.”

Ora, da conjugação dos citados preceitos legais resulta que no processo tributário o Juiz deve proceder à marcação das inquirições cumprindo o consignado no artigo 155.º do CPC, e tendo por base esse cumprimento, a falta de testemunha, ou do mandatário não é motivo para adiamento da diligência.

Dir-se-á, portanto, que o processo tributário tem uma regra especial face ao artigo 651.º, do CPC, pois uma vez designada a data para a realização da diligência, e cumprido o artigo 155.º do CPC a falta do Ilustre Mandatário não constitui fundamento válido de adiamento da diligência.

Como doutrina Jorge Lopes de Sousa (2), “[o] cumprimento do dever previsto no art. 155 .° é uma condição do não adiamento da audiência por falta dos advogados das partes . Esta solução revela que, na perspectiva legislativa, uma ponderação adequada dos interesses em causa numa situação deste tipo impõe que só com o cumprimento do disposto no art. 155 .°- seja tolerável o não adiamento . E uma solução de evidente equilíbrio pois se o tribunal não cumpre os seus deveres é adequado que não possa aplicar as consequências que deveria aplicar se os tivesse cumprido.” [neste sentido vide, também, Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 204/09, de 06.02.2020] (2) CPPT anotado e comentado, 6ª edição-Volume II, p.289

No caso vertente, conforme resulta da factualidade assente, foi cumprido o citado normativo -aliás questão não controvertida- razão pela qual se encontrava justificado, per se, o não adiamento da diligência.

Com efeito, resultam provadas as seguintes ocorrências processuais:

A 20 de dezembro de 2008, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho com agendamento da inquirição de testemunhas, cumprindo o aludido artigo 155.º do CPC, e sem que o Ilustre Mandatário da Impugnante tenha deduzido qualquer oposição a essa data.

Sendo que, no próprio dia da inquirição de testemunhas, minutos antes de dar início à mesma, o Ilustre Mandatário da Impugnante apresentou requerimento no qual prescinde da testemunha A… e requer o aditamento ao rol do Chefe do Serviço de Finanças, nada relevando quanto à sua própria ausência, e das testemunhas arroladas.

Face ao exposto, foi prolatada ata de inquirição de testemunhas na qual foi, expressamente, indeferido o aditamento ao rol, e notificadas as partes para apresentarem alegações escritas, tendo o Ilustre Mandatário da Impugnante em resultado dessa notificação apresentado requerimento com a justificação das faltas das testemunhas e ulteriormente alegado ao abrigo do consignado no artigo 120.º do CPPT.

Ora, face ao supra expendido resulta que, in casu, inversamente ao advogado pela Recorrente, o que sucedeu não foi uma irregular dispensa de produção de prova testemunhal, mas sim uma efetiva falta do Ilustre Mandatário da Impugnante, e das testemunhas e, com ulterior cumprimento do consignado no artigo 118.º, nº4 do CPPT.

Ademais, importa sublinhar que, no caso vertente, o Ilustre Mandatário da Impugnante, ora, Recorrente não apresentou qualquer documento a invocar o justo impedimento e a requerer nova marcação de audiência, limitando-se apenas a apresentar um requerimento a justificar a falta das testemunhas, nada mencionando, tão-pouco, sobre a sua própria falta à aludida audiência.

Sendo certo que, sempre se dirá que a jurisprudência, de forma unânime, tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se, por isso, a simples dificuldade da realização daquele.

Por outro lado, não se vislumbra, outrossim, qualquer nulidade processual.

Senão vejamos.

De harmonia com o consignado nos artigos 195.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

De relevar, outrossim, que as mesmas se subdividem em nulidades principais e nulidades secundárias, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.

Com efeito, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeita ao contemplado no artigo 199.º CPC.(3)

(3) Vide neste sentido, designadamente, Acórdão do STJ 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1..

Atentando nos aludidos normativos, retira-se como, é bom de ver, que a falta de reagendamento de prova testemunhal não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199.º CPC

No atinente ao alcance da expressão “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, visto que a lei não fornece uma definição para esse efeito, convoca-se o doutrinado por ALBERTO DOS REIS, o qual, a este propósito, tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela(4)

(4)JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pag. 486 “.

Mais importa ter presente que “ [o]legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109(5)

(5)Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011..”

Ora, tendo presente os considerandos supra, e o recorte probatório dos autos é por demais evidente que, no caso vertente, o Juiz a quo não estava vinculado a proceder à marcação de nova data de inquirição de testemunhas, aliás, como visto, a atuação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo está, inteiramente, conforme com o princípio da legalidade.

Não se vislumbrando, outrossim, qualquer violação do princípio do contraditório na medida em que, face à factualidade convocada anteriormente, o Ilustre Mandatário foi notificado de todos os despachos atinentes ao efeito, mormente, para apresentar alegações escritas, nada tendo requerido, arguido ou mesmo recorrido de qualquer despacho interlocutório que se afigurasse lesivo.

Com efeito, o princípio do contraditório, representa um princípio estrutural do processo(6), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

(6)(6)cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368

O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]”(7)

(7) José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99.

No caso vertente, não se aquilata -nem tão-pouco a Recorrente o substancia como era seu ónus- de que forma, em que medida e qual a extensão dessa violação, sendo certo que tendo em consideração a realidade fática dos autos não se vislumbra, de todo, qualquer violação do aludido princípio.

Note-se e reitere-se que face à tramitação dos autos, ao despacho proferido em audiência, ao próprio uso das alegações escritas consignadas no artigo 120.º do CPPT, não se vislumbra, de todo, qualquer decisão surpresa.

Uma última nota para evidenciar que não se descortina, igualmente, qualquer violação do inquisitório por não terem sido realizadas diligências instrutórias requeridas pela Recorrente.

E isto porque, para além da Recorrente convocar essa realidade sem, devidamente, a substanciar, ou seja, não evidenciar que diligências instrutórias deveriam, em concreto, ter sido realizadas e porque motivo as mesmas se afiguravam relevantes para o efeito, o que, per se, vota ao insucesso o supra expendido, a verdade é que resulta do artigo 13.º, nº1, do CPPT que aos: “[j]uízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.

O que significa, portanto, que no processo tributário vale o princípio do inquisitório, pelo que compete ao juiz, em ordem à obtenção da verdade material, a realização ou determinação de todas as diligências que a esta possam conduzir, porém tal princípio não pode servir para eximir as partes dos seus ónus e suprimir comportamentos imprudentes e imprevidentes, que conduziria à subversão das regras processuais relativas ao agendamento e produção das provas e violação da igualdade das partes.

Em bom rigor, o princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, sempre norteado pela justa composição do litígio e no apuramento da verdade, razão pela qual a falta de remarcação de uma audiência -sublinhe-se nunca requerida pela Requerente- tendo subjacente um comportamento pouco previdente e cauteloso da parte em nada pode consubstanciar a violação do princípio do inquisitório(8)

(8) Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 1345/18.9T8, de 23 de maio de 2019..

Neste particular, vide Aresto deste TCAS, prolatado no processo nº 486/07, datado de 28 de março de 2019, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“I-Tendo sido marcada a diligência de inquirição de testemunhas e ocorrendo falta quer do Mandatário do Recorrente quer das testemunhas pelo mesmo arroladas, a aplicação do disposto no art.º 118.º, n.º 4, do CPPT, não configura violação do princípio do inquisitório.

II. O respeito pelo princípio do inquisitório não desonera os demais intervenientes processuais do cumprimento do dever de colaboração.”

Destarte, a atuação do Meritíssimo Juiz a quo, encontra-se estribada na letra da lei, em total cumprimento do artigo 118.º, nº4 do CPPT, inexistindo qualquer nulidade e violação dos convocados princípios basilares.


***


Atentemos, ora, na alegada violação da Autoridade do Caso Julgado.

Neste âmbito, alega a Recorrente que face à Autoridade do Caso Julgado, que é uma exceção dilatória inominada, cujo conhecimento oficioso se impõe, a mesma tem um efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo e as consequências da decisão anterior.

Logo, face ao teor da decisão prolatada no âmbito do processo nº ………/07, e à identidade das causas de pedir e pedidos, existia uma vinculação à precedente decisão judicial, com imposição de procedência e anulação dos atos de liquidação de IVA e respetivos JC.

Apreciando.

De harmonia com o consignado no artigo 619.º, nº 1, do CPC, transitada em julgado a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, ficando, assim, a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro do processo e fora nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC, e sem prejuízo do consignado nos artigos 696.º a 702.º do CPC. É o que se designa por caso julgado material.

Dir-se-á, portanto, que a nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão, logo o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado conforme decorre do artigo 628.º do CPC.

Daí que ao caso julgado material sejam atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva, coadunada com a autoridade do caso julgado e uma função negativa consubstanciada na exceção do caso julgado(9)

(9) Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo TCA Sul, nos processos nºs 469/19, e 161/09, de 14.01.2020 e de 05.06.2019..

Com efeito, a função negativa do caso julgado, como visto, traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão, opera por via da exceção dilatória do caso julgado, nos termos previstos nos artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º todos do CPC, impedindo, por conseguinte, que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

Neste particular doutrina TEIXEIRA DE SOUSA(10). que “ a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” acrescentando ainda que “quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

(10)Vide António Santos Abrantes Geraldes e outros-CPC anotado, Almedina, Vol. I, p.743, em anotação artigo 619.º, citando o autor no artigo intitulado O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs

Verifica-se, assim, o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580.º nº1, in fine, do CPC). Preceituando, por isso, o artigo 581.º do CPC quanto aos requisitos do caso julgado que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1), havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4).

No concernente ao alcance do caso julgado, diz o artigo 621.º do CPC que: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Neste particular doutrina TEIXEIRA DE SOUSA(11) que “ a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” acrescentando ainda que “quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”. (destaques e sublinhados nossos).

(11)Vide António Santos Abrantes Geraldes e outros-CPC anotado, Almedina, Vol. I, p.743, em anotação artigo 619.º, citando o autor no artigo intitulado O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.

De facto, a Autoridade do Caso Julgado não implica que haja plena identidade entre as partes, causa de pedir e pedidos, no entanto, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, a Autoridade do Caso Julgado não se estende à factualidade produzida no aludido processo.

Com efeito, o âmbito objetivo da Autoridade do Caso Julgado estende-se à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, no entanto, como é consabido, os fundamentos de facto da sentença, quando dela autonomizados, não adquirem valor de caso julgado.

Ora, se na decisão prolatada no processo nº …../07, houve lugar à produção de prova testemunhal, e se com base na mesma foram fixados factos vitais para a procedência da decisão, e se nos presentes autos inexistiu-como visto, justificadamente-, produção de prova testemunhal, não pode, naturalmente, reclamar-se que seja imposta à decisão prolatada nos presentes autos, o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível.

Note-se que, não só a factualidade vertida no processo nº ……../07 é díspar da fixada nos presentes autos, como essa mesma factualidade, mormente, a não provada constituiu o cerne para efeitos de densificação dos pressupostos atinentes à avaliação indireta e fundamentar a procedência da impugnação judicial com as inerentes consequências legais.

Explicitemos, com o devido rigor, o supra expendido.

No âmbito da visada decisão prolatada no processo nº ……../07, foi consignado como factualidade não provada o seguinte: “1. Que J… e R…….. nos anos em causa tenham auferido rendimentos de trabalho dependente provenientes da sociedade aqui impugnante.”, tendo essa prova inquinado de vício de violação de lei os atos impugnados de IRC, porquanto “a base de cálculo em que a AT se fundamentou não resulta provada, isto é, não resulta provado que as pessoas singulares que entregaram declarações de IRS no sentido de terem auferido rendimentos no ano de 2003 a 2005 provenientes da impugnante tenham de facto auferido aqueles rendimentos com aquela origem e a título de retribuição de trabalho dependente.”

Ora, atentando na factualidade não provada nos presentes autos, verificamos que inexiste qualquer factualidade consignada como não provada, donde, que permita transpor o mesmo entendimento jurídico.

A isso não obsta que a aludida decisão tenha sido confirmada mediante Aresto prolatado por este Tribunal, e já transitado em julgado, porquanto, como visto, inexiste similitude fática que permita traduzir uma relação de prejudicialidade com correspondente vinculatividade nos presentes autos. A adensar o supra exposto, verifica-se que a manutenção da decisão recorrida resultou, desde logo, de uma falta de impugnação da matéria de facto, nele se consignando, de forma expressa, que “não tendo o recurso sido correctamente estruturado segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível ao tribunal ad quem alterar a matéria de facto, e não existindo elementos que permitam considerar que a convicção formada no tribunal a quo é irrazoável ou ilógica, o recurso está fatalmente votado ao insucesso.”

Inversamente ao propugnado pela Recorrente, não há que demandar tratamento idêntico e vinculativo nos moldes preconizados pela Recorrente. Dir-se-á, portanto, que no caso vertente não é possível afirmar que a precisa quaestio judicata a decidir nesta ação, tenha sido julgada em termos definitivos naquela outra ação, não se podendo igualmente afirmar, a nosso ver, que a sua apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado, por conseguinte, como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior.

Aduza-se, em abono da verdade, que a Recorrente pretende é alterar a matéria de facto, socorrendo-se, porém, de uma figura que não a pode enformar, ou seja, da violação da Autoridade do Caso Julgado.

Note-se que, “[o]s juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram e nessa medida, embora tais juízos relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do art. 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo.

De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação. ” (12)(destaques e sublinhados nossos).

(12)In Acórdão do STJ, proferido no processo nº 543/18.0T8OLH-A.E2.S1, de 09.06.2021; vide, também Acórdão do STJ, proferido no processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, de 08.11.2018.

Como doutrinado no recente Aresto prolatado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 1736/20.5T8VCD-A.P1 , datado de 12 de julho de 2023, cujo sumário se extrata:

“I - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigos 580º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

II - A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da exceção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa a garantia, a coerência e a dignidade das decisões judiciais.

III - A autoridade do caso julgado abrange as questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior.

IV - Quer na função positiva, quer na função negativa, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.” (destaques e sublinhados nossos).

Face a todo o exposto, improcede a arguida violação da Autoridade do Caso Julgado, com todas as implicações requeridas pela Recorrente.



***




Subsiste, ora, por analisar a arguida prescrição da obrigação tributária.


A Recorrente aduz que os tributos em causa respeitam aos anos de 2003 a 2006, sendo que com a dedução da impugnação judicial ocorreu a interrupção da prescrição, começando a correr novo prazo a partir dessa data, logo não tendo ocorrido a suspensão da prescrição e face ao decurso do tempo, superior ao prazo de prescrição de 8 anos, ter-se-á de concluir que já ocorreu a prescrição dos tributos em causa nestes autos.


Apreciando.


De harmonia com o disposto no artigo 175.º do CPPT, sob a epígrafe “prescrição ou duplicação de coleta”: “A prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”

De facto, da letra do citado artigo 175.º do CPPT retira-se que nos processos de execução fiscal a prescrição é uma questão de conhecimento oficioso pelo juiz, se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito, donde, a primeira inferência é a de que a competência para apreciação da prescrição é em primeira linha do órgão da execução fiscal, sendo certo que tem de ser arguida no meio próprio, concretamente deve ser arguida no âmbito do processo de execução fiscal mediante dedução de oposição ou interposição de reclamação de atos do órgão da execução fiscal referente ao ato que negou o seu reconhecimento.

É certo que, pode ser objeto de análise no processo de impugnação judicial e isto porque embora a prescrição da obrigação tributária não consubstancie qualquer vício invalidante do ato de liquidação, verdade é que a jurisprudência vem admitindo que o juiz tome conhecimento da prescrição na impugnação judicial da liquidação, para retirar dela, não a procedência da impugnação e a anulação da liquidação, mas a declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, mas a verdade é que essa análise tem de ter sempre como pressuposto que os autos forneçam os dados necessários para a sua apreciação.

Neste sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa:

“[deverá entender-se que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não do prosseguimento da lide, de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, desde que possua os elementos necessários.

Diferente poderá ser a solução no que concerne à admissibilidade de invocação de prescrição como fundamento autónomo de impugnação judicial.

No entanto, a nível incidental, podendo o tribunal conhecer de qualquer causa de extinção da instância, não haverá obstáculo processual a que tenha em conta a prescrição na apreciação que deve fazer sobre a manutenção da utilidade da lide .”.(13)

(13)Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.

No mesmo sentido, vide Acórdão do STA proferido no processo nº 01118/15, de 09.11.2016

Resulta, assim, que só quando o processo dispuser de todos os elementos e não exista a necessidade de fazer outras averiguações, pode e deve o tribunal conhecer da prescrição para julgar da inutilidade superveniente da lide, ou seja, da inutilidade da prossecução da impugnação judicial da liquidação.

O mesmo é dizer que se os elementos não constarem todos do processo, precisamente porque este meio processual não é o próprio para o sujeito passivo discutir judicialmente a prescrição da dívida, uma vez que, como já referido, a prescrição é uma questão respeitante à condição de exigibilidade da dívida tributária em sede da sua cobrança coerciva, a qual em nada contende com a validade do ato tributário que se avalia e julga no âmbito da impugnação judicial da liquidação, não só não se deve conhecer da prescrição, como não se impõe qualquer averiguação ou instrução nesse sentido.

Conforme doutrinado em Aresto do STA, prolatado no processo nº 0571/06, de 22 de janeiro de 2020: “A prescrição da obrigação tributária não constitui fundamento de anulação da liquidação, sendo apenas um pressuposto da utilidade do conhecimento das causas de invalidade alegadas na impugnação, razão pela qual não cabe ao Tribunal a quo diligenciar para conhecer se estão ou não verificados os pressupostos da prescrição, devendo o mesmo limitar-se a conhecer deles se todos os elementos constarem do processo.”

Assim, transpondo estes ensinamentos para o caso dos autos, ter-se-á de assumir que os elementos constantes do processo não permitem concluir, seguramente, pela prescrição das obrigações tributárias respeitantes ao IVA dos anos de 2003 a 2006, desde logo, porque nada nos permite afirmar que, para além da presente impugnação judicial não tenham ocorrido outros factos suscetíveis de interromper o prazo da prescrição, sendo que, como é consabido, até à revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, a lei relevava cada uma das diversas causas de interrupção que se fossem sucedendo, sendo que apenas desde 1 de janeiro de 2007 – data da entrada em vigor daquele diploma – deixou de o fazer.

Por outro lado, desconhece-se a data concreta em que se efetivou a citação do processo de execução fiscal, e se o mesmo se encontra, efetivamente, suspenso, realidades que se afiguram fulcrais para efeitos de conhecimento da aludida prescrição da obrigação tributária, até porque, como é consabido, ocorre o reconhecimento de um duplo efeito – instantâneo e duradouro – à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, o que implica, por conseguinte, a inutilização de todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

Ora, face a todo o exposto, inexistem elementos que, seguramente, permitam atestar a prescrição da dívida tributária, sendo certo que tal não coarta qualquer direito ou garantia processual, uma vez que a Recorrente sempre pode, a todo o tempo, arguir a prescrição junto do órgão da execução fiscal, e em caso de indeferimento apresentar a competente reclamação ao abrigo dos artigos 276.º e seguintes do CPPT.

E por assim ser, conclui-se que não fornecendo os autos elementos seguros para se conhecer da prescrição da obrigação tributária, e por não ter o Tribunal o dever de averiguar se a mesma se verifica ou não no âmbito deste processo, e por não fazer qualquer sentido mandar baixar os autos para a 1ª instância para dela conhecer(14), não há, pois, que declarar a inutilidade superveniente da lide com fundamento na prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada.

(14)Neste sentido, vide, por todos, os Acórdãos do STA proferidos nos processos nºs 0571/06.8 e 01433/17, de 20.04.2020 e 04.07.2018, respetivamente, e TCAS, processo nº 79/01, de 04.06.2020.

Face a todo o exposto improcedem, na íntegra, todos os vícios arguidos pela Recorrente. Uma nota final se impõe para relevar que não cumpre, ora, aquilatar de eventual, erro sobre os pressupostos de facto e de direito atinente à sentenciada improcedência, donde, no domínio da verificação dos pressupostos de avaliação indireta e de concreto erro na quantificação, porquanto a questão não foi, de todo, sindicada no presente recurso jurisdicional.


Destarte, improcede, in totum, o presente recurso jurisdicional devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica a decisão recorrida.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em :

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.



LISBOA, 24 de Janeiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires )


(Ana Cristina Carvalho)


(Luísa Soares)