Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:63/19.5BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/01/2019
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR - LIBERDADE DE EXPRESSÃO - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL - ISENÇÃO DE CUSTAS - ARTIGO 4º N.º 1, ALÍNEA G), DO RCP
Sumário:I O B..... ao difundir, depois do jogo terminado e quando as equipas regressavam aos balneários, através da aparelhagem sonora do estádio, uma música do género paso doble não achincalhou, denegriu ou minimizou o F....., ou seja, não violou os deveres de correcção e urbanidade a que está adstrito, pois o paso doble é utilizado nas touradas somente para enaltecer o triunfo do toureiro, isto é, o seu bom desempenho, não tendo em vista menosprezar o touro, pelo que carece de fundamento pretender retirar da difusão de tal género musical algo mais do que o enaltecer da vitória do B......
II – Mesmo que, por hipótese, se entenda que o B....., ao difundir através da aparelhagem sonora do estádio uma música do género paso doble, demonstrou alguma falta de elevação e que essa difusão é apta a incomodar o F....., por estar a associá-lo a um touro vencido na arena, tal não é suficiente para se concluir que ocorreu uma violação de deveres de correcção e urbanidade, pois a difusão de tal género musical corresponde ainda ao exercício legítimo do direito à liberdade de expressão, previsto no art. 37º n.º 1, da CRP, e no art. 10º, da CEDH, tendo, desde logo, em conta que nada se apurou no sentido de que tal difusão tenha sido a causa de qualquer tipo de violência ou tenha incitado à mesma.
III A actuação da Federação Portuguesa de Futebol que, no Tribunal Arbitral do Desporto (e também neste TCA Sul), litiga em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina, opondo-se à sua invalidação, e com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.ºs 1 e 9, do CPTA - ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão -, não integra a previsão do art. 4º n.º 1, al. f), do RCP, pois aquela não litiga em defesa directa das atribuições que lhe estão especialmente cometidas pelo respectivo estatuto (promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições) ou legislação que lhe é aplicável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

I - RELATÓRIO

S..... - Futebol SAD (B.....) apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), nos termos do art. 4º n.º 3, al. a), da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei 74/2013, de 6/9, na redacção da Lei 33/2014, de 16/6, recurso do acórdão, proferido em plenário, do Conselho de Disciplina (Secção Profissional) da Federação Portuguesa de Futebol, de 30.10.2018, no âmbito do processo disciplinar n.º 17-18/19 - nos termos do qual foi negado provimento ao recurso hierárquico impróprio e, consequentemente, mantida a decisão disciplinar recorrida proferida em processo sumário, na sessão de 9.10.2018, que condenou o B..... na multa de € 765, pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 127º n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2018 (RDLPFP 2018), conjugado com o art. 19º n.º 1, do RDLPFP 2018, e o art. 51º n.º 1, do RCLPFP - contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no qual peticionou a revogação desse acórdão do Conselho de Disciplina da FPF.

Por acórdão de 10 de Abril de 2019 do TAD foi negado provimento ao recurso interposto pelo B..... e, em consequência, confirmada a decisão recorrida.

Inconformado, o B..... interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul desse acórdão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“1. O presente Recurso é Interposto do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido no âmbito do processo n.º 83/2018, que manteve a condenação proferida pelo CD FPF, proferida em sede de Recurso Hierárquico Impróprio, em 2 de Outubro de 2018, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.º 17-17/18, que, por sua vez, condenou a Recorrente pela prática, do ilícito disciplinar p. e p. pelo n.º 1 do artigo do RD LPFP 2017, com a sanção de multa fixada em € 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros).
2. Não se pode a Recorrente conformar com a conotação negativa atribuída ao género musical paso doble.
3. Conforme decorre do que ficou dito em Alegações, o género musical em apreço tem a sua origem nas paradas militares e, embora seja - mediante regras próprias atinentes em exclusivo ao comportamento dou toureiro e não à relação homem/animal - usada nas touradas é um conhecido e popular género de dança de salão.
4. A música em apreço procura ilustrar, quando associada à tourada, a relação entre o toureiro e a sua capa e a graciosidade dos movimentos deste, apenas por mero desconhecimento - ainda que se tenha feito todos os esforços para elucidar - se pode afirmar o contrário.
5. Não se encontra provado nos Autos que a Recorrente tenha procurado denegrir, ofender ou achincalhar o seu adversário ao tocar a música em apreço.
6. A presunção de veracidade do relatório do delegado apenas abrange os factos por este presenciados e o único facto que este presenciou foi a exibição da música, sendo alheio a tudo o mais, conforme se detalhou em sede de Alegações.
7. O ónus do preenchimento dos elementos do tipo de ilícito disciplinar impende sobre a Recorrida e não foi cumprido no caso concreto.
8. Não se verifica qualquer causa justificativa para o impedimento da exibição da música em causa, pelo que o n.º 1do artigo 127.º do RD LPFP 2017, quando interpretado no sentido de proibir a exibição de músicas do género paso doble é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 26.º, 1, 37.º, 1, e 78.º, 1, da CRP.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente ser o Acórdão Recorrido revogado e substituído por outro deste Tribunal que, contemplando a pretensão ora aduzida:
a) absolva a Recorrente da infracção disciplinar que lhe é imputada;
b) Declare a Inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 127.º do RD LPFP 2017, quando interpretado no sentido de proibir a exibição de músicas do género paso doble, por violação do disposto nos artigos 26.º, 1, 37.º, 1, e 78.º, 1, da CRP.
Com o que farão V. Exas. Justiça”.


Na contra-alegação de recurso apresentada a FPF pugnou pela manutenção do acórdão arbitral recorrido, defendendo ainda que beneficia de isenção de custas - ao abrigo do art. 4º n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais (RCP) -, requerendo, consequentemente, o reembolso da taxa de justiça que, à cautela, pagou nesta instância recursiva.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso. A este parecer respondeu o B..... reiterando que o recurso por si interposto deve ser julgado procedente.



II - FUNDAMENTAÇÃO

No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos:

“1. No dia 7 de Outubro de 2018, pelas 17h30, no Estádio do SL B....., em Lisboa, realizou-se o jogo S..... - Futebol, SAD//F..... - Futebol, SAD, a contar para a 7ª jornada da Liga NOS 201//2019[1].

2. O jogo terminou com o resultado de 1-0, favorável à Sport Lisboa B..... SAD.

3. Depois do jogo terminado e quando as equipas regressavam aos balneários foi difundida, através da aparelhagem sonora do estádio, uma música do género paso doble.

4. A recorrente agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a difusão da música em causa, nas circunstâncias e termos em que o fez, configura desrespeito pelos princípios desportivos de lealdade, probidade e a violação dos deveres de correcção e urbanidade previstos pelo ordenamento jurisdisciplinares desportivo.

5. Na época em curso, até à data dos factos, a Recorrente foi sancionada, por decisão transitada em julgado, por diversas infracções disciplinares.”.


*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se
- o acórdão arbitral recorrido enferma de erro:
- ao concluir pela existência de um facto ilícito e, em caso negativo, se o art. 127º n.º 1, do RDLPFP 2018, é inconstitucional quando interpretado no sentido de proibir a exibição de música do género paso doble, por violação dos arts. 26º n.º 1, 37º n.º 1 e 78º n.º 1, da CRP;
- na fixação da matéria de facto dada como provada em 4. e ao concluir pela existência de culpa;
- a FPF beneficia de isenção de custas.

Passando à análise de cada uma destas questões.


Erro do acórdão arbitral recorrido ao concluir pela existência de um facto ilícito

No acórdão arbitral recorrido manteve-se a decisão constante do acórdão do Conselho de Disciplina da FFP de 30.10.2018, no qual foi negado provimento ao recurso hierárquico impróprio e, consequentemente, mantida a decisão disciplinar proferida em processo sumário, na sessão de 9.10.2018, que condenou o B..... na multa de € 765, pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 127º n.º 1, do RDLPFP 2018 [nos termos do qual, em todos os casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável são punidos com a sanção de multa de montante previsto neste normativo], conjugado com o art. 19º n.º 1, do RDLPFP 2018 [de acordo com o qual as pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social], e o art. 51º n.º 1, do RCLPFP [segundo o qual todos os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correcção entre si, bem como para com os representantes da Liga e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes].

A aplicação desta sanção (multa de € 765) assentou na seguinte factualidade: depois do jogo terminado – realizado no dia 7.10.2018, pelas 17h e 30mn, no Estádio do SL B....., em Lisboa, entre o B..... e o F....., a contar para a 7ª jornada da Liga NOS 2018/2019, o qual terminou com o resultado de 1-0, favorável ao B..... - e quando as equipas regressavam aos balneários, foi difundida, através da aparelhagem sonora do estádio, uma música do género paso doble.

Invoca o recorrente que carece de fundamento a conotação negativa atribuída ao género musical que difundiu (paso doble), razão pela qual não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo de ilícito disciplinar em causa.

Vejamos.

O acórdão arbitral recorrido e o acórdão do Conselho de Disciplina da FFP de 30.10.2018 têm uma fundamentação muito semelhante, em ambos se tendo considerado que tal factualidade consubstancia um facto ilícito, dado que, e em síntese:

- “Com efeito, a ética desportiva e a defesa do espírito desportivo, englobam naturalmente os valores de saber perder e saber ganhar, e a correção devida com o oponente (circunstancial) desportivo.

O vencedor não pode, pois, em obediência a tais princípios, aproveitar-se da situação de vencido do seu adversário para o achincalhar, o denegrir, o minimizar de forma a, como no caso em apreço, através da música – mas poderia ser através de outro meio – que se veja nele, um participante desportivo, um outro tipo de participante, noutro espetáculo (não se discute agora a qualificação da tourada), não humano, toureado e derrotado pela arte do toureiro que, por via disso, alcança o direito a música do tipo da tocada no estádio.”;

- “Obviamente que não são os gostos musicais que estão em causa, o que está em causa são tão só os deveres que a Recorrente infringiu por ter difundido tal sonoridade conhecida por paso doble.”;

- “(…) a Recorrente (…) optou (…) pelo paso doble, ao qual, entre nós e na atualidade, está tradicionalmente associado o espetáculo tauromáquico. A presença deste estilo no universo das touradas é inequívoca.”;

- “Para o homem médio não desvirtuado pela paixão clubística aquela música naquelas circunstâncias associa-se imediatamente a uma tourada, associação essa que foi depressa sentida por todos que assistiam àquele momento de consagração e apoteose dos vencedores, e por tal percebida pelo Delegado ao jogo que fez a referência no respetivo boletim.

 De facto, é consabido que o paso doble é o género musical que é mandado tocar pela direcção de uma corrida de touros quando o toureiro/matador ou o cavaleiro/rojoneador têm um desempenho invulgar em termos de excelência segundo os cânones do toureio, podendo também o público manifestar-se para pedir que a lide do touro prossiga ao som desse género musical, regra costumeira esta que é seguida em qualquer local onde se realize uma corrida de touros.”;

- “(…) Fê-lo, estamos convictos, nas circunstâncias e nos termos referenciados – após vitória no seu estádio e com a equipa visitante, vencida, ainda no relvado – com um claro propósito de achincalhar o adversário, numa manifestação de desrespeito e descortesia com o clube rival. (…) tal como na corrida de touros, o paso doble é autorizado pelo diretor da corrida quando a lide pelo cavaleiro é bem-sucedida, num jogo de futebol, em face das circunstâncias concretas, tal há-de significar que a Recorrente “toureou” o seu adversário de forma a ridicularizá-lo com o intuito de melhor enaltecer a sua vitória.”;

- “Como se pode apelar a comportamentos civilizados e urbes por parte dos adeptos se as entidades organizadoras do espetáculo de futebol o converterem, a espaços, em momentos de incivilidade, de grosseria, e de má educação? Como combater a violência nos estádios de futebol se, nas circunstâncias descritas no caso presente, com a difusão da música selecionada se achincalha o contendor adversário, tão importante para a subsistência e riqueza da competição em jogo, e se pode exaltar os adeptos a manifestações excêntricas e desrespeitosas aderindo ao acompanhamento de uma música em que os OLÉS são frequentes e se impele a “jogos de táureo” dos jogadores adversários?”;

- “(…) é indubitável que a Recorrente ao ter difundido uma música de estilo paso doble no fim do um jogo que venceu a um dos seus principais rivais desportivos atuou com desrespeito pelos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão previstos no artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP18, bem como violou os deveres de correção e urbanidade previstos no artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP18.”.

Do ora transcrito decorre, em suma, que no acórdão arbitral recorrido e no acórdão do Conselho de Disciplina da FFP de 30.10.2018 considerou-se que o B....., ao passar no fim do jogo uma música do género paso doble, violou os deveres de correcção e urbanidade a que está adstrito, dado que tal género musical encontra-se conotado com as touradas, pelo que ao passá-la o B..... está a comparar o seu adversário (F.....) a um participante de outro tipo de espectáculo (tourada), toureado e derrotado pela arte do toureiro, ou seja, está a achincalhar, denegrir e minimizar o F......

O género musical ora em causa (paso doble):

- “é um estilo musical e uma dança de origem espanhola, surgido no século XVI. É utilizado tanto em touradas como em desfiles militares. Popularizado como estilo de dança a partir da década de 1920, com muitas semelhanças ao One-Step. O pasodoble é a tradução das emoções das Touradas Espanholas para a pista de dança. Nesta dança o homem encarna o espírito de toureiro, digno e orgulhoso, que de forma decidida e graciosa conduz a senhora pelo salão como se ela fosse a sua capa. É uma dança forte, decidida, de tempos bem marcados onde se sente uma tensão entre os dançarinos ao longo de toda a dança.” (cfr. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pasodoble);

- “é o ritmo mais representativo da música Espanhola.

Pode ser considerado, em essência o estandarte sonoro que o distingue em todas as partes do mundo. Trata-se de um ritmo alegre, cheio de elegância, castiço, flamenco algumas vezes, sempre sendo espelhado pelo mais genuíno sabor espanhol.

Vale a pena, embora seja somente por curiosidade, aprofundar algo na historia do pasodoble espanhol, não só para enfatizar o muito e as coisas boas que foram escritas em torno desta peça musical, e sim para que não se esqueça o lugar que este tem reservado na música Espanhola.

O Paso-doble é inspirado na mais popular festa espanhola – as corridas de touros. O Paso-doble faz parte do folclore espanhol e dança-se ao som das orquestras que tocam nas praças de touros. Sendo uma dança puramente espanhola é considerada um símbolo nacional. No entanto, pensa-se que esta dança possa ter tido origem na França, onde se chamava pas-redouble, tocada por bandas para marchas militares em 1780.

 O nome foi-lhe atribuído quer para desfiles militares, quer na tauromaquia, e a dança recebeu o mesmo nome e popularizou-se em 1962.

A dança é composta por um compasso 2 / 4 ou 6 / 8. Os passos e figuras dançadas são inspiradas nas touradas, sendo que o homem se identifica com o toureiro e a mulher com a sua capa. Tem o mesmo ritmo quente e apaixonado desse espectáculo, sendo uma dança cheia de garra e paixão que exige muita técnica.” (cfr. http://claudioresponde.blogspot.com/2012/07/pasodoble.html#!/2012/07/pasodoble.html);

- “é um estilo musical espanhol, surgido no séc. XVI. É uma marcha de compasso 2/4 ou 6/8 e tempo allegro moderato, popularizada como estilo de dança a partir da década de 20, com muitas semelhanças ao One-Step.

A marcha é um estilo musical que se enquadra nas composições definidas pelo movimento e pelo ritmo. Uma marcha regula o passo de um certo número de pessoas. O pasodoble está ligado às bandas de música que se exibem em festas populares, tendo um vínculo muito forte com a festa dos toiros.

A origem deste estilo parece residir na Tonadilla Cénica, um estilo musical tipicamente espanhol, que na primeira metade do séc. XVIII era utilizado para concluir autos teatrais ou bailes encenados.

O pasodoble é uma das poucas formas de dança, de par, espanhola que se manteve até aos nossos dias, estando presente em muitas das festas e romarias populares que fazem parte da tradição de muitas regiões espanholas.

Algumas correntes de investigação defendem França como sendo o país originário desta forma musical. Aí terá tido a designação de Pás-redouble, sendo tocado por bandas de música durante desfiles militares desde 1780. Desse país ter-se-á desenvolvido e estendido a outros territórios como marcha de infantaria, regulando o passo dos soldados.

O pasodoble é uma forma de baile muito simples, com figuras livres, sendo muito fácil a sua aprendizagem. Aqui a mulher desempenha um papel importante. Ela é cortejada através de uma série de passos básicos executados pelo seu par.

(…)

A sua ligação à Festa Brava é de tal maneira grandiosa, que hoje em dia é inconcebível um espectáculo taurino sem música, música esta Pasodoble. Basta ouvir os primeiros acordes de uma peça e surgem automaticamente na memória tardes de glória, corridas assistidas, cites efectuados, passes executados. Nas cortesias, após cada cravagem, a premiar os artistas durante a lide, na volta triunfal dos toureiros ou na saída destes no final do espectáculo, o Pasodoble é um interveniente obrigatório na Festa.” (cfr. http://rabotorto.blogspot.com/2007/05/o-pasodoble.html).

Resumindo o ora transcrito, pode-se dizer que o paso doble é um estilo musical utilizado tanto em touradas como em desfiles militares e que, entretanto, se popularizou como estilo de dança, sendo que “Nas touradas, há, normalmente, uma banda que toca um "paso doble" quando o dire(c)tor das corridas entende que a lide decorre com arte e com brio, muitas vezes a pedido do público.” (cfr. https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/passodoblismo/19197), ou seja, nas touradas este género de música visa apenas enaltecer o triunfo do toureiro, isto é, o seu bem desempenho, não tendo em vista menosprezar o touro.

No caso sub judice o género musical paso doble foi difundido no Estádio do SL B....., depois de terminado o jogo entre o B..... e o F....., a contar para a 7ª jornada da Liga NOS 2018/2019, no qual o B..... saiu vitorioso, sendo natural a associação deste género musical às touradas, já que nestas o paso doble visa enaltecer o triunfo do vencedor e ao ser difundido nessa ocasião no Estádio do SL B..... visava o mesmo objectivo, ou seja, festejar e enaltecer a vitória do B....., pois este tinha acabado de derrotar o campeão em título.

De todo o modo, é ilegítima a conclusão a que se chegou no acórdão arbitral recorrido e no acórdão do Conselho de Disciplina da FFP de 30.10.2018 de que o B....., ao difundir este género de música, achincalhou, denegriu e minimizou o F....., ou seja, violou os deveres de correcção e urbanidade a que está adstrito, pois, como acima salientado, o paso doble é utilizado nas touradas somente para enaltecer o triunfo do toureiro, isto é, o seu bom desempenho, não tendo em vista menosprezar o touro, pelo que carece de fundamento pretender retirar da difusão de tal género musical algo mais do que o enaltecer da vitória do B......


E mesmo que, por hipótese, se entenda que o B....., ao difundir através dos altifalantes do estádio uma música do género paso doble, estava a associar o seu adversário (F.....) a um touro vencido na arena, tal não é suficiente para se concluir que o mesmo violou tais deveres de correcção e urbanidade, pois a conduta do B..... encontra-se justificada ao abrigo do direito à liberdade de expressão, previsto no art. 37º n.º 1, da CRP, e no art. 10º, da CEDH [no sentido de que este direito também se aplica a pessoa colectivas, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 2007, 4ª Edição, pág. 576, em anotação ao art. 37º (“No entanto, não se trata de um direito exclusivamente pessoal, fazendo sentido estendê-lo também às pessoas colectivas (art. 12°-2), dentro da esfera própria de atribuições de cada uma (princípio da especialidade). De facto, a liberdade de expressão e informação, incluindo o direito de resposta, pode ser um requisito essencial da acção colectiva da pessoa colectiva em causa (pense-se nos sindicatos, nos partidos políticos, etc.).”), João Tornada, «Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender?” - o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome», O Direito, 150º (2018), I, pág. 123 (“No tocante à sua titularidade (ou âmbito subjetivo), tanto as pessoas singulares como as pessoas coletivas podem produzir e exteriorizar ideias ou pensamentos e difundir informações, por força do artigo 12.º, n.º da CRP.”), e Jónatas Machado, “Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social”, BFDUC, 2002, págs. 398 a 404].

Com efeito, dispõe o art. 37º, da CRP, sob a epígrafe “Liberdade de expressão e informação”, o seguinte:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”.

E estatui o art. 10º, da CEDH, sob a epígrafe “Liberdade de expressão”, que:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”.

Como a este propósito esclarece João Tornada, «Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender?” - o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome», O Direito, 150º (2018), I:
- a págs. 121 e 122, “Posto isto, a liberdade de expressão e de informação, enquanto direito fundamental, encontra-se consagrada no artigo 37.º, n.º 1 da CRP (…). Com efeito, o artigo 37.º da CRP encerra dois feixes de direitos distintos: a liberdade de expressão e a liberdade de informação, munindo os seus titulares de uma situação jurídica complexa. Procuraremos, sumariamente distingui-los.
A liberdade de expressão comporta (i) o direito negativo a não ser impedido de exprimir e divulgar o pensamento, ideias, opiniões, factos, conhecimentos, mensagens publicitárias, criações artísticas, de todo o tipo e por qualquer meio (…)
(…) Por força do artigo 37.º, n.º 3 da CRP, proíbe-se a censura o que consubstancia não só um direito negativo, mas exige também do Estado uma atuação positiva perante investidas de entidades privadas que, por força do artigo 18.º, n.º 1 da CRP, estão vinculadas a respeitar este direito fundamental.” (sublinhados nossos);
- a pág. 126, “Posto isto, a liberdade de expressão não protege apenas a veiculação de factos verídicos e de opiniões sensatas. Os valores democráticos do pluralismo e da tolerância em relação à diversidade de personalidades dos cidadãos e, em alguns casos, à espontaneidade associada às suas ações, exigem que o Direito proteja tanto os estilos de comunicação mais racionais ou ponderados como os mais metafóricos e exacerbados.” (sublinhados nossos);
- a págs. 134 e 135, “Por sua vez, o princípio da concordância prática dita que se procure obter o máximo de proteção para cada um dos direitos, comprimindo-os mutuamente de forma proporcional. Porém, nem sempre será possível ou desejável maximizar o âmbito de proteção dos direitos em confronto. Casos haverá em que é antes necessário que se encontre o direito “prevalecente” ou “preponderante”, sem que isso acarrete a adoção da medida menos lesiva para o direito restringido. Concretizando, quando o direito prevalecente for a liberdade de expressão, a resolução do conflito nem sempre se coadunará com a medida “menos gravosa” para a honra e para o bom nome do visado. Pense-se, a título de exemplo, que um jornalista A insinua que B (figura pública) terá praticado um crime de peculato, referindo-se a este em termos ofensivos da sua honra. Atendendo às circunstâncias concretas do caso, poderá o interesse público da notícia ditar que esta subsista como tal, ao invés de se procurar um ponto de equilíbrio no sentido de, por exemplo, serem omitidas as palavras desonrosas ou a identidade de B. Num oximoro, “pode ser desproporcional exigir-se um absoluto respeito pelo princípio da proporcionalidade”. No fundo, não se pode exigir que os cidadãos, antes de intervirem no debate público, tenham “primeiro que pesar as suas palavras numa balança de ourives”, atenta a função da liberdade de expressão como meio de instituir uma esfera de debate público com respeito pelas diferentes personalidades e idiossincrasias.”;
- a pág. 139 a 143, “(…) decorre da CEDH que a liberdade de expressão será em regra tutelada, podendo ser derrogada em casos excecionais, nomeadamente “para proteção da honra” uma vez verificados os pressupostos do seu artigo 10.º, n.º 2. Há, portanto, uma escolha tendencial, a favor da liberdade de expressão em detrimento dos direitos de personalidade, escolha essa que vincula os tribunais portugueses por força do artigo 8.º, n.º 2 da CRP. Do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH resulta que a liberdade de expressão apenas poderá ser limitada se a restrição (i) estiver prevista na lei, (ii) prosseguir um fim legítimo, i.e., do elenco taxativo desse preceito e (iii) for necessária numa sociedade democrática.
Partindo deste triplo teste, o TEDH sedimentou nas suas decisões os seguintes critérios gerais de resolução do conflito (ou linhas normativas de decisão generalizáveis):
1. A liberdade de expressão abarca tanto as “informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes como aquelas que, chocam, inquietam ou ofendem” e que “contestam a ordem estabelecida”, pois é justamente nesses casos que “é mais preciosa”.
2. Aos media, que são os “cães-de-guarda da democracia”, compete-lhes difundir ideias e informações sobre todos os assuntos de interesse geral.
(…)
4. As “formalidades, condições, restrições, sanções” à liberdade de expressão, à luz do 10.º, n.º 2 devem ser objeto de uma “interpretação restritiva”, só podendo ter lugar quando exista uma “necessidade social imperiosa”.
5. Essas restrições devem ser “pertinentes”, “suficientes” e “proporcionais ao fim legítimo prosseguido”, pois há “pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão nas questões políticas e de interesse geral”.
(…)
7. Numa sociedade democrática todas as instituições e personalidades que ocupem uma posição de poder i.e., sejam “atores da vida pública” devem prestar contas à população, incluindo o poder judicial.
8. “Os limites da crítica admissível” são mais amplos no caso de “atores da vida pública” do que em relação “a um simples particular”. Sendo que dentro desse leque, os políticos são os que “devem ser mais tolerantes às críticas violentas” ou “insultuosas”.
(…)
10. A acutilância das críticas ao poder judicial, deve ser menor do que aquela que é permitida ao poder político, dado que “os juízes que são criticados estão sujeitos a um dever de descrição que os preclude de responder”.
11. Quando exista uma imputação de factos, apenas se exige aos jornalistas que atuem de boa-fé e se baseiem em fontes oficiais ou fidedignas – ainda que não sejam públicas – ou utilizem a citação direta, não lhes sendo exigido que desenvolvam “uma investigação autónoma”.
(…)
15. Não se exige aos cidadãos ou aos media que corroborem factos injuriosas com o mesmo grau de certeza que o poder judicial, i.e., “em pé de igualdade com o do processo criminal”, mas apenas que “a base factual seja sólida”. Contudo, os media, sempre que imputem factos desonrosos, têm o dever deontológico de tentar adquirir a versão dos factos do sujeito visado.
16. Tratando-se de juízos de valor ofensivos, não poderá ser exigida a prova da sua veracidade por ser naturalisticamente impossível, sendo apenas exigido que se demonstre que estes assentam em “alguma base de facto suficiente”, pois “mesmo os juízos de valor sem qualquer base factual que o suportem poderão ser excessivos” ou consubstanciar um “ataque pessoal gratuito”.
17. “A liberdade de imprensa também abrange o possível recurso a uma certa dose de exagero, ou mesmo de provocação”.
18. Nos casos de discurso humorístico ou de sátira, em que o espectador-médio não perceciona uma piada como uma declaração séria, não há violação do direito à honra e ao bom nome.
19. Podem recorrer à sátira não só os artistas, mas toda e qualquer pessoa que, por meio da exacerbação e da deformação da realidade visem, como é próprio desse estilo discursivo, provocar e agitar.
20. Quando nos afastemos da discussão de questões de interesse público, o nível de tutela da honra e do bom nome já poderá divergir de cultura para cultura, deixando a CEDH “alguma margem de apreciação” aos Estados Contratantes.” (sublinhados e sombreados nossos);
- e a pág. 148 “(…) a prevalência da liberdade de expressão, no caso concreto, é incompatível com a exigência de que sejam empregues apenas os termos mais comedidos ou neutros possíveis. Um respeito cego pela máxima de otimização dos dois direitos fundamentais seria desproporcional, pois a espontaneidade e emotividade associada ao discurso e à troca de ideias impõe que se reconheça uma certa margem para as críticas lancinantes ou maledicentes.
Na verdade, apenas se exige que as exteriorizações não sejam excessivamente ofensivas (…)”.

E conforme explica Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 2010, 4ª Edição, em anotação ao art. 10º:
- a pág. 271, “1. O titular do direito à liberdade de expressão é, sem dúvida, a pessoa dependente da jurisdição do Estado, que pode exercitá-lo face ao próprio Estado, como diante das entidades privadas.
(…)
2. Repetidas vezes se tem proclamado a importância deste direito numa sociedade democrática.
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma tal sociedade, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um.”;
- a pág. 272, “3. A liberdade de expressão pode revestir as mais variadas formas, orais ou escritas, da música à pintura, do gesto à imagem, protegendo este artigo o modo de difusão das ideias e opiniões em questão;” (sombreado nosso);
- a págs. 278 e 279, “(…) as excepções à liberdade de expressão, princípio fundamental numa sociedade democrática, devem ser interpretadas restritivamente e a necessidade das restrições deve ser convenientemente estabelecida (…)
Os Estados gozam, é certo, de uma larga margem de apreciação sobre a necessidade de ingerência, mormente no domínio da moral e especialmente da religião assim como na área da rádio comercial (…)
Mas não se dispensa um controlo europeu mais ou menos alargado sobre a lei e sobre as decisões, controlo que deve apurar se as medidas visadas – formalidades, condições, restrições ou sanções –, são proporcionais ao fim legítimo perseguido, tendo em vista o lugar eminente da liberdade de expressão numa sociedade democrática e, ainda, se os motivos invocados pelas autoridades nacionais para justificar a ingerência se afiguram pertinentes, suficientes e proporcionais aos fins visados, e se as suas decisões encontram um fundamento aceitável nos factos relevantes (…)” (sublinhados e sombreado nossos);
- e a pág. 283, “No campo do discurso político ou de questões de interesse geral, pouco espaço há para restrições à liberdade de expressão (…); por outro lado, os limites de uma crítica aceitável são mais largos relativamente a uma figura pública, como um político, do que em relação a um privado (…)”.

Assim, mesmo que, por hipótese, se entenda que o B....., ao difundir através da aparelhagem sonora do estádio uma música do género paso doble, demonstrou alguma falta de elevação e que essa difusão é apta a incomodar o F....., tal não é suficiente para se concluir que ocorreu uma violação de deveres de correcção e urbanidade, pois a difusão de tal género musical corresponde ainda ao exercício legítimo do direito à liberdade de expressão, tendo, desde logo, em conta que nada se apurou (cfr. factualidade dada como provada) no sentido de que tal difusão tenha sido a causa de qualquer tipo de violência ou tenha incitado à mesma [a este respeito cabe destacar a seguinte passagem do voto de vendido lavrado ao acórdão arbitral recorrido: “Votei vencido o acórdão do TAD porquanto entendo que não se provou que a emissão da música tipo paso doble haja ferido os deveres de urbanidade e correção a que alude o Regulamento das competições desportivas. Desde logo, porque não provocou nenhuma altercação entre o público presente, nem provocou incitamentos a desacatos ou foi injurioso para a parte vencida (…)”].

Dito por outras palavras, in casu a punição do B..... pela difusão de uma música do género paso doble nunca poderia ser considerada como uma providência necessária numa sociedade democrática para assegurar a ordem no desporto, razão pela qual sempre se teria de considerar que tal difusão se encontra justificada pelo direito à liberdade de expressão.

Pelo exposto, cumpre nesta parte conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar o acórdão arbitral recorrido e, em consequência, julgar procedente o recurso interposto pelo B..... perante o TAD, anulando o acto impugnado, nos termos do qual o B..... foi condenado pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 127º n.º 1, do RDLPFP 2018, conjugado com o art. 19º n.º 1, do RDLPFP 2018, e o art. 51º n.º 1, do RCLPFP (cfr. art. 163º n.º 1, do CPA de 2015).

Face à procedência desta questão encontra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo B......

Isenção de custas

Argumenta a FPF, ora recorrida, que beneficia da isenção de custas - ao abrigo do art. 4º n.º 1, al. f), do RCP -, requerendo, consequentemente, o reembolso da taxa de justiça que, à cautela, pagou nesta instância de recurso.

Apreciando.


O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º 1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º 1, “as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas”, e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) – cfr. o respectivo art. 1º.

Dispõe o art. 4º, do RCP, o seguinte:
“1 – Estão isentos de custas:
(…)
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
(…)” (sublinhados nossos).

A isenção de custas prevista na al. f) do n.º 1 deste art. 4º depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art. 1º n.º 1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é “uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação de direito privado”].

Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5ª Edição, págs. 159 e 160:
“Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades atuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos.” (sublinhados e sombreados nossos).

A FPF, ora recorrida, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º 1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.

Ora, a FPF, neste TCA Sul, não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 30.10.2018, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a FPF neste TCA Sul com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.ºs 1 e 9, do CPTA, ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 30.10.2018.

Dito por outras palavras, a FPF contra-alegou o presente recurso jurisdicional interposto pelo B..... não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 30.10.2018, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.

Conclui-se, assim, que a actuação da FPF não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º 1, al. f), do RCP - neste sentido, Acs. deste TCA Sul de 1.6.2017, proc. n.º 57/17.5 BCLSB [“III – A actuação da Federação Portuguesa de Futebol que, no Tribunal Arbitral do Desporto (e também neste TCA Sul), litiga em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina, opondo-se à sua invalidação, e com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.ºs 1 e 9, do CPTA - ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão -, não integra a previsão do art. 4º n.º 1, al. f), do RCP, pois aquela não litiga em defesa directa das atribuições que lhe estão especialmente cometidas pelo respectivo estatuto (promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições) ou legislação que lhe é aplicável”], e 15.2.2018, proc. n.º 165/17.2 BCLSB -, razão pela qual tem de improceder o presente pedido de reembolso da taxa de justiça paga nesta instância de recurso.


Além disso, tendo a FPF ficado vencida nesta instância recursiva e no TAD, deverá suportar as custas em ambas as instâncias (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).


III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o acórdão arbitral recorrido, e, em consequência, julgar procedente o recurso interposto pelo B..... perante o TAD, anulando o acto impugnado.
II - Indeferir o pedido formulado pela FPF de reembolso da taxa de justiça que pagou nesta instância de recurso.

III – Condenar a FPF nas custas nesta instância recursiva e no TAD.

III – Registe e notifique.


*

Lisboa, 1 de Agosto de 2019



(Catarina Gonçalves Jarmela – relatora)

(Paula de Ferreirinha Loureiro – 1ª adjunta)

(Ana Pinhol – 2ª adjunta)



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[1]Escreveu-se, por lapso, “201//2019” quando se pretendia escrever “2018//2019” (cfr. fls. 88 a 100, do processo arbitral).