Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05438/09
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:11/21/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SENTENÇA, ARTº 161º DO CPTA, LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:
I. No artº 161º do CPTA, reconheceu-se, a quem não tenha lançado mão do meio processual adequado a fazer valer as suas pretensões, o direito de exigir da mesma entidade administrativa, a mesma tutela que foi obtida por outro interessado, em sentença transitada em julgado.
II. Constituem pressupostos do pedido de extensão de efeitos de uma decisão judicial, enquanto elementos constitutivos materiais da pretensão, os seguintes:
a) que a situação do interessado não se encontre definida por decisão judicial transitada em julgado;
b) que na decisão judicial cuja extensão de efeitos se requer haja sido julgado procedente uma pretensão perfeitamente idêntica à que o interessado accionou ou podia ter accionado;
c) que tenham sido proferidas cinco sentenças, transitadas em julgado, no mesmo sentido.
III. Tem ainda de se verificar um requisito de natureza processual:
d) que tenha sido apresentado requerimento dirigido à mesma entidade administrativa que foi demandada que haja sido indeferido ou não tenha merecido resposta.
IV. Encontrando-se demonstrado que não foram proferidas cinco decisões judiciais, transitadas em julgado, que tenham reconhecido a pretensão deduzida em juízo e que, considerando a matéria envolvida, relativa ao pedido de reclassificação de funções relativamente a 300 representados do Autor, não é possível concluir pela perfeita identidade de situações entre o acórdão fundamento e o universo dos interessados, por não se encontrarem tais funcionários todos nas mesmas circunstâncias de facto, antes exercendo funções diversas e em locais diversos, terá de se concluir pela falta dos requisitos legais previstos para a extensão dos efeitos de decisão judicial, os quais são de verificação cumulativa.
V. Embora a boa-fé no litígio seja perfeitamente compatível com uma lide imprudente ou temerária, só o não sendo no caso de o litigante ter consciência de não assistir qualquer direito à sua pretensão, considera-se que o caso configurado em juízo ultrapassa a mera imprudência comum, quer por serem alegados factos que não têm qualquer correspondência com a realidade, sendo por isso falsos, quer por ser deduzida pretensão totalmente infundada, de facto e de Direito.
VI. Sendo a pretensão de extensão de efeitos do julgado sobre a reclassificação profissional relativa a 300 interessados, não pode o Autor deixar de estar consciente da falta de fundamento da sua pretensão, não só por inexistência das cinco decisões favoráveis, como pela falta de perfeita identidade das situações em causa.
VII. Tal actuação processual do Autor funda a litigância de má-fé, nos termos do artigo 456º nºs. 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, devidamente identificado, veio requerer contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, nos termos do artº 161º, nº 4 do CPTA, a extensão dos efeitos do Acórdão datado de 11 de Dezembro de 2007, já transitado em julgado, proferido no recurso nº 150/07, do Supremo Tribunal Administrativo.

Alega, em súmula, que foi o TCA que no âmbito do processo nº 11983/03 se pronunciou em primeira instância sobre a procedência do pedido e que todos os representados do Autor, no total de 300, se encontram na mesma situação jurídica, como se exige no disposto no nº 1, do artº 161º, do CPTA.

Invoca que o STA e o TCA, julgaram já procedentes pretensões idênticas à dos ora representados pelo Autor e que já foram proferidas cinco sentenças transitadas em julgado: os acórdãos do STA, de 01/02/2005, proc. nº 662/04-12; de 06/10/2004 e de 06710/2005, proc. nº 288/04; de 02/02/2006, proc. nº 1033/05-12; de 17/10/2006, proc. nº 0972/05 e de 11/12/2007, proc. nº 150/07.

Mais alega que os seus representados apresentaram em 05 e em 15 de Dezembro de 2008, ao Ministro das Finanças, o pedido de extensão do acórdão, não tendo recebido resposta.

Conclui, pedindo a reclassificação dos seus representados, ao abrigo do artº 15º do D.L. nº 497/99, de 19/11, para a categoria de técnico de administração tributária adjunto, nível 1, com efeitos a 180 dias após a data da entrada em vigor do referido diploma legal, o seu posicionamento no escalão 1/índice 315 da categoria TAT, com efeitos a 11/08/2000, progredindo para o escalão 2/índice 335 em 11/08/2003, que de acordo com o Mapa I a que se refere o artº 41º, nº 1 do D.L. nº 54/2003, de 28/03, ao índice 315 passou a corresponder o índice 320, a partir de Janeiro de 2003, devendo ser reposicionados neste último índice, de 01/01/2003 a 10/08/2003, que seja a situação dos representados do Autor reavaliada no âmbito da avaliação permanente, devendo ser considerada a classificação apurada em sede de mudança de escalão que entretanto se tenha verificado e que sejam pagos os montantes respeitantes a diferenças de vencimento, pagamento do FET, subsídio de Natal e de férias, acrescidos de juros de mora.


*

A entidade demandada, Ministério das Finanças e da Administração Pública, contestou, alegando, em súmula, que não corresponde à verdade que existam cinco sentenças, transitadas em julgado, favoráveis às pretensões requeridas, por existir apenas uma.

Alguns desses arestos foram objecto de recurso jurisdicional, tendo tido, posteriormente, decisão em sentido desfavorável à pretensão do Autor, outros apenas mereceram decisão favorável apenas quanto a um dos requisitos exigidos para a reclassificação e ordenada a baixa dos autos para a apreciação dos restantes requisitos, vieram a ter decisão desfavorável, e os restantes mereceram, a final, decisão desfavorável, nos termos em que discrimina em relação a cada um dos processos invocados pelo Autor.

Mesmo que assim não fosse, sustenta que o instituto da reclassificação não admite, sem mais, a extensão dos efeitos do acórdão às demais situações invocadas pelo Autor, por as referências feitas na lei à mesma situação jurídica, pressupõe que existam casos decididos perfeitamente idênticos e cinco sentenças no mesmo sentido, o que exige uma identidade absoluta.

Deverá existir entre a situação jurídica dos representados do Autor e a situação jurídica das demais situações apresentadas, uma coincidência substancial, o que não se compadece com a verificação dos requisitos necessários à reclassificação, por implicar a apreciação, em concreto e em cada caso, do exercício de funções inerentes ao conteúdo funcional da categoria em que estavam inseridos e daquela para a qual se pretende essa reclassificação.

Defende que há uma impossibilidade objectiva, num processo de extensão de efeitos de julgados em matéria de reclassificação, de verificar a observância do requisito de identidade de situações jurídico-funcionais de cada um dos 300 representados do Autor, por a afectação de cada um diferir não só de lugar, mas também das tarefas e áreas de actividades da própria DGCI.

Mais refere que o Autor ao invocar como tendo transitado em julgado os invocados Acórdãos sabia ou tinha a obrigação de saber que os mesmos não haviam transitado em julgado e que o sentido dos mesmos não lhe é favorável, levando, por má-fé, o Tribunal a decidir com base em factos ou situações que sabia serem falsas.

Pede a rejeição do presente pedido de extensão dos efeitos de acórdão ou se assim não se entender, que seja negado provimento ao pedido.


*

Após notificação, o Autor veio pronunciar-se sobre a contestação apresentada, dizendo que apesar dos lapsos cometidos, estes não foram cometidos com dolo, nem como intenção de prejudicar alguém.

Alega que o que sucedeu é que atento o volume de trabalho e o número de sócios a quem se aplicaria a extensão do acórdão ser bastante grande, não houve o cuidado de verificar os nomes, de forma a evitar os lapsos agora detectados.

Com a atitude tomada não se pretendeu alterar a verdade dos factos, não se tendo agido com dolo ou negligência grave.

Invoca que apenas não efectuou as diligências necessárias para confirmação dos factos enunciados nas decisões jurisdicionais e não existiu a cuidada análise dos factos e dos destinatários a quem a referida extensão do acórdão pudesse aproveitar.

II. QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas na presente instância:

1 – Do pedido de extensão de efeitos de Acórdão do STA, datado de 11/12/2007, processo nº 0150/07, nos termos do disposto no artº 161º do CPTA;

2 – Da litigância de má-fé do Autor.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

Com relevo para a decisão a proferir, dão-se como assentes os seguintes factos:
A) Em 26/10/2006, no âmbito do processo nº 11.983/2003, 1ª Juízo Liquidatário, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por ... , contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico, datado de 25/08/2000, no qual pedia a sua reclassificação na categoria de liquidado tributário, da carreira técnica de administração tributária, ao abrigo do artº 15º do D.L. nº 497/99, de 19/11, anulando o acto impugnado – cfr. doc. de fls. 1013 e segs. dos autos;
B) Interposto recurso desse Acórdão para o STA, por acórdão datado de 12/07/2007, processo nº 0150/07, foi negado provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido – Acordo e cfr. www.dgsi.pt;
C) Em 11/12/2007, no âmbito do processo nº 0150/07, foi proferido Acórdão pelo Pleno do STA, em sede de recurso por oposição de julgados, em que se decidiu não ser perfilhada solução oposta entre os julgados, julgando extinto o recurso – Acordo e cfr. www.dgsi.pt;
D) Os representados do Autor apresentaram requerimentos junto da entidade demandada, requerendo a sua reclassificação – Acordo;
E) Em 14/08/2009, o Autor, Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, veio a juízo requerer a presente extensão dos efeitos do Acórdão do STA, datado de 11/12/2007, proferido no recurso nº 0150/07 – cfr. fls. 2 dos autos;
F) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os seguintes Acórdãos do STA:
(i) de 12/07/2007, Subsecção CA e de 11/12/2007, Pleno da Secção do CA, proferidos no processo nº 0150/2007;

(ii) de 02/02/006, Subsecção do CA e de 17/10/2006, Pleno da Secção do CA, proferidos no processo nº 0972/05;

(iii) de 08/10/2004, Subsecção do CA e de 06/10/2005, Pleno da Secção do CA, proferidos no processo nº 0288/04;

(iv) de 02/02/2006, Subsecção do CA, proferido no processo nº 1033/05;

(v) de 01/02/2005, Subsecção do CA, proferido no processo nº 0662/04;

– todos publicados em www.dgsi.pt);
G) Os acórdãos do STA antecedentes, referidos em (ii), (iii), (iv), (v), denegaram procedência às pretensões requeridas, de reclassificação na categoria de liquidado tributário, da carreira técnica de administração tributária, ao abrigo do artº 15º do D.L. nº 497/99, de 19/11 – Acordo e cfr. www.dgsi.pt).

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, importa, agora, entrar nas questões a decidir.

1 – Do pedido de extensão de efeitos de Acórdão do STA, datado de 11/12/2007, processo nº 0150/07, nos termos do disposto no artº 161º do CPTA

A presente instância consiste num pedido de extensão de efeitos de acórdão, nos termos do regime previsto e regulado no artº 161º do CPTA, segundo o qual o Autor, Sindicato dos Trabalhadores do Impostos, deduz contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, o pedido de extensão dos efeitos do Acórdão do Pleno do STA, datado de 11/12/2007, extraído do processo nº 0150/07, que manteve o Acórdão do STA, datado de 12/07/2007.

Conforme demonstrado em juízo, o Acórdão do STA, datado de 12/07/2007, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto, confirmou o Acórdão do TCA, datado de 26/10/2006, no processo nº 11.983/2003, do 1º Juízo Liquidatário, o qual concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por ... , contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, contra o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico, datado de 25/08/2000, no qual pedia a sua reclassificação na categoria de liquidador tributário, da carreira técnica de administração tributária, ao abrigo do artº 15º do D.L. nº 497/99, de 19/11.

Considerando a factualidade dada por assente, vejamos do mérito da pretensão requerida.

Nos termos do regime estabelecido no artº 161º do CPTA, reconheceu o legislador, a quem não tenha lançado mão do meio processual adequado a fazer valer as suas pretensões, o direito de exigir da mesma entidade administrativa, a mesma tutela que foi obtida por outro interessado, em sentença, transitada em julgado, favorável à sua pretensão.

Constituem pressupostos do pedido de extensão de efeitos de uma decisão judicial, enquanto elementos constitutivos materiais da pretensão, os seguintes:
a) que a situação do interessado não se encontre definida por decisão judicial transitada em julgado;
b) que na decisão judicial cuja extensão de efeitos se requer haja sido julgada procedente uma pretensão perfeitamente idêntica à que o interessado accionou ou podia ter accionado
c) que tenham sido proferidas cinco sentenças, transitadas em julgado, no mesmo sentido.

Além disso, tem de se verificar um requisito de natureza processual:
d) que tenha sido apresentado requerimento dirigido à mesma entidade administrativa que foi demandada, que haja sido indeferido ou não tenha merecido resposta.

No caso configurado em juízo contestou a Entidade Demandada que se verifiquem tais pressupostos, designadamente, o elencado sob a alínea c), isto é, que tenham sido proferidas cinco sentenças, transitadas em julgado, no mesmo sentido.

Para além disso, contesta que os casos sejam perfeitamente idênticos [cfr. alínea b)].

Atendendo à factualidade demonstrada em juízo nas alíneas F) e G), mediante análise e confronto do teor dos vários julgados, é possível constatar que não existem cinco sentenças favoráveis à reclassificação, nos termos requeridos pelo Autor para os seus representados.

Tal como alegado pela Entidade Demandada e, entretanto admitido em juízo pelo próprio Autor, embora tenha alegado a existência de cinco julgados favoráveis à sua pretensão, não efectuou as diligências necessárias para a confirmação dos factos enunciados nas decisões jurisdicionais.

Por isso, não só se encontra provado em juízo que não foram proferidas cinco decisões judiciais, transitadas em julgado, que tenham reconhecido a pretensão deduzida em juízo, como o próprio Autor veio entretanto admitir em juízo a inveracidade dos factos alegados na petição inicial.

Acresce que, considerando a matéria envolvida nos autos, relativa ao pedido de reclassificação de funções relativamente a 300 representados do Autor, não é possível concluir pela perfeita identidade de situações entre o acórdão fundamento e o universo dos interessados, já que não se encontram tais funcionários todos nas mesmas circunstâncias de facto, antes exercendo funções diversas e em locais diversos.

Além disso, sempre seria exigível o confronto da situação individual de cada representado do Autor, com a situação jurídico-material vertida no recurso contencioso que deu entrada, em primeira instância, no TCA e que motivou o aresto proferido pelo STA, enquanto acórdão fundamento do pedido de extensão de efeitos, o que não se mostra concretizado na petição inicial, por não ser alegado.

Resulta claro do disposto nos nºs 1 e 2, do artº 161º do CPTA, que para a extensão de efeitos poder ser decretada, é necessário que os interessados, no processo onde foi anulado o acto e na pretensão de estender os efeitos, “se encontrem na mesma situação jurídica”, ou seja, os casos “sejam perfeitamente idênticos” e que existam cinco decisões transitadas em julgado no mesmo sentido do acórdão cujos efeitos se pretendam estender.

Assim, quer por via da falta de existência de cinco decisões transitadas em julgado, quer por via da falta de identidade material entre as funções exercidas pelos representados do Autor e aquelas que fundaram a decisão fundamento, no âmbito do processo cuja extensão de efeitos da decisão se pretende, forçoso se terá de concluir pela falta dos requisitos legais previstos para a requerida extensão dos efeitos de decisão judicial.

Pelo que, não estão verificados os pressupostos previstos no artº 161º do CPTA para a extensão dos efeitos do acórdão do STA, visto serem de verificação cumulativa.

Conforme se extrai do Acórdão do STA, datado de 24/10/2013, no processo nº 0761/13, num caso idêntico ao presente, sobre um pedido de extensão de efeitos de sentença, ao abrigo do disposto no artº 161º do CPTA:

Os termos literais usados pelo legislador são bastante expressivos: “mesma situação jurídica” e “casos perfeitamente idênticos”, o que significa que não basta a mera semelhança ou aproximação das situações de facto e de direito.

Para que um caso seja perfeitamente idêntico é, desde logo, necessário que os pressupostos de facto relevantes para a subsunção legal sejam substancialmente idênticos, o que pressupõe uma análise dos factos dados como provados no acórdão cuja extensão de efeitos se pretende estender e a situação de facto da requerente.

(…)

Na verdade, a lei exige uma perfeita identidade de situações pois vai atribuir força executiva a uma sentença proferida noutro processo. É necessário que as questões relevantes tenham sido apreciadas nesse processo, cujo caso julgado vai ser estendido, e, portanto, é necessário que o juízo comparativo seja evidente e resulte da mera comparação das situações.

Ora, no caso em apreço, ambas as interessadas exerciam actividades diferentes, pois uma delas exercia funções “no serviço de liquidação de contribuição autárquica” e outra no sector da Execução Fiscal (até 14 de Julho de 2005) e depois desta data as funções de: (…)

Ora saber se estas funções integram ou não o núcleo essencial da categoria de liquidador tributário é uma questão que não foi apreciada no acórdão, cujos efeitos se pretendem estender.

Tanto basta, a nosso ver, para se concluir que as situações jurídicas não são idênticas, pois estando em aberto a questão de saber se um concreto funcionário deve ou não ser reclassificado, essa reclassificação é aferida em função das concretas funções exercidas por cada um dos funcionários.

Deste modo, entendemos que o TCA Sul decidiu com todo o acerto quando julgou que as funções exercidas pela ora requerente não eram perfeitamente idênticas às funções exercidas pela recorrente no recurso em que foi anulado o acto que negou a reclassificação.

Não se verificando o apontado requisito o recurso improcede, ficando prejudicada a análise dos demais requisitos – uma vez que os mesmos são cumulativos.”.

Pelo que, atento todo o exposto, faltando os pressupostos de que depende a procedência da pretensão requerida, será de julgar improcedente, por não provado, o pedido de extensão de efeitos, à luz do artº 161º do CPTA.

2. Da litigância de má-fé do Autor

Na contestação suscita a Entidade Demandada a litigância de má-fé do Autor, por o mesmo ter alegado em juízo factos que sabe que são falsos ou tem a obrigação de saber que não são verdadeiros.

Refere que o Autor ao invocar como tendo transitado em julgado os invocados Acórdãos sabia ou tinha a obrigação de saber que os mesmos não haviam transitado em julgado e que o sentido dos mesmos não lhe é favorável, levando, por má-fé, o Tribunal a decidir com base em factos ou situações que sabia serem falsos.

No artº 456º do CPC dispõe-se o seguinte:

“1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”.

Tal alegação da Entidade Demandada mostra-se fundada, por se verificar que o Autor, em violação dos deveres legais que norteiam o exercício do mandato forense, alegou factos que são falsos, por não se verificarem, nem serem verdadeiros [alínea b) do nº 2 do artº 456º do CPC].

Acresce que, salvo no que respeita ao acórdão em que assenta o pedido de extensão de efeitos, todos os demais não são favoráveis à pretensão material requerida, sendo inexplicável que alegue em juízo que tais arestos do STA tenham decidido, de modo favorável, os pedidos de reclassificação dos interessados.

Por isso, em relação a quatro dos cinco julgados invocados, foram alegados em juízo factos que não são verdadeiros, o que o Autor não poderia ou não deveria desconhecer.

Além disso, veio o Autor deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, já que é totalmente desprovido de fundamento, por inexistência dos pressupostos legais previstos, o presente pedido de extensão de efeitos, ao abrigo do artº 161º do CPTA, considerando não só a falta do requisito da existência dos cincos julgados, como também a exigência da perfeita identidade material das situações (alínea c), do nº 2 do artº 456º do CPC).

Concedendo-se que o Autor não tenha agido com dolo, contudo, atenta a natureza e extensão dos factos que se mostram invocados e que não são verdadeiros, é indiscutível que o Autor agiu com negligência grosseira.

É exigível que a parte não alegue factos em juízo sem que previamente tenha o cuidado e a prudência de confirmar a sua veracidade, assim como é exigível que não seja deduzida pretensão em juízo sem o mínimo de fundamento, quer de facto, quer de Direito, como no presente caso.

O Autor não teve qualquer cuidado na alegação de factos, os quais tinha a obrigação de saber que não eram reais e verdadeiros, além de que deduziu uma pretensão em juízo que é totalmente desprovida de fundamentos, quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista do Direito.

Nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artº 456º, do CPC, recai sobre o Autor o dever de não deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

De resto, a litigância de má-fé do Autor resulta ostensivamente dos elementos constantes dos autos, cujo comportamento adoptado em juízo se enquadra e preenche, pelo menos, duas situações de litigância de má-fé, tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do artº 456º do CPC, in casu, as alíneas a) e b).

Embora, como defende Alberto do Reis, a boa-fé no litígio seja perfeitamente compatível com uma lide imprudente ou temerária, só o não sendo no caso do litigante ter consciência de não assistir qualquer direito à sua pretensão, considera-se que o caso configurado em juízo ultrapassa a mera imprudência comum, quer por serem alegados factos que não têm qualquer correspondência com a realidade, sendo por isso falsos, quer por ser deduzida pretensão totalmente infundada, de facto e de Direito – cfr. Código de Processo Civil, Anotado, pág. 262.

Além disso, a pretensão requerida de extensão de efeitos do julgado que decide a reclassificação profissional foi requerida em relação a 300 interessados, não podendo o Autor deixar de estar consciente da falta de fundamento da sua pretensão, não só por inexistência das cinco decisões favoráveis, como pela falta de perfeita identidade das situações em causa.

Pelo que, não se afigura possível afirmar que o Autor não tinha perfeita consciência do infundado da pretensão que requereu em juízo.

Como ensinava Alberto dos Reis, a questão da má-fé e suas consequências nada tem com o julgamento do mérito da causa, constituindo, antes, um ilícito processual, a que corresponde uma sanção meramente civil (responsabilidade pelas perdas e danos causados à parte contrária) e uma sanção (multa), sendo que esta visa, pois, “desempenhar a função de qualquer pena: punir o delito cometido (função repressiva) e evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro (função preventiva)” – cfr. Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, 3ª ed., págs. 280 e 269.

Por isso, enquanto a condenação em multa pode e deve ter lugar ex officio, a indemnização depende do pedido do interessado (nº 1 do artº 456º do CPC).

Assim, por tudo quanto o exposto, assiste razão à Entidade Demandada ao invocar a má-fé do Autor, sendo de condenar o Autor em multa, correspondente a três UCs, por litigância de má-fé, nos termos do artigo 456º nºs. 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA.


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Termos em que, será de julgar improcedente o pedido de extensão dos efeitos de decisão judicial, nos termos do artº 161º do CPTA e de condenar o Autor em litigância de má-fé, com fundamento no nº 1 e nas alíneas a) e b), do nº 2, do artº 456º do CPC, em multa correspondente a três UCs.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. No artº 161º do CPTA, reconheceu-se, a quem não tenha lançado mão do meio processual adequado a fazer valer as suas pretensões, o direito de exigir da mesma entidade administrativa, a mesma tutela que foi obtida por outro interessado, em sentença transitada em julgado.
II. Constituem pressupostos do pedido de extensão de efeitos de uma decisão judicial, enquanto elementos constitutivos materiais da pretensão, os seguintes:
a) que a situação do interessado não se encontre definida por decisão judicial transitada em julgado;
b) que na decisão judicial cuja extensão de efeitos se requer haja sido julgado procedente uma pretensão perfeitamente idêntica à que o interessado accionou ou podia ter accionado;
c) que tenham sido proferidas cinco sentenças, transitadas em julgado, no mesmo sentido.

III. Tem ainda de se verificar um requisito de natureza processual:
d) que tenha sido apresentado requerimento dirigido à mesma entidade administrativa que foi demandada que haja sido indeferido ou não tenha merecido resposta.

IV. Encontrando-se demonstrado que não foram proferidas cinco decisões judiciais, transitadas em julgado, que tenham reconhecido a pretensão deduzida em juízo e que, considerando a matéria envolvida, relativa ao pedido de reclassificação de funções relativamente a 300 representados do Autor, não é possível concluir pela perfeita identidade de situações entre o acórdão fundamento e o universo dos interessados, por não se encontrarem tais funcionários todos nas mesmas circunstâncias de facto, antes exercendo funções diversas e em locais diversos, terá de se concluir pela falta dos requisitos legais previstos para a extensão dos efeitos de decisão judicial, os quais são de verificação cumulativa.

V. Embora a boa-fé no litígio seja perfeitamente compatível com uma lide imprudente ou temerária, só o não sendo no caso de o litigante ter consciência de não assistir qualquer direito à sua pretensão, considera-se que o caso configurado em juízo ultrapassa a mera imprudência comum, quer por serem alegados factos que não têm qualquer correspondência com a realidade, sendo por isso falsos, quer por ser deduzida pretensão totalmente infundada, de facto e de Direito.

VI. Sendo a pretensão de extensão de efeitos do julgado sobre a reclassificação profissional relativa a 300 interessados, não pode o Autor deixar de estar consciente da falta de fundamento da sua pretensão, não só por inexistência das cinco decisões favoráveis, como pela falta de perfeita identidade das situações em causa.

VII. Tal actuação processual do Autor funda a litigância de má-fé, nos termos do artigo 456º nºs. 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Julgar improcedente a pretensão formulada pelo Autor, de extensão dos efeitos do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, de 11/12/2007, proferido no processo n.º 0150/07, confirmativo do Acórdão da Subsecção do STA de 12/07/2007, por falta dos seus legais pressupostos e

2. Condenar o Autor em litigância de má-fé, com fundamento no nº 1 e nas alíneas a) e b), do nº 2, do artº 456º do CPC, fixando-se a multa em três UCs.

Custas pelo Autor.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)
(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)