Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06450/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/28/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
RENDIMENTOS DA CATEGORIA A, DE I.R.S. ARTº.2, DO C.I.R.S.
PRESSUPOSTOS TRIBUTÁRIOS SUBSTANTIVOS DO PAGAMENTO DE AJUDAS DE CUSTO E DA SUA NÃO TRIBUTAÇÃO.
ÓNUS DA PROVA.
RETENÇÃO NA FONTE. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARCIAL.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.).
3. É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S.
4. No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito.
5. Os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:
a-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
b-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
6. O ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária).
7. De acordo com o disposto no artº.96, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção aplicável ao tempo - cfr.actualmente o artº.103, nº.2, do C.I.R.S.), no caso em que a retenção não tenha sido efectuada, total ou parcialmente, pela entidade patronal, cabe ao titular dos rendimentos a responsabilidade originária pelo seu pagamento, ficando as entidades obrigadas à retenção (portanto, a entidade patronal) subsidiariamente responsáveis pelo mesmo, o que configura uma situação de substituição tributária parcial.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.125 a 131 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente, tendo por objecto liquidações de I.R.S. e juros compensatórios, relativas aos anos de 2000, 2001 e 2002 e no montante total de € 10.971,92.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.147 a 155 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso coloca em crise a decisão que julgou improcedente a impugnação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido;
2-O impugnante, ora recorrente, foi trabalhador da empresa “B..., S.A.”, com esta entidade celebrou contrato de trabalho, sendo-lhe atribuída “uma remuneração anual líquida de 4.200.000$00”, constando ainda do contrato que “a correspondente remuneração mensal bruta será sujeita aos impostos e descontos legais em vigor” - nº.1 dos factos assentes;
3-Nos recibos de vencimento referentes a Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2001 constam valores referentes a “remuneração normal”, “ajudas de custo” e “transportes” bem como valores referentes a descontos de I.R.S. e Taxa social - nº.2 dos factos assentes;
4-Eram pagas ajudas de custo a trabalhadores que não estavam deslocados e na folha salarial aparecia uma parcela referente a ajudas de custo - nº.10 dos factos assentes;
5-O valor do vencimento e das ajudas de custo perfazia o montante constante do contrato de trabalho - nº.11 dos factos assentes;
6-Ou seja é perfeitamente pacífico que a empresa nunca pagou qualquer valor ao trabalhador (impugnante) referente a ajudas de custo, o que a empresa fez foi mascarar uma parte do salário com a figura das ajudas de custo, com esta “falsificação” logrou prejudicar o Estado (pois descontava menos do que devia) e prejudicar o Trabalhador (pois o esforço deste para a Segurança Social também era menor);
7-E aqui reside o erro maior da douta sentença é que considera que o impugnante recebeu ajudas de custo, que devem ser consideradas salário, nos termos do artº.2, do C.I.R.S. Mas não é disto que se trata;
8-Do que se trata é de um embuste da entidade patronal que usou um artifício legal (ajudas de custo) para iludir uma obrigação legal (fazer a retenção em sede de I.R.S. e Taxa social), quando acordou com o trabalhador um valor líquido, com a obrigação de efectuar os descontos legais sobre a remuneração bruta;
9-Temos assim que o erro de percepção - considerar que o trabalhador auferiu remunerações a título de ajudas de custo, quando na verdade as remunerações recebidas resultaram em exclusivo do produto do seu trabalho, logo como salário - originou um erro de direito;
10-Na verdade, tratando-se de trabalho dependente a responsabilidade pela retenção, total ou parcial do imposto pertence, em exclusivo, à entidade patronal (cfr.nº.1 dos artºs.98, 99 e 119, do C.I.R.S.);
11-Não estamos aqui perante nenhum imposto devido a final, mas antes está em causa a retenção na fonte por conta do imposto final que pertencia em exclusivo à entidade patronal, e que esta para fugir ao pagamento de tal imposto ficcionou que parte do salário se tratava de ajudas de custo;
12-Cabia à entidade patronal efectuar a retenção na fonte, correspondente à remuneração líquida acordada com o trabalhador. Destarte e nos termos do nº.1, do artº.103, do C.I.R.S., cabia à entidade patronal fazer a entrega ao Estado desses mesmos impostos;
13-Com a “artimanha” da qualificação de parte do salário em ajudas de custo a entidade patronal logrou enganar o Estado e o Trabalhador, na justa medida em que comprometendo-se com o trabalhador a efectuar a retenção correspondente ao salário liquido acordado, acabou por reter apenas metade do referido imposto, na justa medida em que qualificou como ajudas de custo, a outra metade do salário;
14-Na verdade, tratando-se de trabalho dependente a responsabilidade pela retenção, total ou parcial, do imposto pertence, em exclusivo à entidade patronal (cfr.nº.1 dos artºs.98, 99 e 119, do C.I.R.S.);
15-Cabia à entidade patronal efectuar a retenção na fonte, correspondente à remuneração líquida acordada com o trabalhador. Destarte e nos termos do nº.1, do artº.103, do C.I.R.S., cabia à entidade patronal fazer a entrega ao Estado desses mesmos impostos;
16-Ora da matéria de facto assente resulta de forma clara e inequívoca que os referidos rendimentos resultam em exclusivo de salário do contribuinte resultante do produto do seu trabalho prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho (artº.2, nº.1, al.a), do C.I.R.S.);
17-Em consequência deve ser reconhecido que o trabalhador/impugnante está desobrigado de entregar ao estado, o produto do seu trabalho, cuja obrigação de retenção cabe à respectiva entidade patronal, que reteve para si o respectivo imposto, na justa medida em que o não entregou ao trabalhador e não o restituiu ao Estado;
18-Ao entender de forma diferente a decisão do Tribunal de primeira instância violou, entre outras, os artºs.2, nº.1, al.a), 21, 98, nº.1, 99, nº.1, e 103, nº.1, todos do C.I.R.S.;
19-Termos em que revogando-se a decisão recorrida se fará Justiça!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.167 a 170 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.173 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.127 a 129 dos autos):
1-Em 1/09/1999, foi celebrado o contrato de trabalho entre A...e a sociedade “B... - Empresa de Construções e Obras Públicas C..., S.A.”, para o desempenho pelo primeiro das funções de técnico de planeamento e controle (sénior) da Direcção Técnico-Comercial, sendo o contrato sem termo certo e com início em 1 de Setembro de 1999, e sendo-lhe atribuída “uma remuneração anual líquida de 4.200.000$00”, constando ainda do contrato que “a correspondente remuneração mensal bruta será sujeita aos impostos e descontos legais em vigor” (cfr.teor do documento junto a fls.15 e 16 dos presentes autos);
2-Nos recibos de vencimento referentes a Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2001 constam valores referentes a “remuneração normal”, “ajudas de custo” e “transportes” bem como valores referentes a descontos de I.R.S. e Taxa Social (cfr. documentos juntos a fls.17 e 18 dos presentes autos);
3-Em 17/11/2004, foi efectuada a liquidação oficiosa de I.R.S. do ano de 2000 com o nº.5004260035, de que resultou imposto a pagar no valor de € 3.942,83 (cfr.documento junto a fls.30 dos presentes autos);
4-Em 28/01/2005, foi efectuada a liquidação oficiosa de I.R.S. do ano de 2001 com o nº.4000028781, de que resultou imposto a pagar no valor de € 2.512,40 (cfr.documento junto a fls.32 dos presentes autos);
5-Em 28/01/2005, foi efectuada a liquidação oficiosa de I.R.S. do ano de 2002 com o nº.4000030266, de que resultou imposto a pagar no valor de € 2.919,54 (cfr.documento junto a fls.34 dos presentes autos);
6-O ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna em sede de I.R.S. dos anos de 2000 a 2002 “por se ter detectado que nos anos em análise recebeu da empresa B... - Empresa de Construções e Obras Públicas C..., S.A., valores a título de ajudas de custo que deviam ser considerados remunerações de trabalho dependente (categoria A), e que não haviam sido declarados nas respectivas declarações de IRS (...)” (cfr.cópia de relatório junta a fls.59 a 65 dos presentes autos);
7-Em 25/10/2004, o ora impugnante foi notificado das correcções resultantes de análise interna de que resultaram os rendimentos líquidos alterados de I.R.S. dos anos de 2000, 2001 e 2002, nos montantes de € 20.142,70, € 18.977,19 e € 19.803,62 (cfr.documentos juntos a fls.49 a 57 dos presentes autos);
8-Os serviços de inspecção fizeram constar do relatório de inspecção o seguinte (cfr. cópia de relatório junta a fls.59 a 65 dos presentes autos):
“(…)
Em cumprimento das Ordens de Serviço n° 36.733/4/5 relativas aos anos de 2000, 2001 e 2002, abertas com base na acção inspectiva levada a efeito à B... Empresa de Construções e Obras Públicas C..., SA com o NIPC 500.345.449, enviada a estes Serviços pela NSI n° 2088 de 2003.04.30, da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), referente à "análise dos recibos de vencimento, que a empresa pagou nos exercício de 2000, 2001 e 2002, referente a Ajudas de Custo e Complementos de Subsídios de Transporte, os quais deverão ser considerados rendimento do trabalho dependente (Categoria A), nos termos da alínea d) (anterior alínea e)) do nº. 3 do nº. 3 do Art° 2° do CIRS, com a seguinte fundamentação:
• na generalidade dos casos foi atribuída aos respectivos beneficiários uma quantia fixa durante os doze meses do ano.
• constata-se, também, que os beneficiários não estavam permanentemente deslocados do seu local de trabalho habitual e que receberam este abono, também no período de férias;
• verifica-se a inexistência de documentos emitidos pelo beneficiário, com indicação dos dias e as localidades em que estiveram deslocado, a natureza do serviço prestado, o valor diário e respectivo total de abono.
• de um modo geral, os funcionários que receberam Complementos de Subsídios de Transporte, também beneficiaram de Ajudas de Custo;
• os montantes em causa não foram declarados em sede de IRS.
O Sujeito Passivo, em análise, recebeu nos anos de 2000, 2001 e 2002, Remunerações a título de Ajudas de Custo e Transportes no valor total de €10.949,81, € 10.352,37 e € 5.862,37 respectivamente, pagas pela firma “B... Empresa de Construções e Obras Públicas C..., SA” com o NIPC 500.345.449, que constituem rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria A, face à redacção alínea d) (anterior alínea e)) do n° 3 do art. 2° do CIRS, não tendo sido objecto de retenção na fonte nos termos do artº. 99 do referido CIRS.
(...).
Assim o total dos rendimentos atribuídos ao S.P. em análise, conhecidos pela administração fiscal nos anos de 2000, 2001 e 2002 foram em resumo os seguintes:

Rendimentos em Euros
Ano Rendimentos Declarados
Categoria A
Rendimentos Omitidos (ajudas custo e transporte) Rendimentos Omitidos Categoria A Total dos Rendimentos
2000 11.942,42 10.949,81 22.892,23
2001 11.512,26 10.352,37 21.864,63
2002 10.001,54 5.862,37 6.946,52 22.810,43

(...)
Direito de Audição:
Nos termos do Art. 60º da LGT e Art. 60° do RCPIT o Sujeito Passivo foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projecto de correcções, que se anexou, conforme carta registado enviada em 15 de Julho de 2004 ofício n° 19056. O Sujeito Passivo exerceu o seu direito de audição nos termos da al. a) do n° 1 do art° 60 da LGT, tendo apresentado para o efeito uma exposição por escrito, onde alega que:
• "Trabalhou na empresa B... de Setembro de 1999 a Junho de 2002, com a categoria de Técnico de Planeamento e Controlo, na Delegação sul da empresa”;
• "Fez um contrato em que lhe era atribuída uma remuneração anual líquida de 4.200.000$00, a correspondente remuneração mensal bruta seria sujeita aos impostos e descontos legais em vigor";
• "Relativamente aos três anos em causa; no caso das ajudas de custo; a empresa não cumpriu com o que estava estipulado no ponto 4 do contrato de trabalho”;
• "No período de 2002 trabalhou na obra da Colmeia Cooperativa de Habitação e Construção CRL do Parque das Nações (cliente da B...), da qual recebeu 3 vales, relativos aos vencimentos de Março/Abril/Maio, que totalizaram 4.710,81€, o que não estava de acordo com a declaração da empresa B..., no anexo J. Em consequência, e por não estar de acordo, optou por omitir esses valores na declaração de rendimentos que apresentou nesse ano".
Cumpre-nos referir que:
1- Nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 2° do C.I.R.S. "consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou posta à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado".
2- Conforme já foi referido nesta informação os acréscimos de rendimentos pagos pela B... Empresa de Construções e Obras Públicas C..., SA, nos anos de 2000, 2001 e 2002, pela análise efectuada pelos Técnicos da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), concluíram que devem ser considerados como complementos de remuneração pagos, as ajudas de custo e complementos de subsídios de transporte e por conseguinte consideradas como trabalho dependente (art° 2° do C.I.R.S.).
3- Nas suas alegações o S. Passivo vem referir os termos em que se encontrava vinculado com a empresa e o seu local de trabalho e remuneração.
4 - A análise dos documentos da empresa B... foi efectuada pela DSPIT que concluiu que as despesas com ajudas de custo, complementos subsídios de transporte, como já se referiu, devem ser enquadrados no art° 2° do C.I.R.S.
4.1 - Ajudas de Custo mantêm-se as correcções, dado que o S. Passivo, nas alegações ao Direito de Audição, não veio trazer novos elementos ao processo, que nos levassem a alterar as correcções propostas.
4.2 - Rendimentos omitidos Cat. A - em parte o Sujeito Passivo concordou com a nossa correcção, mas no valor de 4.710,81 €, alegando que esta verba está justificada por três vales da empresa Colmeia Cooperativa de Habitação e Construção CRL do Parque das Nações (cliente da B...), (como anexou à sua petição) recebidos a titulo de adiantamento, dado que a entidade pagadora continuava a ser a B..., conforme referiu verbalmente. Entendendo-se, pelo que o Sujeito Passivo alegou, que havia acordo entre as duas empresas, para esta situação financeira. Sendo o S. P. trabalhador da B..., temos que, até prova em contrário, fazer fé nos valores do anexo J desta entidade.
Conclusões:
Mantêm-se as correcções, dado que nas alegações ao Direito de Audição, o Sujeito Passivo não veio trazer novos elementos ao processo, que nos levassem a alterar as correcções propostas (...)”;

9-O impugnante era planeador, fazia o escalonamento da execução das obras ao longo do tempo (cfr.depoimento da testemunha);
10-Eram pagas ajudas de custo a trabalhadores que não estavam deslocadas e na folha salarial aparecia uma parcela referente a ajudas de custo (cfr.depoimento da testemunha);
11-O valor do vencimento e das ajudas de custo perfazia o montante constante do contrato de trabalho (cfr.depoimento da testemunha).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como do depoimento da testemunha (melhor identificada na acta de inquirição de fls.111/113) e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do que absolveu a Fazenda Pública do pedido.
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O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que é perfeitamente pacífico que a empresa nunca pagou qualquer valor ao trabalhador (impugnante) referente a ajudas de custo, o que a empresa fez foi mascarar uma parte do salário com a figura das ajudas de custo, com esta “falsificação” logrando prejudicar o Estado (pois descontava menos do que devia) e prejudicar o Trabalhador (pois o esforço deste para a Segurança Social também era menor). Que tratando-se de trabalho dependente a responsabilidade pela retenção, total ou parcial, do imposto pertence, em exclusivo à entidade patronal (cfr.nº.1, dos artºs.98, 99 e 119, do C.I.R.S.). Que cabia à entidade patronal efectuar a retenção na fonte, correspondente à remuneração líquida acordada com o trabalhador. Destarte e nos termos do nº.1, do artº.103, do C.I.R.S., cabia à entidade patronal fazer a entrega ao Estado desses mesmos impostos. Que da matéria de facto assente resulta de forma clara e inequívoca que os referidos rendimentos resultam em exclusivo de salário do contribuinte resultante do produto do seu trabalho prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho (artº.2, nº.1, al.a), do C.I.R.S.). Que deve ser reconhecido que o trabalhador/impugnante está desobrigado de entregar ao Estado, o produto do seu trabalho, cuja obrigação de retenção cabe à respectiva entidade patronal, que reteve para si o respectivo imposto, na justa medida em que o não entregou ao trabalhador e não o restituiu ao Estado. Que ao entender de forma diferente a decisão do Tribunal de primeira instância violou, entre outras, os artºs.2, nº.1, al.a), 21, 98, nº.1, 99, nº.1, e 103, nº.1, todos do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S. (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.188; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.55 e seg.).
No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).
Concretamente, nos termos do artº.2, nº.3, al.e), do C.I.R.S. (na redacção em vigor nos anos de 2000 a 2002 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), o legislador considera rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela uti­lização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, as quais são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica". Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido do trabalhador. A lei presume que isso acontece quando as aju­das de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura pró­pria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado (cfr.regime geral de atribuição de ajudas de custo fixado no dec.lei 519-M/79, de 28/12). Quando extravasarem aqueles limites, tornam-se tributáveis em I.R.S., a cargo dos trabalhadores (o que implica, obviamente, também obrigações de retenção na fonte para o empregador). Trata-se de um expediente prático e simples de distinguir as duas situações (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129).
Em conclusão, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:
1-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
2-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cfr.João Ricardo Catarino, Ajudas de Custo-Algumas Notas sobre o regime substantivo e fiscal, Fisco, nºs.97/98, Setembro de 2001, pág.77 e seg.).
Por último, sempre se dirá que o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.832/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/11/2006, proc.1099/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2009, proc.2690/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
No caso concreto, estando em causa uma situação de incidência real de I.R.S., prevista tal como referimos no artº.2, do C.I.R.S., a qual originou as correcções efectuadas, em sede de impugnação o ora impugnante/recorrente não invocou factos que permitissem contrariar tal enquadramento, centrando os seus argumentos na questão da responsabilidade pela retenção na fonte definida como uma situação de substituição tributária e imputando a responsabilidade pelo pagamento do imposto à entidade patronal.
Ora, a razão das liquidações oficiosas não reside na falta de retenção na fonte sobre os rendimentos como defende o recorrente, mas sim na norma de incidência de sujeição a tributação em sede de I.R.S. de ajudas de custo que foram consideradas pela Administração Tributária como rendimentos da categoria A, e não declarados pelo apelante, assim não estando em causa a aplicação dos artºs.98, 99 e 119, do C.I.R.S.
Pelo contrário, de acordo com o disposto no artº.96, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção aplicável ao tempo - cfr.actualmente o artº.103, nº.2, do C.I.R.S.), no caso em que a retenção não tenha sido efectuada, total ou parcialmente, pela entidade patronal, cabe ao titular dos rendimentos a responsabilidade originária pelo seu pagamento, ficando as entidades obrigadas à retenção (portanto, a entidade patronal) subsidiariamente responsáveis pelo mesmo, o que configura uma situação de substituição tributária parcial (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.194 e seg.).
Do exame da factualidade provada e não impugnada pelo recorrente, deve concluir-se que eram pagas ajudas de custo a trabalhadores que não estavam deslocados e na respectiva folha salarial aparecia uma parcela referente a ajudas de custo, mais perfazendo o valor do vencimento e das ajudas de custo o montante da remuneração contratada e sendo esse o caso concreto do impugnante/recorrente (cfr.nº.8, 10 e 11 do probatório).
Quanto à factualidade acabada de mencionar o impugnante/recorrente nada invoca, assim admitindo que a mesma correspondia à realidade. Concretizando, os montantes auferidos a título de ajudas de custo tinham natureza de verdadeiras remunerações, devendo ser tributadas como tal e cabendo no âmbito de incidência da norma constante do citado artº.2, do C.I.R.S., mais não se tendo efectuado prova dos vectores de exclusão de incidência de tributação (para as ajudas de custo) identificados supra.
Em conclusão, a A. Fiscal recolheu factos-índice bastantes de que as verbas atribuídas ao recorrente pela entidade patronal a título de ajudas de custo não se destinavam a compensá-lo por despesas que teve de suportar a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ao serviço desta, e não se tendo feito prova alguma em sentido contrário ou que permita, sequer, suscitar a dúvida a esse propósito, tanto mais que o recorrente nada alegou nesse sentido, não há motivo para anular as liquidações que têm por fundamento o carácter remuneratório daquelas verbas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.1342/03).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 28 de Maio de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)