Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:498/22.6BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:TERMOS OU CONDIÇÕES
ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
PRINCÍPIOS DA CONCORRÊNCIA, IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE.
Sumário:I - Não se verifica a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, quando, em face da totalidade dos factos provados que revelam que, não obstante estarmos perante uma plataforma no code que pode ser utilizada por quem não detenha conhecimentos de programação, o recurso a equipas com conhecimento e experiência comprovada (certificada) na plataforma se traduz em maior eficiência, celeridade e qualidade na prestação de serviços, o Tribunal conclui que a especificação técnica não se afigura desproporcional, desigual ou incumpridora do princípio da concorrência ou do disposto no artigo 49.° do CCP, e, face à não verificação do vício, decide logicamente pela improcedência da ação;
II - A circunstância de o Tribunal convocar normativos que, alegadamente, não são aplicáveis à situação dos autos, não afeta a racionalidade da decisão, antes respeita ao erro na aplicação do direito (erro juris);
III - A decisão de facto deve incluir a matéria indispensável à decisão da causa, respeitando aos factos essenciais constitutivos do direito do autor ou impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor alegados pelas partes, donde, tendo sido alegada pelas contrapartes factualidade tendente a impedir o direito reclamado pela Autora/Recorrente, deve a mesma constar do probatório;
IV - Não há que aditar à factualidade provada, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que não constituem acontecimentos ou factos concretos;
V - Considerando que, de acordo com o critério de adjudicação não era avaliada a comprovação (certificação) dos conhecimentos do chefe de equipa, ou dos demais membros da equipa, na plataforma, a exigência de certificação dos membros da equipa prevista na cláusula do Caderno de Encargos corresponde a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos e, nessa medida, a resposta que a esse aspeto o concorrente der na sua proposta configura um termo ou condição;
VI - Embora caiba à Administração, no exercício da sua margem de livre apreciação, a definição dos termos em que pretende a satisfação do interesse público que constitui objeto do procedimento concursal, esse poder não pode ser usado arbitrariamente como forma de limitar o universo concorrencial;
VII - A definição das especificações técnicas deve conter-se nos limites dos princípios da contratação pública a que se reporta o n.º 1 do artigo 1.º-A do CCP, designadamente os princípios da concorrência, da igualdade e da proporcionalidade, e respeitar o disposto no art. 49.º do CCP;
VIII - Não resulta evidenciada a desproporcionalidade ou injustificação da especificação técnica constante da cláusula do Caderno de Encargos que exige que os membros da equipa detenham certificação – incluindo no nível máximo - na plataforma em uso na entidade adjudicante em termos que representem a violação dos princípios da concorrência e igualdade e dos artigos 1.°-A n.º 1 e 49.°, n.ºs 2, 4, 8 e 9 do CCP quando, não obstante as caraterísticas da plataforma permitirem que utilizadores sem conhecimentos de programação a utilizem e estarmos perante uma certificação concedida por apenas uma entidade, também ela opositora ao procedimento concursal, não se prova que existam restrições no acesso à certificação a todos os demais agentes daquele mercado e prova-se que (i) a detenção de conhecimentos e experiência na utilização da plataforma conduz a uma maior celeridade, qualidade e eficiência na execução do contrato, (ii) a certificação corresponde à forma de comprovar que a equipa que presta os serviços detém aqueles conhecimentos e experiência relativamente àquela plataforma e (iii) ao interesse público subjacente ao contrato mostra-se indissociável a celeridade e a qualidade na prestação dos serviços objeto do contrato.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A........ - A......, S.A. (doravante Recorrente, A........ ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a presente ação de contencioso pré-contratual contra o Ministério do Ambiente e da Ação Climática – Fundo Ambiental (doravante Recorrido, R., MAAC ou ED), indicando como contra-interessadas M........ – S….., Lda. (doravante CI, M........ ou ML), O...... – C....... Lda. (doravante OG), na qual, por referência ao concurso público visando a celebração do contrato para “Aquisição de serviços para desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público”, peticionou, em síntese,
“a) Ser anulado o ato que aprovou o relatório final e adjudicou o presente procedimento à contrainteressada Master Link, pelos fundamentos expostos ao longo da presente, e, caso já tenha sido celebrado, o contrato a que deu origem;
b) Ser a Entidade Demandada condenada a aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação;
c) Ser fixado um prazo para o cumprimento das determinações contidas na sentença”.

Por sentença proferida em 22 de setembro de 2022, o referido Tribunal julgou a presente ação de contencioso pré-contratual improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demanda e as contrainteressadas do peticionado.

Inconformada, a A./Recorrente, A........ , interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, tendo sido proferido Acórdão de 9 de fevereiro de 2023 pelo qual se revogou a sentença recorrida e se ordenou a baixa do processo ao Tribunal a quo para ser produzida prova.

Produzida prova, o Tribunal a quo em 7 de dezembro de 2023 proferiu sentença pela qual julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. e as contrainteressadas do pedido.

Inconformada, a A./Recorrente, A........ , interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, concluindo nos seguintes termos:
“A. A Autora, na sua petição inicial, peticionou a procedência da ação por si proposta, de anulação do ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada M........ LDA. (“MasterLink”) e da exclusão da sua proposta, proferido no concurso público tendente à celebração do contrato de “Aquisição de serviços para desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público” para tanto centrando os seus argumentos na ilegalidade da exigência técnica constante da alínea b) do n.º 7 do artigo 23.º do Caderno de Encargos, contudo o Tribunal a quo julgou improcedente os pedidos por si formulados.
B. Em primeiro lugar, diga-se que a referida sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
C. Ou seja, estaremos perante uma sentença nula, quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo juiz conduziram a um resultado que não é o “resultado lógico”, ou, por outras palavras, quando esses mesmos fundamentos deviam ter gerado uma decisão oposta, ou, pelo menos, divergente da que foi proferida.
D. Ora, é precisamente isso que se verifica no caso sub judice.
E. Recorda-se que a questão central dos presentes autos se prende em saber se o termo e condição, constante da cláusula 23.º, n.º 7 do Caderno de Encargos é ou não um termo ilegal, porque desproporcional e demasiado restritivo da concorrência, o que viola, desde logo, o artigo 1.º-A/1 do CCP.
F. Mais concretamente, pretende-se saber se, perante o objeto do contrato a executar no presente procedimento pré-contratual, é ou não demasiado restritivo da concorrência (e, por isso, desproporcional) exigir como requisitos mínimos técnicos que a equipa a afetar à execução do contrato seja composta, pelo menos, “por 2 técnicos com a categoria de Consultor Funcional sendo que, todos os membros da equipa, devem possuir certificação na plataforma referida no n.º1 [MasterWebEvolution v.9] e, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa deve possuir a certificação máxima”.
G. E resulta da prova pericial (mas também da prova testemunhal) que sendo a plataforma informática em questão, uma plataforma No Code, não é necessário o recurso a uma equipa de tecnologia da informação para realizar os objetos do concurso impugnado.
H. E, mais do que isso, resulta também que qualquer técnico com conhecimentos suficientes de plataformas No Code conseguiria executar o contrato inerente aos autos, mormente os técnicos propostos pela Autora, aqui Recorrente que, nas palavras do perito, “demonstraram experiência relevante em desenvolvimento de software e utilização de plataformas NoCode” o que lhes permitira desenvolver a capacidade técnica necessária para operacionalizar a plataforma NoCode MasterWebEvolution.
I. Contudo, e apesar disto ter resultado claro dos autos, veio o Tribunal a quo, a final, concluir em sentido contrário, ou seja, que a exigência de técnicos com certificação (inclusive, certificação máxima) naquela plataforma não era ilegal porque:
a. Facto n.º 23 – “o recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”;
b. Facto n.º 25. - “A presença dos conhecimentos identificados em 23, podem traduzir-se numa maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”;
c. Facto n.º 27 – “apesar de se tratar de uma plataforma No Code, existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”
d. Facto n.º 32 – “a execução do contrato nestes termos pode representar uma solução de menor qualidade quando comparada com a mesma solução desenvolvida por um técnico certificado com experiência e formação na mesma plataforma (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos)”;
e. Facto n.º 33 – “um técnico sem formação, sem certificação e, principalmente, sem experiência prévia na plataforma MasterWeb Evolution 9, tem maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e, do mesmo modo, os índices de qualidade das aplicações desenvolvidas, podem também ser afetados, não ficando totalmente inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato o (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos)”;
f. Facto n.º 34 – “É conveniente que os técnicos que desenvolvam as aplicações objeto do concurso identificado em 2 tenham experiência na plataforma, por forma a garantir uma correta gestão da eficiência do tempo despendido e qualidade das aplicações apresentadas (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos)”;
J. Ou seja, apesar de ter resultado claro da fase instrutória que qualquer pessoa, em especial, que qualquer técnico informático (incluindo os técnicos apresentados pela Autora) conseguiria manusear e desenvolver a plataforma MasterWebEvolution 9., por ser uma plataforma NoCode e que, por isso, o termo e condição previsto no presente procedimento era demasiado restritivo da concorrência, justificando assim a ilegalidade das peças, o Tribunal a quo veio, numa clara falha de raciocínio lógico, tomar uma decisão em sentido exatamente contrário e considerar tamanha restrição legal. K. E, para tal, o Tribunal a quo baseou-se em fundamentos que nunca poderiam ser tidos em consideração na presente ação. Vejamos.
L. Ao que parece, o Tribunal a quo olvidou que o que está verdadeiramente em causa nos autos é um “termo e condição” e não fatores ou subfactores de avaliação das propostas.
M. Repare-se que, nos termos do Artigo 12.º do Programa, os únicos fatores de execução submetidos à concorrência (atributos) eram o (i) preço e a (ii) experiência, em específico, do Consultor Funcional Chefe de Equipa.
N. Tudo o resto, nomeadamente os requisitos técnicos mínimos constantes da cláusula 23.ª do Caderrno de Encargos, correspondiam a aspetos subtraídos à concorrência, ou seja, termos e condições que, se não fossem cumpridos, explicavam a exclusão das propostas dos respetivos operadores económicos:
“Estabelecem-se os seguintes requisitos relativamente à equipa a afetar à execução do contrato:
a) Perfil: Mínimo de 2 (dois) técnicos com a categoria de Consultor Funcional;
b) Todos os membros da equipa devem possuir certificação na plataforma referida no n.º 1, sendo que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, deve possuir a certificação máxima;
c) Experiência mínima de 3 anos, seguidos, na função de Consultor Funcional”.
O. Em consequência, em momento algum, foi determinado pela Entidade Demandada, aqui Recorrida, nas peças do procedimento, a relevância do prazo de execução contratual, a necessidade de apurar a qualidade da equipa técnica (para além do Chefe de Equipa) ou se era mais (ou menos) conveniente a apresentação de uma certificação na referida plataforma No Code.
P. Caso contrário, e se assim fosse, a Entidade Demandada, aqui Recorrida, teria de ter previsto esses mesmos critérios enquanto atributos da proposta e, nessa altura sim, poderia vir avaliar e a diferenciar um operador económico que propusesse um prazo de execução contratual menor ou que apresentasse uma equipa técnica que detivesse, por exemplo, a referida certificação.
Q. Contudo, não foi isso que a Entidade Demandada, aqui Recorrida, determinou nem é isso que importa ponderar nestes autos.
R. De facto, o que importa nestes autos, é que a referida certificação (apesar de não ser necessária para o manuseamento e desenvolvimento da referida Plataforma NoCode) correspondia a um termo e condição, ou seja, qualquer operador económico, mesmo sabendo e conseguindo executar o referido objeto contratual sem essa certificação, era automaticamente excluído por não a apresentar.
S. Reitera-se: claro que se compreendia se a Entidade Demandada, aqui Recorrida, quisesse assegurar a qualidade da equipa técnica ou a celeridade de execução contratual – e, nesse caso, bastava que tivesse colocado esses aspetos como aspetos submetidos à concorrência.
T. Aí, certamente, a Entidade Demandada, aqui Recorrida, conseguiria distinguir as propostas que apresentavam prazos de execução menores ou as equipas técnicas que tinham técnicos com determinado tipo de certificação (e outras não). Contudo, não foi isso que a Entidade Demandada, aqui Recorrida fez; reitera-se!
U. A aqui Recorrida pura e simplesmente, e mesmo sem ser necessário, decidiu excluir todos os operadores económicos que não tivessem a dita certificação, impossibilitando-os das suas propostas serem avaliadas (e eventualmente de virem a ser adjudicatários) no procedimento aqui impugnado.
V. E o Tribunal a quo, com o devido respeito, substituiu-se à aqui Recorrida, pois entendeu que tamanha restrição não era ilegal nem violava o princípio da concorrência porque, na verdade, quem detivesse essa certificação provavelmente executaria as tarefas mais rápido ou com menos dificuldades!
W. Não obstante, não está em causa saber quem executa de forma mais rápida ou com menos dificuldade as tarefas; está em causa saber se uma empresa consegue ou não executá-las sem a referida certificação (ponto final).
X. E, da prova instrutória, resultou que qualquer operador económico, independentemente, de ter a referida certificação conseguia executar o objeto do presente contrato.
Y. E, portanto, num claro erro de raciocínio lógico, e apesar de deter todas as respostas para conseguir determinar a ilegalidade dos referidos termos e condições constantes do n.º 7 da cláusula 23.ª do Caderno de Encargos, o Tribunal a quo divergindo do que resultou da prova, decidiu em sentido contrário.
Z. E, veja-se, tamanha é a “confusão” do Tribunal a quo que, na própria sentença e para tomar a decisão que ora se impugna, o Tribunal a quo invoca os artigos 75.º e 165.º do CCP (p. 53 da sentença), precisamente artigos relativos ao regime jurídico dos atributos das propostas e a concursos públicos com prévia qualificação – matérias que, salvo melhor opinião, não são aplicáveis (nem interessam) nos autos.
AA. Ora, não se contesta as conclusões tecidas pelo Tribunal a quo – contudo, as referidas conclusões, reitera-se, não são aplicáveis ao caso sub judice, pois, na verdade, não estava em causa apreciar a ilegalidade do critério de adjudicação do presente procedimento pré-contratual, mas um termo e condição ou, se quisermos, um requisito técnico mínimo.
BB. Efetivamente, compreende-se a confusão do Tribunal a quo – se, como afirma a Entidade Demandada, aqui Recorrida, “Atendendo ao extenso programa de avisos e de apoios a conceder até ao final do ano, a principal preocupação da responsável dos Serviços de Gestão do Fundo Ambiental seria que a equipa a afetar ao projeto, possuísse a experiência comprovada no desenvolvimento de aplicações na plataforma em utilização no Fundo Ambiental, i.e., MasterWeb Evolution, sob pena dos objetivos estratégicos não serem atingidos”, então a Recorrida deveria ter previsto como fatores de avaliação a qualidade técnica da equipa e o prazo de execução contratual – o que não fez. CC. Ora, não o tendo feito, não pode naturalmente o Tribunal a quo, vir fixar atributos que não existiam e, perante uma situação que consiste no apuramento da ilegalidade de um termo e condição, vir invocar matérias que em nada contendem com a dos autos ou, até, vir invocar atributos que não foram previstos pela Recorrida nas peças procedimentais.
DD. Em suma, há claramente na sentença proferida pelo Tribunal a quo, uma contradição geradora de nulidade, pois os fundamentos invocados na sentença conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
EE. Por sua vez, há também uma falha de raciocínio lógico quando o Tribunal a quo se fundamenta em normas jurídicas que nada têm a ver com a matéria inerente ao caso sub judice (reitera-se, a análise aos artigos 75.º e 165.º do CCP, bem como à jurisprudência existente sobre essas matérias é absolutamente irrelevante para os autos) – o que também implica a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, pelo menos, a existência de um erro de julgamento.
FF. Pelo que, por tudo quanto foi supra exposto, deve ser declarada a referida nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o que desde já se requer.
GG. Em segundo lugar, a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo padece também de sérios erros, mormente relativamente aos factos provados 10, 20, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 32, 33 e 34.
HH. No plano da matéria de facto, o presente pedido de reapreciação apresentado pela Autora cinge-se aos factos que foram dados como provados na presente ação judicial, mais concretamente os seguintes:
- Factos provados:
10. A contrainteressada O...... – C....... , Lda., no momento de apresentação da proposta, tinha mais técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, pela contrainteressada M........, Lda., que não indicou pelo facto de estes não se encontrarem disponíveis para a respetiva execução naquele momento;
20. “A contrainteressada M........, Lda. forma, aproximadamente, seis a sete pessoas por ano, num total aproximado de trinta pessoas, sendo que mais de 50% são pessoas externas à referida empresa”.
23/2.ª parte. “o recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”;
24/2.ª parte. [é obrigatório ter] “conhecimento de funcionamento da plataforma No Code em utilização e dos modelos funcionais que se pretendem ver implementados”.
25. “A presença dos conhecimentos identificados em 23, podem traduzir-se numa maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento” (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
26. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code proprietária e sem acesso público a licenças de trial (licenças que permitem utilizar um software/plataforma sem custos e sem compromisso de aquisição), torna-se mais complicado a obtenção de conhecimento sobre a mesma sem recurso a certificação (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
27, 2.ª parte. “existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”;
28, 1.ª parte. “Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa”;
32, 2.ª parte. “a execução do contrato nestes termos pode representar uma solução de menor qualidade quando comparada com a mesma solução desenvolvida por um técnico certificado com experiência e formação na mesma plataforma”;
33. “Independentemente do tipo de aplicações a serem desenvolvidas, um técnico sem formação, sem certificação e, principalmente, sem experiência prévia na plataforma MasterWeb Evolution 9, tem maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e, do mesmo modo, os índices de qualidade das aplicações desenvolvidas, podem também ser afetados, não ficando totalmente inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);”
34. “É conveniente que os técnicos que desenvolvam as aplicações objeto do concurso identificado em 2 tenham experiência na plataforma, por forma a garantir uma correta gestão da eficiência do tempo despendido e qualidade das aplicações apresentadas (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos)”.
II. Abre-se aqui um parêntesis para, em cumprimento do ónus previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, se indicarem as passagens da gravação dos depoimentos de cada uma das testemunhas, aproveitando-se o ensejo para uma sua breve caracterização:
a) V......... : Representante Legal da Autora, aqui Recorrente, cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 00:01:20” a 00:32:40”;
b) D....... : Representante Legal da Contraintereressada Master Link, cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 00:35:20’ a 01:18:40’;
c) C......... , Funcionário da Autora, aqui Recorrente, engenheiro informático, cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 01:19:10” a 01:31:25”;
d) J......... : consultor, Sócio-Gerente da Contrainteressada O...... – C....... , Lda., cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 01:32:00’ a 01:50:50’;
e) P......... : engenheiro informático, cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 01:51:18’ a 02:00:10’;
f) M......... : administrador da empresa U........ , S.A., cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 02:02:10’ a 02:15:20’;
JJ. Salvo o devido respeito, que é muito, não deveria o facto provado n.º 10 ter sido dado como provado. Vejamos. Neste sentido, veja-se, em concreto, o depoimento, prestado no passado dia 29 de novembro de 2023, de J......... , Sócio-Gerente da Contrainteressada O...... – C....... , Lda., mais concretamente a seguinte passagem: 01:47:30 – 01:48:37’
KK. O que significa que não podia o Tribunal a quo ter concluído, com certeza as motivações que levaram a O…… a apresentar uma proposta com apenas um técnico quando, na verdade, a aqui Contrainteressada assumiu, a final, que a apresentação da referida proposta tinha por detrás uma estratégia comercial (que o Tribunal a quo impediu que fosse revelada pela testemunha).
LL. Pelo que como supra se referiu, deve o facto n.º 10 ser julgado não provado e retirado do elenco de factos provados destes autos.
MM. Da prova instrutória não resultou, com certeza, o ponto 20 constante Decisão sobre a Matéria de Facto, que o Tribunal a quo também deu como provado (e não devia).
NN. Neste sentido, veja-se, em concreto, o depoimento, prestado D....... , Representante Legal da Contraintereressada M........ cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 00:35:20’ a 01:18:40’, mais concretamente as seguintes passagens: 01:01:07 – 01:03:11’.
OO. Em consequência, e ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, não se poderia ter concluído que a Contrainteressada forma, seis a sete pessoas por ano, num total aproximado de trinta pessoas, sendo que mais de 50% são pessoas externas à referida empresa, por vários motivos.
PP. Em primeiro lugar porque o Representante Legal da Contrainteressada afirmou que “não conseguia dar números exatos”.
QQ. E, por outro lado, o que o Representante Legal da Contrainteressada declarou foi a sua perceção, relativamente ao número de pessoas formadas no ano de 2023, entendendo que, em concreto, tinha certificado, nesse ano, seis a sete pessoas, algumas da sua própria equipa e outras colaboradores dos seus clientes (que compraram a plataforma).
RR. Em consequência, dessa afirmação, não poderia daí o Tribunal a quo retirar a conclusão de que a Contrainteressada certifica, anualmente, 6 a 7 pessoas. SS. Até porque a Contrainteressada M........ já opera no mercado desde 1998 (13- Masterlink - Business Innovation) e, ao longo de 25 anos, apenas formou, no total e segundo as declarações do Representante Legal, trinta pessoas…
TT. O que, na verdade, implica dizer que a M........ tem uma média de formação de uma/duas pessoas por ano e não, como concluiu erroneamente o Tribunal a quo, de 6 a 7 pessoas por ano.
UU. Ou seja, o mesmo é dizer que quando é lançado um procedimento como o aqui impugnado, para além da Contrainteressada Master Link, muito provavelmente, apenas uma/duas empresas certificadas poderão concorrer (o que foi exatamente o que se verificou no caso sub judice, pois, para além da Contrainteressada Master Link, apenas a Contrainteressada ON Global Solutions, apresentou proposta que sabia que iria ser necessariamente excluída, dando uma aparência de “concorrência”) – o que corresponde verdadeiramente a uma restrição da concorrência, em especial tendo em conta que os outros operadores económicos estarão igualmente habilitados para o fazer, ainda que não disponham da certificação, como resultou da prova pericial.
VV. Acresce que o Representante Legal da Contrainteressada não soube justificar o porquê de em 2021 apenas se identificarem 5 pessoas como certificadas (na contestação apresentada pela Contrainteressada) e, também não soube explicar, em concreto, quantas pessoas tinham tirado a referida certificação e procedido (ou não) à sua renovação.
WW. Isto porque, e como o próprio Representante Legal da Contrainteressada explicou, quando questionado pela mandatária da Recorrente, a certificação concedida caduca ao fim de um ano; pelo que, nada garante que as alegadas pessoas externas que tiraram a certificação a tenham posteriormente renovado (e, atualmente, disponham da mesma).
XX. Em consequência, e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo extrapolou aquilo que resulta do depoimento do Representante Legal da Contrainteressada Master Link.
YY. Nesta senda, cumpre reformular a ponderação da matéria de facto provada e, por isso, o facto provado n.º 20 deve ter a seguinte redação:
20. “A contrainteressada M........, Lda. formou, aproximadamente, ao longo dos 25 anos de atividade empresarial, 30 pessoas”.
ZZ. Por sua vez, devem ainda ser aditados os seguintes factos:
• No ano de 2023, a contrainteressada M........, Lda. formou, aproximadamente, 6 a 7 pessoas, algumas da sua própria equipa e outras das equipas de seus clientes que pediram para receber formação na plataforma MasterWebEvolution v.9. que tinham adquirido.
• A obtenção da certificação (e posteriores renovações da certificação) na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica um investimento anual (económico e de gasto de tempo), sob pena da referida certificação caducar.
AAA. E, em consequência, se estes tivessem sido os factos dado como provados, resultaria, de forma bem mais evidente, que:
g. Ao longo de 25 anos de atividade, a Contrainteressada M........ apenas certificou, no total, 30 pessoas (sendo que dessas, apenas algumas têm a certificação máxima);
h. No ano de 2023, apesar de ter alegadamente certificado 6 a 7 pessoas, a M........ não certificou nenhum colaborador de uma “empresa concorrente/externa”, tão-só colaboradores da sua própria equipa e colaboradores dos seus próprios clientes;
i. O próprio processo de obtenção de certificação, numa plataforma NoCode como a MasterWebEvolution v.9., consagra em si mesmo uma restrição à concorrência, pois, obriga operadores económicos a investir, anualmente, dinheiro e tempo numa plataforma que, em abono da verdade, pode ser operacionalizada por qualquer pessoa;
j. A obtenção de certificação na plataforma da Contrainteressada M........ implica um investimento desnecessário para o operador económico, pois essa aprendizagem resulta, no fundo e conforme consta do facto provado n.º 22, num processo de “estudo de documentação, autoestudo e exploração”; o mesmo é dizer que a pessoa, só depende de si própria, para conseguir aprender a trabalhar com a referida plataforma (e que a referida certificação não é mais do que um atestar de uma mera formalidade). (14-E o mesmo foi corroborado)
BBB. Assim, se a matéria de facto tivesse sido fixada nestes termos, resultaria de forma muitíssimo mais evidente que a exigência de uma certificação numa plataforma NoCode, como é a plataforma da Contrainteressada Master Link, constitui uma grave restrição à concorrência, impedindo operadores económicos, perfeitamente capazes, de executar os referidos contratos – o que viola o artigo 1.º-A/1 do CCP.
CCC. Quanto aos factos provados n.º 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 32, 33 e 34 partem todos de uma premissa errada: que, no caso sub judice, estava em causa discutir ou comparar a qualidade das empresas concorrentes no presente procedimento.
DDD. Contudo, no caso sub judice, não era verdadeiramente isso que interessava apurar nos autos, antes, apenas, interessava discutir a admissibilidade de outras empresas no presente procedimento.
EEE. Para comparar, se uma empresa pode fazer um melhor trabalho ou uma prestação de serviços melhor do que outra, isso implica partir do pressuposto que as duas empresas “foram a jogo”; contudo, no caso, o que está exatamente em causa é o ato “de ir a jogo”, de “ser admitido” – e, portanto, a discussão reporta-se, claramente, a um momento prévio à avaliação das propostas (ao momento da sua admissão).
FFF. Em consequência não interessava apurar as vantagens de uma empresa certificada VS. uma empresa não certificada; mas apenas apurar se a exigência dos referidos termos e condições, como condição de admissibilidade de uma empresa no referido procedimento, era ou não legal.
GGG. E, na verdade, resultou do depoimento, nomeadamente do Funcionário da aqui Recorrente, C......... , engenheiro informático (à semelhança do que já se disse resultar do relatório pericial), cujo depoimento foi prestado no dia 29 de novembro de 2023 e gravado digitalmente de 01:19:10” a 01:31:25”, que qualquer pessoa conseguiria trabalhar com a plataforma NoCode da Contrainteressada MasterLink: 01:21:21 – 01:23:30’
HHH. O que significa que, na verdade, uma exigência deste tipo era, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, desnecessária e, por isso, desproporcional.
III. Ao que acresce reiterar ainda que a certificação concedida pela MasterLink, apesar de exigir investimento económico e gasto de tempo por parte das empresas que nela tenham interesse, assenta, na verdade, num modelo “self learning” (conforme, aliás, corroborado como supra transcrito, pelo Representante Legal da própria Contrainteressada MasterLink), mas também pelo Funcionário da Autora, no depoimento prestado no dia 29 de novembro de 2023, nas seguintes passagens: 01:27:45 – 01:30:00’
JJJ. Em consequência, os factos 25,26, 32, 33 e 34 elencados não deveriam ter sido dados como provados pois, não relevam para a questão central que importa dirimir nos autos.
KKK. Para além disso, deveriam ter sido dado como provados os factos 23, 24, 27 e 28, nos seguintes termos:
• Facto n.º 23: “Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code não será de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma”;
• Facto n.º 24: “Tendo em consideração que a MasterWeb Evolution 9 se trata de uma aplicação No Code, não é de esperar que seja obrigatório conhecimentos técnicos de programação;
• Facto n.º 27, “Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code, depois de instalada e devidamente parametrizada, é de esperar que qualquer técnico, com a devida certificação ou conhecimentos suficientes da plataforma, consiga implementar os objetos do contrato objeto do concurso identificado em 2 e, apesar de se tratar de uma plataforma No Code”;
• Facto n.º 28, “Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos não é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa” (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos)”.
LLL. Por fim, aos referidos factos deveria ainda aditar-se o seguinte:
• Para o desenvolvimento do objeto do contrato inerente ao presente procedimento pré-contratual revela-se desproporcional a exigência de certificação, em especial, a exigência da certificação máxima.
MMM. Sem conceder, a verdade é que contrariando todas estas normas e princípios essenciais do direito nacional e europeu da contratação pública, mormente os artigos 1.º-A/1 e 49.º do CCP e os princípios da concorrência, proporcionalidade e igualdade, a especificação constante da alínea b) do n.º 7 da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos tem por efeito uma restrição absolutamente desproporcionada da concorrência, nos termos que de seguida melhor se explicarão.
NNN. Uma plataforma No Code é uma plataforma que não exige o recurso a uma equipa de tecnologias de informação para que se proceda ao seu desenvolvimento, evolução e criação de aplicação (objeto do presente procedimento), ou seja, é uma plataforma que por não ter código, pode ser customizada ou desenvolvida por qualquer pessoa ou, no limite, por qualquer técnico com ou sem certificação na plataforma em causa.
OOO. O que permite que as entidades que adquirem esta plataforma não fiquem reféns da empresa proprietária (neste caso da Contrainteressada Master Link) quando precisam de contratar serviços de manutenção, evolução e desenvolvimento da plataforma (como é aqui o caso), já que, sendo esta uma plataforma No Code, qualquer técnico informático (ou qualquer empresa do sector) tem capacidade para o fazer - isto porque não é necessário um conhecimento técnico de programação de códigos.
PPP. Por isso, para aquisição do tipo de serviços do presente procedimento, em que está em causa uma plataforma No Code, as Entidade Adjudicantes devem adotar um procedimento mais concorrencial, como o concurso público, precisamente porque qualquer empresa do sector pode prestar este tipo de serviço [não existindo, assim, fundamento para a adoção de um procedimento de Ajuste Direto ao abrigo dos critérios materiais previstos na alínea e) do artigo 24.º do CCP].
QQQ. Ao invés, nas plataformas com código, só as empresas proprietárias é que podem proceder à sua manutenção, evolução e desenvolvimento, porque é necessário que estes serviços sejam prestados por programadores com acesso ao código fonte da plataforma, que é um direito exclusivo da empresa proprietária (que não pode ser dado a conhecer a outras empresas). Nestes casos, por a plataforma informática ter um código, as entidades adjudicantes estão obrigadas a adotar um procedimento de Ajuste Direto ao abrigo de critérios materiais para adjudicar os serviços à empresa proprietária, por ser a única que tem acesso ao código fonte da sua plataforma, não existindo assim concorrência por motivos técnicos ou por ser necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual. Ou seja, e por outras palavras, adotar um tipo de procedimento concorrencial seria completamente inútil porque nenhuma outra empresa conseguiria ou poderia prestar os serviços em causa.
RRR. Daí que, no presente procedimento, por a plataforma MasterWeb Evolution v. 9 ser No Code, a Entidade Requerida tenha sido obrigada a adotar o procedimento mais concorrencial dos previstos no CCP, porquanto não se encontrava preenchida nenhuma das subalíneas da alínea e), do artigo 24.º do CCP. Aliás, este facto acabou por ser inclusivamente referido pelo júri no Relatório Final (cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial).
SSS. Na verdade, podendo ser desenvolvida por qualquer pessoa (incluindo técnicos de outras áreas que não das tecnologias da informação), o procedimento tinha, necessariamente, de ser aberto a todos os operadores económicos.
TTT. Não obstante, a Entidade Requerida estabeleceu na Cláusula 23.ª, n.º 7, alínea b), do Caderno de Encargos que, para poderem participar no presente procedimento, os concorrentes tinham de apresentar uma equipa constituída por, no mínimo, dois técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, sendo que um deles tinha de possuir certificação máxima. E que, para comprovar o cumprimento deste termo ou condição, os concorrentes tinham de apresentar com a sua proposta os comprovativos da obtenção desta certificação [cfr. artigo 8.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Programa de Procedimento].
UUU. Ou seja, e apesar da Entidade Demandada querer o desenvolvimento de uma plataforma No Code – desenvolvimento esse que pode ser prestado por qualquer empresa e por qualquer pessoa!! -, previu como requisito de exclusão das propostas a necessidade de existir uma equipa certificada nessa plataforma No Code!!!
VVV. Ora, esta exigência – e a sanção que lhe é associada, de exclusão das propostas -, mostra-se absolutamente desproporcionada, funcionando como uma restrição ao universo de potenciais concorrentes, e, nessa medida, ao próprio princípio da concorrência, trave mestra e estrutural da contratação pública.
WWW. Na verdade, não se compreende porque motivo a Entidade Demandada adotou um procedimento pré-contratual concorrencial como o concurso público – crê-se com o intuito de permitir que o maior número de operadores no mercado pudessem concorrer -, para depois restringir desmesuradamente essa concorrência, ao permitir apenas que fossem admitidas propostas cujos membros da equipa dos concorrentes possuíssem certificação na plataforma, exigindo, inclusive que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, possuísse não só certificação nessa plataforma, mas o nível de certificação máxima!
XXX. De facto, tamanha exigência apenas seria lícita se fosse compatível com o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, o que não sucede in casu.
YYY. Assim e desde logo, considerando o conteúdo das prestações contratuais acima descritas, constata-se que a exigência de que a equipa a afetar à execução do contrato ter de possuir “certificação na plataforma referida no n.º 1, sendo que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, deve possuir a certificação máxima” se mostra violadora das três vertentes do princípio da proporcionalidade, a saber: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito e não passa o “teste de proporcionalidade”.
ZZZ. Efetivamente, face ao objeto do contrato, a certificação dos elementos da equipa técnica numa determinada plataforma No Code (que só pode ser concedida por uma empresa privada no mundo, com óbvio interesse no presente procedimento) é uma exigência manifestamente desnecessária e inútil.
AAAA. Como já aqui se demonstrou, uma plataforma No Code tem a grande vantagem de poder ser desenvolvida, evoluída, mantida e personalizada sem recurso a programadores e a linhas de código. Com efeito, qualquer técnico com experiência no desenvolvimento de aplicações em qualquer plataforma No Code (ou em plataformas com código) consegue executar o contrato que se pretende celebrar, porquanto, como é dito no próprio sítio na internet da Contrainteressada M........ “Uma plataforma no-code é uma ferramenta de desenvolvimento sem necessidade de programação ou de conhecimento tecnológico e, portanto, direcionada para uma audiência não técnica”. BBBB. Assim, como é evidente, a exigência de os técnicos terem de possuir uma certificação concedida unicamente pela Contrainteressada M........ é completamente desnecessária e inútil para a boa execução do contrato e em última instância para a prossecução do interesse público.
CCCC. Por outro lado, essa exigência também não implica qualquer garantia adicional de que as tarefas incluídas no objeto do contrato serão realizadas de forma mais adequada, já que a detenção de certificados não é sequer um padrão capaz de mensurar ou garantir qualidade no tipo de serviços a contratar.
DDDD. Efetivamente, considerando que se trata de uma plataforma No Code, o contrato seria igualmente bem executado por dois técnicos com experiência no desenvolvimento de aplicações em plataformas No Code [quaisquer outras], o que permitiria que o interesse público continuasse a ser prosseguido de modo igualmente eficaz através de uma medida muito menos lesiva do universo concorrencial, permitindo que mais empresas se tivessem apresentado a concurso.
EEEE. Pelo que, a única consequência prática desta exigência foi impedir que qualquer outra empresa que não a Contrainteressada Master Link, pudesse disputar a adjudicação, afastando do universo de concorrentes todas as que atuam neste sector, como de resto sucedeu com a Autora, e todas as demais que, confrontadas com a impossibilidade de cumprir esta exigência, nem apresentaram proposta.
FFFF. Na verdade, não só a proposta da Autora, aqui Recorrente, foi excluída por não cumprir com os requisitos exigidos no Caderno de Encargos – por não dispor de técnicos com essa certificação (ainda que dispusesse de técnicos com experiência no desenvolvimento de plataformas No Code), como e ao contrário do que alega o Tribunal a quo, a Contrainteressada OG Solutions também só conseguiu apresentar um elemento da equipa com essa certificação – sendo que eram, no mínimo, exigidos dois.
GGGG. De modo que esta disposição procedimental configura, simultaneamente, uma discriminação de todas as empresas do sector e o favorecimento da Contrainteressada Master Link, que, curiosamente, foi a única que cumpriu com esta exigência.
HHHH. Na verdade, se a Entidade Demandada tivesse exigido apenas que os técnicos tivessem experiência no desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso a plataformas No Code, teria, naturalmente, efeitos bem menos restritivos para o universo de concorrentes e garantiria igualmente que uma equipa apta a desenvolver aplicações a um ritmo muito elevado.
IIII. A tudo isto acresce que a Entidade Demandada exigiu ainda uma certificação que apenas pode ser concedida pela Contrainteressada Master Link.
JJJJ. E, para além disso, não só exigiu essa certificação como, ainda, que um dos técnicos a apresentar fosse detentor de uma a certificação máxima, o que também é manifestamente desnecessário, inútil, e ainda desproporcional face ao objeto do contrato.
KKKK. O mesmo é dizer que a Entidade Demandada só admitiria uma proposta que contemplasse um técnico não com uma, mas com três certificações na plataforma MasterWeb Evolution v9 (Associate, Confirmed e Guru).
LLLL. Ora, se a exigência de os técnicos possuírem certificação na plataforma No Code já é completamente desnecessária e inútil, por não corresponder a qualquer mais-valia na prossecução do interesse público, exigir que um dos técnicos possua três certificações é, para além de inútil e desnecessário, manifestamente desproporcional em sentido estrito, por não produzir um grau de satisfação do interesse público subjacente ao contrato que se revele pelo menos equivalente ao grau de lesão que é produzido no universo concorrencial.
MMMM. Aliás, face ao objeto do contrato, nem se consegue vislumbrar qual é o grau de satisfação do interesse público subjacente ao contrato que esta restrição desmesurada da concorrência pretendeu prosseguir.
NNNN. Ao invés, considerando que apenas foram apresentadas três propostas e que apenas uma delas continha um técnico com a certificação máxima exigida, é evidente que o grau de lesão que esta restrição produziu no universo concorrencial é imensuravelmente superior a uma eventual satisfação do interesse público subjacente ao contrato.
OOOO. Consequentemente, e por tudo quanto foi supra exposto, esta exigência é, portanto, meramente arbitrária, inútil, desnecessária e desproporcional, violando assim o princípio da proporcionalidade, constante do artigo 1.º-A/1 do CCP, assim como o artigo 49.º, n.ºs 4, 8 e 9.
PPPP. Como é evidente, a generalidade das empresas, mesmo aquelas com experiência na área e em especial em projetos relacionados com plataformas No Code não têm à sua disposição um técnico com a certificação máxima numa plataforma de uma empresa concorrente para afetar à execução do contrato, ficando, desde logo, impedidas de participar no procedimento.
QQQQ. Pelo que, esta disposição produz apenas o efeito de discriminar todas as restantes empresas do sector e de favorecer a Contrainteressada Master Link, que, uma vez mais, como não poderia deixar de ser, também cumpriu com esta exigência.
RRRR. O que demonstra, de forma insofismável, que, não podendo adotar o procedimento de Ajuste Direto (pelos motivos acima expostos), esta exigência serviu apenas para que a Entidade Demandada garantisse a priori que a Contrainteressada M........ seria a adjudicatária, correspondendo, no fundo, a um concurso público meramente artificial.
SSSS. E, por isso, em face de todo o supra exposto, não há quaisquer dúvidas de que as especificações técnicas que fixam que todos os membros da equipa devem possuir certificação na plataforma No Code MasterWeb Evolution v. 9, da Contrainteressada Master Link, sendo que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, deve possuir a certificação máxima, se mostram extremamente restritivas do universo de potenciais concorrentes, sem nenhum fundamento racional assente em motivos relacionados com a boa execução do contrato.
TTTT. Por outro lado, os requisitos obrigatórios da equipa configuram, simultaneamente, um favorecimento injustificado da Contrainteressada M........ e uma discriminação das empresas, mesmo aquelas que tenham experiência na área e no desenvolvimento de aplicações em plataformas No Code em particular, para quem seria virtualmente impossível cumprir as especificações em causa.
UUUU. Assim, e contrariamente ao que foi julgado pelo Tribunal a quo, não há como fugir à conclusão de que as especificações fixadas na alínea b), do n.º 7 da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos violam de forma gritante o artigo 49.º, n.ºs 2, 4 e 8 do CCP e, bem assim, os princípios proporcionalidade, da igualdade e da concorrência (artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP) – veja-se a este propósito a doutrina e jurisprudência nacional e europeia citadas pela Recorrente nas presentes alegações de recurso, nomeadamente a sentença proferida pelo Tribunal a quo, no proc. n.º 1358/19.3BELRA, onde também se impugnava uma especificação técnica, em tudo semelhante à dos presentes autos e a decisão proferida pela 1.ª instância foi bem diferente da proferida nos presentes autos.
VVVV. Por fim, mas não menos relevante, a referida disposição do Caderno de Encargos para além de ser ilegal, nos termos já expostos, é também desproporcional e particularmente lesiva da esfera jurídica da Autora, na medida em que determinou a exclusão da sua proposta.
WWWW. Ou seja, e ainda que a Entidade Demandada entendesse que era uma mais-valia a apresentação de certificados de experiência na plataforma No Code em questão; pelo facto de corresponder a uma plataforma que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa, sem necessidade de uma formação específica, não é, de facto, conforme ao princípio da proporcionalidade prever como consequência da não apresentação de uma certificação (que, na verdade, é desnecessária e inútil), a exclusão das respetivas propostas!
XXXX. Na verdade, e ainda que se pudesse tentar compreender, a determinação dessas exigências enquanto critérios de avaliação preferenciais nunca poderiam os mesmos corresponder a especificações técnicas, cujo não cumprimento importa a exclusão de propostas.
YYYY. Ora, se é aberto um concurso público precisamente por estar em causa o desenvolvimento de uma plataforma No Code, que qualquer pessoa consegue desenvolver; como é que se explica que, afinal e apesar das características desse objeto contratual, só possam concorrer em empresas, onde todos os elementos da equipa proposta (neste caso, pelo menos 2) tenham obtido certificação no desenvolvimento da plataforma e onde, inclusive, um deles tenha obtido uma certificação máxima? E, como é que se explica ainda, que uma empresa possa ser excluída de um procedimento pré-contratual por não ter certificados que não são necessários para conseguir desenvolver a plataforma informática em questão nos autos?
ZZZZ. Até porque, convém relembrar, a plataforma MasterWeb Evolution v. 9 é propriedade da Contrainteressada Master Link, tendo esta empresa direitos exclusivos de produção e comercialização sobre a mesma. Ou seja, a Contrainteressada M........ é a única entidade que pode conceder as certificações que a Entidade Demandada estabeleceu como condição de acesso ao presente procedimento.
AAAAA. O que significa que é a Contrainteressada M........ que decide quando abre os cursos de certificação na sua plataforma, que candidatos aceita nesses cursos e a quem concede as referidas certificações. Ou seja, e a final, é a Contrainteressada M........ que decide livremente quantos técnicos com certificação existem no mercado e se concede (ou não) certificações na sua plataforma a técnicos que sejam colaboradores de empresas concorrentes, como a Autora. O que, diga-se, é completamente compreensível, porquanto o objetivo da Contrainteressada M........ é o lucro e não, num espírito de boa vontade e solidariedade empresarial, a certificação de técnicos de empresas concorrentes, reduzindo assim drasticamente as hipóteses de obter mais contratos, monopolizando os técnicos certificados existentes. Por outras palavras, quanto menos técnicos certificados existirem no mercado, mais contratos como o que se pretende aqui celebrar serão adjudicados à Contrainteressada M........ e, por consequência, maior será o seu lucro.
BBBBB. O presente procedimento acaba por ser prova irrefutável disso mesmo, em que a Contrainteressada M........ foi a única empresa que cumpriu com as exigências da Entidade Demandada apresentado inclusivamente uma proposta com um preço igual ao preço base. Porquê? Porque sabia de antemão quantos técnicos (ou não técnicos) certificados na sua plataforma existem no mercado com a certificação válida (que não são seus funcionários). Tendo esta informação, a Contrainteressada M........ sabia perfeitamente que nenhuma outra empresa conseguiria apresentar uma proposta que cumprisse todos os termos ou condições do Caderno de Encargos e, por isso, apresentou uma proposta com um preço igual ao preço base - 137 500,00 € (cento e trinta e sete mil e quinhentos euros).
CCCCC. Só um concorrente com a certeza absoluta que é a único que pode cumprir os termos ou condições previstas no Caderno de Encargos é que concorre a um concurso público (aberto a todo e qualquer operador económico), com um preço igual ao preço base (ainda por cima quando o critério de adjudicação previsto nas peças do procedimento previa que o preço tinha uma valia de 60%).
DDDDD. Por fim, importa ainda referir que a ponderação da conformidade destas exigências constantes do Caderno de Encargos com o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, não entram na esfera da discricionariedade administrativa da Administração Pública; antes é permitido e, arrisca-se a dizer, aliás, que é obrigação dos Tribunais realizar o exercício casuístico de conformação das normas procedimentais com os princípios gerais da contratação pública.
EEEEE. Consequentemente, as peças do procedimento aqui em questão são ilegais e a invalidade da referida disposição do Caderno de Encargos repercute-se no ato impugnado que, procedendo à respetiva aplicação material determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada M........ e a exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrente.
TERMOS EM que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, deve a presente ação prosseguir para efeitos e nos termos do artigo 45.º do CPTA.”


O Recorrido, MAAC, apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões,
“A. A ora Recorrente considera que a sentença em crise padece de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, mas tal não é verdade.
B. É pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência que esta nulidade só ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adotada naquela.
C. Como decorre do texto do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, , só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro (vd. Ac. do STA de 6/2/07, no recurso n.º 322/06).
D. Também esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (vd. Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670).
E. Ora, analisada a estrutura global da decisão judicial em crise, resulta cristalino que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida por este tribunal.
F. Da sentença em crise é por demais manifesto que os fundamentos invocados pela Mª Juiz “a quo” conduziriam ao resultado expresso na decisão, inexistindo uma real contradição entre os fundamentos e a decisão pois que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue esse caminho.
G. Pelo que, não se alcança, que dos fundamentos aduzidos na sentença em crise se possa e deva logicamente extrair um resultado oposto ao que nele foi expresso.
H. E assim sendo, é forçoso concluir que se tem por não verificada a nulidade arguida, devendo, em consequência improceder o alegado pela Recorrente e as respetivas conclusões, nesta matéria.
I. A ora Recorrente considera que o Tribunal “a quo” não fez uma aplicação correta da Lei, ao decidir pela total improcedência da ação e em consequência determinar a absolvição ora Recorrido MAAC dos pedidos.
J. E a assim ser, entende a Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” padece de erro de julgamento.
K. Mas tal não é verdade, como ficou sobejamente demonstrado quer na Douta Decisão do Tribunal “a quo”, quer nas alegações do ora Recorrido.
L. É certo que o juiz terá de discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
M. No entanto, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou.
N. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem de discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
O. Apesar dos art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitirem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, tal só é possível nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexata, ou porque os valorou erroneamente.
P. Assim, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é suscetível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância.
Q. Antes pelo contrário, os tribunais superiores só podem alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
R. Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela, mas terá de se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
S. Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. e R. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.
T. Ora, no caso em apreço, a decisão recorrida pronunciou-se sobre as questões trazidas a litígio e decidiu-as, tendo-se pronunciado sobre os factos alegados pelas partes e com relevo para o litígio, e não sendo obrigatório que se tivesse de pronunciar sobre toda a prova que vinha careada nos autos, ou no PA, e que analisá-la toda, a decisão recorrida exibe um julgamento correto da matéria de facto e de Direito.
U. E assim sendo, como é, não merece a sentença recorrida qualquer reparo, devendo a mesma, no que diz respeito à fixação da matéria de facto, manter-se inalterada.
V. A ora Recorrente considera que que as exigências constantes na alínea b), do n.º 7, do art. 23.º do Caderno de Encargos, relativas à certificação dos membros de equipa violam o art. 49.º, n.ºs 4, 8 e 9 do CCP, os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência (art. 1.º-A, n.º1 do CCP), bem como o art. 42.º da Diretiva 2014/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.
W. Mas tal não é verdade, como ficou sobejamente demonstrado quer na Douta Sentença do Tribunal “a quo”, quer nas alegações do ora Recorrido.
X. A necessidade de contratação, pelo ora Recorrido, de serviços de consultoria funcional para desenvolvimento de aplicações informáticas, decorre da obrigação que impende sobre o Recorrido de cumprir o plano anual de atribuição de apoios para o corrente ano de 2022, associado às obrigações contratuais do Fundo Ambiental, enquanto beneficiário-intermediário do PRR
Y. Atendendo ao extenso programa de avisos e de apoios a conceder até ao final do ano, a principal preocupação do Recorrido era a que a equipa a afetar ao projeto, possuísse a experiência comprovada no desenvolvimento de aplicações na plataforma MasterWeb Evolution em utilização no Fundo Ambiental, sob pena dos objetivos estratégicos não serem atingidos.
Z. Assim, as especificações técnicas constantes da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos, máxime da alínea b) do n.º 7, destinam-se a garantir as condições necessárias e imprescindíveis à satisfação do interesse público em causa - relacionado com o cumprimento do plano anual de atribuição de apoios para o corrente ano de 2022, associado às obrigações contratuais do Fundo Ambiental, enquanto beneficiário-intermediário do PRR – o qual exigia a certificação da equipa a contratar na plataforma tecnológica específica em utilização pelo contraente público (Vide Pedro Fernández Sánchez, in Direito da Contratação pública, FDL Editora, 2020, pp. 668 e sgs.).
AA. Tal exigência é objetivamente justificada e proporcionada, como meio de assegurar a prossecução do interesse público em causa, não podendo tal interesse público ser prejudicado, ou colocado em grave risco em estrito benefício da concorrência, como poderia vir a resultar da contratação de especialistas sem a certificação técnica indispensável.
BB. Ainda que potencialmente restritiva da concorrência, a referida exigência afigura-se perfeitamente admissível e justificada pelo interesse público relevante que visa salvaguardar.
CC. Não seria razoável o Recorrido Fundo Ambiental correr riscos desnecessários na aquisição de serviços de uma equipa não certificada e com a elevada probabilidade de consumir mais horas do que uma equipa certificada ou por desconhecimento da plataforma introduzir desenvolvimentos que colocassem em risco o funcionamento das aplicações que já estão em produção.
DD. Veja nesse sentido, quer a doutrina (Pedro Sanchéz ou Miguel Assis Raimundo), quer a jurisprudência (Ac. do TCA Norte de 09-09-2016, Proc. 00034/15.0BEAVR ou Ac. do S.T.A. de 11-01-2017, Proc. 0927/16).
EE. Embora seja proibida uma intenção de restrição da concorrência, em sentido contrário à igualdade entre operadores económicos, o que não se pode pedir é que o Recorrido prescinda da prerrogativa de escolha do que racionalmente entenda que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades.
FF. E neste caso, o que se pretende é celebrar um contrato de aquisição serviços de natureza intelectual, sendo que os serviços em causa são, só por si, bastante complexos, e envolvem necessariamente a intervenção de uma equipa composta por técnicos especializados e conhecedores da plataforma MasterWeb Evolution, em utilização no Fundo Ambiental.
GG. O princípio da concorrência não significa que são os interessados que escolhem o que a entidade Adjudicante deve adquirir, em que moldes e porque preços, e não é apenas porque o mercado tem determinado produto, que as Entidades Adjudicantes estão obrigadas a permitir a possibilidade de o adquirir.
HH. O princípio da prossecução do interesse público implica que a Entidade Adjudicante defina os seus procedimentos na ótica da melhor defesa dos seus interesses, designadamente os seus interesses financeiros, dentro dos produtos que pretende em termos funcionais.
II. Ora, e de acordo com o artigo 42.º do CCP, a entidade adjudicante tem a faculdade de definir especificações por referência a parâmetros base e termos ou condições, definindo, assim, limites mínimos e máximos.
JJ. É a entidade adjudicante que se encontra melhor preparada para avaliar se determinado requisito técnico é necessário, ou não, para responder às exigências do objeto do concurso. (vd. Acórdão do TCAS, de 10/05/2018 – Proc. n.º 1025/17.2BESNT).
KK. Assim, e ao contrário do que alega a Recorrente, a formação e certificação exigida na alínea b), do nº 7 da cláusula 23º do Caderno de encargos é, um elemento fundamental à (boa) execução do contrato, tendo, por isso, sido adequada, proporcional e legalmente prevista pelo Caderno de Encargos.
LL. A exigência da certificação prevista no nº 7 da cláusula 23ª do Caderno de Encargos, era realmente o único instrumento de que o ora Recorrido dispunha de forma a assegurar que o concorrente tem os conhecimentos e as aptidões necessárias para executar o contrato em tempo útil, que permitisse ao Recorrido cumprir com as suas obrigações e compromissos.
MM. E a assim ser, não restam dúvidas quanto à necessidade de se exigir, neste caso concreto, a certificação prevista na alínea b) do nº 7 da cláusula 23ª do Caderno de Encargos, não existindo, ao contrário do referido pela Recorrente, qualquer violação do disposto no artigo 49.º, n.ºs 4, 8 e 9 do Código dos Contratos Públicos e do princípio da concorrência, na medida em que a exigência de certificação encontra respaldo direto e inequívoco no mencionado n.º 8, ou seja: “A menos que o objeto do contrato o justifique …”, como sem dúvida se justifica na presente situação.
NN. Vem ainda a Recorrente alegar que “as exigências vertidas nesta disposição relativas à certificação dos membros da equipa são manifestamente desproporcionais”, e isto porque, no seu entendimento “o objeto do contrato a celebrar é a prestação de serviços de consultoria funcional para o desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code”.
OO. E para a Recorrente “uma plataforma no code é uma plataforma que não exige o recurso a uma equipa de tecnologias de informação para que se proceda ao seu desenvolvimento, evolução e criação de aplicação”
PP. No entanto, e contrariamente ao que vem alegado, está por demonstrar, e nem a Recorrente o conseguiu provar, que apenas a empresa M........ podia apresentar uma proposta em condições de ser admitida, pois caso contrário o ora Recorrido poderia ter optado por um ajuste direto, nos termos do artigo 24.º n.º 1, alínea e) subalínea ii).
QQ. E da improcedência destas conclusões da Recorrente, já se pronunciou, e bem, quer a Douta Sentença ora recorrida, quer a Contrainteressada M........ na sua contestação, artigos 13º a 91º, pelo que se subscreve e adere na íntegra ao aí vertido, e que por uma questão de economia processual se se abstém de reproduzir.
RR. De tudo o anteriormente exposto, resulta que não devem proceder os argumentos aduzidos pela Recorrente, porquanto foram respeitadas todas as normas e princípios basilares em matéria de contratação pública, não padecendo nem o ato impugnado, nem a Douta Sentença do Tribunal “a quo”, como já demonstrado, de qualquer vício.
SS. Donde não incorre a Douta Sentença, agora recorrida, em nenhum erro de julgamento.
TT. De facto, o que está aqui em causa não é a legalidade da alínea b) do n.º 7 da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos, conforme aparentam as alegações da Recorrente, mas tão-só a (in)conveniência destas regras para a Recorrente, que reconhecendo que não cumpria estes requisitos mínimos (e não tendo, por isso, fundamentos para contestar a respetiva exclusão), pretende, desta forma, criar uma “nova oportunidade” para participar no procedimento em apreço, aliás como é já seu apanágio (veja-se a este propósito o Processo n.º 1119/21.0BELRA, que correu termos também no TAF de Leiria).
UU. E a assim ser, a Sentença do Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo, pois além de devidamente fundamentada, a mesma encontra-se suportada, quer pela doutrina, quer pela Jurisprudência citada na sentença proferida, quer por muitos outros Acórdãos.
Por todo o exposto, e acompanhando a Sentença em crise, que em nosso entender não merece qualquer reparo, apresenta-se o recurso de improceder em toda a sua extensão, como de improceder se apresentam, assim, todas e cada uma das conclusões formuladas a final do mesmo.
Nestes termos, no mais de direito, e com apelo ao MUI DOUTO suprimento de V. Ex.ªs, deve negar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se na íntegra a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. O Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação pugnando pela não verificação de qualquer nulidade da sentença.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Em face destas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste Tribunal resumem-se a saber se a sentença recorrida padece de,
a. Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, n.º 1 al. c) do CPC);
b. Erro de julgamento sobre a matéria de facto quanto,
b.1. A terem sido dados como provados os factos 10, 25, 26, 32, 33 e 34;
b.2. A ter sido dado como provado nos termos em que o foram, os factos 20, 23, 24, 27 e 28, devendo estes ser substituídos por
“20. A contrainteressada M........ - Sistemas de Informação, Lda. formou, aproximadamente, ao longo dos 25 anos de atividade empresarial, 30 pessoas”;
“23. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code não será de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma;
24. Tendo em consideração que a MasterWeb Evolution 9 se trata de uma aplicação No Code, não é de esperar que seja obrigatório conhecimentos técnicos de programação;
27. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code, depois de instalada e devidamente parametrizada, é de esperar que qualquer técnico, com a devida certificação ou conhecimentos suficientes da plataforma, consiga implementar os objetos do contrato objeto do concurso identificado em 2 e, apesar de se tratar de uma plataforma No Code;
28. Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos não é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa".”
b.3. À omissão do elenco dos factos provados, da seguinte matéria:
· “No ano de 2023, a contrainteressada M........, Lda. formou, aproximadamente, 6 a 7pessoas, algumas da sua própria equipa e outras das equipas de seus clientes que pediram para receber formação na plataforma MasterWebEvolution v.9. que tinham adquirido.”
· “A obtenção da certificação (e posteriores renovações da certificação) na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica um investimento anual (económico e de gasto de tempo), sob pena da referida certificação caducar.”
· “Para o desenvolvimento do objeto do contrato inerente ao presente procedimento pré-contratual revela-se desproporcional a exigência de certificação, em especial, a exigência da certificação máxima.Erro de julgamento de direito, no que respeita ao erro nos pressupostos quanto à decisão de admissão (não exclusão)”
c. Erro de julgamento de direito quanto à ilegalidade da alínea b) do n.° 7 da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos por violação dos princípios da concorrência, proporcionalidade e igualdade e dos artigos 1.°-A n.º 1 e 49.°, n.ºs 2, 4, 8 e 9 do CCP e, em consequência, se a ação deve prosseguir para os efeitos artigo 45.º do CPTA.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. No dia 31 de Março de 2022 foi proferido um despacho pela Diretora do Fundo Ambiental que aprovou a decisão de contratar e as peças do procedimento de concurso público, sem publicação no Jornal Oficial da União Europeia, para “Aquisição de serviços para desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público (…)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referindo a informação n.º 11585/2022/SG/SCAP/DCP, com a mesma data, abreviadamente o seguinte: “(…) C. Escolha do procedimento Não se justificando a avaliação da capacidade financeira ou técnica do(s) cocontratante(s), opta-se pelo procedimento de concurso público sem publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, em razão do valor dos contratos a celebrar ser superior a 75.000,00€, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 20.º do Código dos Contratos Públicos” (cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial e a fls. 33 a 42 do processo administrativo);

2. No dia 1 de Abril de 2022 o anúncio do procedimento n.º 4130/2022, foi publicado em Diário da República, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referindo abreviadamente o seguinte: “MODELO DE ANÚNCIO DO CONCURSO PÚBLICO 1 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE

Designação da entidade adjudicante: Fundo Ambiental

NIPC: …..92

Endereço: Rua de "O ….", n.º 63, 3.º

Código postal: ….00 ..3

Localidade: Lisboa

País: PORTUGAL

Endereço Eletrónico: dcp@sgambiente.gov.pt

2 - OBJETO DO CONTRATO

Designação do contrato: Aquisição de serviços para desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público

Descrição sucinta do objeto do contrato: Aquisição de serviços para desenvolvimento de aplicações informáticas com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público

Tipo de Contrato Principal: Serviços

Tipo de Contrato: Aquisição de Serviços

Preço base do procedimento? Sim

Valor do preço base do procedimento: 137,500.00 EUR

Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)

Objeto principal

Vocabulário principal: 72600000

Valor: 137,500.00 EUR

3 - INDICAÇÕES ADICIONAIS

Número de referência interna: 562/UMC/FA/2021

O contrato envolve aquisição conjunta (satisfação de várias entidades)? Não

O contrato é adjudicado por uma central de compras? Não

O concurso destina-se à celebração de um acordo quadro? Não

É utilizado um leilão eletrónico? Não

É adotada uma fase de negociação? Não

Serão usados critérios ambientais? Não

4 - ADMISSIBILIDADE DA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS VARIANTES

Não

5 - DIVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO

O contrato é dividido em lotes? Não

6 - LOCAL DA EXECUÇÃO DO CONTRATO

País: PORTUGAL

NUT III: PT

Distrito/Região: Lisboa

Concelho: Todos

Freguesia: Todas

7 - PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO

Prazo de execução do contrato [prazo inicial sem incluir renovações]: 6 meses

Previsão de renovações? Não

Prazo de renovações diferente do prazo inicial? Não

8 - DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO

8.1 - Habilitação para o exercício da atividade profissional?

Não

8.2 - Informação sobre contratos reservados

Aplica-se a contratos reservados (54-A)?

Não

9 - ACESSO ÀS PEÇAS DO CONCURSO, PEDIDOS DE PARTICIPAÇÃO E APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS

9.1 - Consulta das peças do concurso

Designação do serviço da entidade adjudicante onde se encontram disponíveis as peças do concurso para consulta dos interessados: Serviços de Compras Públicas

Endereço desse serviço: Rua de "O ……", n.º 63, 0

Código postal: …00 ….3

Localidade: Lisboa

Endereço Eletrónico: dcp@sgambiente.gov.pt

9.2 - Fornecimento das peças do concurso, apresentação dos pedidos de participação e apresentação das propostas

Plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante:

ACIN -ICloud Solutions (https://www.acingov.pt)

Link para acesso às peças do concurso (URL):

www.acingov.pt/acingovprod/2/index.php

10 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS

Até às 23 : 59 do 18 º dia a contar da data de envio do presente anúncio

11 - PRAZO DURANTE O QUAL OS CONCORRENTES SÃO OBRIGADOS A MANTER AS RESPETIVAS PROPOSTAS

90 dias a contar do termo do prazo para a apresentação das propostas

12 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO

Se no ponto 5 for sim, o critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não

Multifator? Sim

Fatores

Nome: Preço

Ponderação: 60 %

Subfatores? Não

Fatores

Nome: Experiência da Equipa

Ponderação: 40 %

Subfatores? Não

13 - PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO

Não

14 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DO ÓRGÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO

Designação: Secretaria-Geral do Ambiente

Endereço: Rua de "O ……", n.º 63, 3.º

Código postal: …00 …3

Localidade: Lisboa

Endereço Eletrónico: sg@sgambiente.gov.pt

15 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA

2022/04/01

16 - O PROCEDIMENTO A QUE ESTE ANÚNCIO DIZ RESPEITO TAMBÉM É PUBLICITADO NO JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA:

Não

17 - IDENTIFICAÇÃO DO(S) AUTOR(ES) DO ANÚNCIO

Nome: André Santos

Cargo: Técnico Superior”

(cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial e a fls. 72 a 76 do processo administrativo);

3. De acordo com o artigo 5.º do Programa do Procedimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta o seguinte: “Não se justificando a avaliação da capacidade financeira ou técnica do(s) cocontratante(s), opta-se pelo procedimento pré-contratual na modalidade de concurso público, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, conjugado com o disposto no artigo 130.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro na sua redação inicial”, (cf. documento n.º 1 junto com a contestação da contrainteressada e documento a fls. 58 a 65 do processo administrativo);

4. De acordo com a Cláusula 2.ª, n.º 2, do Caderno de Encargos, com a epígrafe “Prazo de Execução”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta abreviadamente o seguinte: “2. O contrato será executado na modalidade de bolsa de horas, num máximo de 3672 (três mil, seiscentas e setenta e duas) horas, de forma ininterrupta ou interpolada, e cessa automaticamente quando esgotado o número máximo de horas contratado”, (cf. documento a fls. 43 a 57 do processo administrativo);

5. De acordo com a Cláusula n.º 23 do Caderno de Encargos, com a epígrafe “Especificações Técnicas”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta abreviadamente o seguinte: “1. A execução do contrato compreende a prestação de serviços de consultoria funcional para desenvolvimento de aplicações informáticas, na modalidade de bolsa de horas, com recurso à plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma No Code, em utilização pelo Contraente Público. 2. O desenvolvimento aplicacional consiste na evolução dos módulos existentes e na criação de novos módulos, cujo prazo de implementação não é desde já antecipável e que decorre, sobretudo, da publicação de avisos e protocolos a publicar pelo Fundo Ambiental, decorrentes, designadamente, da orientação estratégica dimanada do Despacho n.º 3143-B/2022, de 11 de março, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 51, de 14 de março de 2022. 3. A execução do contrato deve contemplar: análise funcional, desenho, requisitos, estimação, documentação, testes e implementação sobre a plataforma em utilização pelo Contraente Público. 4. A definição, gestão e planeamento das atividades é efetuado pelo Contraente Público. 5. O Cocontratante deve assegurar a gestão de serviço, com enfoque na gestão da equipa (alocação, férias, substituição), na satisfação do cliente e da qualidade entregue. 6. O Cocontratante deve apresentar mensalmente um relatório, com resumo do total de horas executadas, total de horas disponíveis e identificação de todas as atividades realizadas no âmbito da Bolsa de Horas: Data, Técnico, Alocação. 7. Estabelecem-se os seguintes requisitos relativamente à equipa a afetar à execução do contrato: a) Perfil: Mínimo de 2 (dois) técnicos com a categoria de Consultor Funcional; b) Todos os membros da equipa devem possuir certificação na plataforma referida no n.º 1, sendo que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, deve possuir a certificação máxima; c) Experiência mínima de 3 anos, seguidos, na função de Consultor Funcional.” (cf. documento a fls. fls. 43 a 57 do processo administrativo);

6. No dia 18 de Março de 2022 A....... c....... .pt enviou um email para C…… pt, com Cc: F….. f….. pt; J…… j……pt; R…… rui.g…… pt, com o assunto, com o seguinte teor: “Assunto: Fundo Ambiental | Aquisição de serviços de desenvolvimento aplicacional A....... , Considerando a publicação do Despacho n.º 3143-B/2022, de 11 de março, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 51, de 14 de março de 2022, que aprova o orçamento do Fundo Ambiental para o ano de 2022; Considerando as orientações estratégicas do Fundo Ambiental, bem como a definição do plano anual de atribuição de apoios e utilização das receitas para o ano de 2022; Considerando que, nos termos do Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro, na redação conferida e republicada pelo Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro, que procede à alteração ao Fundo Ambiental e à orgânica da Secretaria-Geral do Ambiente, dando cumprimento ao programa do Governo funde no Fundo Ambiental um conjunto de outros fundos no âmbito da área governativa do Ambiente e da Ação Climática; Considerando, em concreto, a integração no Fundo Ambiental do Fundo Florestal Permanente, o Fundo de Apoio à Inovação, o Fundo de Eficiência Energética e o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético. Torna-se necessário assegurar a aquisição de serviços de desenvolvimento informático na solução tecnológica em utilização no Fundo Ambiental, de forma a assegurar a evolução das aplicações existentes para submissão de candidaturas, bem como garantir o desenvolvimento de novas aplicações em razão da orientação estratégica dimanada do já referido Despacho n.º 3143-B/2022. Acresce mencionar que a exigência do plano anual de atribuição de apoios para o corrente ano de 2022, associado à obrigações contratuais do Fundo Ambiental, enquanto beneficiário-intermediário do PRR, implica o reforço quase-imediato da equipa de desenvolvimento informático para o Fundo Ambiental. Nesta conformidade, o procedimento aquisitivo deve acautelar que a equipa a afetar ao projeto deve ter experiência comprovada no desenvolvimento de aplicações na plataforma em utilização no Fundo Ambiental, i.e., MasterWeb Evolution, sob pena dos objetivos estratégicos não serem atingidos. Ou seja, a equipa deverá estar apta a desenvolver aplicações a um ritmo muito elevado, não havendo tempo nem disponibilidade para aprendizagem on job. Propõe-se a aquisição de, pelo menos, dois consultores funcionais para o desenvolvimento aplicacional na plataforma em utilização no Fundo Ambiental, cuja estimativa aponta para o valor aproximado de €137.500,00 (cento e trinta e sete mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, para um total máximo de 3672horas a €37,45, valor hora este calculado com base na tabela de preços/hora da AMA, IP., que fixa o valor máximo em €50, e que se julga que o mercado concorrencial corresponderá. Por último, de referir que há intenção de descontinuar a utilização desta plataforma e, paralelamente, proceder ao desenvolvimento de outra solução que responda a todas as necessidades atuais do Fundo Ambiental, também enquanto beneficiário intermediário do PRR. Estes dois processos terão de correr em quase em paralelo, uma vez que o volume de dados, segurança de dados, complexidade de procedimentos, não permite um simples processo de migração entre diferentes soluções aplicacionais. Assim, submetemos a consideração superior a eventual autorização para a preparação de um procedimento concursal para aquisição de serviços de desenvolvimento aplicacional nos termos acima descritos” (cf. documento n.º 3 junto a fls. 225 e seguintes dos autos);

7. No dia 7 de Abril de 2022 a Autora solicitou esclarecimentos no âmbito do procedimento identificado em 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referindo abreviadamente o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

(cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial e a fls. 77 a 79 do processo administrativo);

8. No dia 12 de Abril de 2022 o Réu apresentou os esclarecimentos requeridos em 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referindo abreviadamente o seguinte:




(…)


(cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial e a fls. 80 a 85 do processo administrativo);

9. Em data não concretamente apurada, a Autora e as contrainteressadas apresentaram propostas no âmbito do procedimento identificado em 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (acordo);

10. A contrainteressada O...... – C....... , Lda., no momento de apresentação da proposta, tinha mais técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, pela contrainteressada M........, Lda., que não indicou pelo facto de estes não se encontrarem disponíveis para a respetiva execução naquele momento;

11. No dia 29 de Abril de 2022 o júri do concurso elaborou o relatório preliminar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo proposto a adjudicação da proposta da contrainteressada M........, Lda. e a exclusão das restantes propostas nos seguintes termos:


“(texto integral no original; imagem)”


(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e a fls. 142 a 147 do processo administrativo);

12. No dia 6 de Maio de 2022 a Autora pronunciou-se em sede de audiência prévia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial e a fls. 148 a 172 do processo administrativo);

13. No dia 16 de Maio de 2022 o júri do concurso elaborou o relatório final, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo proposto a adjudicação da proposta da contrainteressada M........, Lda. e a exclusão das restantes propostas nos seguintes termos:


“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

(cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial e a fls. 173 a 182 do processo administrativo);


14. No dia 14 de Maio de 2022 foi adjudicado o objeto do concurso identificado em 2 à contrainteressada M........, Lda. (cf. documento n.º 1 junto a fls. 222 dos autos e a fls. 183 do processo administrativo);

15. No dia 24 de Maio de 2022 o Réu e a contrainteressada M........, Lda. celebraram o contrato objeto do concurso identificado em 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento a fls. 213 a 217 do processo administrativo);

16. Do website da contrainteressada M........, Lda. resulta que a plataforma No Code: “(…) é uma ferramenta de desenvolvimento sem necessidade de programação ou de conhecimento tecnológico e, portanto, direcionada para uma audiência não técnica. Esta tecnologia permite a criação de aplicações web, muito alinhadas com a visão do negócio, além de portais, sejam internet, extranet ou intranet. As interações na plataforma são visuais e simplificadas. Na maioria das vezes é apenas necessário usar o rato e preencher alguns campos. Além disso, com frequência há equipas de consultoria para dar assistência aos novos utilizadores durante o processo de criação. Estas características permitem que uma empresa automatize os seus processos de negócio, crie as suas aplicações e faça a gestão das suas atividades sem ter propriamente um programador na equipa. Qualquer profissional com o mínimo de conhecimento informático está apto para a utilização de uma plataforma no-code (…) uma plataforma no-code permite a criação de aplicações sem precisar entrar naquele ecrã escuro e com imensas linhas de códigos. (…) uma plataforma no-code é previamente desenvolvida por uma equipa de programadores e especialistas em usabilidade para depois poder ser utilizada por pessoas sem conhecimentos em programação. Estas equipas (programadores e especialistas em usabilidade) desenvolvem o modelo com todos os elementos necessários para que, posteriormente e de forma independente, o utilizador não técnico consiga criar soluções apenas a carregar em botões. Em suma, como qualquer peça de software, uma plataforma no-code é construída através de programação. Não obstante, os utilizadores destas plataformas beneficiam dos modelos simplificados que lhes permitem construir aplicações sem recorrer a programação. Assim, gera-se um efeito de escala em que o impacto de uma equipa especializada/técnica atinge resultados mais amplos pela ação de utilizadores não técnicos. Assim, na área de desenvolvimento, dentro de uma plataforma no-code, estão disponíveis recursos como, por exemplo: menus, separadores, páginas, utilizadores e perfis, segurança, upload de arquivos, entre outros. Desta forma, o utilizador precisa apenas de comandos simples, como carregar no rato, para aceder a esses itens e através deles criar as suas soluções web. (…) Uma plataforma no-code facilita a criação de soluções para as necessidades específicas de cada negócio. Portanto, trata-se de um modelo de desenvolvimento que permite criar aplicações sob medida para a realidade de cada empresa. Adicionalmente, uma plataforma sem código potencia a colaboração entre as equipas e dá autonomia aos profissionais de diferentes áreas nas organizações. É a democratização do desenvolvimento de soluções web, também conhecida como citizen development. Este processo de desenvolvimento pelo cidadão (em tradução literal) incentiva que profissionais não capacitados em tecnologia se tornem aptos a desenvolver diferentes soluções utilizando uma plataforma no-code. Isto porque com uma ferramenta no-code, qualquer pessoa fica capacitada para transformar ideias em soluções de negócio. As facilidades são tantas que estudos apontam para uma forte tendência de utilização deste tipo de tecnologia da informação pelas empresas. Um estudo da Gartner, por exemplo, indica que até 2024, 80% das aplicações desenvolvidas nas empresas não serão criadas por programadores, mas por pessoas comuns – que também podem ser chamadas de citizen developers. Portanto, com as plataformas sem código, a forma como os softwares estão a ser construídos dentro das empresas passa a ser mais democrática, uma vez que inclui utilizadores de diferentes setores. Podemos dizer que o no-code potencia a capacidade das empresas ao possibilitar o uso de todo o talento técnico já existente nas diferentes áreas corporativas. Em resumo, entre os benefícios de uma plataforma no-code estão: Facilidade para inovar; Autonomia; Redução de custos; Aumento da produtividade; Agilidade no desenvolvimento de soluções; Customização dos serviços; Soluções à medida. (…) Para percebermos melhor como uma plataforma no-code funciona, podemos pensar no exemplo de uma pessoa que trabalha na secretaria de uma escola. Esta profissional está sempre a receber requisições de materiais por parte dos alunos ou dos professores. O alto volume de pedidos acaba por tornar tudo um caos. O documento de Excel utilizado para o controlo do material não é nada prático. Tudo o que a profissional mais queria era um sistema no qual pudesse organizar os pedidos, agendar a entrega dos materiais e o recebimento dos equipamentos emprestados. Com uma plataforma no-code, a escola pode resolver este problema de forma prática, sem precisar contratar uma equipa de TI. Por exemplo, a instituição pode criar, através da plataforma, um portal direcionado ao público interno (alunos, professores e gestores) para que se possa fazer a gestão das requisições dos materiais escolares. Para a criação do portal será necessário apenas carregar nos menus para criar novas páginas, utilizadores e formulários de requisições de materiais. Tudo de forma intuitiva e acessível. (…) uma plataforma no-code é otimizada para utilização por profissionais de diferentes áreas e especialidades, que não dominam a programação, para criar soluções de acordo com as necessidades específicas da organização. Portanto, enquanto o low-code simplifica e acelera o trabalho dos programadores no processo de desenvolvimento, o no-code oferece um template intuitivo, com funções personalizadas, próprio para o uso de utilizadores sem conhecimentos tecnológicos. (…) Em conclusão, o modelo no-code pode ser aproveitado para realizar diversos projetos no meio empresarial. É por isso que os diferentes setores de mercado privado e instituições públicas já estão a usufruir dos benefícios das plataformas no-code. Em Portugal, a Masterlink disponibiliza o modelo no-code para o desenvolvimento de soluções de comunicação, gestão de processos e análise de dados. Empresas como a Massimo Zanetti, Groupm e Xerox já desenvolveram soluções com a Plataforma Masterlink, assim como organismos públicos, como o Fundo Ambiental e a Inspeção-Geral de Finanças – veja aqui alguns casos de sucesso. A Plataforma Masterlink é robusta, simples e eficiente para a otimização de processos. Com um modelo no-code, conjuga nível de integração com simplicidade de utilização. De acordo com um estudo recente da 451 Research, as soluções no-code, como a Plataforma Masterlink, têm o potencial de reduzir o tempo de desenvolvimento em 90%. Isto acontece, entre outros motivos, porque com uma ferramenta sem código é possível capacitar as equipas e promover uma colaboração multifuncional. Além disso, com uma plataforma no-code a adoção de metodologias torna-se mais ágil, reduzem-se os ciclos de implementação e há um maior alinhamento nas prioridades do negócio. Entre os recursos da Plataforma Masterlink estão a gestão do ciclo de vida da informação e a definição do comportamento de processos, assim como a criação de dashboards intuitivos, relatórios à medida das necessidades e uma plataforma web com um conjunto completo de ferramentas de publicações (…)”, (cf. https://www.masterlink.pt/blog/artigo-do-blog?uri=169);

17. A contrainteressada M........, Lda. concede três níveis de certificação na sua plataforma: Associate (mais baixa), Confirmed (intermédia) e Guru (máxima) (cf. https://www.masterlink.pt/produto/certificacoes);

18. A contrainteressada M........, Lda. certificou cinco pessoas com nível máximo de Guru: P…., L…, M….s e E…. (cf. documento n.º 10 junto com a contestação da contrainteressada M........, Lda.);

19. Em Dezembro de 2021 a contrainteressada M........, Lda. certificou cinco pessoas com o nível advanced:


“(texto integral no original; imagem)”


(cf. documento n.º 11 junto cm com a contestação da contrainteressada M........, Lda.);

20. A contrainteressada M........, Lda. forma, aproximadamente, seis a sete pessoas por ano, num total aproximado de trinta pessoas, sendo que mais de 50% são pessoas externas à referida empresa;

21. A plataforma No Code, denominada de MasterWeb Evolution 9, é classificada como sendo do tipo PaaS que corresponde a um modelo de cloud computing que fornece uma plataforma onde os utilizadores podem desenvolver, executar e gerir as suas aplicações, sem a necessidade de configuração e gestão da infraestrutura de dados e comunicação, que normalmente inclui diversas ferramentas, bibliotecas e estruturas de dados que permitem facilitar e acelerar o desenvolvimento de aplicações (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

22. Neste contexto de desenvolvimento de aplicações, pretende-se que todos os utilizadores, mesmo sem conhecimento de programação, possam efetuar o desenvolvimento de aplicações e para isso devem ter conhecimentos básicos sobre os tipos de dados informáticos existentes numa aplicação e experiência na plataforma selecionada, a qual pode ser adquirida com estudo de documentação, autoestudo e exploração que, posteriormente, pode ser aferida através de um processo de certificação (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

23. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code não será de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma, contudo o recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

24. Tendo em consideração que a MasterWeb Evolution 9 se trata de uma aplicação No Code, não é de esperar que seja obrigatório conhecimentos técnicos de programação, mas sim de conhecimento de funcionamento da plataforma No Code em utilização e dos modelos funcionais que se pretendem ver implementados, por isso a certificação na plataforma é uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, estes mesmos conhecimentos (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

25. A presença dos conhecimentos identificados em 23, podem traduzir-se numa maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

26. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code proprietária e sem acesso público a licenças de trial (licenças que permitem utilizar um software/plataforma sem custos e sem compromisso de aquisição), torna-se mais complicado a obtenção de conhecimento sobre a mesma sem recurso a certificação (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

27. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code, depois de instalada e devidamente parametrizada, é de esperar que qualquer técnico, com a devida certificação ou conhecimentos suficientes da plataforma, consiga implementar os objetos do contrato objeto do concurso identificado em 2 e, apesar de se tratar de uma plataforma No Code, existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

28. Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa, sendo a certificação na plataforma uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, estes mesmos conhecimentos (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

29. Nas plataformas com código desenvolvido à medida é necessário ter acesso ao código fonte, bem como à documentação técnica existente, para se poder proceder à manutenção preventiva e corretiva da solução assim como novos desenvolvimentos, sendo que a ausência destes pré-requisitos torna praticamente inviável qualquer uma das ações mencionadas (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

30. Nas plataformas No Code, tendo acesso à plataforma e conhecimento sobre a mesma, pode-se efetuar todas as alterações que a plataforma base permitir, em relação à aplicação desenvolvida e problemas e limitações da plataforma base, apenas podem ser solucionados pela entidade que a desenvolveu uma vez que se trata de uma plataforma proprietária (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);

31. Os elementos da equipa informática da Autora, apesar de demonstrarem experiência relevante em desenvolvimento de software e utilização de plataformas NoCode, não apresentam indícios de terem igual experiência na plataforma MasterWeb Evolution 9, contudo os mesmos poderão desenvolver a capacidade técnica necessária para operacionalizar a plataforma NoCode de forma generalizada (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);

32. Relativamente ao facto de se estar perante a contratação, no que respeita ao contrato identificado em 2, de uma bolsa de horas fixas, é normal e compreensível que um técnico sem formação numa tecnologia ou plataforma necessite de despender mais tempo para a execução da mesma tarefa, com o mesmo grau de qualidade ou exatidão, por isso, a execução do contrato nestes termos pode representar uma solução de menor qualidade quando comparada com a mesma solução desenvolvida por um técnico certificado com experiência e formação na mesma plataforma (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);

33. Independentemente do tipo de aplicações a serem desenvolvidas, um técnico sem formação, sem certificação e, principalmente, sem experiência prévia na plataforma MasterWeb Evolution 9, tem maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e, do mesmo modo, os índices de qualidade das aplicações desenvolvidas, podem também ser afetados, não ficando totalmente inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);

34. É conveniente que os técnicos que desenvolvam as aplicações objeto do concurso identificado em 2 tenham experiência na plataforma, por forma a garantir uma correta gestão da eficiência do tempo despendido e qualidade das aplicações apresentadas (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);

35. O contrato objeto do concurso identificado em 2 encontra-se executado (acordo).”


III.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:

“Não resultaram provados ou não provados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa.”

III.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O facto dado como provado identificado em 10 resultou do depoimento de J......... , sócio gerente da O...... – C....... , Lda., que apresentou proposta no âmbito do presente concurso. O depoimento da referida testemunha, não obstante a empresa de que é sócio-gerente ser ocasionalmente parceira da contrainteressada M........, Lda. (referiu também que concorrem como opositores em vários concursos, como o presente) parceira, não mereceu a desconfiança do Tribunal.
Relativamente ao facto identificado em 20, o Tribunal teve em consideração as declarações de parte do legal representante da contrainteressada M........, Lda. o que resultou corroborado pelo depoimento de J......... que atestou ter técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution 9 na sua empresa, designadamente ao tempo do presente concurso.
Os factos identificados nos pontos 21 a 34, particularmente no que respeita às características das plataformas No Code em geral e da plataforma MasterWeb Evolution 9 em particular, resultaram, conforme resulta do probatório, dos relatórios periciais juntos aos autos e, por esse motivo, não foram tidas em consideração, para o efeito, as declarações dos legais representantes da Autora e da contrainteressada, bem como das demais testemunhas arroladas por aquelas, atenta a manifesta suficiência do relatório pericial. Por fim, não se teve em consideração o depoimento das demais testemunhas arroladas pela contrainteressada por não terem demonstrado qualquer conhecimento ou participação concreta no procedimento concursal objeto dos presentes autos.”

III.4. Constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pela Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

36. O Programa de Procedimento dispunha, ainda,

(…)

- fls. 768 e ss. do SITAF;

37. A contrainteressada M........, Lda. é proprietária da plataforma MasterWeb Evolution v.9., por si desenvolvida. – facto confessado pela CI no ponto 43.º da contestação;
38. A contrainteressada Masterlink é a única entidade que ministra formação e concede certificação relativamente à plataforma MasterWeb Evolution v.9. – facto admitido por acordo das partes.


IV. Fundamentação de direito

1. Da nulidade da sentença

A recorrente aponta à sentença nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aduzindo, em suma, que,
· Em sede de fundamentação de facto e de direito o Tribunal a quo considerou que, estando em causa uma plataforma no code, não é necessário o recurso a uma equipa de tecnologia da informação para realizar os objetos do concurso impugnado e que qualquer técnico com conhecimentos suficientes de plataformas no code conseguiria executar o contrato inerente aos autos, mormente os técnicos propostos pela Autora, todavia, de forma contraditória, concluiu que a exigência de técnicos com certificação (inclusive, certificação máxima) naquela plataforma não era ilegal porque quem detivesse essa certificação provavelmente executaria as tarefas mais rápido ou com menos dificuldades, quando não estava em causa saber se quem executa o faz de forma mais rápida ou com menor dificuldade, invocando elementos – o prazo de execução contratual e a qualidade da equipa – não foram previstos como atributos da proposta;
· Invoca normativos - artigos 75.° e 165.° do CCP - relativos ao regime jurídico dos atributos das propostas e a concursos públicos com prévia qualificação, que não são aplicáveis (nem interessam) nos autos, por não estar em causa apreciar a ilegalidade do critério de adjudicação, mas sim de um termo e condição.
O artigo 615.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua que a sentença é nula quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade da sentença a que se refere a primeira parte deste normativo verifica-se quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença. Ou seja, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, no sentido de que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Ora, opostamente ao alegado, inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
Efetivamente, resulta dos factos provados (21 a 24) e assim foi considerado na fundamentação de direito (a págs. 66 a 68) que a plataforma MasterWeb Evolution v. 9, relativamente à qual se pretendem adquirir os serviços de desenvolvimento de aplicações informáticas que constituem o objeto do procedimento concursal, corresponde a uma plataforma no code e, nesse sentido, em síntese, permite que todos os utilizadores, mesmo sem conhecimento de programação, possam efetuar o desenvolvimento de aplicações, atividade que não carece de equipas com conhecimentos especializados, de tal forma que não se mostra inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato.
Contudo também ficou provado (parte final dos factos 23, 24, 27, factos 25, 28, 30, 32, 33 e 34), e o Tribunal assim o considerou em sede de fundamentação de direito (a págs. 67, 67 e 68), que o recurso a equipas com conhecimento técnico e de funcionamento da plataforma se traduz em vantagens ao nível da disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e com maior qualidade, diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, melhor gestão do tempo necessário ao desenvolvimento das aplicações, ao passo que técnicos sem experiência prévia na plataforma apresentam maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e com menor índice de qualidade das aplicações desenvolvidas.
O Tribunal considerou, ainda, que a certificação na plataforma MasterWeb Evolution 9 constitui uma forma de atestar o efetivo grau de conhecimentos.
Em conformidade com estes elementos o Tribunal concluiu, sem que aqui se revele qualquer incoerência lógica, que “não se afigura desproporcional, desigual ou desconforme com o princípio da igualdade e da concorrência a exigência de que a equipa que iria prestar os serviços tivesse certificação na mesma, uma vez que tal exigência está intrinsecamente ligada ao objeto do contrato e serve para a entidade adjudicante aferir da adequação da equipa proposta, designadamente no que respeita ao nível de conhecimentos adquiridos.
Ou seja, é admissível e não é desproporcional a exigência de certificação, por parte da entidade adjudicante, na plataforma MasterWeb Evolution v. 9 aos concorrentes no âmbito do concurso identificado em 2, uma vez que esta é uma forma de atestar experiência, a capacidade técnica da equipa e a respetiva aptidão para o desenvolvimento do objeto do contrato conferindo, assim, uma garantia adicional da sua adequada realização. Logo, tendo o Réu por pretensão o desenvolvimento de aplicações numa plataforma já utilizada, então não se afigura desproporcional, desigual ou incumpridor do princípio da concorrência ou do disposto nos artigos 49.°, n.° 4, n.° 8 e n.° 9 do CCP, a imposição de certificação técnica para avaliação da valia técnica da proposta.”
Assim, o que o Tribunal evidenciou foi que, sem prejuízo de os serviços poderem ser prestados por equipas sem conhecimentos (e experiência) na utilização da plataforma, as vantagens que apurou quanto ao recurso a técnicos com conhecimentos especializados na utilização da plataforma – que se encontra em uso na entidade -, conhecimentos esses atestados pela certificação, permitiam considerar que a exigência da certificação nos termos que emergem do dispositivo procedimental (alínea b) do n.° 7 da Cláusula 23.ª do Caderno de Encargos) não se mostrava restritiva da concorrência (e da igualdade concorrencial) e, por isso, não violava os princípios da contratação pública e dos normativos do CCP invocados pela A..
E porque a norma do CE não padecia da invalidade que lhe era imputada pela A., em consequência lógica, no decisório concluiu pela improcedência da ação.
Neste juízo não existe qualquer contradição. O que pode existir é, como a Recorrente também invocou, o erro de julgamento, designadamente porque os elementos que foram aduzidos como vantagens – o prazo de execução contratual e a qualidade da equipa – não corresponderem a aspetos que pudessem ser considerados – por não sujeitos à concorrência -, mas esse é ponto que não contende com a lógica reclamada na relação entre a fundamentação e a decisão.
Do mesmo modo, a circunstância de o Tribunal convocar normativos que, alegadamente, não são aplicáveis à situação dos autos, não afeta a racionalidade da decisão, mas tão só, novamente, respeita ao erro na aplicação do direito (erro juris).
Com efeito, há que dar conta que o Tribunal aduz tais normativos para se reportar à experiência profissional e qualidade técnica de uma equipa enquanto elementos que podem ser considerados pela entidade adjudicante, designadamente como fatores de avaliação, conquanto ligados ao objeto das prestações contratuais e à execução do contrato a celebrar, para daí extrair a possibilidade da sua consideração no contrato em causa nos autos e partir para a análise e conclusão quanto à validade do dispositivo procedimental em crise nos autos. Daí retira, naturalmente, a improcedência da ilegalidade da norma e, logicamente, da ação. Novamente sem que tal configure qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão que alcançou.
Improcede, pois, a apontada nulidade da sentença.

2. Do erro de julgamento de facto

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento sobre a matéria de facto, considerando que o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova, tendo dado por provados factos que deviam ser considerados não provados e deixado de levar ao probatório matéria que devia de constar desse acervo.
Decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil (por remissão do n.º 3 do art. 140.º do CPTA) que o Tribunal de recurso deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Importa, todavia, sublinhar que, para que o Tribunal de recurso aprecie a impugnação do julgamento da matéria de facto, demanda-se o cumprimento pelo recorrente de um conjunto de ónus, sob pena de se impor a rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto. Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que foram cumpridos os referidos ónus, nos concretos casos supra identificados, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

2.1. Do erro de julgamento de facto quanto ao facto 10., que deveria ser expurgado da matéria de facto provada

Considera a Recorrente que deve ser expurgado o facto dado como provado no ponto 10, porquanto do depoimento de J……., resultou ter sido uma estratégia comercial que motivou a a OnGlobal Solutions a apresentar uma proposta apenas com um técnico.
No ponto 10 o Tribunal a quo deu como provado que,
“A contrainteressada O...... – C....... , Lda., no momento de apresentação da proposta, tinha mais técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, pela contrainteressada M........ , Lda., que não indicou pelo facto de estes não se encontrarem disponíveis para a respetiva execução naquele momento;”
Motivou nos seguintes termos,
“O facto dado como provado identificado em 10 resultou do depoimento de J......... , sócio gerente da O...... – C....... , Lda., que apresentou proposta no âmbito do presente concurso. O depoimento da referida testemunha, não obstante a empresa de que é sócio-gerente ser ocasionalmente parceira da contrainteressada M........, Lda. (referiu também que concorrem como opositores em vários concursos, como o presente) parceira, não mereceu a desconfiança do Tribunal.”
A Recorrente não se insurge contra a avaliação da credibilidade feita pelo Tribunal a quo, antes, assumindo-a, questiona o conteúdo que desse depoimento foi extraído pelo Tribunal.
Importa, em primeiro lugar, esclarecer que J......... foi erroneamente ouvido pelo Tribunal a quo na qualidade de testemunha arrolada pela contrainteressada Masterlink, quando, tratando-se de sócio-gerente da também contrainteressada OG Solutions, prestou depoimento de parte.
Nesse sentido, ficando o seu depoimento sujeito à livre apreciação do tribunal, assume-se que o interesse na causa foi ponderado como um dos fatores a ter em conta na valoração do depoimento e apreciou-se este de acordo com a experiência e bom senso, considerando-se os dados objetivos evidenciados, concretamente a conformidade do depoimento com as regras da experiência, a elevada probabilidade de ocorrência dos factos, a coerência do depoimento, e as condições evidenciadas, designadamente a sua espontaneidade e assertividade.
Assim, porque não revelou detalhes que favorecessem a posição da contrainteressada que representava no processo, e, não obstante a relação comercial estabelecida entre a OG Solutions e a CI, Masterlink, a contextualização espontânea e plausível do relato que apresentou e a sua espontaneidade, permite acompanhar o juízo do Tribunal a quo quanto à autenticidade do depoimento.
E o depoimento permite, também, concluir no sentido pugnado pelo Tribunal de 1.ª Instância, quanto ao facto provado 10.
Com efeito, é que como resulta do próprio extrato do depoimento reproduzido pela Recorrente à pergunta que lhe foi colocada quanto a saber porque razão a OG Solutions apenas tinha apresentado proposta com uma pessoa certificada, a resposta espontânea de J......... foi “porque na altura era a pessoa que tinha disponível para o projeto. Porque nós temos 6 softwares, mais clientes ativos e posso não ter a equipa toda disponível.”.
É certo que na sequência de instância da mandatária da Recorrente, adiantou que “muitas vezes posso concorrer porque quero ter visibilidade. Pode ser uma estratégia comercial concorrer para ter visibilidade”, mas não o fez referenciando de forma concreta o procedimento concursal em causa nos autos, isto é, não assumiu de forma expressa – opostamente ao que fez quando referiu não ter técnicos disponíveis - que apenas tivesse concorrido a este concurso como estratégia comercial para obter visibilidade e não porque, ainda que detivesse mais trabalhadores certificados, apenas um estava disponível, como considerou o Tribunal a quo.
Entendemos, pois, que não existe aqui qualquer erro na apreciação que pelo Tribunal a quo foi feita da prova produzida, não havendo razão para que seja expurgado da matéria de facto o ponto 10.

2.2. Do erro de julgamento de facto quanto ao facto 20. e da omissão de factos provados

A Recorrente aduz que o depoimento de D....... , representante legal da CI, Masterlink, não permitia dar como provado a factualidade inserta no ponto 20, mas apenas que “A contrainteressada M........, Lda. formou, aproximadamente, ao longo dos 25 anos de atividade empresarial, 30 pessoas” e, em consequência, que, nos termos desse depoimento, devem ser aditados os seguintes factos:
· “No ano de 2023, a contrainteressada M........, Lda. formou, aproximadamente, 6 a 7 pessoas, algumas da sua própria equipa e outras das equipas de seus clientes que pediram para receber formação na plataforma MasterWebEvolution v.9. que tinham adquirido.”
· “A obtenção da certificação (e posteriores renovações da certificação) na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica um investimento anual (económico e de gasto de tempo), sob pena da referida certificação caducar”.
No facto 20 o Tribunal a quo deu como provado que,
“A contrainteressada M........, Lda. forma, aproximadamente, seis a sete pessoas por ano, num total aproximado de trinta pessoas, sendo que mais de 50% são pessoas externas à referida empresa”.
Para o efeito motivou nos seguintes termos,
“Relativamente ao facto identificado em 20, o Tribunal teve em consideração as declarações de parte do legal representante da contrainteressada M........, Lda. O que resultou corroborado pelo depoimento de J......... que atestou ter técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution 9 na sua empresa, designadamente ao tempo do presente concurso.”
Importa considerar que na formação da convicção do Tribunal quanto à matéria de facto procede-se a uma avaliação das várias versões relativas ao circunstancialismo factual do caso, analisando as provas que militam a favor de cada uma das hipóteses. A prova é valorada de forma global, com obediência ao valor probatório de cada um dos meios de prova e com apoio em critérios que permitem conferir prevalência a uma hipótese sobre a hipótese alternativa, designadamente a coerência, a confirmação ou refutação pelos dados empíricos, a simplicidade, a probabilidade prática da ocorrência do facto, o apoio em meios de prova diversificados, e a aptidão para extrair novos elementos factuais.
Refira-se, ainda, que quanto às declarações de parte, embora sujeitas à livre apreciação do tribunal, o Tribunal tem em consideração que o interesse na causa é, tendencialmente, um elemento apto a diminuir a credibilidade do depoimento, o que será confirmado, designadamente, quando o depoente apresente um discurso não coerente e plausível tendente a favorecer a posição que sustenta no processo.
O Tribunal a quo conferiu credibilidade às declarações do representante legal da CI, Masterlink, em razão da sua corroboração com o depoimento do representante legal da CI, OG Solutions. Credibilidade essa que a Recorrente não questiona, antes se limitando a entender que os depoimentos prestados não permitiam a extrair a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
Em causa está, em suma, saber quais os termos em que a CI, Masterlink - enquanto criadora da plataforma em uso na entidade adjudicante e relativamente à qual esta pretende adquirir os serviços de desenvolvimento de aplicações informático -, desenvolve as atividades de formação e certificação de técnicos - para utilização da sua plataforma – e permite o acesso a estas a outras empresas, incluindo a concorrentes.
A este respeito, em sede de declarações de parte, D....... , representante legal da Masterlink, referiu que a estratégia comercial da Masterlink se traduz em ampliar um mercado de parceiros que, mediante a formação de técnicos que adquirem conhecimentos sobre a plataforma e, desse forma, possibilitam o crescimento em escala desta.
Questionado sobre o número de técnicos que formam por ano, D....... , respondeu pretender certificar mais técnicos, mas que tal envolve “investimento quer nosso quer do parceiro” pois significa parar os recursos durante o período da formação, e que “portanto, eu tenho a perceção que este ano nós devemos ter certificado seis a sete pessoas que entraram, algumas na nossa equipa e outras de nossas clientes que pediram, que receberam formação”. Adiantou, também, na sequência de pergunta colocada pelo Tribunal, que ao longo dos anos certificou “se calhar mais de 30 neste momento”, reiterando posteriormente “claramente mais de 30”.
Refira-se, ainda, que J......... , representante legal da CI, OG Solutions, reportando-se à certificação na plataforma MasterWeb Evolution, deu conta que a sua empresa certificou junto da CI inicialmente duas pessoas e, entretanto, uma terceira.
Ora, o que a conjugação das declarações de parte, com o depoimento da testemunha, permite alcançar é que, efetivamente, a contrainteressada M........, Lda. tem certificado pessoas na plataforma MasterWeb Evolution, correspondendo o seu número em 2023 a 6 ou 7, algumas da sua equipa e outras das equipas de clientes seus, e o seu total, ao longo dos anos, a cerca de 30.
Ou seja, efetivamente incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento quando deu como provado que a formação dada pela CI correspondeu a “aproximadamente, seis a sete pessoas por ano” e “que mais de 50% são pessoas externas à referida empresa”.
Refira-se, contudo, que de tais depoimentos não resulta, opostamente ao alegado pela Recorrente, que a formação das 30 pessoas tenha ocorrido ao “ao longo dos 25 anos de atividade empresarial”, pois que o que resultou foi que a formação desse número de pessoas se deu “ao longo dos anos”, devendo entender-se como tal os anos nos quais desenvolveu a plataforma MasterWebEvolution pois que era relativamente à certificação nesta plataforma que a prova foi produzida. Desconhecendo-se, pois, o número de anos em que certificou pessoas nessa plataforma o Tribunal apenas poderia considerar como fez o total aproximado de trinta pessoas.
Assim, verificando-se, parcialmente, o erro de julgamento quanto ao facto 20., impõe-se alterar a matéria de facto provada nos seguintes termos,
“20. No ano de 2023, a contrainteressada M........, Lda. certificou na plataforma MasterWebEvolution, aproximadamente, 6 a 7 pessoas, algumas da sua própria equipa e outras das equipas dos seus clientes.”
“20.1. Ao longo dos anos a contrainteressada M........, Lda. certificou na plataforma MasterWebEvolution aproximadamente 30 pessoas.”
No que respeita à omissão na matéria de facto de “A obtenção da certificação (e posteriores renovações da certificação) na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica um investimento anual (económico e de gasto de tempo), sob pena da referida certificação caducar”, importa reter que a Recorrente alegava na petição inicial que a CI, Master Link, é a única entidade que concede as certificações que foram exigidas pela Entidade Demandada e que, por isso, controla o número de técnicos certificados na sua plataforma que existem no mercado. Para o sustentar esta conclusão aduziu no ponto 69.º que “[a]s certificações concedidas pela contrainteressada M........ têm um prazo de validade de 1 (um) ano”.
Das declarações de D....... , representante legal da CI, Masterlink, resultou, de forma que se reputa espontânea e autêntica, a assunção de que, por um lado, o processo de certificação envolve dispêndio de tempo, isto é, referiu-se ao investimento não em termos monetários, mas sim de indisponibilidade dos recursos (humanos) durante o período da formação e, por outro, que “há um processo de manutenção e de demonstração que poderemos continuar a certificar”, assentido na necessidade de a certificação, para ser mantida, dever ser revalidada a formação.
Estes elementos permitem concluir que, efetivamente, se mostrava necessário à decisão da causa considerar no probatório as implicações e sujeições a que se encontra sujeita a certificação reclamada no procedimento concursal e, nesse sentido, que a prova realizada permitia dar como provado que não só a obtenção da certificação na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica o dispêndio do tempo necessário à formação, como a sua manutenção depende de revalidação da formação.
Ou seja, embora se reconheça o erro de julgamento quanto à omissão de factualidade nos factos provados, apenas se pode dar como provado, aditando-se aos factos provados, que,
“20.2. A obtenção da certificação na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica o dispêndio do tempo necessário à formação e a sua manutenção depende de revalidação da formação.”
Verifica-se, pois, ainda que parcialmente o erro de julgamento quanto à matéria de facto e, em consequência,
a. Altera-se o facto provado 20 para,
“20. No ano de 2023, a contrainteressada M........, Lda. certificou na plataforma MasterWebEvolution, aproximadamente, 6 a 7 pessoas, algumas da sua própria equipa e outras das equipas dos seus clientes.”
b. Aditam-se aos factos provados,
“20.1. Ao longo dos anos a contrainteressada M........, Lda. certificou na plataforma MasterWebEvolution aproximadamente 30 pessoas.
20.2. A obtenção da certificação na plataforma MasterWebEvolution v.9. implica o dispêndio do tempo necessário à formação e a sua manutenção depende de revalidação da formação.”

2.3. Do erro de julgamento quanto a dar como provados os factos 25, 26, 32, 33 e 34, por desnecessários à decisão da causa

A Recorrente sustenta que os factos 25, 26, 32, 33 e 34 elencados não deveriam ter sido dados como provados por não relevarem para a questão central que importa dirimir nos autos, pois que, no seu entender, não interessava discutir ou comparar a qualidade das empresas concorrentes no presente procedimento, mas apenas apurar se a exigência dos referidos termos e condições, como condição de admissibilidade de uma empresa no referido procedimento, era ou não legal. Nesse sentido aduz que do depoimento de C......... resultou que estando em causa uma plataforma NoCode, semelhante a outras, qualquer pessoa poderia trabalhar com esse sistema, não existindo uma necessidade técnica para conseguir implementar o sistema e trabalhar com a plataforma.
É o seguinte o teor dos factos dados como provados,
“25. A presença dos conhecimentos identificados em 23, podem traduzir-se numa maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
26. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code proprietária e sem acesso público a licenças de trial (licenças que permitem utilizar um software/plataforma sem custos e sem compromisso de aquisição), torna-se mais complicado a obtenção de conhecimento sobre a mesma sem recurso a certificação (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
[…]
32. Relativamente ao facto de se estar perante a contratação, no que respeita ao contrato identificado em 2, de uma bolsa de horas fixas, é normal e compreensível que um técnico sem formação numa tecnologia ou plataforma necessite de despender mais tempo para a execução da mesma tarefa, com o mesmo grau de qualidade ou exatidão, por isso, a execução do contrato nestes termos pode representar uma solução de menor qualidade quando comparada com a mesma solução desenvolvida por um técnico certificado com experiência e formação na mesma plataforma (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);
33. Independentemente do tipo de aplicações a serem desenvolvidas, um técnico sem formação, sem certificação e, principalmente, sem experiência prévia na plataforma MasterWeb Evolution 9, tem maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e, do mesmo modo, os índices de qualidade das aplicações desenvolvidas, podem também ser afetados, não ficando totalmente inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);
34. É conveniente que os técnicos que desenvolvam as aplicações objeto do concurso identificado em 2 tenham experiência na plataforma, por forma a garantir uma correta gestão da eficiência do tempo despendido e qualidade das aplicações apresentadas (cf. relatório pericial a fls. 1572 e seguintes dos autos);”
Como é sabido a instrução da causa tem, nos termos do disposto no artigo 90.º do CPTA, por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova (n.º 1), podendo o juiz recusar a produção de prova sobre certos factos quando o considere claramente desnecessário (n.º 4). A instrução deve ser feita relativamente a toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, incidindo sobre “os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais, fazendo-se, como se deixou dito, “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, P. 2777/12.1TBGMR.G1).
Em conformidade, a decisão da matéria de facto deve “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, P. 2777/12.1TBGMR.G1).
Ou seja, a decisão de facto deve incluir a matéria indispensável à decisão da causa, respeitando a factos essenciais constitutivos do direito do autor ou impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor alegados pelas partes, sendo, além dos factos articulados pelas partes, ainda considerados pelo juiz (art. 5.º do CPC):
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Importa considerar que a questão jurídica a dirimir nos autos se reportava à validade da cláusula procedimental que exigia como requisito da equipa a afetar ao contrato a posse de certificação na plataforma onde seriam desenvolvidos os serviços, defendendo a Recorrente que a mesma se afigurava violadora dos princípios da concorrência, proporcionalidade e igualdade e dos artigos 1.°-A n.º 1 e 49.°, n.ºs 2, 4, 8 e 9 do CCP.
A Recorrente alegou factualidade tendente a demonstrar que, por um lado, o desenvolvimento das aplicações na plataforma não carecia de conhecimentos específicos (e, portanto, a exigência de certificação se mostrava inútil) e, por outro, que, por força de a CI ser a única entidade que poderia conceder as certificações, aos outros concorrentes não seria possível obter tal certificação.
Em sede de contestação a CI alegou, em suma, que, ainda que se trate de tecnologia no code, a certificação, permitindo obter e atestar conhecimentos avançados do funcionamento daquela concreta plataforma, mostra-se necessária para alcançar níveis mais elevados de conhecimento e resolução de problemas, alcançando-se soluções eficientes e prazos curtos de resposta, assegurando-se a qualidade dos serviços prestados.
Também a Entidade Demandada invocou a necessidade de a equipa do adjudicatário deter uma forte experiência no desenvolvimento de aplicações na plataforma em utilização no Fundo Ambiental, a MasterWeb Evolution, como forma de desenvolver as aplicações necessárias sem erros e em tempo útil, mostrando-se imprescindível que os técnicos possuíssem, desde logo, de uma destreza e conhecimento da plataforma MasterWeb Evolution em grau bastante elevado, o que só poderia ser salvaguardado pela exigência de apresentação de credenciais/certificação que garantisse a existência tais habilidades e competências.
Em face do exposto, naturalmente que não assiste razão à Recorrente quando invoca que os factos 25, 26, 32, 33 e 34 não relevam à decisão da causa. Na realidade estamos perante factualidade, que foi alegada pelas contrapartes, tendente a impedir o direito reclamado pela Autora/Recorrente nos autos.
Com efeito, os factos 25, 26, 32, 33 e 34 são essenciais à decisão da causa, permitindo ao Tribunal, à luz de toda a matéria de facto, aferir em que se traduz a certificação, designadamente ao nível dos aportes de conhecimento que a mesma traz, e as valias que dela emergem para a execução das prestações contratuais concursadas. E nesse sentido não só não são desnecessários, como são essenciais para que o Tribunal pudesse formular um juízo quanto à matéria dos autos.
Não se verifica, pois, a este respeito, o imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto.

2.4. Do erro de julgamento quanto aos factos provados 23, 24, 27 e 28

A Recorrente aduz, ainda, que os factos 23, 24, 27 e 28 deveriam, por força do depoimento de C......... , ter sido dados como provados nos seguintes termos,
“23. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code não será de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma;
24. Tendo em consideração que a MasterWeb Evolution 9 se trata de uma aplicação No Code, não é de esperar que seja obrigatório conhecimentos técnicos de programação;
27. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code, depois de instalada e devidamente parametrizada, é de esperar que qualquer técnico, com a devida certificação ou conhecimentos suficientes da plataforma, consiga implementar os objetos do contrato objeto do concurso identificado em 2;
28. Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos não é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa".”
O Tribunal a quo, assentando a sua convicção no relatório pericial, deu como provado nos números 23, 24, 27 e 28 que,
“23. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code não será de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma, contudo o recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
24. Tendo em consideração que a MasterWeb Evolution 9 se trata de uma aplicação No Code, não é de esperar que seja obrigatório conhecimentos técnicos de programação, mas sim de conhecimento de funcionamento da plataforma No Code em utilização e dos modelos funcionais que se pretendem ver implementados, por isso a certificação na plataforma é uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, estes mesmos conhecimentos (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
27. Tratando-se a MasterWeb Evolution 9 de uma plataforma No Code, depois de instalada e devidamente parametrizada, é de esperar que qualquer técnico, com a devida certificação ou conhecimentos suficientes da plataforma, consiga implementar os objetos do contrato objeto do concurso identificado em 2 e, apesar de se tratar de uma plataforma No Code, existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);
28. Para desenvolver o serviço objeto do contrato dos presentes autos é necessário um técnico com conhecimentos da plataforma No Code em causa, sendo a certificação na plataforma uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, estes mesmos conhecimentos (cf. relatório pericial a fls. 1529 e seguintes dos autos);”
Motivou nos seguintes termos,
“Os factos identificados nos pontos 21 a 34, particularmente no que respeita às características das plataformas No Code em geral e da plataforma MasterWeb Evolution 9 em particular, resultaram, conforme resulta do probatório, dos relatórios periciais juntos aos autos e, por esse motivo, não foram tidas em consideração, para o efeito, as declarações dos legais representantes da Autora e da contrainteressada, bem como das demais testemunhas arroladas por aquelas, atenta a manifesta suficiência do relatório pericial. Por fim, não se teve em consideração o depoimento das demais testemunhas arroladas pela contrainteressada por não terem demonstrado qualquer conhecimento ou participação concreta no procedimento concursal objeto dos presentes autos.”
Do que se trata, pois, é de retirar dos referidos factos provados a matéria contida na parte final de cada um dos pontos 23, 24, 27 e 28, concretamente a seguinte factualidade,
· O recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm;
· A certificação na plataforma é uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, os conhecimentos de funcionamento da plataforma No Code em utilização e dos modelos funcionais que se pretendem ver implementados;
· Apesar de se tratar de uma plataforma No Code, existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas;
· A certificação na plataforma é uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, os conhecimentos da plataforma No Code em causa.
Estão, pois, em causa os factos respeitantes às valias da formação e certificação na plataforma identificadas no relatório pericial.
Como dissemos no ponto supra, foram alegados pelas Recorridas, nas respetivas contestações, factos que se reportam às razões subjacentes à certificação, às suas vantagens e valias na prestação dos serviços. Esta factualidade é, como dissemos e aqui reiteramos, essencial à decisão da causa.
E foi dada como provada pelo Tribunal com base na convicção que este sustentou na prova pericial realizada.
Como é sabido nos termos do art. 388.º do CPC a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, sendo certo que o seu resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal (art. 389.º do CPC) de tal forma que “a força probatória das respostas dos peritos não é vinculativa para o tribunal, que pode afastar-se livremente do parecer dos peritos, quer quando tenha partido de factos distintos dos que aceitou o perito, quer porque discorde das conclusões daqueles ou dos raciocínios em que as respostas se apoiam, ou, ainda, quando os demais elementos úteis de prova existentes nos autos sejam mais convincentes, em seu entender, que o laudo dos peritos” (Nuno Gundar da Cruz, A figura da testemunha-perito no contexto das acções de responsabilidade civil médica: realidade ou fição”, p. 185, https://www.mlgts.pt/xms/files/v1/Publicacoes/Artigos/2013/A_figura_da_testemunha-perito.pdf).
Lido o relatório pericial verifica-se que o mesmo se encontra lógica, coerente e tecnicamente fundamentado, não se evidenciando nas respostas dadas aos quesitos contradições ou deficiências que levassem o Tribunal a afastar as conclusões alcançadas, à luz dos conhecimentos técnicos demonstrados e aportados pelo perito.
E, na realidade, a Recorrente também não aduz, nem demonstra, em termos tecnicamente consolidados e objetivos, de que forma as respostas dadas aos quesitos - que, no essencial, foram nos seus exatos termos levadas ao probatório nos pontos referenciados – se evidenciam como deficientes, tecnicamente erradas ou contraditórias, em moldes que pudessem afastar a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados em resultado da prova pericial produzida.
A este respeito o depoimento de C......... não é apto a afastar as conclusões alcançadas no âmbito da prova pericial.
Em primeiro lugar porque, opostamente ao perito que não apresenta qualquer relação com a causa, agindo de forma imparcial e independente, a testemunha tem com a A./Recorrente uma relação profissional de dependência que revela a sua tendencial parcialidade e, naturalmente, diminui a sua credibilidade.
Em segundo lugar, porque a testemunha, como se mostra evidenciado pelas declarações reproduzidas pela Recorrente, limitou-se a, no essencial, emitir juízos, considerações e opiniões quanto a saber se a plataforma exige para com ela se trabalhar conhecimentos técnicos específicos e se não existe uma necessidade técnica para conseguir implementar o sistema. Tal é, de resto, demonstrado pela própria declaração sublinhada pela Recorrente na qual a testemunha referiu que “acho que qualquer pessoa conseguia, de facto, trabalhar com a plataforma, basta algumas horas a ver isso” (sublinhado nosso).
Ora, entre nós, a “testemunha é a pessoa que, não sendo parte na acção nem seu representante, é chamada a narrar (declaração de ciência) as suas percepções de factos passados que interessam ao julgamento da causa […] o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou” (Antunes Varela et ali, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 609 e ss.) e não se confunde com perito que “traz essencialmente ao tribunal a sua apreciação sobres os factos presentes de cujo exame sobre foi incumbido, ou extrai conclusões (sobre os factos presentes ou pretéritos) dos conhecimentos especializados que possui”.
Donde, podendo ser valorado, à luz da livre apreciação do Tribunal, o depoimento da testemunha no que foram os factos vivenciados ou experienciados por esta – designadamente, no que C......... revelou quanto aos termos em que foi realizada a formação que conduziu à sua certificação na plataforma da CI -, já o mesmo não sucede quanto ao que mais não corresponde à sua opinião quanto ao funcionamento de plataformas no code e às exigências desta.
O que a Recorrente pretende é que o Tribunal valore a opinião ou juízo da testemunha – testemunha esta com relações profissionais com a parte -, em sobreposição à prova pericial mas, não existem dados, nem fundamentos que o permitam fazer, desde logo porque não se põe em causa a idoneidade da prova pericial realizada, nem se aduzem elementos que com maior sustentação probatória permitissem concluir que afinal os factos inscritos na parte final dos pontos 23, 24, 27 e 28 não poderiam ser dados como provados.
Concretamente, o depoimento de C......... confirma os factos provados na 1.ª parte dos pontos 23, 24, 27 e 28 mas, assentando em meras opiniões e juízos conclusivos da testemunha, não ancorados em dados objetivos, não afasta a demonstração da 2.ª parte de tais pontos do probatório em termos que levassem a concluir pelo erro de julgamento quanto aos mesmos.
Note-se, de resto, que nenhum dos extratos do referido depoimento permite sequer afastar as valias e vantagens que foram apuradas, em sede de prova pericial, como emergindo da formação específica na plataforma e da certificação.
Em suma, não se verifica quanto a estes factos qualquer erro de julgamento.




2.5. Do erro de julgamento por omissão de facto no elenco dos factos provados

Por último, aponta a Recorrente erro de julgamento quanto à omissão na matéria de facto de “Para o desenvolvimento do objeto do contrato inerente ao presente procedimento pré-contratual revela-se desproporcional a exigência de certificação, em especial, a exigência da certificação máxima.”
Atento o disposto no art. 94.º, n.º 2 e 3 do CPTA e art. 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, o que está em causa na fundamentação de facto é, sem prejuízo do pleonasmo, a seleção da matéria de facto, entendendo-se como facto “tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” , sendo que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais” (Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil, disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, consult. Março 2024).
Ora, “[d]evem distinguir-se os factos dos juízos de facto, ou seja, juízos de valor sobre a matéria de facto. Os factos (matéria de facto) abrangem principalmente as ocorrências concretas da vida real. Os juízos de facto situam-se na meia encosta entre os puros factos (que ocorrem na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas)” (Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 4.ª edição, Almedina, p. 229).
Ademais, a matéria de facto “deve incidir apenas sobre matéria de facto e não conter questões de direito, [d]eve cingir-se às ocorrências da vida real e evitar conceitos jurídicos” (Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. cit., p. 219).
Pelo que, “[a]s afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1).
Neste sentido, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, disponível em www.dgsi.pt, “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
Ora, saber se a exigência de certificação se revela, no âmbito do procedimento concursal em causa nos autos, desproporcional não é mais do que a resposta que, em sede de fundamentação jurídica, ao Tribunal cumpre dar à luz dos factos dados como provados.
Isto é, não estamos perante factos, mas sim perante juízos conclusivos que convocam, na subsunção dos factos ao direito, conceitos de direito, designadamente no que respeita ao princípio da proporcionalidade.
Como tal, naturalmente, não poderia o Tribunal a quo, como não pode este Tribunal de recurso, levá-lo ao probatório, não se verificando o apontado erro de julgamento de facto.

3. Do erro de julgamento de direito

A Recorrente aponta erro de julgamento à decisão recorrida sustentando, em suma, que, opostamente à conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, a exigência, na Cláusula 23.ª, n.º 7, alínea b) do Caderno de Encargos, da apresentação pelos concorrentes de uma equipa constituída por, no mínimo, dois técnicos certificados na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, sendo que um deles tinha de possuir certificação máxima, devendo os concorrentes apresentar com a sua proposta os comprovativos da obtenção desta certificação [artigo 8.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Programa de Procedimento], sob pena de exclusão das propostas, afigura-se violadora dos princípios da proporcionalidade e concorrência e do disposto nos arts. 1.º-A/1 do CCP, 49.º, n.ºs 4, 8 e 9, porquanto,
- Está em causa uma plataforma no code que pode ser customizada ou desenvolvida por qualquer pessoa ou, no limite, por qualquer técnico com ou sem certificação na plataforma em causa, pelo que a certificação é desnecessária e inútil;
- A exigência de certificação não implica qualquer garantia adicional de que as tarefas incluídas no objeto do contrato serão realizadas de forma mais adequada, pois a detenção de certificados não é um padrão capaz de mensurar ou garantir qualidade no tipo de serviços a contratar e o contrato seria igualmente bem executado por dois técnicos com experiência no desenvolvimento de aplicações em plataformas no code;
- A exigência de que um dos técnicos possua três certificações é inútil, desnecessária e manifestamente desproporcional em sentido estrito, por não produzir um grau de satisfação do interesse público subjacente ao contrato que se revele pelo menos equivalente ao grau de lesão que é produzido no universo concorrencial;
- Estando em causa uma certificação que apenas pode ser concedida pela Contrainteressada Master Link, a generalidade das empresas não têm à sua disposição um técnico com a certificação máxima numa plataforma de uma empresa concorrente para afetar à execução do contrato, o que revela que a exigência apenas tem por efeito de discriminar todas as restantes empresas do sector e favorecer a Contrainteressada Master Link;
- A determinação dessas exigências, podendo corresponder a critérios de avaliação preferenciais, não podem consubstanciar especificações técnicas cujo não cumprimento importa a exclusão de propostas;
- Dado que a Contrainteressada M........ é a única entidade que pode conceder as certificações é esta quem decide quando abre os cursos de certificação na sua plataforma, que candidatos aceita nesses cursos e a quem concede as referidas certificações;
- O facto de a Contrainteressada M........ ter sido a única empresa que cumpriu com as exigências da Entidade Demandada, apresentando uma proposta com um preço igual ao preço base, revela que esta sabia de antemão quantos técnicos (ou não técnicos) certificados na sua plataforma existem no mercado com a certificação válida (que não são seus funcionários);
- A ponderação da conformidade destas exigências constantes do Caderno de Encargos com o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, não entra na esfera da discricionariedade administrativa da Administração Pública.
A decisão recorrida, em suma, considerando que, não obstante estar em causa uma plataforma no code – isto é, que permite que “todos os utilizadores, mesmo sem conhecimento de programação, possam efetuar o desenvolvimento de aplicações e para isso devem ter conhecimentos básicos sobre os tipos de dados informáticos existentes numa aplicação e experiência na plataforma selecionada” -, provando-se que “o recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm”, que “existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvida” e que o conhecimento do funcionamento da plataforma pode traduzir-se numa “maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento”, sendo que “a certificação na plataforma é uma das possibilidades de aferir, com maior índice de segurança, estes mesmos conhecimentos” e que, por estar em causa uma plataforma proprietária e sem acesso público a licenças trial, se mostra complicado a obtenção de conhecimento sobre a mesma sem recurso a certificação, concluiu que a exigência de certificação na plataforma MasterWeb Evolution v. 9 “para avaliação da valia técnica da proposta” - por conferir “vantagens objetivas na execução do contrato”, “está intrinsecamente ligada ao objeto do contrato e serve para a entidade adjudicante aferir da adequação da equipa proposta, designadamente no que respeita ao nível de conhecimentos adquiridos”, correspondendo a “uma forma de atestar experiência, a capacidade técnica da equipa e a respetiva aptidão para o desenvolvimento do objeto do contrato conferindo, assim, uma garantia adicional da sua adequada realização” e “não competindo aos Tribunais determinar, no caso concreto, quais os graus de certificação que podem ser exigidos à equipa proposta pelo contraente público” - não se revelava “desproporcional, desigual ou incumpridor do princípio da concorrência ou do disposto nos artigos 49.º, n.º 4, n.º 8 e n.º 9 do CCP”.
Importa, em primeiro lugar, clarificar que o Tribunal a quo considera erroneamente que a exigência de certificação - dos membros da equipa a afetar à execução do contrato - na plataforma MasterWeb Evolution v. 9 corresponde a um aspeto da execução do contrato submetido pelo Caderno de Encargos à concorrência e, nesse sentido, tratar-se-ia de um aspeto sujeito a avaliação, tendo convocado à decisão doutrina e jurisprudência que se reporta à questão da experiência e qualificações do pessoal encarregado da execução do contrato como fator de densificação do critério de adjudicação.
Ora, recorda-se que quanto ao critério de adjudicação prevê o art. 74.º do CCP que
“1 - A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através de uma das seguintes modalidades:
a) Multifator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;
b) Monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, designadamente o preço.
[…]”
Decorre do art. 42.º, n.º 3 a 5 do CCP que o caderno de encargos pode prever aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência, ou seja, aqueles sobre os quais os concorrentes são chamados a competir - os atributos da proposta -, e aspetos subtraídos à concorrência, que, portanto, não serão objeto de avaliação – os termos ou condições da proposta.
Quanto aos primeiros, o caderno de encargos pode deixar o seu preenchimento a cargo dos concorrentes (dando-lhes total liberdade para estabelecerem os atributos da proposta) ou fixar parâmetros base a que as propostas estão vinculadas (n.º 3 e 4).
Quanto aos segundos, o caderno de encargos pode defini-los em termos fixos ou fechados ou definir limites máximos ou máximos dentro dos quais os concorrentes podem apresentar soluções, embora isso não se reflita na avaliação e classificação das propostas mas apenas na sua admissão ou exclusão (art. 70.º, n.º 2) e no conteúdo da adjudicação.
A distinção entre ambos faz-se através do critério da fixação, ou não, do aspeto como fator ou subfactor do critério de adjudicação, ou seja, se ele fizer parte dos elementos ou características da proposta em função dos quais a entidade adjudicante irá decidir a respetiva pontuação e a adjudicação do contrato, é porque se trata necessariamente de um aspeto submetido à concorrência, logo é um atributo, mas se não for assim, estaremos perante um aspeto não submetido à concorrência, isto é, um termo ou condição.
Como decorre do artigo 12.º do Programa de Procedimento o critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade multifator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por dois fatores correspondentes a aspetos da execução do contrato a celebrar, no caso o preço e a “experiência da equipa”.
Quanto ao fator “Experiência da Equipa” verifica-se que o objeto da avaliação é, na realidade, a “Experiência do Consultor Funcional Chefe da Equipa” – ou seja, de apenas um dos elementos da equipa prevista na cláusula 23.ª n.º 7 do Caderno de Encargos – sendo avaliada a experiência deste no desenvolvimento de aplicações. Ou seja, o que é avaliado é a experiência de um dos elementos da equipa – o Chefe de Equipa -, não relevando a comprovação (certificação) dos conhecimentos deste, ou dos demais membros da equipa, na plataforma MasterWeb Evolution v. 9 para a avaliação da proposta.
Atente-se, aliás, que nos termos do art. 8.º, n.º 1 al. c) i) do PC o comprovativo da certificação encontra-se entre “os documentos que contenham os termos ou condições, relativos aos aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, aos quais se pretende que o concorrente se vincule”.
Pelo que a certificação na plataforma corresponde, na realidade, a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, sendo a resposta que o concorrente dá a este aspeto na proposta representa um termo ou condição.
Sem prejuízo, apesar de adjudicatoriamente irrelevantes, os aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência (termos ou condições) plasmam as necessidades e interesses públicos que a entidade adjudicante reputou como essenciais e as condições contratuais cujo respeito exigiu para esse efeito, assumindo-se o caderno de encargos como um projeto de contrato imperativo, cujas condições têm que ser integral e incondicionalmente aceites pelos concorrentes.
Tal tem como significado que, mesmo perante aspetos da execução do contrato que não são sujeitos a avaliação, embora caiba à Administração, no exercício da sua margem de livre apreciação, a definição dos termos em que pretende a satisfação do interesse público que constitui objeto do procedimento concursal, “esse poder não pode ser usado arbitrariamente visto a liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados” (Ac. deste TCA Sul de 5.5.2022, proferido no processo 1834/21.8BELSB).
Neste sentido, “o poder discricionário, enquanto margem de livre atuação, em virtude de ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, desde logo, os decorrentes dos já citados princípios gerais da contratação pública e, bem assim, da atividade administrativa.
Daí que o mesmo não esteja a salvo de sindicância judicial a qual, porém, não é plena, pois que, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, não pode sobrepor-se ao juízo da Administração quando ele se contenha dentro de coordenadas técnicas ou de planos que não extravasam a sua margem de decisão nas situações de não vinculação.
Esta contenção do juiz administrativo só pode, deve, ser preterida, quando for visível que a Administração agiu com erro grosseiro ou manifesto, que mereça uma censura particular, ou quando seja visível que a invocação de regras técnicas e a formulação de tais juízos foi feita com violação dos princípios gerais a que a sua atividade está subordinada.” (Ac. deste TCA Sul de 5.5.2022, proferido no processo 1834/21.8BELSB).
Como é sabido o Caderno de Encargos contém as cláusulas que definem o serviço que a entidade adjudicante pretende adquirir, o que é feito por referência às características exigidas a esse serviço, ou seja, às respetivas especificações técnicas, entendidas estas, no caso de contratos de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços, como “uma especificação constante de um documento que define as características exigidas a um produto ou a um serviço, tais como os níveis de qualidade, os níveis de desempenho ambiental e climático, a conceção que preveja todas as utilizações (incluindo a acessibilidade por parte das pessoas com deficiência) e a avaliação da conformidade, o desempenho, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os procedimentos e métodos de produção em qualquer fase do ciclo de vida do produto ou serviço e os procedimentos de avaliação da conformidade.” (Anexo VII do CCP).
O art. 49.º do CCP, em linha com o art. 42.º da Diretiva 2014/24/EU, prevê as exigências que reveste a definição das especificações técnicas. Este normativo revela, em suma, que, como se observa no Ac. do TJUE de 25.10.2018, proferido no processo C-413/17, embora se reconheça uma ampla margem de apreciação à entidade adjudicante no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato, “justificada pelo facto de que são as entidades adjudicantes quem melhor conhece os fornecimentos de que necessita e quem está melhor posicionado para determinar os requisitos que devem estar preenchidos para obter os resultados pretendidos”, cumpre estabelecer limites que a entidade adjudicante deve respeitar, designadamente que as especificações técnicas permitam a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e que não possam criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência, e daí que se exija que as especificações técnicas deverão «ser elaboradas de forma a evitar uma redução artificial da concorrência através de requisitos que favoreçam um operador económico específico ao refletirem as principais características dos fornecimentos, serviços ou obras habitualmente oferecidos pelo mesmo».
A definição das especificações técnicas deve, por isso, conter-se nos limites dos princípios da contratação pública a que se reporta o n.º 1 do artigo 1.º-A do CCP, designadamente os princípios da concorrência, da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.
A respeito destes princípios dá-se nota que o princípio da concorrência assume-se como a trave-mestra em sede de procedimentos adjudicatórios públicos, decompondo-se e projetando-se nas demais diretivas que os regem, designadamente o princípio da igualdade de tratamento.
Como escreve Ana Fernanda Neves “Os Princípios da Contratação Pública”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia — Volume II, Coimbra Editora, 2011, p.40) “O princípio da concorrência tutela os interesses relativos ao acesso aos mercados públicos e o interesse público na contratação ótima. Postula a realização de procedimento pré-contratual, ainda que exista outra entidade adjudicante com interesse na adjudicação, cuja participação não deve distorcer a concorrência em relação aos proponentes privados. Veda restrições injustificadas e desproporcionadas à liberdade de candidatura. Implica que nenhum obstáculo ou favor, seja introduzido nas regras de um procedimento em que há vários interessados numa vantagem pública, de molde que a escolha do co-contratante resulte do confronto juridicamente correto das respetivas propostas.”.
Interessando-nos, essencialmente, a conexão do princípio da concorrência com o princípio da igualdade, ou seja, na sua nota de igualdade concorrencial (e já não de liberdade concorrencial) importa reter que com a mobilização deste princípio visa-se, fundamentalmente, permitir a vinda ao procedimento adjudicatório do maior número possível de candidatos, em condições de igualdade, garantindo-se o mais amplo acesso e a mais ampla abertura, num ambiente de sã e efetiva competição.
Na esteira de Pedro Costa Gonçalves (Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2021, 5.ª edição, p. 135), “o princípio da concorrência surge como expressão concretizada da primazia da igualdade, em concreto, como exigência, reclamada à Administração Pública, de um tratamento igualitário de todos os operadores económicos”, adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos abertos, competitivos, concorrenciais, que confiram aos interessados, operadores económicos, iguais condições de acesso e participação e iguais condições de tratamento. E como dá nota o autor, “o objetivo igualitário do princípio da concorrência não consiste em igualizar os concorrentes ou os seus poderes de oferta, mas apenas em igualizar as respectivas condições de participação”.
Na linha da igualdade concorrencial, o princípio da igualdade consiste em tutelar a igualdade de condições de acesso e de oportunidades no âmbito do concurso, dando-se garantias que visam assegurar os direitos e interesses legalmente protegidos de cada candidato e de assegurar o respeito do princípio da igualdade de tratamento pela Administração.
Assim, a entidade adjudicante deverá adotar a mesma conduta para todos os concorrentes e candidatos, não permitindo o princípio da igualdade que aquele tome medidas discriminatórias que possam beneficiar ou prejudicar injustificada e ilegitimamente qualquer ou quaisquer deles. Em suma, os concorrentes deverão estar numa posição de igualdade na apresentação das suas propostas e no momento em que estas serão comparadas e avaliadas pela entidade adjudicante.
Como refere Pedro Costa Gonçalves (ob. cit. p. 139) “[o]s concorrentes devem dispor das mesmas chances na formulação dos termos das suas propostas, o que implica que todas estas sejam submetidas às mesmas regras e condições. A situação do concorrente ( vg. tratar-se de um organismo publico, ser titular de um contrato com a entidade adjudicante que vai ser substituído pelo contrato a adjudicar no procedimento) não tem de envolver, só por si, a infração ao princípio da igualdade)”.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade assume-se como “parâmetro para aferir eventuais condutas das entidades adjudicantes que desvirtuem a igualdade concorrencial, exigindo “que as entidades adjudicantes adotem os comportamentos adequados e proporcionados aos fins prosseguidos; inclui uma tripla exigência: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito (relação proporcionada entre custos e benefícios)” (cf. Pedro Gonçalves, “Direito dos Contratos Públicos”, I, 5ª ed., pp. 147 e 149). Ou seja, “[e]ncerra os seguintes três segmentos ou exames:
- Aptidão finalística da medida ou decisão pública, vulgo adequação;
- Indispensabilidade dessa medida ou decisão pública, vulgo necessidade; e
- Equilíbrio, racionalidade e razoabilidade da decisão pública, ou “justa medida”, vulgo proporcionalidade em sentido estrito.” (Ac. deste TCA Sul de 14.6.2018, proferido no processo 2324/17.9BELSB).
O número 7 da cláusula 23.ª do CE, normativo epigrafado “Especificações Técnicas”, que estabelece os requisitos relativamente à equipa a afetar à execução do contrato, prevendo na al. b) que todos os membros da equipa que prestará o serviço devem possuir certificação na plataforma MasterWeb Evolution v. 9, baseada no paradigma no code, em utilização pelo Contraente Público e que, pelo menos, um dos membros da equipa, enquanto chefe da equipa, deve possuir a certificação máxima, representa uma caraterística exigida ao serviço e, consequentemente, corresponde a uma especificação técnica.
Enquanto tal, pese embora a margem de livre apreciação que assiste à entidade adjudicante na definição das especificações técnicas, esta mostra-se limitada pela necessidade de garantir a concorrência e a igualdade de acesso (art. 49.º, n.º 4), de tal forma que a introdução de requisitos que, em maior ou menor grau, sejam suscetíveis de restringir o âmbito dos potenciais opositores ao procedimento concursal deve respeitar os dispositivos contidos no art. 49.º do CCP e os princípios supra referidos.
Como resulta dos autos, a plataforma MasterWeb Evolution 9, em uso na entidade adjudicante e relativamente à qual se pretendem adquirir serviços de desenvolvimento de aplicações, corresponde a uma plataforma desenvolvida pela CI e de que esta é proprietária. Esta plataforma é de tipo no code, significando que permite o desenvolvimento, execução e gestão de aplicações sem necessidade de programação ou de conhecimento tecnológico, pelo que a sua utilização mostra-se adequada a utilizadores que não disponham de conhecimento de programação.
Prova-se, ainda, que é possível adquirir conhecimentos básicos sobre os tipos de dados informáticos existentes numa aplicação e experiência na plataforma selecionada, mediante estudo de documentação, autoestudo e exploração. Contudo, por esta plataforma ser proprietária e sem acesso público a licenças trial, a aquisição desses conhecimentos é mais difícil sem a certificação (e a formação lhe está inerente).
Importa, ainda, dar conta que a CI, sendo a entidade que desenvolve a plataforma e, em exclusividade, ministra a formação relativa à mesma e concede a certificação é, como resulta da sua própria participação neste procedimento, uma agente/operadora no mercado dos serviços de desenvolvimento de aplicações em plataformas no code. Ou seja, é também uma concorrente à prestação de serviços relativos à plataforma que ela própria detém e relativamente à qual desenvolve o processo de formação e certificação.
Refira-se, ainda, que a certificação na referida plataforma corresponde a uma forma de comprovação de que o respetivo titular realizou a formação e, como tal, adquiriu conhecimentos sobre os tipos de dados informáticos existentes na aplicação e experiência naquela concreta plataforma.
Verifica-se que o requisito da certificação foi estabelecido por referência à plataforma designada MasterWeb Evolution v. 9 que se encontra em uso na entidade adjudicante, ou seja, por referência ao suporte em que os serviços são prestados. Todavia, mostra-se provado que no mercado das certificações naquela plataforma apenas opera a CI, isto é, esta tem a exclusividade na formação e certificação na plataforma.
Existe, assim, uma indissociabilidade entre a certificação exigida no dispositivo das peças do procedimento e aquele concorrente, de tal forma que, na realidade, a especificação técnica se encontra formulada não por mera referência ao suporte, mas sim ao concreto modelo de formação e certificação que é prestado (apenas) pela CI. Isto é, a certificação na plataforma MasterWeb Evolution v. 9 não representa uma certificação normalizada – no sentido de exigência de (qualquer) certificação na plataforma -, antes corresponde àquela específica certificação concedida por aquele operador económico.
Dado que a especificação técnica se reporta a um concreto e específico serviço existente no mercado que apenas é prestado por aquele, e não outro, operador no mercado, a mesma pode apresentar aptidão a afastar do procedimento empresas que não possuam equipas com aquela concreta certificação e, consequentemente, a restringir o âmbito de potenciais concorrentes que, sendo operadores no mesmo mercado que a CI, pretendem prestar serviços de desenvolvimento de aplicações em plataformas no code. Efetivamente, para o efeito de validamente participarem no procedimento os concorrentes têm que deter aquela específica certificação que se encontra concretamente ligada àquele operador de mercado, seu concorrente - pois que só este presta tal serviço de formação e certificação -, não estando disponível a sua obtenção de outra forma ou junto de outras entidades, nem tendo a entidade adjudicante admitido a detenção de outra certificação.
Estes dados indicam que a inserção da referência na especificação técnica àquela concreta certificação pode, em abstrato, apresentar suscetibilidade de representar uma restrição ao universo concorrencial e de limitar a igualdade no acesso ao procedimento concursal pois que outros concorrentes, ainda que possuam conhecimentos e experiência no desenvolvimento de aplicações em (outras) plataformas no code e a possam atestar por certificação, não podem participar neste procedimento concursal.
Mas se assim é em abstrato, o que cumpria aferir é se essa contenção com a igualdade concorrencial se verifica em concreto, aferindo se a referência àquela concreta certificação se mostra, na realidade, justificada pela sua ligação ao objeto do contrato e proporcional ao seu valor e aos seus objetivos (art. 49.º, n.º 2 do CCP).
Trabalho este que o Tribunal a quo desenvolveu, convocando, para o efeito, não elementos que apenas pudessem ser considerados como fatores de avaliação - a qualidade técnica da equipa e o prazo de execução contratual - como alega a Recorrente, mas sim as razões que justificaram a introdução daquela especificação técnica e a partir das quais realizou o juízo quanto à sua conformidade com o quadro legal.
Note-se que, opostamente ao aduzido pela Recorrente não se trata de apurar “as vantagens de uma empresa certificada VS. uma empresa não certificada”, antes de verificar se, em função do interesse público a prosseguir - ponderando-se, designadamente, os termos do objeto contratual, a otimização do resultado pretendido e os interesses dos particulares em acederem ao procedimento -, se mostra desproporcional ou injustificada a especificação técnica constante do programa do procedimento.
Dúvidas não existem quanto à ligação existente entre a especificação técnica e o objeto do contrato, dado que, estando em causa serviços de desenvolvimento de aplicações na plataforma em uso na entidade adjudicante que corresponde à MasterWeb Evolution v. 9, naturalmente que a certificação de conhecimentos nessa atividade se relaciona diretamente com os serviços a prestar. Existindo essa ligação ao objeto do contrato, também este justifica essa referência, pois que o objeto do contrato corresponde à prestação de serviços de desenvolvimento de aplicações naquela concreta plataforma informática, por ser esta a que se encontra em uso na entidade adjudicante e na qual serão desenvolvidas as aplicações e prestados os serviços.
Impõe-se, todavia, aferir a proporcionalidade da exigência de certificação na plataforma enquanto especificação técnica.
Mostra-se provado que,
· As plataformas no code – para desenvolvimento de aplicações – podem ser utilizadas por quem não detém conhecimentos de programação (facto provado 22);
· No caso da plataforma MasterWeb Evolution v9 não é “de esperar a necessidade de recurso a uma equipa de tecnologia de informação para o desenvolvimento, evolução e criação de aplicações na referida plataforma, sendo esta premissa válida para processos que possam ser automatizados e implementados diretamente com os recursos disponibilizados pela plataforma” (facto provado 23);
· A experiência na plataforma selecionada pode ser adquirida com estudo de documentação, autoestudo e exploração (facto provado 22).
Contudo, provou-se também que,
· Para a implementação do serviço objeto do contrato dos presentes autos é necessário um técnico com conhecimentos suficientes da plataforma No Code em causa ou certificado, dado que a certificação é uma forma de comprovar esses conhecimentos (facto provado 28);
· Existe uma curva de aprendizagem que irá condicionar não só o tempo de desenvolvimento da aplicação mas também a qualidade das aplicações desenvolvidas (facto provado 27);
· Mostra-se necessário conhecimento de funcionamento da plataforma No Code em utilização e dos modelos funcionais que se pretendem ver implementados, podendo tais conhecimentos traduzir-se numa maior qualidade das aplicações desenvolvidas assim como numa melhor gestão do tempo necessário para o seu desenvolvimento (factos provados 24 e 25);
· [O] recurso a uma equipa de tecnologia de informação pode trazer vantagens como a disponibilização de aplicações tendencialmente mais robustas e diagnóstico de erros e maus funcionamentos mais rápidos, derivado do conhecimento técnico e da plataforma que estas equipas detêm” (facto provado 23);
· Um técnico sem formação na plataforma necessitará de “despender mais tempo para a execução da mesma tarefa, com o mesmo grau de qualidade ou exatidão, por isso, a execução do contrato nestes termos pode representar uma solução de menor qualidade quando comparada com a mesma solução desenvolvida por um técnico certificado com experiência e formação na mesma plataforma” (facto provado 32);
· “[U]m técnico sem formação, sem certificação e, principalmente, sem experiência prévia na plataforma MasterWeb Evolution 9, tem maior probabilidade de enfrentar limitações e dificuldades no desenvolvimento das tarefas propostas e, do mesmo modo, os índices de qualidade das aplicações desenvolvidas, podem também ser afetados, não ficando totalmente inviabilizada a possibilidade de um técnico sem formação, certificação, ou experiência no desenvolvimento de aplicações, executar o contrato” (facto provado 33);
· É conveniente que os técnicos que desenvolvam as aplicações objeto do concurso tenham experiência na plataforma, por forma a garantir uma correta gestão da eficiência do tempo despendido e qualidade das aplicações apresentadas (facto provado 34).
Ou seja, não obstante as caraterísticas da plataforma permitirem que utilizadores sem conhecimentos de programação a utilizem, a falta de conhecimentos e experiência na utilização da plataforma, embora não inviabilize a execução das prestações contratuais, significa uma maior probabilidade de serem enfrentadas dificuldades e limitações e despendido mais tempo no desenvolvimento das prestações contratuais.
Sendo que a detenção de conhecimentos e experiência na utilização da plataforma MasterWeb Evolution 9 conduz a uma maior celeridade, qualidade e, genericamente, eficiência na execução do contrato.
Acrescente-se que a certificação corresponde à forma de comprovar que a equipa que presta os serviços detém conhecimentos e experiência relativamente àquela plataforma.
Cabe, ainda, dar nota que a Recorrente não provou que, não obstante estarmos perante formação ministrada e certificação exclusivamente atribuída pela CI, esta, de alguma forma, tivesse obstaculizado (ou obstaculize) a que a Recorrente, ou qualquer outro operador do mercado, pudessem (possam) livremente obter tal certificação.
Com efeito, mostra-se apenas provado que no ano transato a CI certificou 6 a 7 pessoas da sua equipa e de equipas de clientes e que, ao longo dos anos, certificou aproximadamente 30 pessoas. Também resulta que apenas outro concorrente participou no procedimento, apresentando um único técnico certificado porque não dispunha de outros com disponibilidade.
Mas estes dados são insuficientes e não detêm sustentação objetiva e fundada para se ajuizar no sentido pugnado pela Recorrente de que, estando nas mãos da contrainteressada M........ decidir a abertura dos cursos de certificação na sua plataforma, a aceitação dos candidatos e a quem concede as certificações, esta tenha impossibilitado ou limitado a possibilidade de obtenção de tais certificações aos seus concorrentes.
A circunstância de a certificação envolver revalidações, dispêndio de tempo, ou outros custos – que a Recorrente não provou -, não tendo sequer sido por esta quantificados, também não permite concluir, face à sua (a)normalidade, que se traduzam num impedimento efetivo à obtenção por todos os demais agentes do mercado da certificação reclamada.
Tal significa que, em concreto, não obstante estarmos perante uma certificação na plataforma concedida por apenas uma entidade, também ela opositora ao procedimento concursal, não existem restrições no acesso à certificação exigida pelas peças procedimentais a todos os demais agentes daquele mercado que, querendo, poderiam garantir que também as suas equipas dela dispusessem. E se não o fizeram sibi imputet.
Perante este quadro, importa considerar que à abertura do procedimento concursal subjazem as necessidades do Fundo Ambiental de “assegurar a evolução das aplicações existentes para submissão de candidaturas, bem como garantir o desenvolvimento de novas aplicações” em face da integração de 4 novos fundos (o Fundo Florestal Permanente, o Fundo de Apoio à Inovação, o Fundo de Eficiência Energética e o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético), das exigências do plano anual de atribuição de apoios para o ano de 2022 a cargo deste e das obrigações contratuais do Fundo Ambiental, enquanto beneficiário-intermediário do PRR. Assim, por forma a assegurar o cumprimento de tais objetivos estratégicos mostra-se necessário que a equipa esteja “apta a desenvolver aplicações a um ritmo muito elevado, não havendo tempo nem disponibilidade para aprendizagem on the job”.
Considere-se, ainda, que, como deu nota o Tribunal a quo, estava-se perante a contratação de uma bolsa de horas fixas “num máximo de 3672 (três mil, seiscentas e setenta e duas) horas, de forma ininterrupta ou interpolada”, a cessar “automaticamente quando esgotado o número máximo de horas contratado” (cláusula 2.ª do CE).
Estes elementos revelam que, para a prossecução do interesse público subjacente ao contrato, se mostra essencial a celeridade e a qualidade na prestação dos serviços objeto do contrato. Isto é, a eficiência, no que respeita ao tempo despendido, e a qualidade das aplicações apresentadas não constituem meras vantagens relativas à execução do contrato, antes integram o cerne do interesse público que a contratação visa satisfazer, não sendo deste indissociáveis. A entidade adjudicante não pretendeu, apenas, um serviço de desenvolvimento de aplicações informáticas na sua plataforma, mas sim que este fosse também realizado a um ritmo muito elevado e com qualidade, evitando perdas de tempo e erros.
Daqui resulta que, no sentido alcançado pelo Tribunal a quo, a exigência de certificação na plataforma encontra uma justificação racional.
Estamos perante uma exigência que é adequada e necessária ao fim do interesse público prosseguido, onde cabe a liberdade e igualdade concorrencial e a otimização dos recursos, porquanto o interesse público só é alcançado se a prestação contratual for executada em termos eficientes, com elevada celeridade e qualidade, o que só é garantido se os serviços forem executados por quem detenha comprovados conhecimentos e experiência naquela concreta plataforma e atestado pela detenção da certificação.
Isto é, a exigência de certificação naquela plataforma mostra-se adequada à comprovação de que a equipa dispõe de conhecimento e experiência – sendo que, no caso do chefe de equipa, ao nível mais elevado - no desenvolvimento de aplicações naquela concreta plataforma e revela-se como a forma de garantir – e, por isso, necessária - que, efetivamente, os membros que prestam o serviço o fazem celeremente e com qualidade em termos aptos a cumprirem o interesse público subjacente à contratação.
Ademais, trata-se de uma exigência que é racional, razoável e equilibrada, na medida em que, verificando-se que não se encontra vedado ou obstaculizado o acesso dos demais operadores de mercado àquela concreta certificação não se mostra comprometida a igualdade no acesso à contratação pública, a exigência de certificação na plataforma, incluindo no grau mais elevado desta, assume a “justa medida” - proporcionalidade em sentido estrito – sem afetar a concorrência efetiva e a igualdade que deve nortear os procedimentos de contratação pública.
Estamos perante uma especificação técnica que, ainda que se reporte a um modelo de certificação específico, mostra-se ligada ao objeto do contrato e proporcional ao seu valor e aos seus objetivos, permitindo a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação sem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência, nem favorecendo ou eliminando determinadas empresas ou produtos.
E estando em causa serviços de desenvolvimento de aplicações informáticas que serão prestados naquela plataforma - a MasterWeb Evolution v. 9 -, inexistindo outra nomenclatura a atribuir a esta plataforma, não era possível, de outra forma precisa e inteligível, referenciar o suporte relativamente ao qual se exige a certificação.
Daqui emerge que, como concluiu o Tribunal a quo, não resulta evidenciada a alegada desproporcionalidade ou injustificação da especificação técnica constante da cláusula 23.ª, n.º 7 alínea b) do Caderno de Encargos em termos que representassem a violação dos princípios da concorrência e igualdade e dos artigos 1.°-A n.º 1 e 49.°, n.ºs 2, 4, 8 e 9 do CCP.
Consequentemente, face à não verificação do vício apontado ao dispositivo do Caderno de Encargos, a decisão a proferir era, como foi, de improcedência, não havendo lugar à modificação do objeto do processo nos termos do art. 45.º do CPTA ex vi art. 102.º, n.º 2 do CPTA (por dependente do bem fundado da pretensão do autor conforme o n.º 1 al. a) do art. 45.º do CPTA).

4. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrente responsável pelas custas (arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Condenar a Recorrente em custas.

Mara de Magalhães Silveira (relatora)
Paula de Ferreirinha Loureiro (1.ª Adjunta)
Ana Cristina Lameira (2.ª Adjunta)