Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07456/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/30/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS. REGIME DE ARGUIÇÃO.
CONHECIMENTO IMEDIATO DO PEDIDO PREVISTO NO ARTº.113, Nº.1, DO C.P.P.T., É OBRIGATÓRIO.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
I.R.S. NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº.149, Nº.3, DO C.I.R.S.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
2. Tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.
3. O conhecimento imediato previsto no artº.113, nº.1, do C.P.P.T., é obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no mesmo preceito (“...conhecerá...”). Estando em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido.
4. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
5. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
6. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.
7. O regime de notificação da liquidação sob cobrança coerciva em causa no presente processo refere-se a imposto de natureza periódica (I.R.S.), sendo o mesmo constante do artº.149, nº.3, do C.I.R.S., normativo que nos diz dever a notificação ser efectuada através de carta registada, regra especial que se sobrepõe à geral constante do artº.38, do C.P.P.T.
8. Não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.58 a 62 do presente processo, na qual julgou totalmente procedente a oposição, intentada pelo recorrido, ... , à execução fiscal nº.1503-2008/120048.8, que corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais, visando a cobrança coerciva de dívida de I.R.S., relativa ao ano de 2006 e no montante total de € 20.563,48.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.75 a 79 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida por ... com fundamento em incumprimento do regime de notificação previsto no artigo 39 do CPPT, relativamente, à notificação da liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2006;
2-A fundamentação da sentença recorrida assenta em síntese no entendimento de que a AT não procedeu ao envio de segunda notificação nos termos do nº.5 do artigo 39 do CPPT, relativamente àquela liquidação de IRS;
3-Destarte, salvo o devido respeito que a douta sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que a mesma procedeu à errónea interpretação, quer dos factos, quer dos preceitos legais aplicáveis, padecendo assim de erro de facto e de direito e padecendo ainda de vício por desconsideração absoluta da necessidade de realização da prova testemunhal no âmbito da presente impugnação;
4-É importante que se retenha que não estamos perante nenhuma liquidação oficiosa praticada em sede de IRS, ou seja, a liquidação aqui em crise não é imputável a nenhum acto praticado por parte da AT, devendo-se apenas a intervenção exclusiva do Sujeito Passivo ou há dum seu gestor de negócios, no caso a testemunha indicada pela Representação da Fazenda Pública, Ana Paula de Oliveira Geraldes Alves de Oliveira com o NIF 157022145, que procedeu à entrega efectiva duma declaração de rendimentos em nome do oponente e para aquele exercício de 2006;
5-Ora, e não se tratando de nenhuma liquidação oficiosa efectuada por parte dos serviços da AT, mas sim duma declaração apresentada voluntariamente em nome do contribuinte oponente por parte da sua gestora de negócios, erra mais uma vez a douta sentença ao considerar que a AT estava obrigada a uma segunda notificação nos termos do nº.5 do artigo 39 do CPPT, porquanto, a notificação se considera efectivamente efectuada através de carta registada simples, nos termos do preceituado no nº.3 do artigo 38 e nº.1 do artigo 39 do CPPT;
6-Assim e em face da existência duma declaração material de IRS entregue pelo contribuinte oponente, ou por uma sua gestora de negócios, e tendo a AT indicado essa gestora a testemunhar nos autos, para que explicasse a entrega daquela declaração em nome do oponente impunha-se que o Meritíssimo Juiz "a quo" na busca da verdade material dos factos tivesse procedido à inquirição daquela testemunha, porquanto, esta se revela indispensável à descoberta desses factos já que é um facto inquestionável que a liquidação aqui em crise é proveniente duma entrega voluntária duma declaração por parte do oponente ou sua gestora, e não duma liquidação oficiosa efectuada pelos serviços da AT;
7-Há sempre que ter em conta o princípio da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes que não pode ser afastado, já que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, conforme plasmado no artigo 75 da LGT, bem como o ónus probatório dos factos alegados, artigo 74 da LGT, que incide totalmente sobre o oponente, porquanto, foi este quem iniciou o procedimento de apresentação da declaração de rendimentos do exercício de 2006, motivo pela qual e mais uma vez, nunca poderia ser afastada a inquirição da testemunha Ana Paula Oliveira;
8-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença como é de Direito e Justiça.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.93 e 94 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.59 e 60 dos autos):
1-Corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais o processo de execução fiscal com o nº.1503-2008/120048.8, instaurado para cobrança de dívida de I.R.S. do ano de 2006, no montante de € 20.563,48 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 do PEF apenso aos autos);
2-Em 7/05/2008 foi emitida a liquidação de I.R.S. respeitante ao ano de 2006, com o nº.4000053689, em nome do oponente, ... (cfr.documento junto a fls.21 e 22 dos presentes autos);
3-A notificação da liquidação remetida ao oponente foi devolvida ao remetente em 14 de Maio de 2008 (cfr.documentos juntos a fls.23 e 24 dos presentes autos; informação exarada a fls.28 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Com relevância para a decisão, com base na documentação junta aos autos, bem como pela posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
4-Em 10/7/2007, foi apresentada junto do 3º. Serviço de Finanças de Sintra uma declaração de I.R.S., modelo 3, em nome do opoente, ... , com o n.i.f. 153 485 272, sendo relativa ao ano de 2006, na mesma se apresentando como seu representante ou gestor de negócios ... (cfr.documento junto a fls.18 e 19 dos presentes autos);
5-Do anexo A da declaração identificada no nº.4 constam rendimentos de categoria A auferidos pelo opoente no ano de 2006 e no valor de € 72.800,00 (cfr.documento junto a fls.18 e 19 dos presentes autos);
6-Os rendimentos de trabalho dependente identificados no nº.5 serviram de base à estruturação da liquidação mencionada no nº.2 do probatório, na qual foi apurado um valor a pagar de € 20.563,48 (cfr.documentos juntos a fls.21 e 22 dos presentes autos; informação exarada a fls.28 dos presentes autos);
7-A devolução ao remetente da carta registada a que alude o nº.3 do probatório ficou a dever-se a mudança do destinatário (cfr.documentos juntos a fls.23 e 24 dos presentes autos; informação exarada a fls.28 dos presentes autos);
8-A carta registada a que aludem os nºs.3 e 7 da factualidade provada foi remetida para a Rua Elias Garcia, nº.46, 2775-215 Parede (cfr.documentos juntos a fls.23 e 24 dos presentes autos);
9-O domicílio fiscal do opoente em 2008 ficava na Rua das ... , nº.156, Torre, 2750-602 Cascais (cfr.documentos juntos a fls.26 e 27 dos presentes autos; informação exarada a fls.28 dos presentes autos);
10-A fls.50 dos presentes autos, encontra-se junto um despacho exarado pelo Tribunal de 1ª. Instância em 16/4/2012, do qual consta:
“Compulsados os autos verifico que, não obstante terem sido indicadas testemunhas, resulta dos mesmos que a matéria em discussão é essencialmente de direito e integrada por factos a provar por documentos, pelo que entendo não se justificar a realização da inquirição das testemunhas arroladas - cfr.nº.1 do artº.113 do C.P.P.T.
Notifique.
(…)”;
11-O despacho identificado no número anterior foi notificado às partes em 10/5/2012, tendo transitado em julgado (cfr.documentos juntos a fls.51 e 52 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente oposição, mais decretando a extinção da execução fiscal instaurada contra a opoente, tudo em virtude da inexigibilidade da dívida exequenda.
X
Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como acima se refere, que a decisão recorrida padece de vício por desconsideração absoluta da necessidade de realização da prova testemunhal no âmbito da presente oposição. Que em face da existência duma declaração material de I.R.S. entregue pelo contribuinte oponente, ou por uma sua gestora de negócios, e tendo a A.T. indicado essa gestora a testemunhar nos autos, para que explicasse a entrega daquela declaração em nome do oponente impunha-se que o Meritíssimo Juiz "a quo" na busca da verdade material dos factos tivesse procedido à inquirição daquela testemunha, porquanto, esta se revela indispensável à descoberta desses factos já que é um facto inquestionável que a liquidação aqui em crise é proveniente duma entrega voluntária duma declaração por parte do oponente ou sua gestora, e não duma liquidação oficiosa efectuada pelos serviços da A.T. (cfr.conclusões 3, 6 e 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem entendemos, consubstanciar a existência de nulidade processual de que padecem os autos.
Examinemos se o presente processo enferma de tal vício.
Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos transcorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/9/2011, proc.4831/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14).
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm que ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Neste caso, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser relevadas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc. 6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.).
Por outro lado, mesmo a admitir-se a possibilidade de produção de prova testemunhal por força do disposto no artº.116, do mesmo diploma, este por aplicação subsidiária dos normativos relativos à impugnação judicial, que constituem o regime paradigma no processo judicial tributário, no caso dos autos, nem assim poderia ter ocorrido a apontada nulidade processual, já que a norma do artº.113, nº.1, do C.P.P.T., impõe o conhecimento imediato do pedido com cariz obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas a resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no nº.1, deste artº.113 (“...conhecerá...”). Estando em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc. 6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.249 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, e apesar de tudo o acabado de mencionar, analisados os fundamentos da oposição que originou o presente processo, tem este Tribunal de concordar com a constatação efectuada em 1ª. Instância de que, levando em consideração que a matéria em discussão é essencialmente de direito e integrada por factos a provar por documentos, nenhuma produção de prova testemunhal é necessária (cfr.nº.10 do probatório).
Concluindo, não se verifica qualquer nulidade processual secundária no âmbito do presente processo, assim não padecendo a decisão recorrida de algum vício de violação de lei.
Argui o recorrente, igualmente e conforme supra se alude, que a fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que a A.T. não procedeu ao envio de segunda notificação nos termos do nº.5, do artº.39, do C.P.P.T., relativamente à liquidação de I.R.S. que constitui a dívida exequenda. Que não se tratando de nenhuma liquidação oficiosa efectuada por parte dos serviços da A.T., mas sim duma declaração apresentada voluntariamente em nome do contribuinte oponente por parte da sua gestora de negócios, erra a decisão recorrida ao considerar que a Fazenda Pública estava obrigada a uma segunda notificação nos termos do nº.5, do artº.39, do C.P.P.T., porquanto, a notificação se considera efectivamente realizada através de carta registada simples, nos termos do preceituado no nº.3, do artº.38, e nº.1, do artº.39, ambos do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 e 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III Volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489).
Examinemos agora, a forma e conteúdo da notificação do acto tributário de liquidação objecto dos presentes autos (recorde-se a natureza receptícia do acto tributário a que já supra se aludiu).
No caso vertente (cfr.nºs.2 e 4 a 6 do probatório), o regime de notificação da liquidação sob cobrança coerciva em causa no presente processo refere-se a imposto de natureza periódica (I.R.S.), sendo o mesmo constante do artº.149, nº.3, do C.I.R.S., normativo que nos diz dever a notificação ser efectuada através de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante, regra especial que se sobrepõe à geral constante do artº.38, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc. 6788/13).
Da factualidade provada retira-se que a liquidação de I.R.S. que constitui a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2008/120048.8 foi notificada ao opoente/recorrido através de carta registada, mais não sendo enviada para o domicílio fiscal deste e, por tal motivo, tendo sido devolvida ao remetente (cfr.nºs.7 a 9 do probatório).
Nestes termos, não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Mais se dirá que a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida (como foi no caso "sub judice"), tudo porque a norma em causa têm necessariamente de ser conjugada com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no citado artº.268, da C.R.P. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/5/2009, rec.270/09).
Rematando, deve o Tribunal concluir que o acto de liquidação não pode produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, acto ineficaz, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 30 de Abril de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)