Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:498/08.9 BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:IRS
MAIS-VALIA REALIZADA
VENDA DE IMÓVEL
HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE
Sumário:I - A não sujeição a tributação da mais-valia realizada com a venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente, por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS depende da prova da existência de uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido bem como o reinvestimento do valor da realização;
II - O facto de a sede de actividade desenvolvida pelo impugnante ter sido declarada no imóvel alienado não significa que a actividade seja aí desenvolvida, nem exclui a efectiva afectação do imóvel a habitação própria e permanente do agregado familiar.
III – A fundamentação a posteriori não pode ser atendida na apreciação da causa e assim sendo, não há que apreciar as conclusões que sobre ela versam.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAF) que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada, anulando a liquidação de IRS de 2004, na parte em que desconsiderou o reinvestimento da mais-valia realizada, no valor de € 58 668,50 veio deduzir o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«a) A douta sentença, ora recorrida, padece do vício de erro de julgamento por violação de lei, designadamente dos normativos legais contidos nos art°s 10°, 22°, 43° e 57° do CIRS.

b) Faz uma incorrecta interpretação da prova documental, da matéria dada como provada e da lei fiscal, incorrendo, também, por este fundamento, em erro de julgamento.

c) Estabelece a alínea a) do n° 1 do art° 10° do CIRS que constituem mais-valia os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

d) Pela alínea a) do n° 5 do art° 10° do CIRS, em vigor à data do facto tributário, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se no prazo de 24 meses, contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português; ou se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores.

e) O pressuposto em que assenta a exclusão tributária contida neste artigo, é que no âmbito do património do contribuinte ou respectivo agregado familiar, haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor de realização. Um e outro têm de desempenhar a função de habitação própria e permanente do contribuinte ou agregado familiar.

f) Para efeitos fiscais, considera-se que a afectação de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorre, se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal. Uma vez que não são cumpridos os pressupostos em que assenta a exclusão prevista no n° 5 do art° 10° do CIRS, visto que a funcionalidade do imóvel transmitido não era a de habitação própria e permanente do contribuinte ou do seu agregado familiar, não poderá ser considerado o reinvestimento da mais valia tributada.

g) Os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não são considerados como rendimento se, no prazo de 24 meses, o valor de realização deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel (vendido), for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção ou na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, exclusivamente com o mesmo destino (habitação própria e permanente) desde que esteja situado no território português. O reinvestimento considera-se ainda concretizado se o valor de realização, deduzido da amortização nos mesmos termos, for utilizado no pagamento de aquisição efectuada nos 12 meses anteriores ao da alienação.

h) A lei condiciona, no entanto, aquela exclusão tributária aos seguintes factos:

a) No reinvestimento por aquisição de outro imóvel para habitação - que o imóvel adquirido seja afecto a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, até seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado (24 meses).

b) No reinvestimento por aquisição de terreno para construção - que inicie a construção até seis meses após o prazo de reinvestimento (excepto se o atraso for imputável a entidades públicas) e requeira a inscrição do imóvel na matriz até 24 meses após o início das obras. Em qualquer caso, a habitação deve estar afecta à habitação do sujeito passivo ou agregado familiar, até ao fim do 5. ° ano seguinte ao da realização.

c) No reinvestimento por construção, ampliação ou melhoramento de imóvel - que se verifiquem as condições da alínea anterior.

i) Pelos documentos, juntos aos autos, constata-se que o domicílio fiscal do contribuinte, em 30.11.2004, era o B. S. L., em T. e que a morada da sede ou do estabelecimento afecto à sua actividade profissional (salão de cabeleireiro - fls. 59) era B. Sra. F., em T., morada correspondente ao imóvel alienado.

j) Assim, fácil é de concluir que aquele imóvel, se afecto à actividade profissional de cabeleireiro, nunca poderia constituir a habitação própria e permanente do requerente, ainda que, se admita, que alguma vez o pudesse ter sido, considerando a isenção de Contribuição Autárquica, concedida desde 1991 a 2000.

k) Nada impede que o contribuinte pudesse ter gozado de um benefício fiscal e que, no período do seu termo, ter afecto o imóvel a uma finalidade diferente, nos termos preconizados pelo art° 10°, n° 1 a) e n° 3 b) do CIRS (transferência de bens do património particular para a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário), geradora de mais - valias em posterior alienação, que, aparentemente, é o caso dos autos.

l) Por outro lado, o art° 19° da LGT dispõe que “é obrigatória nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo, à Administração Tributária” sendo ineficaz a mudança do mesmo, enquanto não for comunicada. - Cfr. n°s 2 e 3 do preceito.

m) O art° 43° do CPPT estabelece, igualmente, a obrigatoriedade da participação do domicílio ou qualquer vicissitude que ocorra, ao prescrever que: “A Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio ou sede.

2. A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n° 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas”.

n) A fim de apreciar a questão do reinvestimento, invoca-se a doutrina administrativa constante do Ofício Circulado n° 28361 de 2000/11/23, sob a epígrafe INVESTIMENTOS EM IMÓVEL PARA HABITAÇÃO -EXCLUSÃO TRIBUTARIA, cujo teor se transcreve:

“Em resposta à consulta formulada sobre o assunto através do oficio supra referenciado, cumpre-nos informar que estes serviços têm entendido que, para efeitos de exclusão tributária prevista no n.º 5 do art. 10.° do CIRS, desde que na aquisição do novo imóvel destinado a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja utilizado o produto de empréstimo para esse fim, apenas a diferença entre o montante do empréstimo e o valor de aquisição da nova habitação poderá ser considerada como valor de realização reinvestido.”

o) Com efeito, a fls. 10 e 18 (print informático), está a reprodução dos valores declarados pelo sujeito passivo (presunção da verdade declarativa, ínsita na Lei Geral Tributária, art° 75°), sendo indicado como valor a reinvestir, a totalidade do valor de realização, i.e., € 83.548,00.

p) Valor de realização que deveria ser o correspondente ao valor de venda mencionado na escritura pública de compra e venda, celebrada em 25.11.2004, no Cartório Notarial da Guarda, em que foram outorgantes J. C. e mulher A. C., como vendedores e como compradores H. S. e mulher M. P., sendo declarado pelos primeiros que “pelo preço de oitenta e três mil, setecentos e cinquenta euros, que já receberam, vendem ao segundo outorgante (...) A diferença entre o valor de realização declarado e o constante da escritura é de € 202,00.

q) O reinvestimento do produto da alienação do imóvel, cuja natureza ou pelo menos o fim económico a que estaria afecto é matéria controvertida nos autos, teria sido efectuado não na aquisição de nova habitação mas na reconstrução de imóvel, já existente, o que cabe na previsão legal da exclusão tributária. Acresce que, quanto a este não se põe em crise a afectação à habitação do sujeito passivo, no prazo que a lei prevê, para o efeito, pese embora a alteração do domicilio fiscal só tenha sido solicitada em 2008 e não tenha sido requerido o benefício de isenção do IMI, pelo período de 6 anos, de acordo com o disposto no art° 42° do EBF, na redacção em vigor à data do facto tributário.

r) No entanto, o impugnante só apresentou documentos - a factura n° 0… de 07.02.2004 e o recibo n° 0.. de 31.12.2003, emitidos pela S. C. S. & C. Lda, com o nif …3, no montante de, respectivamente, € 28.918,50 e € 29.750,00, num total de € 58.668,50. Observe-se que, na reclamação graciosa, o ora impugnante vem apenas alegar que se enganou no preenchimento da declaração e que o montante não seria a reinvestir no ano seguinte, mas no próprio ano da alienação. Ora, não é isso que resulta da factura e recibo, carreados nos autos, uma vez que, os serviços constantes do recibo foram suportados no ano anterior (31.12.2003), pelo que se integrariam na previsão da al. b) do n° 5 do art° 10°, ou seja, serviços prestados e utilizados nos 12 meses anteriores à venda do imóvel, potencialmente, gerador da mais valia.

s) A fls. 40 do processo de reclamação, encontra-se junta Declaração emitida em 30.09.2008, pelo M.-bcp, confirmando que J. C., contribuinte número …..2 é titular de um empréstimo junto desta instituição, com o número …..3, destinado para Construção de Habitação Própria e Permanente, regulado pelo Dec. Lei 349/98, de 11 de Novembro, Regime Bonificado, sendo nesta data, o respectivo capital em dívida de € 72.184,16.

O montante concedido em 30.09.2002 foi de € 81.927,00.

t) Ou seja, temos três cenários possíveis:

a)- Ou o valor de realização não foi integralmente reinvestido, já dando ao desbarato a diferença dos € 202,00, mas apenas parcialmente, no montante de € 58.668,50, conforme facturação junta pelo impugnante e que, não existindo outras, apenas estas comprovam o montante despendido nas obras de (re)construção, ocorridas nos exercícios de 2004 (ano da alienação) e nos 12 meses anteriores - Dezembro de 2003, olvidando-se o recurso ao crédito bancário.

b) - Ou o valor de realização não tendo sido integralmente reinvestido, considerando o recurso ao crédito no montante de € 81.927,00 (em 30.09.2002), apenas se considera efectivamente reinvestido o valor de € 1.621,00 (83.548,00 - 81.927,00), descurando a diferença dos citados € 202,00.

c) - Ou desconsidera-se em absoluto o montante do reinvestimento, para efeitos da exclusão tributária, e tributa-se a mais valia, por inteiro, uma vez que o montante do crédito bancário foi concedido em 30.09.2002, ou seja, em período anterior ao prazo de 12 meses que a lei prevê a antecipação do reinvestimento, não sendo feita prova cabal e suficiente do período de início e termo das obras de reconstrução, nomeadamente com a apresentação de orçamentos, autos de medição ou de recepção da obra; a discriminação da natureza dos serviços na factura e recibo atrás mencionados é vaga e imprecisa, não permitindo sequer, no caso do recibo, identificar quais os serviços prestados, pelo que, os requisitos legais exigíveis para a emissão de facturas ou documentos equivalentes, enunciados no art° 36° do CIVA, designadamente, a discriminação dos serviços prestados, não se mostram totalmente verificados.

u) As consequências a retirar das situações apresentadas são as seguintes:

c) Reinvestimento parcial (aplicação prática)

A mais valia resultante da alienação é de € 73.284,37.

Mais Valia - V.R. - (V.Aquisição x Coefic.desvalorização Moeda), em que

Valor de Realização (VR) - € 83.750,00

Valor Aquisição (VA)-€ 6.120,25 x 1,71 =€ 10.465,63

Obs: O valor de aquisição foi declarado pelos impugnantes no anexo G da declaração de rendimentos a que alude o art° 57° do CIRS, referente a 2004.

Reinvestimento parcial:

V. reinvestido: V. a reinvestir, para que a exclusão fosse total.

€ 58.668,50: € 83.750,00 = 0,70 - cálculo da proporção nos termos do art° 10° n° 7

€73.284,37 x 0.70 = € 51.299,06 → Mais valia a tributar

> Valor a englobar - 50%, nos termos do n° 2 do art° 43° do CIRS = € 25.649,53

d) Reinvestimento parcial (aplicação prática)

V. reinvestido : V. a reinvestir, para que a exclusão fosse total.

€ 1.621,00 : € 83.750,00 — 0,02 - cálculo da proporção nos termos do art° 10° n° 7

€ 73.284,37 x 0,02 = € 71.818,68 → Mais valia a tributar

>Valor a englobar — 50%, nos termos do n° 2 do art° 43° do CIRS = € 35.909,34

Obs: Conforme se demonstrou, o valor de € 1.621,00 resulta da diferença entre o valor de realização (valor da venda) e o montante do empréstimo bancário, que está afastado do conceito de reinvestimento, como atrás explanado.

v) A prova testemunhal produzida, em audiência de julgamento, foi unânime em afirmar que o imóvel alienado, gerador da potencial mais valia, estava afecto à residência permanente dos ora impugnantes, nunca reconhecendo que o impugnante marido lá desenvolvesse a sua actividade comercial - salão de cabeleireiro. No entanto, quando inquiridos sobre a contracção de empréstimo bancário para a construção da casa nova, também as referidas testemunhas responderam afirmativamente.

w) E a admitir-se esta tese como certa, ainda que a decisão da reclamação tenha por base um pressuposto errado, ou seja, não considerar o montante de reinvestimento, em virtude da afectação do imóvel alienado. No entanto, sempre este montante deveria ser rejeitado, não se enquadrando no conceito de reinvestimento, nos termos do art° 10° n° 5 do CIRS, conforme atrás explanado.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»


*


A Recorrida apresentou contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:

«1. Defende a Fazenda Pública, no âmbito da alínea a) do nº 5 do art.º 10 do CIRS, que “o imóvel transmitido não era a habitação própria e permanente do contribuinte ou do seu agregado familiar”

2. Para tanto argumenta que “Não consta da aplicação informática que o contribuinte tenha tido o domicílio fiscal na habitação alienada em 2004”

3. Ora, essa notação informática em caso algum se pode sobrepor à realidade factual demonstrada nos autos de terem os impugnantes e recorridos habitado efectivamente uma dada casa com os demais elementos do seu agregado familiar - precisamente a habitação alienada.

4. Aliás, é pacífico o entendimento de que “o n.° 5 do art. 10.° do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal, e de qualquer modo, seguindo a jurisprudência supra citada, sempre seria de entender que o Impugnante poderia fazer prova da sua residência habitual em certo lugar. ” (Acórdão de 08-10-2015, Tribunal Central Administrativo Sul, site respectivo).

5. Questiona ainda a Fazenda Pública “a credibilidade do atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de S. P. (T.)” argumentando que tal documento não faz prova plena relativamente à matéria nele inserta.

6. Tal atestado certifica, em síntese, que o recorrido residiu na R. P. C., B. Sra F., desta freguesia de S. P., até 2004. Que em 2004 mudou para a sua nova habitação na T. P., C., tendo vendido a anterior. Que ambas as habitações se destinaram a residência permanente do seu agregado familiar (...)”

8. Invoca a FN a seu favor o teor do “despacho que se pronunciou sobre os documentos carreados pelo Contribuinte ” (o qual pôs termo ao processo de reclamação), e um “acórdão do STA

Ora, tanto o despacho como a acórdão citados apontam em sentido oposto ao defendido pela Recorrente, na medida em que um e outro não deixam de referir expressamente que - resultando o facto certificado de um juízo pessoal do documentador, ou de elementos arquivados - fica tal documento sujeito à livre apreciação do julgador.”.

10. O reinvestimento efectuado pelos Impugnantes foi em uma habitação própria do seu agregado familiar

A Recorrente, salvo o devido respeito, escamoteia, o quadro factual relevante dado como assente, neste âmbito, pelo Tribunal, o qual é dado pelos seguintes factos:

- a) a 25.11.2004, os impugnantes declararam vender pelo preço de 83..750,00 euros o prédio urbano destinado a habitação inscrito na matriz sob o art. 1….° (cfr. cópia da escritura de compra e venda)

- “o) No ano 2000 já os impugnantes viviam na casa do B. N. S. F., fazendo desta sua habitação” (“cfr. depoimento das três testemunhas”);

- “p) Do imóvel do B. N. S. F. os impugnantes mudaram-se para a casa da T. P.. (“Cfr. depoimento das três testemunhas)

- “p) o imóvel da T. P., C., foi construído pelos impugnantes;

11. Ora a lei fiscal, exclui da tributação o capital obtido com a venda de habitação própria e permanente que se venha a reinvestir na construção de imóvel destinado ao mesmo fim, ocorrendo esse investimento no ano anterior à venda ou nos dois anos posteriores.

(Cfr. n.° 5 e 6o do art.0 10° do CIRS, transcrito na douta sentença).

12. E a propósito da “questão do reinvestimento”, a sentença em apreço declarou na sua parte final: “ora, o valor de venda do imóvel foi de 83.750 euros, sendo que apenas se provou o reinvestimento de 28.918,50 euros no ano de 2004 e o valor de 29.750 euros no ano de 2003 ”, a que se refere a alínea t) e u) dos factos provados.

13. E “por se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a não sujeição a tributação da mais-valia com a venda de imóveis destinados a habitação própria e permanente, quando a mesma seja reinvestida noutro imóvel com o mesmo destino, nos dois anos posteriores à realização da mais-valia ou no ano anterior”, a sentença em apreço concluiu pela “procedência parcial da presente impugnação na parte do reinvestimento que ficou provado”.

14. Reúnem assim os impugnantes os requisitos necessários exigidos pelo artigo 10.° do CIRS para a exclusão da tributação sobre mais-valias na exacta proporção do demonstrado reinvestimento, ainda que parcial.

15. Sublinha-se que no “cenário” traçado pela FP na alínea a) art° 32° da sua motivação a mais-valia sujeita a imposto não seria, no presente caso, de “25.649 euros”, mas antes de 10.993 euros.

16. A “prova testemunhal produzida em audiência de julgamento”

Acresce que o Recurso interposto - pretendendo, com referência ao salão de cabeleireiro, na parte final das Conclusões questionar a prova testemunhal produzida - não logra oferecer, de conformidade com as exigências dos ditames processuais sobre impugnação da matéria de facto, a devida fundamentação na respectiva Motivação com vista à demonstração do mal fundado da factualidade provada tal qual se acha fixada na douta sentença.

16. O tempo decorrido sobre a obrigação tributária emergente da liquidação impugnada:

Os recorridos não podem deixar de sublinhar que, estando em causa uma obrigação tributária em matéria de IRS relativo ao ano de 2004, e por razões de modo nenhum imputáveis aos Recorridos, desde a declaração de IRS/2004 até ao presente, o período de paragem foi, objectivamente, foi de ...10 anos e 2 meses.

17. Observasse a lei, em sede de prescrição, o princípio do decurso do tempo efectivamente decorrido sobre o facto tributário não imputável ao sujeito passivo, ou seja, não tivesse sido revogado o n° 2 do art. 49° da LGT operada pela Lei n.° 53-A/2006, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2007, e fosse outra a interpretação jurisprudencial da ressalva da Lei prevista no art. 91.º da Lei 53-A/2006 e da sua constitucionalidade, ou seja, a partir da garantia e observância do decurso do tempo consubstanciado em simples inacção da administração fiscal ou judicial (como sucede em tantos ordenamentos fiscais europeus) e a presente instância - por referência ao prazo prescricional de 8 anos - deveria hoje declarar- se extinta por inutilidade superveniente da presente lide.

Termos em que deve ser desatendido o douto recurso interposto pela Fazenda Pública.»


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O Procurador Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir:

i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto na fixação da matéria de facto e na valoração da prova;

ii) se ocorre erro de julgamento de direito por violação dos artigos 10.º, 22.º, 43.º e 57.º do CIRC.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«a) A 25/11/2004 os impugnantes compareceram perante o notário do Cartório Notarial da Guarda e declararam vender, pelo preço de 83.750euros o prédio urbano destinado a habitação identificado na matriz com o artigo 1….º (cfr. cópia de escritura a fls. 29 e ss. Do PAT);

b) A 28/04/2005 os impugnantes entregaram declaração mod. 3 de IRS onde além do mais declararam a alienação onerosa de direitos reais sobre o imóvel identificado com o artigo 01…, em Novembro de 2004, no valor de 83.548,00 euros, mais preenchendo o campo 507 “Valor reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso a crédito)” no valor de 83.548,00 euros (cfr. cópia de declaração a fls. 8 e ss. do PAT);

c) A 30/11/2004 os impugnantes tinham domicílio fiscal na morada sito no B. S. L., T. (cfr. documento de fls. 56 do PAT);

d) A 25/11/2004 o estabelecimento estável relativo ao salão de cabeleireiro do impugnante marido estava indicado no cadastro da AT no Br. Sr.ª F. (cfr. impressão de cadastro a fls. 62 do PAT);

e) A 04/06/2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º20085000075775, relativa ao ano de 2004, que considerou rendimentos globais no valor de 52.874,22euros e um valor a pagar de 10.022,59 euros (cfr. nota de liquidação a fls. 5 do PAT) ;

f) A 04/07/2008 foi apresentada reclamação graciosa da liquidação a que se refere a alínea anterior, por ter ocorrido um erro na inscrição do campo 507, quando deveria ter sido assinalado o campo 506 (cfr. documento a fls. 4 do PAT);

g) A 22/09/2008 foi emitido o ofício n.º26923 com o assunto “Pedido de Elementos”, onde se lê (cfr. cópia de ofício a fls. 26 do PAT):
“Tendo em vista a apreciação da Reclamação Graciosa em epígrafe, solicita-se a v. Ex.ª, nos termos dos art. 58° e 74° da Lei Geral Tributária (LGT), para no prazo de 10 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, envie a esta Direcção de Finanças, os seguintes elementos, sob pena de não o fazendo poder vir a ser considerada improcedente a presente petição:
- Cópia do Bilhete de Identidade ou Cédula Pessoal dos dependentes, assim como certificados de matrículas relativas ao ano de 2004;
- Cópia dos livros de registos dos serviços prestados ou outros rendimentos (art. 116.° do CIRS e art. 50.° do CIVA). referentes ao exercício de 2004;
- Comprovativo do valor de aquisição, do artigo urbano 1… da freguesia de S. P., concelho de T.;
- Documentos comprovativos de todas as despesas de construção do imóvel onde efectuou o reinvestimento.- - Comprovativo do valor da venda, do mesmo artigo urbano (art. 1118);
- Declaração comprovativa de eventual empréstimo contraído para a construção do imóvel destinado a habitação própria e permanente, onde efectuou o reinvestimento;
- Elementos justificativos dos montantes declarados no anexo H da mod. 3 de IRS/2004.”

h) A 10/10/2008 foi elaborada informação no procedimento de reclamação onde se concluiu no sentido da improcedência da mesma, lendo-se daquele, além do mais, o seguinte (cfr. informação a fls. 73 e ss. do PAT):
“2.3. Análise
O contribuinte, relativamente ao ano de 2004, entregou a declaração de IRS - Mod. 3 com anexo G (rendimentos da categoria G), declarando a venda de um imóvel, artigo urbano 1…, da freguesia S. P., Concelho de T., por € 83.548,00. Declarou, no quadro 5 do anexo G - campo valor reinvestido no primeiro ano seguinte sem recurso a crédito o valor de € 83.548,00.
Na declaração de rendimentos dos anos seguintes (2005 e 2006), o contribuinte não declara qualquer reinvestimento, não apresentando o anexo G da Mod 3 de IRS.
Vem o contribuinte alegar na presente reclamação, que o valor de reinvestimento foi incorrectamente inscrito no campo 507 quando deveria ser no campo 506.
Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Pela alínea a) do n.º5 do art.10 CIRS, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu (redacção dada pelo Dec-Lei n.º 361/2007 de 02 de Novembro).
A alínea b) do mesmo artigo exclui de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição, desde que efectuada nos doze meses anteriores.
O pressuposto em que assenta a exclusão tributária contida neste artigo, é que no âmbito do património do contribuinte ou respectivo agregado familiar, haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor de realização. Um e outro têm de desempenhar a função de habitação própria e permanente do contribuinte ou agregado familiar.
Por consulta ao sistema informático, nomeadamente ao Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes (SGRC), em situação cadastral anterior, constata-se que, na data da escritura, o contribuinte tinha, como domicílio fiscal o B. S. L. - T. A morada do imóvel alienado consta como sendo a sede ou o estabelecimento estável da actividade exercida. Em 2008- 02-12 o ora reclamante alterou a morada para T. P. – T.. Ou seja, o contribuinte alterou a morada para a habitação por ele construída em T. (art. 1697), somente em 2008, não constando da aplicação informática que tenha tido o domicílio fiscal na habitação alienada em 2004.
Para efeitos fiscais considera-se que a afectação de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorre, se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal.
Uma vez que não são cumpridos os pressupostos em que assenta a exclusão prevista no n.º 5 do art. 10° do CIRS, visto que a funcionalidade do imóvel transmitido não era a de habitação própria e permanente do contribuinte ou do agregado familiar, não poderá ser considerado reinvestimento da mais-valia tributada.
3. - Conclusão
Em face do exposto, entendemos que o pedido formulado pelo contribuinte deve ser indeferido, sendo de manter a liquidação n.2008 5000076775.”

i) A 14/10/2008 foi proferido despacho de concordância com a informação a que se refere a alínea anterior, ordenando a notificação dos impugnantes para exercer o direito de audição prévia (cfr. despacho de fls. 72 do PAT);

j) Os impugnantes vieram exercer o direito de audição prévia juntando documentos (cfr. cópia de requerimento de fls. 79 do PAT);

k) A 17/11/2008 foi elabora informação pela AT com o seguinte conteúdo (cfr. fls.91 e ss. do PAT):
“1. Em 2008-07-14 deu entrada no Serviço de Finanças de Trancoso, reclamação graciosa apresentada pelo sujeito passivo supra identificado, contra a liquidação de IRS n." 2008 5000076775, relativa ao ano de 2004, cuja nota de cobrança totaliza o montante de € 11.267,77.
2. Foi emitida proposta de decisão, na qual se concluía pelo indeferimento.
3. Em 2008-10-17, foi notificado o reclamante, nos termos da alínea b) do art.60º da LGT, para o exercício do direito de audição.
4. O reclamante veio exerceu o direito de audição em 2008-10-31.
5. O exercício do direito de audição o reclamante vem juntar um Atestado, emitido pela autoridade administrativa local - Junta de freguesia de S. P. – T..
6. O atestado de residência é, sem dúvida, um documento autêntico nos termos do n° 2 do art. 363º do Código Civil. Como tal, a sua força probatória é a estabelecida no art. 371º do referido código ou seja, faz prova plena dos facto que referem como praticados pelo oficial público, bem como dos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, porém, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elemento sujeito à livre apreciação do julgador.
No presente caso, a Junta de Freguesia nada diz sobre a fonte do que é atestado. Portanto, o facto certificado resultou de um juízo pessoal do documentador sobre a credibilidade desses elementos, estando sujeito à livre apreciação do julgador, nos termos do citado art. 371 ° do Código Civil.
7. Em 2008-11-05 o contribuinte vem juntar ao processo, a requisição de ligação eléctrica, emitida pela EDP e um orçamento da ITED – Infraestruturas de Telecomunicações a fim de justificar "os domicílios, tanto da habitação transaccionada como da nova habitação onde foi efectuado o reinvestimento ".
Após análise dos referidos documentos, não se pode concluir que dizem respeito à habitação própria e permanente do ora reclamante.
8. Para efeitos fiscais, não havendo elementos que provem o contrário, considera-se que a afectação de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorre, se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal.
9. Assim, não fazendo, o atestado de residência apresentado pelo requerente, prova plena desta para efeitos fiscais, deve a presente reclamação ser indeferida pelas razões expostas na proposta de decisão.”

l) Na mesma data foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelos impugnantes (cfr. despacho a fls. 90 dos autos);

m) O cabeleireiro do impugnante marido funcionava, pelo menos até à data da inquirição das testemunhas, na R. C., n.º.. (cfr. depoimento da primeira e segunda testemunhas, cópia de alvará de licença sanitária, a fls. 14 dos autos);
n) No ano 2000 já os impugnantes viviam na casa do B. N. Sr.ª F., fazendo desta sua habitação (conforme depoimento da primeira e segunda testemunha);

o) Do imóvel sito no B. N. Sr.ª F. os impugnantes mudaram-se para a casa na T. P. (cfr. depoimento das três testemunhas);

p) O imóvel da T. P., C. foi construído pelos impugnantes (cfr. depoimento das três testemunhas);

q) A 09/02/2004 o impugnante marido requereu junto da EDP a ligação de energia no lugar de T. P./ C., S. P. (cfr. cópia de “requisição de ligação”, a fls. 83 do PAT);

r) A 25/10/2008 foi emitido atestado pelo Presidente da Junta de Freguesia de S. P., T. onde se lê (cfr documento junto em exercício do Direito de Audição prévia, a fls. 80 do PAT):

“E. A. , Presidente da Junta de Freguesia de S. P., concelho de T., atesta, para os efeitos legais, que: J. C., filho de A. C., natural de F., concelho de T., nascido em 02/01/19.., no estado de casado, portador do Bilhete de Identidade N° …..6, emitido pelo Arquivo de Identificação de Guarda, e do N.I.F. ….2, residiu na R. P. C. – B. N. Sra. F., desta freguesia de S. P., de 1987 até 2004. -----------------------------------"
------Em 2004 mudou para a sua nova habitação, sita na T. P. – C., esta mesma freguesia, tendo vendido a anterior. Mais se declara que ambas as habitações se destinaram a residência permanente do seu agregado familiar.
Igualmente se atesta que o mesmo possui um estabelecimento comercial estável, para a sua actividade profissional, sito na R. C. n.º .. da Freguesia, tendo iniciado a sua actividade em 1997.
Por ser verdade e ter sido pedido, se passou o presente atestado que vai assinado pelo Presidente da Junta e autenticado com o selo branco em uso nesta Junta e Freguesia.”

s) A 30/09/2008 foi emitida declaração pelo B. C. P., S.A., conforme solicitado pelo aqui impugnante marido, onde se lê, além do mais: “J. C., (…) é titular de um empréstimo junto desta instituição, com o n.º (…), destinado à construção própria e permanente, regulado pelo Dec. Lei 349/98, de (…) sendo nesta data o respectivo capital em dívida de 72.184,16 euros.

O montante concedido em 30/09/2002 foi de €81.9277 (…).

(cfr. declaração junta ao processo administrativo);

t) A 07/02/2004 foi emitida pela sociedade de C. S. & C., Lda., a factura n. º.., no valor de 28.918.50euros, a favor do impugnante, com a descrição “Pagamento da mão-de-obra relativa ao ajuste da obra nas C.” (cfr. cópia entregue pelo impugnante no procedimento de reclamação graciosa, a fls. 67 do PAT);

u) A 31/12/2003 foi emitido a favor do impugnante, pela S. C. S. & C., Lda., o recibo n. º.., no valor de 29.750euros, com a descrição “Serviços finalizados em 2003” (cfr. cópia entregue pelo impugnante no procedimento de reclamação graciosa, a fls. 68 do PAT);»

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Consta ainda da mesma sentença que «Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.
Os factos provados assentam na análise dos documentos juntos aos autos e não impugnados e do depoimento das testemunhas, que se mostraram credíveis e com conhecimento directo dos factos sobre os quais depuseram.»

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III – 2. Da apreciação do recurso


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, como referimos antes, é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Nas conclusões deve o recorrente indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, conforme resulta do disposto no artigo 639. °, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Está em causa, nos presentes autos, a tributação da mais–valia realizada pelo impugnantes com a alienação do imóvel que alegam ter constituído a sua habitação permanente, até então, tendo reinvestido a mesma noutro imóvel onde passaram a residir.
Na sequência da notificação da liquidação de IRS referente ao ano de 2004, deduziram reclamação graciosa invocando lapso na inscrição do valor do reinvestimento no campo 507 em vez do campo 506 da declaração de rendimentos, a qual veio a ser indeferida.
Da notificação desse acto seguiu-se a dedução da presente impugnação judicial, pedindo a anulação da decisão a reclamação graciosa e da liquidação.
O Tribunal de primeira instância julgou a acção parcialmente procedente, no entendimento de que se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a não sujeição a tributação da mais-valia realizada com a venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente, por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, na parte em que os impugnantes, ora recorridos, provaram o reinvestimento noutro imóvel, o que lograram concretizar quanto ao valor de € 58.668,50. Mais declarando provada a habitação própria permanente do agregado familiar na habitação alienada e posteriormente na adquirida.
Por não se conformar com a procedência parcial da acção, a Fazenda Pública veio deduzir o presente recurso, sustentando-o em dois fundamentos que na sua óptica inviabilizam a exclusão da tributação pretendida.
Por um lado, alega que dos documentos juntos aos autos não pode dar-se por provada a habitação própria permanente do agregado familiar dos impugnantes no imóvel vendido.
Num segundo vector, alega que o próprio valor declarado a título de reinvestimento não integra este conceito (de reinvestimento) sustentando-se na doutrina administrativa constante do ofício circular n.º 28361 de 23/11/2000.
Embora o objecto mediato do processo seja o acto de liquidação impugnado, a decisão da reclamação graciosa, enquanto objecto imediato, não deixa de ter relevância, a título de fundamentação complementar do acto de liquidação.

Dito isto, importa salientar que a recorrente não impugna a matéria de facto, mas sim a «interpretação» e a valoração que foi efectuada pelo Tribunal dos factos assentes.
A recorrente questiona o julgamento do Tribunal recorrido, quando dá como provado o pressuposto em que assenta a exclusão da tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRC, na redacção então vigente, de que «no âmbito do património do contribuinte ou respectivo agregado familiar, haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor da realização» havendo ambos que «desempenhar a função de habitação própria e permanente do contribuinte ou agregado familiar» (cf. conclusões a) a m) e v) e em especial a conclusão e)).
A recorrente alega que tal afectação dos prédios em causa ocorre se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal, o que não sucede no caso dos autos. Acrescentando que dos documentos juntos aos autos, constata-se que o domicílio fiscal do contribuinte se situa noutro local sendo a sede do seu estabelecimento de cabeleireiro no prédio alienado.
O discurso fundamentador da sentença foi o seguinte:
«(…) como decorre do probatório os impugnantes declararam a venda do imóvel em causa e a realização de uma mais-valia no valor de 83.548,00 a investir no ano de 2005.
Ora como decorre da análise da reclamação graciosa, o que os impugnantes não impugnam e é compatível com o que alegam, relativamente aos anos de 2005 e 2006 os impugnantes não declararam afinal qualquer valor de reinvestimento.
Assim sendo e perante a falta de notícia do reinvestimento em 2005 ou em 2006 do valor da mais-valia realizada em 2004, a AT procedeu à liquidação da mais-valia em causa, em respeito com os limites temporais vertidos no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS e com a intensão expressa pelos impugnantes de só depois de 2004 procederem ao reinvestimento.
Confrontados com a liquidação ter-se-ão apercebido os impugnantes do erro no preenchimento da declaração e intentaram a reclamação graciosa contra a liquidação, afirmando que o reinvestimento foi feito em 2004, pelo que deveriam ter assinalado o campo 506 da declaração de IRS.
Desde já se diga que quanto à questão relativa à desconformidade do domicílio fiscal e a morada do imóvel onde os impugnante defendem ter habitado, aquela não impede por si só que se aplique, quanto à mais-valia realizada com a venda do mesmo, o disposto no artigo 10.º, n.º5 do CIRS, e isso mesmo foi dito no recente Acórdão do TCAS n.º06685/13, de 08/10/2015, que foi sumariado nos seguintes termos “Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressupostos de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.”
E nos presentes autos é possível afirmar do conjunto de elementos trazidos ao processo que os impugnantes faziam do imóvel identificado na matriz sob o n.º…8, da freguesia de S. P., T., a sua habitação, uma vez que apesar de não ter sido possível provar a data exacta em que os impugnantes se mudaram deste para a casa que construíram na T. P., C., resulta de forma inequívoca quer da declaração do Sr. Presidente da Junta de Freguesia, quer do depoimento das testemunhas, em conjunto com o pedido de ligação à EDP feito em Fevereiro de 2004, que os impugnantes se mudaram da casa onde habitavam no B. N. Sr.ª F., Freguesia de S. P. para a casa da T. P., C., e que tal ocorreu em 2004.
É certo que a declaração do Presidente da Junta de Freguesia de S. P. não prova, só por si os factos ali descritos, mas na verdade não há razão para duvidar de tal, sendo que todos os elementos probatórios vão no mesmo sentido que aquela declaração.»
O julgamento dos factos efectuado pelo Tribunal recorrido é corroborado pela própria recorrente na conclusão v) na medida em que assume expressamente que «a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi unânime em afirmar que o imóvel alienado, gerador da potencial mais valia estava afecto à residência permanente dos ora impugnates».
Da conjugação da prova produzida, entre ela a prova testemunhal, a valorar de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, nos ternos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, o Tribunal recorrido sustentou a sua convicção quanto
à prova da efectiva afectação do imóvel alienado à residência permanente dos ora impugnantes, que não nos merece qualquer censura, nem da recorrente como supra se referiu.

Quanto à questão do exercício da actividade de cabeleireiro no referido imóvel, mais uma vez, é a própria recorrente que reconhece que foram inquiridas as testemunhas «nunca reconhecendo que o impugnante marido lá desenvolvesse a sua actividade comercial – salão de cabeleireiro». E assim é. O facto de a sede ter sido declarada no imóvel alienado não significa que a actividade seja aí desenvolvida, nem exclui a efectiva afectação do imóvel a habitação própria e permanente do agregado familiar.
Donde se impõe a improcedência do recurso na parte apreciada.
No que se refere à questão do valor a reinvestir, bem como ao empréstimo bancário para a construção da habitação (conclusões n) a u) e parte final da conclusão v)) tais factos não constituíram fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Na verdade, a fundamentação do acto é a constante dos pontos k) e l) da matéria de facto provada, tal como já constava do projecto de decisão como resulta dos pontos h) e i) do probatório.
Ora, toda a fundamentação do acto de indeferimento foi sustentada, em síntese, no seguinte: «Após análise dos referidos documentos, não se pode concluir que dizem respeito à habitação própria e permanente do ora reclamante.
8. Para efeitos fiscais, não havendo elementos que provem o contrário, considera-se que a afectação de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorre, se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal.
9. Assim, não fazendo, o atestado de residência apresentado pelo requerente, prova plena desta para efeitos fiscais, deve a presente reclamação ser indeferida pelas razões expostas na proposta de decisão.”»
Toda a argumentação invocada na contestação e reeditada nas alegações e conclusões de recurso, constituem fundamentação que não integra o acto, que, quando muito constituiria fundamentação a posteriori que não pode ser atendida, e assim sendo, não pode ser objecto de apreciação.
Termos em que improcede o presente recurso.


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A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Ficando a Fazenda Pública vencida na ação, sobre ela impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado e publicado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e Tabela I-B anexa ao mesmo).

IV – CONCLUSÕES


I - A não sujeição a tributação da mais-valia realizada com a venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente, por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS depende da prova da existência de uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido bem como o reinvestimento do valor da realização;
II - O facto de a sede de actividade desenvolvida pelo impugnante ter sido declarada no imóvel alienado não significa que a actividade seja aí desenvolvida, nem exclui a efectiva afectação do imóvel a habitação própria e permanente do agregado familiar.
III – A fundamentação a posteriori não pode ser atendida na apreciação da causa e assim sendo, não há que apreciar as conclusões que sobre ela versam.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença na ordem jurídica.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 13 de Julho de 2023.



Ana Cristina Carvalho – Relatora


Hélia Gameiro – 1.ª Adjunta


Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta