Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08154/11
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/22/2012
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:FINANÇAS LOCAIS, ORÇAMENTO DO ESTADO, TRANSFERÊNCIAS DE VERBAS, PAPEL DA DGCI
Sumário:1.O município português representa hoje uma concretização do princípio da descentralização democrática do Estado (e não das Regiões), bem como dos princípios da autonomia local e da subsidiariedade administrativa.

2. Os arts. 19º e 20º da LFL referem-se a todos os municípios portugueses.

3. É impossível concluir que a aplicação desta fonte de financiamento local foi “outorgada” pela A.R., no art. 63º-3 cit., a cada assembleia legislativa regional, pois tal seria inconstitucional, representando a discriminação injustificada dos municípios situados nas ilhas e a fuga da A.R. ao exercício de um seu poder-dever constitucional, que é o de legislar ou autorizar o Governo a tal, em sede de finanças locais (art. 165º-1-q da CRP); e nunca uma Região.

4. O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.

5. A LFL permite, pois, que um município português aprove uma participação de 5% e que outro aprove uma participação de 2%, 3% ou 4%. E daqui não se retira qualquer violação do princípio da igualdade, seja formal ou material, seja entre municípios ou entre cidadãos.

6. Resulta da CRP que as finanças locais dependem tão só e apenas do Estado (legislador e administração). Em consequência, a LOE fixa no seu Mapa XIX do Orçamento as verbas a transferir. E, ainda em consequência, o Governo, através da DGCI, executa a LOE, transferindo as verbas. É que compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer executar o Orçamento do Estado – art. 199º-b) CRP.

7. Aprovado o OE, cabe ao Governo “apenas” executá-lo, sob o império da lei.

8. Está em causa uma relação financeira entre o Estado-administração e cada município, a que são alheias as Regiões (não há municípios das Regiões, mas sim municípios de Portugal, no Continente ou nas ilhas); cabe, portanto, ao Estado calcular, através do Governo, o montante devido a cada município português (sem distinção entre os situados nas ilhas e os situados no Continente europeu), depois incluí-lo, através da A.R., na LOE e, finalmente através da DGCI, transferi-lo a partir do O.E. para cada município. Foi isto o que a CRP e a LFL quiseram, certamente por razões que o legislador constituinte e o da LFL ponderaram quanto aos municípios portugueses insulares.

9. Não pode é o Governo (v. art. 199º CRP), enquanto autoridade administrativa, desrespeitar a CRP e a LFL, como que corrigindo um regime legal explícito.

10. De acordo com a LOE/2009 (Lei 64º-A/2008), o município da ............., à semelhança dos outros municípios de Portugal (v. Ac. do TC nº 82/86), foi contemplado no O.E. com um montante por referência aos cit. arts. 19º-1-c) e 20º da LFL/2007 (v. art. 42º da LOE/2009 e seu Mapa XIX; e ainda o art. 25º LFL).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO

I.1. Processo
· MUNICÍPIO ……………….., com os sinais nos autos, intentou no T.A.C de Ponta Delgada acção administrativa comum contra
· MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,

pedindo

- a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 454.229,00 €, correspondente às verbas em falta relativas aos meses de Março a Dezembro de 2009, ao mês de Dezembro de 2010 e ao mês de Janeiro de 2011, nos termos dos Mapas XIX anexos à Lei nº 64-A/2008 (LOE para 2009), à Lei nº 3-B/2010 (LOE para 2010) e à Lei n° 55-A/2010 (LOE para 2011), a título de participação no IRS, acrescidos dos juros de mora até pagamento integral;

- a condenação do réu reconhecer o direito do Município da ………………….. de receber as transferências financeiras previstas no Mapa XIX anexo à Lei n. 55-A/2010 (LOE para 2011), a título de participação no IRS, de acordo com a regra dos duodécimos até ao dia 15 de cada mês.

Por saneador-sentença de 3-6-2010, o referido tribunal decidiu julgar os pedidos procedentes.

I.2. Alegações de recurso

Inconformado, o réu recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

I. Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o R. Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar ao Recorrido Município da ………., inserido na Região Autónoma dos Açores, o montante de € 220.471,00 Euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal anual de 4% desde a data em que deveria ter ocorrido cada uma das transferências parcelares, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2009 (último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento) até integral pagamento.

II. Verba essa alegadamente devida ao Recorrido nos termos do mapa XIX anexo à Lei nº 64-A/200S, a título de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial.

III. O Recorrido Município da Lagoa insere-se na Região Autónoma dos Açores, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS, previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19, n 1, al. c e 20 da Lei das Finanças Locais (Lei n 2/2007, de 15 de Janeiro) (1) .

IV. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

V. Nos termos do art. 5º, nº 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia. (2)

VI. Para além das receitas previstas nos arts. 10 (3) e 14 (4) da LFL, as Autarquias Locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respectivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no art. 19, n 1 da LFL.

VII. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, prevista na al. c do n 1 do art. 19 e regulada no art. 20 da LFL.

VIII. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

IX. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tornar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

X. Essa adaptação é efectuada nos termos do art. 63 da LFL, que preceitua que a "transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto-legislativo da respectiva assembleia legislativa." (n 2 do citado artigo). (5)

XI. Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respectivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais (art. 63, n 4).

XII. Com esse objectivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na al. c) do n 1 do art. 19 e no art. 20 da LFL às Regiões Autónomas se efectua mediante decreto-legislativo regional (art. 63º, nº 3).

XIII. A Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro (LFRA) visa, entre outros aspectos, a regulação das relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais nelas sedeadas (art. 2º).

XIV. O Estado e as Regiões Autónomas estão vinculados ao princípio da solidariedade nacional (art. 7), segundo o qual as últimas devem contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país e para o cumprimento dos objectivos de política económica a que o primeiro esteja adstrito, e o Estado, por seu turno, deve, designadamente, assegurar as transferências do Orçamento de Estado previstas nos arts. 37 e 38 da LFRA.

XV. As receitas do IRS devido ou retido nos termos do disposto no art. 16º da LFRA, constituem receita de cada Região Autónoma.

XVI. Ao abrigo do regime da autonomia político-financeira, cabe às Regiões Autónomas afectar as respectivas receitas às suas despesas (art. 227º, n 1, al. j) da CRP).

XVII. Aplicando literalmente e sem qualquer preocupação de coordenação os preceitos contidos na LFL e na LFRA, no que concerne às receitas do I RS devido/retido, o Estado acabaria por transferir para cada Região a totalidade do IRS nela cobrado [art. 162 da LFRA) e uma participação variável de 5% no IRS cobrado na mesma Região (arts. 19, n 1, al. c) e 20 da LFL), o que se traduziria numa transferência total de 105%, relativamente ao IRS.

XVIII. Em comparação, aos municípios sedeados no Continente caberá apenas o direito a uma participação variável de (até) 5% no IRS cobrado na respectiva circunscrição autárquica.

XIX. Com a necessária diminuição do montante global (nacional) das receitas do IRS a que o Estado tem direito, sem qualquer correspondência com a área territorial onde o imposto é gerado, ou seja, de forma manifestamente contrária à prevista na LFL.

XX. O que, ao invés de assegurar o equilíbrio (a igualdade e a solidariedade) entre todas as partes, geraria um desequilíbrio a favor das RA e dos seus municípios e em desfavor do Estado e dos municípios do Continente.

XXI. Tal traduz-se numa situação de desigualdade injustificada/injustificável entre os municípios integrados num todo nacional.

XXII. Consubstanciando, uma manifesta violação do princípio da igualdade, na sua vertente territorial (art. 13, n 2 da CRP).

XXIII. Apesar de o regime das finanças locais dever contribuir, designadamente, para a promoção do desenvolvimento económico e para o bem-estar social das populações respectivas (art. 6, n 1 da LFL), e para a necessária correcção das desigualdades entre autarquias do mesmo grau, resultantes, v. g., de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa (arts. 238, n 2 da CRP e 7º, nº 3 da LFL (6)), tal não justifica que os municípios sitos na Região Autónoma dos Açores (tal como os sitos na Região Autónoma da Madeira) possam ser beneficiados extraordinariamente relativamente aos municípios do Continente, sendo-lhes entregue 100% de todo o IRS pago pelos residentes na região e, ainda, mais 5% do IRS cobrado na mesma.

XXIV. Tal situação implica um tratamento desigual relativamente aos municípios sitos no Continente, desproporcionalmente desfavorável para os residentes/domiciliados fiscais respectivo e, em contrapartida, traduzindo-se num benefício desproporcional para os residentes/domiciliados nos municípios sitos na RA dos Açores, sem que esteja demonstrada qualquer necessidade extraordinária que fundamente tal desigualdade.

XXV. Deste modo, a solução, prevista na lei, de o Estado transferir para as regiões a totalidade (100%) da receita global do IRS e de serem depois as RA a aplicar, mediante decreto-legislativo regional, a participação de até 5% dos municípios regionais nas receitas do IRS geradas nas suas circunscrições territoriais, é a que melhor salvaguarda a eficiência do sistema de receitas, permitindo às Regiões que adoptem as melhores formas de cooperação técnica e financeira entre elas e os municípios regionais.

XXVI. Solução essa que não traduz sequer um abdicar pelo Estado das suas competências (reserva de lei) em matéria tributária, nem uma invasão inaceitável da esfera de competência legislativa prevista na CRP, pois a LFL é clara ao estabelecer que a aplicação da participação dos municípios regionais se efectua mediante decreto-legislativo regional.

XXVII. A aplicação das normas que prevêem a participação de (até) 5% no IRS é prevista, pela primeira vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2009 (Lei n 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

XXVIII. Nos anos de 2007 e 2008, aplicou-se o regime previsto no art. 59 da LFL, o qual previa uma situação transitória com uma participação fixa no valor de 5%, calculado sobre a última colecta líquida de IRS disponível.

XXIX. Assim, só ano de 2009 se constatou a sobreposição de regimes legislativos no tocante à participação nas receitas do IRS por parte das Regiões Autónomas e dos municípios nestas integrados territorialmente.

XXX. Tendo sido necessário alterar a metodologia concernente aos municípios das Regiões Autónomas quanto ao recebimento dos adiantamentos relativos à participação variável no IRS, de modo a conciliar os dois regimes de participação, evitando desigualdades entre os municípios do Continente e os das Regiões Autónomas.

XXXI. A LFRA, enquanto lei orgânica, tem valor reforçado nos termos da Constituição da República Portuguesa (arts. 112º, nº 3, 166º, nº 2 e 168º, nº 5 da CRP).

XXXII. Sendo, inerentemente, revestida de uma força específica de prevalência que lhe confere a capacidade activa de proceder, designadamente, à supressão não substitutiva de normas legais anteriores.

XXXIII. O produto do IRS que constitui receita da RA dos Açores integra todos os elementos de conexão espacial relativamente à afectação territorial desse tipo de rendimentos.

XXXIV. A RA dos Açores tem, inequivocamente, direito a 100% da receita do IRS nela cobrada (art. 16º da LFRA).

XXXV. Cabe à região, substituindo-se ao Estado, proceder à entrega dos respectivo 5% da receita do IRS a favor dos seus municípios, relativa aos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial [art. 19º, nº 1, al. c) da LFL).

XXXVI. O Estado não poderá substituir-se às Regiões Autónomas num acto que a LFL expressamente enuncia como sendo da sua competência (arts. 19º, nº 1, al. c), 20º e 63º da LFL).

XXXVII. Assim, dado que desde o ano de 2009 se procedeu à aplicação plena do art. 20º da LFL.

XXXVIII. Sendo certo que a Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) procedeu à devida transferência para o Governo Regional da RA dos Açores.

XXXIX. Pelo que o Recorrente nada deve ao Recorrido Município da Lagoa.

XL. E, inexistindo qualquer mora da parte do Recorrente, também nada este deve ao município Recorrido a título de juros de mora, tal como previstos nos arts. 20, n 7 (7) e 25, n 7 (8), ambos da LFL

XLI. A conceder-se razão ao Tribunal a quo, estar-se-á a defender a repetição da entrega pelo Estado de quantias cobradas uma única vez a título de IRS aos residentes na circunscrição territorial do município da lagoa (uma cobrança, entrega em dobro).

XLII. Por tudo o exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, porquanto violadora dos arts. 13, n 2, 227, n 1, alíneas i) e j) e 238, n 2, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como dos preceitos conjugados ínsitos nos arts. 19, n 1, alínea c), 20 e 63 da Lei das Finanças Locais e art. 162 da lei das Finanças das Regiões Autónomas.

XLIII. Sendo substituída por douto acórdão proferida pelo Venerando Tribunal ad quem, que absolva o Recorrente do peticionado nos autos pelo Município da lagoa, em conformidade com a fundamentação de Direito formulada mas presentes motivações.

*

Nas contra-alegações, o recorrido concluiu:

A. A Sentença decidiu bem quanto à não admissão do incidente de intervenção principal provocada da RAA pelo MP AP, na medida em que não se encontram preenchidos os seus pressupostos legais, não se verificando qualquer situação de litisconsórcio passivo ou outra que tipicamente legitime este incidente, designadamente, não havendo entre a RAA e a Autora qualquer relação que justificasse a "entrada" daquela (RAA) para o mesmo banco do Município da …………….

B. Também o interesse em acautelar um eventual "direito de regresso" do MFAP, suscitado apenas agora, em sede de recurso - não cumprindo assim a exigência do artigo 325.°/3 do CPC - não pode constituir motivo de revogação da Sentença recorrida, além de não haver, evidentemente, qualquer direito de regresso sobre a RAA, pois o Estado entregou-lhe ou transferiu-lhe aquilo que devia ter transferido, apenas sucedendo que está em falta perante o Município da ……………...

C. A Sentença não padece de qualquer ilegalidade por não ter incluído na matéria de facto assente o facto de o MF AP ter entregado à RAA a totalidade das receitas de IRS cobradas aos/pagas pelos sujeitos passivos residentes ou sedeados na região, seja porque o MP AP não levou esta questão às conclusões das alegações, seja, sobretudo, porque se trata de matéria irrelevante para o bom julgamento da causa.

D. A tese sustentada pelo MFAP nas suas alegações - segundo a qual incumbe à RAA, substituindo-se ao Estado, transferir para os respectivo municípios as verbas a que estes têm direito por conta da sua participação no IRS - não tem, como ele próprio reconhece, qualquer apoio ou base legal habilitante, nem na CRP, nem na LFR, nem na LFL.

E. A matéria das finanças locais - designadamente, a propósito da participação no IRS - é, nos termos da CRP, da LFR e da LFL, um assunto exclusivo das relações entre o Estado e os municípios, a que as Regiões Autónomas são estranhas.

F. A solução da lei (de que os municípios devem receber do Estado a sua participação no IRS) é a solução imposta pela CRP no seu art. 227/1, alínea j), do qual resulta que as regiões autónomas têm direito a dispor de todas as receitas fiscais cobradas no respectivo arquipélago, o que abrange todos os impostos independentemente da sua natureza específica, não havendo cobertura constitucional para acolher a solução proposta pelo MF AP.

G. O artigo 63.°/3 da LFL - nos termos do qual "a aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n. 1 do artigo 19. e no artigo 20. da presente lei efectua-se mediante decreto legislativo regional" - não tem a intenção que lhe imputa o MFAP, nem teria a virtualidade para, se porventura fosse esse o caso, relevar para o bom julgamento da presente causa.

H. Diga-se, aliás, que sena estranho que tivesse essa intenção, pois tratar-se-ia então de uma norma profundamente inovatória no sistema jurídico das finanças locais sem qualquer repercussão ou reflexo depois tanto na LFL como na LFR.

I. Mesmo que houvesse - e não há - essa intenção, o art. 63./3 da LFL não teria a virtualidade de sustentar a tese do MFAP, desde logo, porque então esse preceito seria inconstitucional por violação do art. 227./1, alínea j), da CRP, pois estaria ele a dizer que os impostos gerados ou cobrados nas Regiões Autónomas não sejam integralmente delas, cabendo 5% aos municípios regionais, contrariando a disposição constitucional.

J. Segundo, porque a verdade é que as LOE para 2009, 2010 e 2011 consignaram a favor do Município da …………., de forma expressa e clara, a verba em causa e a LOE (da competência exclusiva da Assembleia da República) é uma lei, que, por ser posterior, prevalece sobre a LFL, que é também uma lei (da competência relativa da Assembleia da República).

K. Em suma, as LOE para 2009, 2010 e 2011 têm a capacidade para fundar autonomamente, só por si, o pedido em causa neste processo - e se porventura outra solução resultasse da LFL (que não resulta), ela teria sido revogada ou derrogada por essas LOE.

L. As soluções (medidas, opções, transferências, etc.) constantes da LOE são, para o Governo, juridicamente indisputáveis, não lhe cabendo ajuizar, nesse plano ­no político, a coisa é diferente - se são boas ou más, correctas ou incorrectas.

M. Aliás, se dúvidas houvesse, a CRP é, neste ponto, muito clara, dispondo no artigo 199°, alínea b), que "compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer executar o Orçamento de Estado" - e executar, aqui, significa proceder à transferência das verbas estabelecidas no Mapa XIX anexo à Lei n. 64-A/2008 (LOE para 2009), no Mapa XIX anexo à Lei n. 3-B/2010, (LOE para 2010), assim como no Mapa XIX anexo à Lei n. 55-A/201O (LOE para 2011)

N. A construção jurídica proposta pelo MFAP é igualmente incorrecta pois o seu resultado - o de evitar que os municípios das Regiões Autónomas recebessem, em dobro, a parte a que teriam direito -, além de estar garantido à partida (na medida em que os municípios regionais não recebem em dobro, mas em singelo, como qualquer outro município continental, pois as Regiões Autónomas não transferem para eles o que quer que seja), desvirtuaria a lógica dos "municípios integrados num todo nacional".

O. Em suma, se na LOE para 2009, na LOE para 2010, assim como na LOE para 2011, se inscreveu o direito certo e líquido do Município da ………………… em receber uma quantia do Estado por conta da participação no IRS, o seu pagamento corresponde a uma operação material juridicamente devida, sem lugar a quaisquer juízos de oportunidade ou conveniência.

P. Só os tribunais podem questionar a legitimidade das prescrições contidas na lei e com fundamento em inconstitucionalidade - mas não se vê que as LOE padeçam, nesta parte, de mazela, quanto mais de mal tão grave, sobretudo atendendo a que a solução delas constante já passou indirecta, mas necessariamente, pelo crivo do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, a propósito da LFL.

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora decidir em conferência.

I.3. Objecto do recurso

O objecto do recurso jurisdicional está na decisão recorrida e seus fundamentos. O âmbito do recurso é delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas) e apenas pode incidir sobre questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (9)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (10) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso).

Está aqui em causa saber se o Estado (através da DGCI do MFAP) tem ou não o dever (legal) de transferir verbas para o Autor, a título de participação do município nas receitas do IRS, quanto aos meses de Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS

O tribunal recorrido fixou assim a factualidade relevante provada:

“(…)”

*

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A) A AUTONOMIA FINANCEIRA LOCAL

Está aqui em causa saber se o Estado (através da DGCI do MFAP) tem ou não o dever (legal) de transferir verbas para o Autor, a título de participação do município nas receitas do IRS, quanto aos meses de Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011.

Está provado que, ao contrário dos outros meses e anos (para antes, v. art. 59º LFL), a DGCI não efectuou tais transferências para o A. quanto aos meses de Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011.

É sabido que o regime de finanças locais anterior à Constituição de 1976 consagrava uma reduzidíssima autonomia dos municípios portugueses. As fontes de financiamento dos municípios, ainda reguladas pelo Código Administrativo de 1940, dependiam das decisões casuísticas da administração central. A repartição dos recursos públicos pelos diversos níveis de governo era feita numa base puramente discricionária, nomeadamente através da concessão de subsídios, comparticipações no financiamento de projectos ou na correcção de défices. A primeira Lei das Finanças Locais do período democrático (Lei nº 1/79 de 2 de Janeiro) contribuiu decisivamente para concretizar os princípios de autonomia do poder local definidos na Constituição de 1976. O avanço da autonomia financeira em passos mais ou menos seguros começou com esta lei. Ficaram definidas um conjunto de receitas que caberiam directamente aos municípios impostos locais e estabelecido um valor mínimo a transferir para os municípios. De essencial, resulta que, com esta lei, as transferências passaram a ser reguladas por critérios de repartição que, embora discutíveis como sempre são estes critérios, eram conhecidos e iguais para todos os municípios.

O município português representa hoje uma concretização do princípio da descentralização democrática do Estado (e não das Regiões, como é evidente), bem como dos princípios da autonomia local e da subsidiariedade administrativa.

O Estado respeita na sua organização e funcionamento os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública - art. 6º CRP.

O regime das finanças locais é estabelecido por lei e visa a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau – art. 238º-2 CRP

A autonomia financeira local está bem explícita no art. 3º da LFL. (11)

O Título III da LFL/2007 (Lei nº 2/2007; lei de valor reforçado), epigrafado como “repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais”, contém as seguintes normas:

Artigo 19.º

Repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios

1 - A repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objectivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação:

a) Uma subvenção geral determinada a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) cujo valor é igual a 25,3% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), IRC e sobre o valor acrescentado (IVA);

b) Uma subvenção específica determinada a partir do Fundo Social Municipal (FSM) cujo valor corresponde às despesas relativas às atribuições e competências transferidas da administração central para os municípios;

c) Uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.

2 - A receita dos impostos a que se refere a alínea a) do número anterior é a que corresponde à receita líquida destes impostos no penúltimo ano relativamente àquele a que o Orçamento do Estado se refere, excluindo:

a) A participação referida na alínea c) do número anterior;

b) No que respeita ao IVA, a receita consignada, de carácter excepcional ou temporário, a outros subsectores das administrações públicas.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por receita líquida o valor inscrito no mapa de execução orçamental, segundo a classificação económica, respeitante aos serviços integrados.

4 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos.

Artigo 20.º

Participação variável no IRS

1 - Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.

2 - A participação referida no número anterior depende de deliberação sobre a percentagem de IRS pretendida pelo município, a qual deve ser comunicada por via electrónica pela respectiva câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos, até 31 de Dezembro do ano anterior àquele a que respeitam os rendimentos.

3 - A ausência da comunicação a que se refere o número anterior ou a recepção da comunicação para além do prazo aí estabelecido equivale à falta de deliberação.

4 - Caso a percentagem deliberada pelo município seja inferior à taxa máxima definida no n.º 1, o produto da diferença de taxas e a colecta líquida é considerado como dedução à colecta do IRS, a favor do sujeito passivo, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior àquele a que respeita a participação variável referida no n.º 1, desde que a respectiva liquidação tenha sido feita com base em declaração apresentada dentro do prazo legal e com os elementos nela constantes.

5 - A inexistência da dedução à colecta a que se refere o número anterior não determina, em caso algum, um acréscimo ao montante da participação variável apurada com base na percentagem deliberada pelo município.

6 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos.

7 - O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.

É um instrumento perequitativo obrigatório incondicionado.

A aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19. e no artigo 20. da lei efectua-se mediante decreto legislativo regional (art. 63º-3 LFL).

Mas este DLR não existe.

E o Estado-administração ou o Estado-legislador não podem obrigar a Região a legislar.

Quid Juris?

Quer isto dizer que os municípios situados nas ilhas não têm direito à participação no IRS (como parece implícito na tese do réu)?

Parece-nos que não pode ser assim, em obediência aos princípios constitucionais da autonomia local (face ao Estado e às Regiões) e da autonomia administrativa e financeira local, bem como do princípio do tratamento igualitário dos municípios pelo Estado, que não pode “criar” a figura absurda do “município de Região Autónoma” face à figura do “município do Continente” ou “do Estado Português”.

Os arts. 19º e 20º da LFL referem-se, obviamente, a todos os municípios portugueses.

O ora A não se insere na RAA, mas sim no Estado Português, pelo que não há aqui que compatibilizar, no cumprimento do art. 9º CC, a LFL com a LFRA. A LFRA é aqui irrelevante.

A compatibilização a fazer aqui é a que impõe o art. 5º da LFL: entre as finanças locais e o Estado.

Estes princípios vinculam o Estado-legislador (aqui, a A.R.) e o Estado-administração (aqui, a DGCI do MFAP, como decorre do art. 20º LFL).

Atento ainda o objecto da LFL (v. o Título I da LFL), devemos concluir do mesmo modo; afinal, estão em regulação as relações financeiras entre o Estado e os municípios, relações referidas no art. 165º-1-q) da CRP (12), a que são alheias as Regiões.

Neste contexto, é impossível concluir que a aplicação desta fonte de financiamento local foi “outorgada” pela A.R., no art. 63º-3 cit., a cada assembleia legislativa regional, pois tal seria inconstitucional, representando

- a discriminação injustificada dos municípios situados nas ilhas e

- a fuga da A.R. ao exercício de um seu poder-dever constitucional, que é o de legislar ou autorizar o Governo a tal, em sede de finanças locais (art. 165º-1-q da CRP); e nunca uma Região. (13)

Aliás, não se percebe bem o que se quis dizer naquele art. 63º-3. A nosso ver, é uma norma inútil, sem âmbito de aplicação, ou então inconstitucional quando entendida como o réu a entende, isto é, que o direito às receitas aqui discutidas, por parte de um município insular (que não “de uma Região Autónoma”), não existiria ou não poderia ser exercido enquanto uma Região assim o entendesse, não legislando.

O Ac. do T.C. nº 711/2006 afirmou que a LFL/2007 não viola os princípios da igualdade, da unidade do Estado e da legalidade tributária.

Compete à Assembleia da República aprovar o Orçamento do Estado (14), sob proposta do Governo - 161º-g) CRP.

Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respectiva colecta líquida. O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.

A LFL permite, pois, que um município português aprove uma participação de 5% e que outro aprove uma participação de 2%, 3% ou 4%. E daqui não se retira qualquer violação do princípio da igualdade, seja formal ou material, seja entre municípios ou entre cidadãos (v. Ac. nº 711/2006 do TC).

Daí também não valer o argumento do MFAP de que não se poderia admitir que um município insular recebesse um montante com referência a mais de 100% do IRS cobrado no seu território. É que, na verdade, tratam-se de “mundos” juridicamente apartados; resulta da CRP que as finanças locais dependem tão só e apenas do Estado (legislador e administração). Em consequência, a LOE fixa no seu Mapa XIX do Orçamento as verbas a transferir.

E, ainda em consequência, o Governo, através da DGCI, executa a LOE, transferindo as verbas. É que compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer executar o Orçamento do Estado – art. 199º-b) CRP. Aprovado o OE, cabe ao Governo “apenas” executá-lo (15), sob o império da lei.

Os arts. 19º-1-c) e 20º-1 da LFL apontam para um cálculo da DGCI feito em concreto e por referência ao real IRS cobrado aos contribuintes residentes no território municipal. Aparentemente, portanto, seria ao dinheiro cobrado em concreto, àquele dinheiro (IRS), que se referiria a lei. Mas, a verdade é que as expressas referências legais a “Estado” (versus “municípios”) e à “DGCI”, conjugadas com a norma preexistente do art. 227º-1-j) da CRP (16), impõem outra tese (independente da eventual regionalização fiscal):
i. está em causa uma relação financeira entre o Estado-administração e cada município, a que são alheias as Regiões (não há municípios das Regiões, mas sim municípios de Portugal, no Continente ou nas ilhas);
ii. cabe, portanto, ao Estado calcular, através do Governo, o montante devido a cada município português (sem distinção entre os situados nas ilhas e os situados no Continente europeu), depois incluí-lo, através da A.R., na LOE e, finalmente através da DGCI, transferi-lo a partir do O.E. para cada município.

Foi isto o que a CRP (v. arts. 13º, 165º-1-q e 238º) e a LFL (v. arts. 7º (17), 19º e 20º) quiseram, certamente por razões que o legislador constituinte e o da LFL ponderaram quanto aos municípios portugueses insulares.

Não pode é o Governo (v. art. 199º CRP), enquanto autoridade administrativa, desrespeitar a CRP e a LFL, como que corrigindo um regime legal explícito.

Naquele contexto, estas transferências do O.E. para cada município português são uma imposição de base directa duplamente legal (LFL e LOE) e de base indirecta na CRP (como vimos). Estando no O.E., a DGCI deve limitar-se a cumprir a LOE, pois trata-se de dar cumprimento a desiderato constitucional e ao desiderato de uma lei de valor reforçado, que, aqui, vincula a LOE.

B) O CASO PRESENTE

De acordo com a LOE/2009 (Lei 64º-A/2008), o município da Ribeira Grande, à semelhança dos outros municípios de Portugal (v. Ac. do TC nº 82/86), foi contemplado no O.E. com um montante por referência aos cit. arts. 19º-1-c) e 20º da LFL/2007 (v. art. 42º da LOE/2009 e seu Mapa XIX; e ainda o art. 25º LFL). O mesmo ocorreu nas LOE/2010, LOE/2011 e LOE/2012.

A DGCI não fez as transferências referidas nos arts. 19º-1-c e 20º para o ora A nos meses de Março a Dez/2009, Dez/2010 e Jan/2011.

E, como resulta das LOE em causa, a DGCI do ora recorrente, tinha e tem o dever legal de fazer as transferências das verbas por si apuradas no prazo fixado na LFL.

Pelo que, no caso em apreço, concluímos que:
a) - A CRP e a LFL obrigam o Estado-legislador e o Estado-administração a, directamente, transferirem os montantes referidos nos arts. 19º-1-c) e 20º da LFL;
b) - Mas, decisivo no caso em apreço, é que, estando, como estavam, tais transferências expressamente previstas na LOE, o MFAP devia limitar-se a executar o OE, fazendo as transferências para todos os municípios portugueses no modo e no tempo previstos na LFL (arts. 19º-1-c, 20º e 25º-7 cit.);
c) - Não o tendo feito desde quanto ao ora Autor, como se provou, o MFAP violou uma obrigação legal criada a favor do ora Autor na LFL e constante da LOE, com prejuízo financeiro evidente para o município;
d) - Esta omissão material ilícita por parte do réu ora recorrente deve, portanto, ser rectificada ou suprida e origina ainda a obrigação de pagar juros de mora, conforme previsto nos cit. arts. 20º-7 e 25º-7 da LFL, nos arts. 559º, 805º-2-a) e 806º do CC e na Portaria nº 291/2003.

Assim, a sentença recorrida não desrespeitou os cit. arts. 13º, 227º-1-i-j e 238º-2 da CRP, 19º-1-c, 20º e 63º da LFL. E o art. 162º da LFRA não é aqui relevante.

Refira-se ainda que não se provou o invocado nas alegações quanto a a DGAL ter feito as transferências de verbas que, pela LFL, devem ser transferidas pela DGCI.

Motivos por que o recurso não merece provimento.

Cfr. sobre esta matéria em geral: Ac. do T.C. nº 711/2006 e suas declarações de voto; Ac. do T.C. nº 18/2008; Ac. do T.C. nº 1/2009; G. CANOTILHO et al., CRP Anot., 4ª ed; JORGE MIRANDA et al., Constituição P. Anot., 2010; JOAQUIM F. ROCHA, Direito Financeiro Local, Janeiro, 2009, CEJUR; e O Sistema Financeiro Local Português (Considerações Analíticas), in DREL nº 9; PAULO PEREIRA GOUVEIA, Os poderes do Estado e a autonomia financeira regional, in DREL nº 13.

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III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 22-3-2012

(Paulo Pereira Gouveia; relator) _________________________________

(António C. da Cunha) _______________________________________

(J. Fonseca da Paz) ________________________________________


(1) Artigo 19.º Repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios
1 - A repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objectivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação:
a) Uma subvenção geral determinada a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) cujo valor é igual a 25,3% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), IRC e sobre o valor acrescentado (IVA);
b) Uma subvenção específica determinada a partir do Fundo Social Municipal (FSM) cujo valor corresponde às despesas relativas às atribuições e competências transferidas da administração central para os municípios;
c) Uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.
2 - A receita dos impostos a que se refere a alínea a) do número anterior é a que corresponde à receita líquida destes impostos no penúltimo ano relativamente àquele a que o Orçamento do Estado se refere, excluindo:
a) A participação referida na alínea c) do número anterior;
b) No que respeita ao IVA, a receita consignada, de carácter excepcional ou temporário, a outros subsectores das administrações públicas.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por receita líquida o valor inscrito no mapa de execução orçamental, segundo a classificação económica, respeitante aos serviços integrados.
4 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos.
Artigo 20.º Participação variável no IRS
1 - Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS. 2 - A participação referida no número anterior depende de deliberação sobre a percentagem de IRS pretendida pelo município, a qual deve ser comunicada por via electrónica pela respectiva câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos, até 31 de Dezembro do ano anterior àquele a que respeitam os rendimentos.
3 - A ausência da comunicação a que se refere o número anterior ou a recepção da comunicação para além do prazo aí estabelecido equivale à falta de deliberação.
4 - Caso a percentagem deliberada pelo município seja inferior à taxa máxima definida no n.º 1, o produto da diferença de taxas e a colecta líquida é considerado como dedução à colecta do IRS, a favor do sujeito passivo, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior àquele a que respeita a participação variável referida no n.º 1, desde que a respectiva liquidação tenha sido feita com base em declaração apresentada dentro do prazo legal e com os elementos nela constantes.
5 - A inexistência da dedução à colecta a que se refere o número anterior não determina, em caso algum, um acréscimo ao montante da participação variável apurada com base na percentagem deliberada pelo município.
6 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos.
7 - O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.
(2) Artigo 5.º Coordenação das finanças locais com as finanças estaduais
1 - A coordenação das finanças dos municípios e das freguesias com as finanças do Estado tem especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o País e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se tenha obrigado no seio da União Europeia.
2 - A coordenação referida no número anterior efectua-se através do Conselho de Coordenação Financeira do Sector Público Administrativo, sendo as autarquias locais ouvidas antes da preparação do Programa de Estabilidade e Crescimento e da Lei do Orçamento do Estado, designadamente quanto à participação das autarquias nos recursos públicos e ao montante global de endividamento autárquico.
3 - Tendo em vista assegurar a coordenação efectiva entre as finanças do Estado e as finanças das autarquias locais, a Lei do Orçamento do Estado pode definir limites máximos ao endividamento municipal diferentes daqueles que se encontram estabelecidos na presente lei.
4 - A violação do limite de endividamento líquido previsto para cada município no n.º 1 do artigo 37.º origina uma redução no mesmo montante das transferências orçamentais devidas no ano subsequente pelo subsector Estado, o qual é afecto ao Fundo de Regularização Municipal, nos termos do artigo 42.º da presente lei.
(3) Artigo 10.º Receitas municipais
Constituem receitas dos municípios:
a) O produto da cobrança dos impostos municipais a cuja receita têm direito, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI), o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e o imposto municipal sobre veículos (IMV), sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º da presente lei;
b) O produto da cobrança de derramas lançadas nos termos do artigo 14.º;
c) O produto da cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 15.º e 16.º;
d) O produto da participação nos recursos públicos determinada nos termos do disposto nos artigos 19.º e seguintes;

m) Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor dos municípios.
(4) Artigo 14.º Derrama
1 - Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

8 - A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado.
9 - Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.
10 - O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.
(5) Artigo 63.º Adaptação às Regiões Autónomas
1 - A presente lei é directamente aplicável aos municípios e freguesias das Regiões Autónomas, com as adaptações previstas nos números seguintes.
2 - A transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto legislativo da respectiva assembleia legislativa.
3 - A aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 20.º da presente lei efectua-se mediante decreto legislativo regional.
4 - Tendo em conta as especificidades das Regiões Autónomas, as assembleias legislativas das Regiões Autónomas podem definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as suas autarquias locais.
(6) Artigo 7.º Participação das autarquias nos recursos públicos
1 - A participação de cada autarquia local nos recursos públicos é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na presente lei, visando o equilíbrio financeiro vertical e horizontal.
2 - O equilíbrio financeiro vertical visa adequar os recursos de cada nível de administração às respectivas atribuições e competências.
3 - O equilíbrio financeiro horizontal pretende promover a correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau resultantes, designadamente, de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa.
(7) 7 - O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.
(8) 7 - São devidos juros de mora por parte da administração central, nos casos de atrasos nas transferências financeiras para os municípios.
(9) Até porque “de minimis non curat praetor”.
(10) Daqui ser essencial que se tenha presente o invocado nos articulados.
(11) 1 - Os municípios e as freguesias têm património e finanças próprios, cuja gestão compete aos respectivos órgãos.
2 - A autonomia financeira dos municípios e das freguesias assenta, designadamente, nos seguintes poderes dos seus órgãos:
a) Elaborar, aprovar e modificar as opções do plano, orçamentos e outros documentos previsionais;
b) Elaborar e aprovar os documentos de prestação de contas;
c) Exercer os poderes tributários que legalmente lhes estejam cometidos;
d) Arrecadar e dispor de receitas que por lei lhes sejam destinadas;
e) Ordenar e processar as despesas legalmente autorizadas;
f) Gerir o seu próprio património, bem como aquele que lhes seja afecto.
3 - São nulas as deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas não previstas na lei.
4 - São igualmente nulas as deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei.
(12) É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais, salvo autorização ao Governo.
(13) Sobre o poder legislativo regional, cfr. JORGE MIRANDA et al., Const. Port. Anotada, e PAULO PEREIRA GOUVEIA, Estudo sobre o Poder Legislativo das Regiões…, Almedina, 2003.
(14) O Orçamento do Estado (OE) estabelece o plano financeiro do Estado, devendo desagregar as receitas e as despesas por forma a permitir a decisão parlamentar e o controlo público. Inclui ainda a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas. Tem, além dos óbvios elementos jurídicos e económicos, um elemento também muito importante, o político: a autorização concedida pelos cidadãos, através dos seus representantes, para a cobrança de receitas, e a concordância para a realização das despesas. Daí a sua natureza legislativa formal absoluta, parlamentar.
(15) Cfr. GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 4ª ed., 2007, I, p. 1111.
(16) As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm o poder de dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas.
(17) Participação das autarquias nos recursos públicos
1 – A participação de cada autarquia local nos recursos públicos é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na presente lei, visando o equilíbrio financeiro vertical e horizontal.
2 – O equilíbrio financeiro vertical visa adequar os recursos de cada nível de administração às respectivas atribuições e competências.
3- O equilíbrio financeiro horizontal pretende promover a correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau resultantes, designadamente, de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa.