Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07576/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/29/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMA.
PRESSUPOSTOS NO PROCESSO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO.
ARTº.147, Nº.6, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. Para efeitos de desaplicação ao caso concreto de norma imediatamente operativa, o artº.73, nº.2, do C.P.T.A., confere legitimidade a quem possa ser directamente abrangido pelo campo de aplicação da norma, ou seja, ao lesado. Por outro lado, ainda à luz do artº.73, nº.2, do C.P.T.A., interpretado em conformidade com os artºs.20 e 46, da C.R.P., no caso concreto a entidade requerente deve considerar-se parte legítima para, nos autos, defender os interesses colectivos dos seus associados, bem como para defender colectivamente os interesses individuais dos seus associados que actuam no mercado abrangido pelas normas suspendendas.
2. A providência cautelar de suspensão da eficácia de norma reveste natureza conservatória, na medida em que dá resposta a um interesse dirigido à conservação de situações jurídicas já existentes, procurando que o equilíbrio de interesses que existia no momento em que entrou em vigor a norma se mantenha, a título provisório, até que, no processo principal, seja decidida a questão da validade da mesma. Com efeito, a suspensão da eficácia, ao paralisar os efeitos do acto, paralisa a inovação que ele visava introduzir na ordem jurídica, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se mantenha como estava antes de o acto ter sido praticado. Porque assim é, a suspensão da eficácia de normas serve para proteger os interesses daqueles que, no processo principal, pretendam obter sentenças que, anulando normas ilegais ou declarando a respectiva nulidade ou inexistência, façam com que tudo permaneça como era antes de essas normas terem entrado em vigor.
3. A concessão da examinada providência cautelar depende da verificação cumulativa de três requisitos, os quais se encontram consagrados no artº.120, nºs.1, al.b) e 2, do C. P. T. A., a saber:
a-“Periculum in mora” - fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, esta já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja devido a inutilidade da decisão, ou porque se produziram danos dificilmente reparáveis;
b-“Fumus non malus iuris” - segundo o qual não é necessário um juízo positivo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, antes bastando (formulação negativa) que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c-Requisito negativo - a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, vector através do qual se dá expressão ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso e que se encontra consagrado no nº.2, do artº.120, do C. P. T. A., a exemplo do que se passa no domínio da atribuição de providências no processo civil e resulta do artº.387, do C. P. Civil.
4. A acrescentar aos requisitos identificados deve recordar-se que, no contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas pelo legislador revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao mesmo requerente da adopção das medidas.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"... - ... ", com os demais sinais dos autos que dou aqui por reproduzidos, deduziu a presente providência cautelar de suspensão de eficácia de normas e de decretamento provisório da mesma, ao abrigo do disposto no artº.130, do C.P.T.A., tendo por objecto normas contidas no “Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada" aprovado pela requerida, “ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.”, arrematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva (cfr.fls.2 e seg. dos autos):
1-A ANA não dispõe de qualquer base legal para fazer o que pretende fazer contra as empresas de rent-a-car através das normas conjugadas dos artigos 1, 3, nº.3, 4 (com exceção das alíneas f), g) e i), do nº.5, por arredadas do objeto da presente ação), 5, 6, 7, nºs.3, 6 a 12 e 15 a 18, e 8, do do Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada;
2-Para além da falácia dos fundamentos alegados para as justificar, aquelas normas traduzem-se essencialmente num esquema sistémico de facturação de tributos apelidados de "taxas", violando manifestamente a lei e a Constituição;
3-Tais normas ofendem gravemente a liberdade do exercício da actividade de rent-a-car de entrega de veículos reservados junto aos aeroportos ou da recolha dos clientes que efectuaram a reserva, conforme tal liberdade está estatuída no Decreto-lei 181/2012, de 6/8, em consonância com o Decreto-lei 92/2010, de 26/7;
4-As ditas taxas correspondem a verdeiros impostos, em desprezo notório pelo princípio constitucional da reserva de lei, em sentido formal e material; sendo que, mesmo que de verdadeiras taxas se tratasse, sempre teriam desprezado o princípio constitucional da reserva de lei formal;
5-O regime previsto de penalidades despreza escancaradamente o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, "maxime" ao não respeitar o princípio da reserva de lei material/princípio da legalidade e a garantia de audição e defesa das empresas de rent-a-car, em termos inapelavelmente inconstitucionais;
6-A ANA arroga-se poderes e prerrogativas de fiscalização que não tem e que só da lei poderia receber e propõe-se a utilização de meios tecnológicos de vigilância especialmente intrusivos sem acautelar minimamente as exigências incontornáveis do artº.35, da Constituição, e da Lei da Proteção de Dados Pessoais;
7-Considera-se estacionamento abusivo e imputa-se as consequências desta consideração em óbvia desconformidade com o Código da Estrada;
8-A ANA, na atividade de rent-a-car "sub judice" por si não licenciável, é absolutamente incompetente para aprovar as referidas normas, chegando mesmo a usurpar poderes;
9-Verifica-se o pressuposto previsto no artº.120, nº.1, al.a), do C.P.T.A., pois é evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal;
10-Para efeitos do artº.120, nº.1, al.b), do C.P.T.A., existe fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e existe ainda fundado receio da produção de prejuízos de dificílima reparação para os interesses a assegurar no processo principal;
11-E é inequívoco que os danos resultantes da não concessão da providência cautelar seriam incomensuravelmente superiores aos que porventura possam resultar da sua concessão, sendo incontornável uma resposta a favor da concessão da providência requerida, pois que, não só inexiste, absolutamente, qualquer "periculum in mora" para o interesse público - que tem convivido adequadamente com o "statu quo" ante - como a única forma, dadas as grosseiras ilegalidades "sub judice", de verdadeiramente preservar e salvaguardar o verdadeiro interesse público é suspendendo, sem mais delongas, a eficácia das normas regulamentares a impugnar; o "periculum in mora" existente é sim para os interesses privados e para o verdadeiro interesse público geral, ambos a reclamarem a suspensão das grosseiras intenções tributárias da ANA expressas nas normas a impugnar;
12-Estão assim verificados à saciedade os pressupostos da adopção da providência cautelar requerida;
13-Existe especial urgência no decretamento da providência cautelar requerida, considerando também a necessidade de tutela tempestiva de direitos fundamentais, estando assim verificado o pressuposto para o seu decretamento provisório;
14-Termos em que, de acordo com os fundamentos de facto e de Direito expendidos neste requerimento, e sem prejuízo de outros com que o Tribunal aqueles sabiamente suprirá, se requer a Vossas Excelências, Senhores Juízes, o decretamento - fazendo-o desde já provisoriamente - da providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia das normas "sub judice" e das decisões e actuacões materialmente administrativas que venham entretanto a ser assumidas com base nelas e com intimação da ANA para se abster de quaisquer actuacões tendentes à aplicação das mesmas normas, tudo com efeitos circunscritos às empresas associadas da ARAC, conforme estatuído no artº.130, nº.1, do C.P.T.A.
X
A sociedade requerida, “ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.”, deduziu oposição (cfr.fls.134 a 170 dos autos), sustentando, resumidamente, que a presente providência cautelar deve ser rejeitada, desde logo, devido a procedência das exceções de ilegitimidade activa e falta de interesse em agir da requerente, ineptidão do requerimento inicial por ininteligibilidade do pedido e por não verificação dos pressupostos prévios do requerimento da providência cautelar, devendo, em consequência, a requerida ser absolvida da presente instância cautelar.
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A requerente foi ouvida sobre as excepções/questões prévias suscitadas pela sociedade requerida (cfr.fls.217 a 222 dos autos).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.228 dos autos).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.36, nº.2, do C.P.T.A.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Com relevo para a decisão da presente providência, o Tribunal considera indiciariamente provada a seguinte matéria de facto com suporte, além do mais, documental:
1-A requerente, “... - ... ”, com o n.i.p.c. 500 906 670, é uma associação representativa dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, sem fins lucrativos, de duração ilimitada, que abrange a totalidade da indústria de aluguer de automóveis sem condutor (cfr.artº.1, do seu Estatuto);
2-A requerida, “ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.”, com o n.i.p.c. 500 700 834, é concessionária do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil, nos termos do artº.5, do Decreto-Lei 254/2012, de 28/11, e do contrato de concessão assinado com o Estado em 14/12/2012;
3-A requerida aprovou o "Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada” (cfr.documento junto a fls.50 a 60 dos presentes autos);
4-O identificado regulamento entrou em vigor a 1 de Abril 2014 e veio estabelecer e definir as condições exigidas para o acesso e permanência nas áreas adjacentes aos terminais dos aeroportos administrados pela "ANA, S.A.", para o exercício da atividade de aluguer de veículos automóveis sem condutor (rent-a-car), por pessoas singulares ou coletivas que não disponham de estabelecimento ou instalações nos aeroportos (cfr. artº.1 do regulamento cuja cópia se encontra junta a fls.50 a 60 dos presentes autos);
5-O mesmo proibiu actividades ou serviços de rent-a-car nos parques públicos de estacionamento dos aeroportos, das entidades que não estejam expressa e previamente autorizadas pela "ANA, S.A." para a utilização de um determinado parque de estacionamento para o efeito, com a cominação das penas fixadas no artº.7, do Regulamento (cfr.factualidade constante do artº.15 da p.i.; artºs.3 e 4, do regulamento cuja cópia se encontra junta a fls.50 a 60 dos presentes autos);
6-E fixou, nos termos do seu artº.4, as condições para o exercício de serviços admitidos nos aeroportos, limitando o exercício desses serviços a entidades com reserva prévia, sujeita ao pagamento das seguintes taxas, consagradas no artº.6, do mesmo Regulamento;
"1.
(…)
a) por cada entrega, nos locais identificados nos Aeroportos, de veículo a clientes com Reserva Prévia devidamente justificada, são devidos os seguintes valores, acrescidos da taxa legal de IVA em vigor:
i) automóveis ligeiros de passageiros: 17€ por veículo;
ii) motociclos: 10€ por veículo;
iii) triciclos: 10€ por veículo;
iv) quadriciclos: 10€ por veículo;
v) veículos de características especiais: 10€ por veículo.
b) por cada visita por viatura de transporte de passageiros (shuttles) com capacidade até 9 passageiros, para recolha nos locais identificados nos Aeroportos de clientes com Reserva Prévia, é devida a quantia de 20 € (+ IVA) por viatura utilizada.
c) por cada visita por viatura de transporte de passageiros (shuttles) com capacidade superior a 9 passageiros, para recolha nos locais identificados nos Aeroportos de clientes com Reserva Prévia, é devida a quantia de 24 € (+ IVA) por viatura utilizada.
2. O quantitativo dos valores da taxa de exploração estabelecidos no presente Regulamento é livremente atualizável pela ANA, SA.
(…)";
7-Nos termos dos artºs.5. e 7 do regulamento, a requerida "ANA, S.A.", atribui-se a si própria poderes de "monitorização e fiscalização" da actividade de entrega do veículo ao cliente que o reservou junto ao terminal do aeroporto ou da disponibilização de transporte por shuttle ao mesmo cliente até outro local de entrega, incluindo tais poderes as "recolhas de informação, designadamente por amostragem, com recurso inclusive a meios tecnológicos, para posterior comparação com as declarações" das empresas de rent-a-car e aos "meios de CCTV e outros instalados nos Aeroportos" (cfr.artº.7 do regulamento cuja cópia se encontra junta a fls.50 a 60 dos presentes autos);
8-Mais prevendo o citado regulamento, no seu artº.7, diversas penalidades aplicáveis para o caso de incumprimento das normas de conduta consagradas nos anteriores preceitos do mesmo regime (cfr.artº.7 do regulamento cuja cópia se encontra junta a fls.50 a 60 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
A entidade requerida suscitou excepções/questões prévias, quais sejam, a falta de competência deste Tribunal para conhecer da presente providência cautelar, a ilegitimidade activa e falta de interesse em agir da requerente e a ineptidão do requerimento inicial, o que cumpre conhecer de imediato.
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Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência do Tribunal em razão da matéria, por força do disposto no artº.13, do C.P.T.Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C.P.P.Tributário.
Se bem percebemos, a sociedade requerida defende a ideia de que este Tribunal Central Administrativo não tem competência para, em 1ª. Instância, conhecer do presente pedido, por não se verificar o pressuposto da operatividade imediata das normas em causa.
Parece-nos evidente a sua falta de razão.
Com a entrada em vigor das normas contidas no referido regulamento (1/4/2014 - cfr.nº.4 do probatório), passaram a ser proibidas actividades, ou serviços, de rent-a-car nos parques públicos de estacionamento dos aeroportos das entidades que não estejam expressa e previamente autorizadas pela "ANA, S.A.", visando a utilização de um determinado parque de estacionamento para o efeito, com a cominação das penas fixadas no artº.7, do Regulamento, mais passando a ser obrigatório a existência de “reserva prévia”, através do pagamento das taxas estabelecidas no seu artº.6, visando o exercício desses serviços.
Como refere a requerente, e bem, tais normas, configuram uma definição de novas obrigações de "facere" e de "non facere", a que as suas associadas ficam sujeitas e que imediatamente se incrustam no seu estatuto, considerando-se devidas e exigíveis determinadas quantias pecuniárias, seja sob a designação de taxas, seja sob a designação de penalidades.
Assim, porque tais normas produzem notoriamente efeitos imediatos, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, são normas com carácter imediatamente operativas, atento o disposto nos artºs.73, nº.2, e 130, ambos do C.P.T.A.
Mais, ao colocar-se a questão de se saber qual o tribunal competente para conhecer de tal pedido: se o Tribunal Tributário de 1ª. Instância, se o Tribunal Central Administrativo, o que importa examinar é o que determina o artº.38, do E.T.A.F., inserido no capítulo respeitante aos Tribunais Centrais Administrativos, sob a epígrafe "Competência da Secção de Contencioso Tributário".
Quanto a esta questão, determina o artº.38, do E.T.A.F., nas suas alíneas c) e d), que compete à Secção de Contencioso Tributário conhecer, além do mais, dos "pedidos de declaração de ilegalidade de normas administrativas de âmbito nacional, emitidas em matéria fiscal" e dos "pedidos de adopção de providências cautelares relativos a processos da sua competência".
Por seu lado, e quanto aos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, dispõe o artº.49, do mesmo estatuto, sob a epígrafe “Competência dos Tribunais Tributários”, nas sub-alíneas i) e iv) da alínea e), que compete aos Tribunais Tributários conhecer, além do mais, da "da declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal" e as "providências cautelares relativas aos actos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas em i) desta alínea".
Deste modo, a resolução da questão em apreço, acima enunciada, passava por apreender o conteúdo das normas impugnadas, designadamente se está em causa, desde logo uma norma em matéria fiscal, e seguidamente se a mesma é de âmbito nacional ou apenas de âmbito regional ou local.
E esta questão não vem colocada nos autos.
Sendo nossa convicção, que as normas em apreço são, na realidade, normas com natureza fiscal, porque emergentes de relação jurídica tributária, o apreciar da legalidade da facturação de concessionária a utilizador de montante de taxas no quadro do Dec.Lei 254/12, de 28/11/2012, que disciplina o regime jurídico do licenciamento do uso privativo dos bens de domínio público aeroportuário e do exercício de actividades e serviços nos aeroportos e aeródromos públicos nacionais, bem como das taxas conexas a estas operações( (cfr.ac.T.C.A.Norte-1ª.Secção, de 11/01/2013, proc.00858/09.8BEPRT, que entendeu configurar como questão fiscal, por emergente de relação jurídica tributária, a apreciação da legalidade da facturação de concessionária a utilizador de montante/parcela relativo à “taxa de recursos hídricos” liquidada no quadro dos artºs.68 e 80 da Lei 58/05, e 4, 5, 14 e 16, do dec.lei 97/08).), e que, do teor das normas "sub judice", resulta que as mesmas têm aplicação em todo o território nacional, porquanto se aplicam, igualmente, em todos os aeroportos públicos nacionais que são geridos pela "ANA, S.A.", forçoso será concluir que a competência para conhecer, em 1.ª instância, do presente pedido é da secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul.
Improcede, assim, esta excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Tribunal.
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Igualmente defende a sociedade requerida que a entidade requerente não identifica quem são os associados no interesse dos quais intenta a presente providência, entendendo que deveria ter identificado os seus concretos associados que são lesados pela apli­cação das normas suspendendas, pois, sendo requerida a suspensão da eficácia de normas com efeitos circunscritos ao caso concreto, torna-se necessário aferir para que casos concretos é que se requer a suspensão de eficácia, não bastando para o efeito a mera remissão para o seu "website".
Consequentemente, defende que a presente instância cautelar deve ser extinta e o Tribunal abster-se de conhecer do pedido formulado, dada a falta de falta de demonstração de legitimidade e interesse em agir.
Liminarmente se afigura que a excepção suscitada não procede.
Para efeitos de desaplicação ao caso concreto de norma imediatamente operativa, o artº.73, nº.2, do C.P.T.A., confere legitimidade a quem possa ser directamente abrangido pelo campo de aplicação da norma, ou seja, ao lesado (cfr.ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 12/1/2012, proc.8224/11; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.492 e seg.).
Por outro lado, ainda à luz do artº.73, nº.2, do C.P.T.A., interpretado em conformidade com os artºs.20 e 46, da C.R.P., no caso concreto a entidade requerente deve considerar-se parte legítima para, nos autos, defender os interesses colectivos dos seus associados, bem como para defender colectivamente os interesses individuais dos seus associados que actuam no mercado abrangido pelas normas suspendendas (cfr.ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 23/01/2014, proc.10564/13).
No caso em apreço as normas suspendendas produzem efeitos imediatos sobre as empresas que actuam no mercado de aluguer de curta duração tenham ou não estabelecimento/instalações nos aeroportos geridos pela requerida.
Está, por conseguinte, em causa um interesse que é comum a todas as entidades que integram este tipo de mercado, que afecta de forma imediata e directa toda essa actividade, em especial, as condições do exercício da actividade dos estabelecimentos de rent-a-car das empresas associadas da requerente concessionados pela requerida nos aeroportos, alterando toda a base negociai de tais concessões.
Para além disso, a entidade requerente, na sua resposta às excepções/questões prévias, juntou (cfr.fls.223 e 224 dos autos) documento que identifica as suas 108 empresas associadas que exercem a actividade de aluguer de automóveis sem condutor de curta duração.
Vejamos, agora, se existe igualmente por parte da requerente interesse em agir.
O interesse em agir é configurado como um pressuposto processual autónomo inominado pelo qual se afere a utilidade ou vantagem que o sujeito processual que busca a composição do litígio pode retirar da sentença que vier a ser proferida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/11/2011, proc.4472/11; ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 11/4/2013, proc.5815/10).
Ora, afectando as normas suspendendas, pelo seu conteúdo, a esfera jurídica dos associados da “... - ... ”, alterando as condições do exercício da sua actividade, a eliminação dessas normas na ordem jurídica e a suspensão da respectiva eficácia, permitirá aos associados da requerente voltar a actuar naquele mercado nas condições existentes antes da entrada em vigor do regulamento objecto da presente providência, constatação da qual resulta o interesse em agir.
Em face do exposto, julga-se improcedente a questão prévia da ilegitimidade activa e falta de interesse em agir da entidade requerente.
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Por último, aduz a sociedade requerida que o pedido formulado pela requerente é ininteligível, visto que no requerimento inicial esta disserta de forma entrecruzada e confusa acerca da suposta ilegalidade de diversas normas do regulamento e requerer tão-só a suspensão de eficácia das normas "sub judice", sem especificar, porém, de forma clara e precisa, as normas cuja eficácia pretende ver suspensa, referindo-se a elas, apenas nos artºs.15 e 40 do seu requerimento inicial, sendo que as normas que identifica num e outro artigo não coincidem totalmente, nem surgem identificadas de forma individualizada, ficando o Tribunal sem saber quais as normas cuja eficácia deve suspender, na eventualidade de a providência cautelar dever ser decretada, e a requerida impedida de discernir, com segurança, o objecto a que deverá reconduzir a sua oposição.
Não lhe assista razão.
A ineptidão da p.i. gera a nulidade de todo o processo, nulidade esta que se consubstancia como excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa (cfr.artºs.186, nº.1, 576, nº.2, 577, al.b), e 578, todos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), sendo que a lei processual tributária a comina como nulidade insanável e passível de conhecimento oficioso a todo tempo até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr.artº.98, nºs.1, al.a), e 2, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7047/13).
"In casu", basta analisar a p.i. para se concluir pela manifesta improcedência da suscitada excepção dilatória da ineptidão do requerimento inicial cautelar.
Na verdade, contrariamente ao que refere, do requerimento resulta que a presente acção cautelar tem por objeto as normas contidas nos artºs.1, 3, nº.3, 4, 5, 6, 7, nºs.3, 6 a 12 e 15 a 18, e 8, todos do “Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada" aprovado pela sociedade requerida (cfr.artºs.14 a 17, 40 e 42 e conclusão primeira da p.i.), e que, a acção tem apenas por objecto as normas do regulamento que incidem sobre o exercício da actividade de entrega de veículo ao cliente que o reservou junto ao terminal do aeroporto ou a disponibilização de transporte ao mesmo cliente até outro local de entrega (artºs.15, 24 a 26 e 42 da p.i.).
Finalmente, verifica-se, também, que a requerida não teve qualquer dificuldade em identificar tais normas, contraditando os argumentos jurídicos da requerente sobre a ilegalidade das mesmas.
Assim, sem necessidade de mais amplas considerações, porque desnecessárias, improcede a suscitada excepção dilatória da ineptidão do requerimento inicial cautelar.
X
Segundo percebemos, a requerente deduz providência cautelar de suspensão de eficácia de norma, mais pedindo o seu decretamento provisório (cfr.artºs.130 e 131, do C.P.T.A.).
A providência cautelar de suspensão da eficácia de norma reveste natureza conservatória, na medida em que dá resposta a um interesse dirigido à conservação de situações jurídicas já existentes, procurando que o equilíbrio de interesses que existia no momento em que entrou em vigor a norma se mantenha, a título provisório, até que, no processo principal, seja decidida a questão da validade da mesma. Com efeito, a suspensão da eficácia, ao paralisar os efeitos do acto, paralisa a inovação que ele visava introduzir na ordem jurídica, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se mantenha como estava antes de o acto ter sido praticado. Porque assim é, a suspensão da eficácia de normas serve para proteger os interesses daqueles que, no processo principal, pretendam obter sentenças que, anulando normas ilegais ou declarando a respectiva nulidade ou inexistência, façam com que tudo permaneça como era antes de essas normas terem entrado em vigor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.758 e seg.).
A concessão da examinada providência cautelar depende da verificação cumulativa de três requisitos, os quais se encontram consagrados no artº.120, nºs.1, al.b) e 2, do C. P. T. A., a saber:
1-“Periculum in mora” - fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, esta já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja devido a inutilidade da decisão, ou porque se produziram danos dificilmente reparáveis;
2-“Fumus non malus iuris” - segundo o qual não é necessário um juízo positivo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, antes bastando (formulação negativa) que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
3-Requisito negativo - a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, vector através do qual se dá expressão ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso e que se encontra consagrado no nº.2, do artº.120, do C. P. T. A., a exemplo do que se passa no domínio da atribuição de providências no processo civil e resulta do artº.387, do C. P. Civil (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob.cit., pág.804 e seg.).
No entanto, no contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao próprio requerente da adopção das medidas. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa. Serão de considerar factos geradores de prejuízos irreparáveis, por exemplo, a paralisação da actividade comercial de uma empresa, desde que se comprove que tenha como consequência a perda de clientela, o dispêndio de quantias cujo pagamento seja susceptível de afectar significativamente a estrutura económico-financeira de uma empresa, fazendo perigar a sua subsistência enquanto ente empresarial, os sofridos por quem não tem outros meios de assegurar a sua subsistência e os que provoquem uma diminuição apreciável do nível e da qualidade de vida do requerente ou a satisfação das suas necessidades primárias (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.5941/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.592 e seg.).
No caso concreto, a factualidade alegada pelo recorrente não preenche os requisitos previstos na lei, mais exactamente no aludido artº.147, nº.6, do C. P. P. Tributário, no que se refere à tutela cautelar no contencioso tributário. Assim é, porquanto, os possíveis prejuízos alegados pelo requerente de modo algum se podem ter por irreparáveis, porquanto estão em causa realidades que, manifestamente, se prestam a uma mensuração rigorosa, exacta, quantificáveis no exacto montante das taxas ou penalidades a pagar (cfr.nºs.6 e 8 do probatório). Assim sendo, as lesões que os representados da entidade requerente possam vir a sofrer, como causa adequada e necessária de terem que pagar uma verba ilegal/inconstitucional e que venha a ser anulada judicialmente, podem sempre, enquanto concernentes a interesses de nítido cunho patrimonial, ser avaliadas ou quantificadas pela via pecuniária, assim não revestindo o carácter de prejuízos irreparáveis.
Nestes termos, deve concluir-se que o recorrente não produziu prova indiciária do pressuposto típico de qualquer providência cautelar requerida no âmbito do contencioso tributário, previsto no examinado artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário.
Em suma, a providência cautelar em apreço, mesmo excluindo qualquer tipo de pronunciamento sobre as razões coligidas pelo requerente, no sentido de que a norma visada, a suspender, deve ser considerada ilegal e, também, inconstitucional, não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul, em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE NORMAS CONSTANTES DO REGULAMENTO IDENTIFICADO NO Nº.3 DO PROBATÓRIO.
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Condena-se o requerente em custas (cfr.artº.7, nº.3, e Tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Maio de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)