Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12171/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/14/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:NACIONALIDADE; LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL; PROVA; OBJECTO DO RECURSO
Sumário:i)O objecto do recurso é a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre a qual aquela recaiu.

ii) Assentando o decido na conclusão de que havia sido, a partir dos sinais existentes nos autos e consignados no probatório fixado, designadamente após inquirição do interessado na aquisição da nacionalidade, suficientemente demonstrada a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, impunha-se ao Recorrente, para que o recurso pudesse lograr vencimento, questionar o discurso fundamentador em que assentou a sentença recorrida, apresentando as razões concretas da sua divergência, para assim demonstrar a existência de erro de julgamento
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Digna Magistrado do Ministério Público junto do TAC de Lisboa veio interpor recurso jurisdicional da sentença daquele tribunal que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra Ousmane ……….(Recorrido), solteiro, de nacionalidade senegalesa e residente em Lisboa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1. O(A) requerido(a)/recorrido(a) não contestou . Trata-se de uma acção de simples apreciação negativa. Impunha -se, por isso, que trouxesse ao processo os elementos necessários que pudessem fundamentar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa afirmado nas declarações que prestou na Conservatória do Registo Centrais.

2. Pelo que, tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida/reclamada violou o disposto no artigo 9° alínea a), da Lei n °37/81, na redacção da Lei n.º2/2006, de 17 de Abril, artigo 56.º , n ° 2. al. a). do Decreto-Lei n.º 237-N2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil.

3. No regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro, menor ou incapaz, seja filho de cidadão nacional, nos termos do art. 2° da Lei n º37/81.

4. A intencionalidade deste instituto é clara, pois visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados , por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade.

5. A luz do artigo 4.º. n.º1, e n.º 2, alínea a). do Código de Processo Civil, as ações de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser consideradas como acções de simples apreciação negativa, pois que são destinadas à demonstração (e consequente declaração judicial) da inexistência de ligação à comunidade nacional,

6. Consequentemente, e de harmonia com o disposto no artigo 343.º , n.º 1, do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, sempre competiria ao ora recorrido(a), e não à recorrente/reclamante.

7. Acresce que, pelo facto de estarmos face a uma ação que é consequência de uma pretensão inicialmente formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais pelo interessado em obter a nacionalidade portuguesa, sempre lhe caberia , de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos de tal pretensão .

8. Compete-lhe apresentar melhores provas de ligação efetiva à comunidade portuguesa, para identificação por parte do interessado com a comunidade nacional, pois não basta ser filho de quem tenha adquirido a nacionalidade portuguesa.

9. Todavia, enquanto o artigo 9°, na sua redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente , a "não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional", na sua redacção atual estabelece o mesmo normativo que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros factores, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional" .

10. Estatuindo o n.º 1 do artigo 57.º do DL 237-N200G, de 14 de Dezembro, que "Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional sobre o disposto nas alíneas b) e c.) do n.º 2 do artigo anterior' (destaque e sublinhado nossos).

11. Pois que, por mais profunda que seja a ligação afectiva do recorrido, tal ligação afectiva , em si mesma considerada , à luz dos diplomas legais que regem a aquisição da nacionalidade portuguesa , não é e não pode ser sinónimo de que o(a) requerido(a)/recorrido(a) tenha uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

12. Na realidade, e ao contrário do que, expressamente, resulta da lei, a decisão recorrida equipara a ligação afectiva para de tal facto extrair uma, pretensa e não demonstrada, ligação efectiva comunidade nacional portuguesa considerada na sua globalidade.

13. A "ligação efectiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses , do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais , da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.

14. A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos da comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, que no caso concreto não se verifica, porquanto o(a) recorrido(a) sempre residiu no Senegal, residem em Portugal há três anos, não frequenta o ensino em Portugal, não domina a língua portuguesa, pese embora os dois cursos de formação de dois meses, cada, que frequentou, num quadro que aponta, impõe-se afirmá-lo, para uma identificação tão só com a realidade senegalesa e não com a realidade portuguesa.

15. Com efeito, ao contrário do entendido na sentença recorrida, é nosso entendimento que os factos dados como provados na sentença, não evidenciam a existência de laços que corporizam um sentimento de pertença à comunidade nacional, pelo contrário evidenciam a inexistência da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa.

16. Nem a mesma interpretação viola o disposto no artigo art.º67.º da CRP, porque o princípio da unidade familiar não sai beliscado pelo facto de se impor ao membro não nacional a demonstração da sua efectiva ligação à comunidade nacional, imposição que, como resulta de todo o exposto, nada tem de ilegítima.

17. Face ao exposto, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo Circulo de Lisboa, que julgou improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do(a) requerido(a)/recorrido(a) e ordenou o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo, devendo, por conseguinte, ser substituída por outra que declare a procedência da acção , e ser dado provimento ao recurso, visto ter havido , também , violação do disposto nos art. 342° e 343°, do Código Civil , e 9° da LN. Caso contrário, deverá ser atendida a reclamação.

18. Na medida em que: No nosso entender, por um lado, há contradição entre a matéria de fato e a decisão. Por outro lado, há erro de julgamento.

19. Tanto mais que, " (...) VIII- Sendo a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de simples apreciação negativa, competiria ao Recorrido fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa (…) IX - A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos.", (Neste sentido, ac. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo : 10952/14, Secção : CA – 2.º Juízo, de 02-04-2014, Relatora Sofia David). Termos em que, será feita, Justiça.



O Recorrido não apresentou contra-alegações.


Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida padece de contradição entre a matéria de facto e a decisão e se esta enferma de erro de julgamento ao ter considerado como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional).


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Ousmane …….nasceu a 18 de Outubro de 1995 em Leona ……, filho de Babacar ……e de Khady ………….. Cfr. documento de folhas 17, 19 e 22 dos autos.

B) Ousmane ……. tem nacionalidade senegalesa. Cfr. documento de folhas 22 dos autos.

C) Babacar ………. nasceu a 5 de Outubro de 1965 em Y…………., Senegal e adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º37/81, de 3 de Outubro, por decisão de 28 de Fevereiro de 2011 do Conservador Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais. Cfr. documentos de folhas 20 e 21 dos autos.

D) Ousmane …………. veio para Portugal em 10 de Dezembro de 2011 e, desde então, não voltou ao Senegal. Cfr. depoimento do requerido.

E) Ousmane ………..é titular do cartão n.º……….., cartão de residência na qualidade de familiar de cidadão da União Europeia, Nacional de Estado Terceiro, emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 28 de Maio de 2012 e válido até 27 de Maio de 2017. Cfr. documento de folhas 25 dos autos.

F) Ousmane …... reside na rua ……………., n.º24, 4.º Direito,……., 1150- 046 Lisboa. Cfr. documento de folhas 25, 12 e declarações do próprio requerido.

G) Na sua casa naquela morada residem 8 pessoas, todas de nacionalidade senegalesa, com excepção do seu pai que adquiriu a nacionalidade portuguesa.Cfr. declarações do requerido.

H) Em casa Ousmane …….. fala com os demais em língua Wolof. Cfr. depoimento do requerido.

I) Ousmane ………. frequentou durante cerca de 2 dois meses no Instituto União das Comunidades o curso de Português para falantes de outras línguas, que concluiu em 16 de Janeiro de 2013. Cfr. documento de folhas 27 e declarações do próprio requerido.

J) Ousmane ………. está inscrito junto da Autoridade Tributária e Aduaneira como contribuinte fiscal, desde 09 de Fevereiro de 2012. Cfr. documento de folhas 28 dos autos.

K) Ousmane ………. esteve inscrito, frequentou e concluiu a acção de formação profissional de “Português para Falantes de Outras Línguas, ministrada pelo Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, na Pontinha, de 13 de Outubro de 2014 a 19 de Dezembro de 2014 no horário das 10horas 30 minutos às 14 horas, de Segunda a Sexta-Feira. Cfr. documentos de folhas 65 e 67 dos autos.

L) Naquela acção de formação Ousmane ……….concluiu o nível A2 do curso de Português para Falantes de Outras Línguas. Cfr. documento de folhas 67 dos autos.

M) Naquela acção de formação Ousmane ……… aprendeu também a fazer caldo verde e pão. Cfr. declarações do requerido.

N) Naquela acção de formação Ousmane ………… teve dois professores de nacionalidade portuguesa. Cfr. depoimento do requerido que referiu, com credibilidade que um deles se chamava Hugo, e a professora chamava-se Ana …………….

O) Ousmane ………..deslocava-se da sua residência nos Anjos, em Lisboa, para a Pontinha, onde se situava o Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, de Metro, para o que adquiriu o passe (que o seu pai pagou). Cfr. depoimento do requerido.

P) Ousmane ……….. entende razoavelmente a língua portuguesa, consegue ler em português e expressa-se, embora de forma simples e por vezes com alguma dificuldade, em língua portuguesa. Cfr. depoimento do próprio requerido.

Q) No ano de 2012 Ousmane ………. jogou futebol cerca de três vezes por semana no campo do ……… em Lisboa, onde conviveu com outros jovens de nacionalidade portuguesa que aí também jogavam futebol. Cfr. depoimento do requerido (o requerido referiu que jogou futebol no campo do Vitória nos Olivais, contudo é facto notório que o campo do Vitória Clube de Lisboa se situa na …………….., na zona das Olaias, pelo que a referência a Olivais ao invés de Olaias se afigura que terá sido um lapso, que contudo não retira, entende-se, credibilidade ao depoimento, quer por ter identificado com clareza e espontaneamente o campo, quer pela similitude das palavras, além de que as Olaias não ficam distantes da zona onde o requerido reside (em Anjos, Lisboa)).

R) Ousmane ………. foi encaminhado pela Segurança Social da Bela Vista para a frequência das acções de formação que, em Portugal, já frequentou. Cfr. depoimento do requerido.

S) Em 7 de Outubro de 2013 os pais de Ousmane …….., enquanto seus representantes legais durante a sua menoridade, prestaram declaração para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de Ousmane …………, com fundamento no facto de este “ser filho de pai que adquiriu a nacionalidade portuguesa, depois do seu nascimento”, tendo declarado designadamente que este “tem ligação efectiva à comunidade portuguesa.” Cfr. documento de folhas 12 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.

T) Na sequência daquela declaração na Conservatória dos Registos Centrais onde foi iniciado o procedimento n.º 3451/2013, no qual foi em 25 de Julho de 2014 proferido despacho no sentido da remessa do processo ao Exmo. Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa. Cfr. despacho de folhas 42 a 45 dos autos.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa que julgou a presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa improcedente.

Para assim decidir a sentença recorrida assentou no seguinte discurso fundamentador:

O Ministério Público opõe-se à aquisição da nacionalidade portuguesa de Ousmane ……….. com fundamento no facto de este, invoca, não deter qualquer ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa.

Em face dos elementos entretanto juntos aos autos e ao depoimento do requerido afigura-se que o M.P. não tem, nesta data, razão.

A existência de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa há-de aferir-se por circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, e envolve factores tais como “o domicílio, a estabilidade de fixação, a língua falada e escrita, aspectos culturais, sociais, familiares, de amizade e económico- profissionais reveladores de sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no Estrangeiro.”2 Evidencia-se “pelo conhecimento da língua portuguesa, pela residência efectiva em território nacional português, pela existência de elos de natureza económica, social, cultural e familiar com o território nacional ou com a comunidade portuguesa.”

Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de Maio de 2012, relativo ao processo 06222/10:”A ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspectos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa.”

No caso dos autos está provado que Ousmane …….. nasceu a 18 de Outubro de 1995 em Leona ………, filho de Babacar ……….. e de Khady ………….. e tem nacionalidade senegalesa.

Babacar ......... nasceu a 5 de Outubro de 1965 em Yeumbeul, Senegal e adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º37/81, de 3 de Outubro, por decisão de 28 de Fevereiro de 2011 do Conservador Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais.

Ousmane ………..veio para Portugal em 10 de Dezembro de 2011 e, desde então, não voltou ao Senegal.

Ousmane ......... é titular do cartão n.º 093007, cartão de residência na qualidade de familiar de cidadão da União Europeia, Nacional de Estado Terceiro, emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 28 de Maio de 2012 e válido até 27 de Maio de 2017.

Ousmane ….reside na rua ………, n.º24, 4.º Direito, ………, 1150- 046 Lisboa.

Na sua casa naquela morada residem 8 pessoas, todas de nacionalidade senegalesa, com excepção do seu pai que adquiriu a nacionalidade portuguesa.

Em sua casa Ousmane ……….. fala com os demais em língua Wolof (língua nacional do Senegal).

Ousmane …………frequentou durante cerca de 2 dois meses no Instituto União das Comunidades o curso de Português para falantes de outras línguas, que concluiu em 16 de Janeiro de 2013.

Ousmane …………está inscrito junto da Autoridade Tributária e Aduaneira como contribuinte fiscal, desde 09 de Fevereiro de 2012.

Ousmane ………….. esteve inscrito, frequentou e concluiu a acção de formação profissional de “Português para Falantes de Outras Línguas, ministrada pelo Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, na Pontinha, de 13 de Outubro de 2014 a 19 de Dezembro de 2014 no horário das 10horas 30 minutos às 14 horas, de Segunda a Sexta-Feira.

Naquela acção de formação Ousmane ......... concluiu o nível A2 do curso de Português para Falantes de Outras Línguas.

Naquela acção de formação Ousmane ......... aprendeu também a fazer caldo verde e pão.

Naquela acção de formação Ousmane ......... teve dois professores de nacionalidade portuguesa. Cfr. depoimento do requerido que referiu, com credibilidade que um deles se chamava Hugo, e a professora chamava-se Ana Sofia Ribeiro.

Ousmane ......... deslocava-se da sua residência nos Anjos, em Lisboa, para a Pontinha, onde se situava o Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, de Metro, para o que adquiriu o passe (que o seu pai pagou).

Ousmane ......... entende razoavelmente a língua portuguesa, consegue ler em português e expressa-se, embora de forma simples e por vezes com alguma dificuldade, em língua portuguesa.

No ano de 2012 Ousmane ......... jogou futebol cerca de três vezes por semana no campo do Vitória Clube em Lisboa, onde conviveu com outros jovens de nacionalidade portuguesa que aí também jogavam futebol.

Ousmane ......... foi encaminhado pela Segurança Social da Bela Vista para a frequência das acções de formação que, em Portugal, já frequentou.

Desde que saiu do Senegal, quando tinha então 16 anos, e nesta data há um pouco mais de três anos, o requerido tem vivido sempre em Lisboa, com o pai.

Tem procurado aprender a língua portuguesa, designadamente frequentando cursos para o efeito. Nos cursos que frequentou teve professores portugueses com quem conviveu. Já jogou futebol com alguma habitualidade com cidadãos portugueses, em Lisboa. Tem evoluído na aprendizagem da língua portuguesa, o que lhe tem permitido, por certo, um convívio mais próximo com cidadãos portugueses.

Ficou demonstrado que o requerido tem, nestes cerca de três anos em que tem residido em Portugal, socializado e convivido com cidadãos portugueses, que tem frequentado acções de formação, criando laços designadamente com os professores, tem-se deslocado desenvoltamente na cidade de Lisboa (dos Anjos para a Pontinha, de Metro, ou dos Anjos para as Olaias onde ia jogar futebol, ou dos Anjos para a Bela Vista onde o requerido procurou ajuda junto da Segurança Social, que o encaminhou para a realização de acções de formação profissional que lhe permitiram aprender e aperfeiçoar a língua portuguesa.

A lei exige, para que a aquisição da nacionalidade portuguesa possa operar por mera declaração da vontade, a ligação efectiva do cidadão estrangeiro filho de progenitor de nacionalidade portuguesa à comunidade portuguesa, isto é, que tenha laços vivenciais actuais e concretos com a comunidade nacional portuguesa. Ora, esses que laços vivenciais com a comunidade portuguesa foram, entende-se, demonstrados (não obstando a isso o facto de o requerido residir em casa com 8 Senegaleses e de aí falar com os demais habitantes em Wolof, a língua nacional do Senegal. O requerido adquirindo a nacionalidade portuguesa será sempre um cidadão português, africano, natural do Senegal, como aliás o seu pai).

Do exposto afigura-se que foram indiciadas circunstâncias objectivas e materialmente fundadas e estáveis (que perduram há já mais de três anos), que revelam um sentimento perene de pertença à comunidade nacional portuguesa.

A sentença assentou, assim, o seu dispositivo num fundamento principal, que foi o da efectiva demonstração da ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, a partir dos sinais existentes nos autos, designadamente após a inquirição do Requerido e ora Recorrido, e que foram vertidos no probatório.

Vejamos então se a sentença errou ao considerar como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional), por ter concluído que o ora Recorrido tem já uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

Comece por se deixar estabelecido que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que o probatório fixado se tem que dar por devidamente estabilizado.

Posto isto, vejamos a alegação de que existe contradição entre a matéria de facto e a decisão, admitindo-se assim que se pretendesse imputar autonomamente à sentença recorrida nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (pois que na conclusão 18., afirma-se expressamente que “por um lado, há contradição entre a matéria de fa[c]to e a decisão. Por outro lado, há erro de julgamento.”).

Nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja, quando exista uma contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

Ora, certo é que apesar de vir conclusivamente alegada a existência de contradição entre os fundamentos fácticos e a decisão, certo é que de nenhum passo o Recorrente concretiza, sequer minimamente, essa suposta contradição. E perscrutada a sentença recorrida não se alcança que o Mmo. Juiz a quo tenha incorrido na aludida nulidade.

Com efeito, temos para nós que o silogismo que se apresentou na sentença – independentemente de este estar certo ou errado –, é não só claro como coerente na sua narrativa: considerando as premissas de facto que deixou expressas no probatório e as premissas de direito relevantes, designadamente a identificação do quadro legal de referência, apresentou a conclusão de que haviam sido “indiciadas circunstâncias objectivas e materialmente fundadas e estáveis (que perduram há já mais de três anos), que revelam um sentimento perene de pertença à comunidade nacional portuguesa”. Ora, saber se tal conclusão é ou não autorizada em face das normas jurídicas de referência, tendo presente a factualidade apurada, escapa já ao âmbito da nulidade em causa, podendo sim consubstanciar erro de julgamento; os erros ou inexactidões intelectuais que ocorram no processo de formação da vontade expressa na decisão serão erros de julgamento.

Pelo que não se verifica a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Vejamos agora se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que os factos provados eram suficientes para sustentar a alcançada conclusão (v. supra). Sendo que, salvo o devido respeito, se apresenta no caso concreto como manifestamente irrelevante a extensa argumentação desenvolvida a propósito da natureza da presente acção e do respectivo ónus da prova, tendo presente a sentença proferida – afinal o objecto do recurso –, a qual julgou a oposição improcedente por ter concluído existir uma ligação efectiva do requerido e ora Recorrido à comunidade nacional portuguesa.

Mas neste ponto, o que diz o Recorrente? Na verdade limita-se a referir que “o(a) recorrido(a) sempre residiu no Senegal, residem em Portugal há três anos, não frequenta o ensino em Portugal, não domina a língua portuguesa, pese embora os dois cursos de formação de dois meses, cada, que frequentou, num quadro que aponta, impõe-se afirmá-lo, para uma identificação tão só com a realidade senegalesa e não com a realidade portuguesa. Porém, nenhum argumento avança para sustentar a tão-somente alegada divergência de entendimento; nada mais diz para além de que “ao contrário do entendido na sentença recorrida, é nosso entendimento que os factos dados como provados na sentença, não evidenciam a existência de laços que corporizam um sentimento de pertença à comunidade nacional, pelo contrário evidenciam a inexistência da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa”.

Ora, na sentença recorrida foram elencados, tendo por referência o probatório fixado, as razões que fundaram o juízo tirado de que o ora Recorrido tinha evidenciado suficientemente uma ligação efectiva à comunidade nacional pelo que, nessa medida, não poderia a oposição proceder. Aí se afirmando que: “Ousmane ......... frequentou durante cerca de 2 dois meses no Instituto União das Comunidades o curso de Português para falantes de outras línguas, que concluiu em 16 de Janeiro de 2013.//Ousmane ......... está inscrito junto da Autoridade Tributária e Aduaneira como contribuinte fiscal, desde 09 de Fevereiro de 2012.//Ousmane ......... esteve inscrito, frequentou e concluiu a acção de formação profissional de “Português para Falantes de Outras Línguas, ministrada pelo Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, na Pontinha, de 13 de Outubro de 2014 a 19 de Dezembro de 2014 no horário das 10horas 30 minutos às 14 horas, de Segunda a Sexta-Feira.// Naquela acção de formação Ousmane ......... concluiu o nível A2 do curso de Português para Falantes de Outras Línguas. (…)// Ousmane ......... entende razoavelmente a língua portuguesa, consegue ler em português e expressa-se, embora de forma simples e por vezes com alguma dificuldade, em língua portuguesa. // No ano de 2012 Ousmane ......... jogou futebol cerca de três vezes por semana no campo do Vitória Clube em Lisboa, onde conviveu com outros jovens de nacionalidade portuguesa que aí também jogavam futebol. // Ousmane ......... foi encaminhado pela Segurança Social da Bela Vista para a frequência das acções de formação que, em Portugal, já frequentou. //Desde que saiu do Senegal, quando tinha então 16 anos, e nesta data há um pouco mais de três anos, o requerido tem vivido sempre em Lisboa, com o pai.// Tem procurado aprender a língua portuguesa, designadamente frequentando cursos para o efeito. Nos cursos que frequentou teve professores portugueses com quem conviveu. Já jogou futebol com alguma habitualidade com cidadãos portugueses, em Lisboa. Tem evoluído na aprendizagem da língua portuguesa, o que lhe tem permitido, por certo, um convívio mais próximo com cidadãos portugueses.

Sucede que no recurso interposto a Recorrente não traça nenhuma crítica aos fundamentos da decisão recorrida, antes insistindo na tese por si explanada na petição de oposição. Porém, sendo o fundamento do decidido a existência de ligação efectiva do requerido e ora Recorrido à comunidade nacional portuguesa, para que o recurso lograsse provimento haveria que se atacar a sentença pondo em causa os pressupostos de facto e de direito em que assentava, de modo a demonstrar a existência de erro de julgamento, concretamente quanto à conclusão alcançada pelo Tribunal a quo de que os factos apurados permitiam ver “indiciadas circunstâncias objectivas e materialmente fundadas e estáveis (que perduram há já mais de três anos), que revelam um sentimento perene de pertença à comunidade nacional portuguesa”. O que não foi feito pela Recorrente.

Na alegação deste recurso jurisdicional e nas respectivas conclusões, sobre a questão da decidida existência de ligação efectiva do requerido e ora Recorrido à comunidade nacional portuguesa, a Recorrente não desfere ataque eficaz sobre o assim decidido.

Necessário é não perder de vista nesta matéria que, tal como é preconizado por Castro Mendes, o recurso traduz-se num “pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer” (Direito Processual Civil III, AAFDL, 1987, p. 8). Como observa Armindo Ribeiro Mendes, o objecto do recurso é fundamentalmente a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada (cfr. Recursos em Processo Civil, 2.ª ed., Lex, 1994, p. 175). É que, face ao estatuído no art. 639.º do CPC (como já sucedia na redacção anterior – art. 685.º-A, n.º 1), o âmbito e o objecto do recurso são fixados pelas conclusões formuladas na respectiva alegação, apenas se impondo ao Tribunal ad quem conhecer da decisão recorrida e dos vícios, de forma ou de fundo, que lhe são imputados (ressalvadas questões de conhecimento oficioso). Ou seja, um recurso concretiza a discordância do recorrente perante uma decisão e expressa-se, a final, por um pedido fundamentado ao tribunal ad quem de revogação dessa decisão ou de substituição por uma outra no sentido propugnado pelo recorrente.

Ora, o que vem alegado no presente recurso jurisdicional não questiona eficazmente os pressupostos, o discurso fundamentador, em que assentou a sentença recorrida. E como se disse já, o recurso jurisdicional tem como objecto a decisão judicial recorrida – e não a questão jurídica – e pode ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afecta a decisão recorrida.

Na verdade, no recurso que interpôs, o Recorrente limita-se a discordar da valoração que da prova foi feita pelo Mmo. Juiz a quo, entendendo que da mesma não resulta a conclusão de que o Requerido e ora Recorrido tinha demonstrado suficientemente que se havia aproximado da comunidade portuguesa, tendo já uma ligação efectiva à mesma. Mas não tendo o Recorrente apontado qualquer argumento concreto que permita sustentar a existência de erro de julgamento quanto à concreta questão que foi apreciada e decidida nos autos, o recurso terá de improceder.

Razões pelas quais tem o recurso que improceder, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos



III. Conclusões

Sumariando:

i) O objecto do recurso é a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre a qual aquela recaiu.

ii) Assentando o decido na conclusão de que havia sido, a partir dos sinais existentes nos autos e consignados no probatório fixado, designadamente após inquirição do interessado na aquisição da nacionalidade, suficientemente demonstrada a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, impunha-se ao Recorrente, para que o recurso pudesse lograr vencimento, questionar o discurso fundamentador em que assentou a sentença recorrida, apresentando as razões concretas da sua divergência, para assim demonstrar a existência de erro de julgamento.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Maio de 2015

Pedro Marchão Marques

Conceição Silvestre

Cristina Santos