Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:597/04.6BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:12/19/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores: IRS
IMPUTAÇÃO AOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES DE RENDIMENTOS PRESUMIDOS DOS ACCIONISTAS.
Sumário:1. A lei processual tributária não impõe ao Tribunal a notificação ao recorrido da apresentação das alegações de recurso, mas apenas a notificação do despacho que admitiu o recurso (art.º 282.º, n.º 2, do CPPT).
2. Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º282.º do CPPT, o prazo para o recorrente apresentar alegações é de quinze dias a contar da notificação do despacho que admitiu o recurso e o prazo das contra-alegações é também de quinze dias, a contar do termo do prazo para as alegações do recorrente.
3. Significa isto que, para efeitos da contagem do prazo para apresentar as contra-alegações, é de todo irrelevante, a data em que o recorrente apresentou as alegações e, por maioria de razão, a notificação dessa apresentação; o prazo para as contra-alegações conta-se sempre do termo do prazo para as alegações.
4. Assim, o facto de o recorrido não ter sido notificado da apresentação das alegações não constitui qualquer desvio ao formalismo processual que deveria ter sido observado, não constituindo nulidade nos termos do art.º195.º do CPC.
5. Enferma de erro nos pressupostos a decisão da AT de imputar proporcionalmente aos três sócios administradores de uma sociedade o recebimento dos montantes lançados a débito na conta de sócios (Conta POC 2559 – Outras Operações) sem identificação nessa conta dos beneficiários de tais montantes, excluindo desse benefício económico os restantes sócios não administradores.
6. Faltando os particulares ao dever de colaboração imposto por lei (artigos 59/4 LGT e 48/2 do CPPT), tal não dispensa a AT de averiguar os factos que importem para a decisão do procedimento (art.º58.º da LGT).

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:597/04.6BESNT

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “H………” contra a liquidação adicional de IRS n.º2003/ ……., relativa ao ano de 1999, no valor de 14.183,70€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.153).

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes, «CONCLUSÕES:

A) A douta sentença levou ao probatório a integral factualidade vertida no identificado Relatório de Inspeção Tributária, tendo ainda concluído que os impugnantes não lograram demonstrar que tais montantes debitados na conta de sócios resultariam de qualquer pagamento de anterior mútuo por si efectuado em benefício da sociedade.

B) Entre o que foi dado por provado é de realçar que:

1 - Esta correção tem por base a utilização de faturação falsa por parte da sociedade de quem J….. era, à data, seu administrador e accionista - tendo sido instaurado inquérito criminal à sociedade emitente das faturas;
2 - A violação manifesta por parte da empresa B………….., S.A. dos seus deveres de colaboração previstos no art. 59°, da LGT, 48° do CPPT; 9° e 48°, ambos do RCPIT (aliás, a douta sentença dá conta disso quando refere (...) ainda que a Adm Fiscal não houvesse logrado obter do obrigado fiscal as respectivas participações sociais", mas que como é notório as violações ao principio da colaboração não se cingiram à informação sobre as participações sociais) factos que, só por si, deveriam fazer ilidir a presunção de boa-fé declarativa, e o consequente recurso ao regime do art. 75°, nº 2, alíneas a) e b), da LGT.
3 - cheques passados ao fornecedor/emitente das faturas ditas fictícias, pelos Administradores-acionistas da empresa, nomeadamente de J……, e que se encontram registados como posteriormente levantados nos extratos bancários enviados pelas respetivas entidades bancárias á empresa. Sendo certo que sendo os mesmos levantados perde-se o rasto ao montante que eventualmente poderia caber a cada um dos participantes no capital da sociedade.

C) A sentença recorrida insurge-se contra o modo proporcional como a inspeção tributária imputou os tais adiantamentos de lucros apurados aos três administradores-acionistas da empresa, asseverando que inexiste suporte legal no IRS para imputar os resultados àqueles que eram simultaneamente, sócios e administradores da sociedade, pois que o que é relevante é que se apure quantitativamente as referidas vantagens económicas na esfera dos diversos titulares das participações sociais, até porque, no seu entender, não existe presunção legal de que apenas os administradores e acionistas poderiam ser os titulares de tais adiantamentos de lucros.

D) Não nos parece correto o modo como o douto tribunal recorrido procura dissociar a dupla qualidade dos três responsáveis societários, que eram simultaneamente administradores e accionistas, até porque a função de administrador ou gerente respeita ao exercício ou governo da sociedade sem que tal brigue com a sua condição de participante no capital.

E) A ideia de autonomizar a figura do administrador - acionista face ao accionista como mero participante no capital social não releva para efeitos de incidência pessoal ao ponto de exigir uma presunção legal (que inexiste), e mostra­ se perfeitamente desnecessária uma vez que aqueles não deixam de ser accionistas, e, como tal, titulares de adiantamentos de lucros

F) E, sobretudo (sendo esta a segunda premissa), não há que atribuir à inspeção tributária a paternidade da tal presunção porque esta não se suportou na qualidade dos administradores para os corrigir, mas, por um lado, na sua inapagável qualidade de acionistas, e, como tal, titulares de adiantamentos de lucros. Por outro, estes administradores-acionistas participaram, sem margem para dúvidas, no processo que levou ao provado adiantamento de lucros, pois que foram eles quem passaram e assinaram os cheques ao fornecedor/emitente das faturas fictícias, posteriormente levantados.

G) É certo que a AT, neste caso, suportada no disposto no nº 4, do ar!. 6° do CIRS até estaria legitimada a corrigir os demais accionistas mas isso não torna ilegal a opção pelo critério de imputação escolhido. Ou seja, de corrigir aqueles que sendo também accionistas mostram-se contemplados na norma de incidência pessoal.

H) Mais do que uma mera presunção os serviços de inspeção lograram conseguir reunir prova material e documental de que pelo menos estes três accionistas (que obviamente são os administradores e por isso praticaram atos materiais de administração) tiveram participação no adiantamento de lucros.

1) O douto tribunal recorrido acaba por se bastar com a presunção de que sendo-se acionista (independentemente de se ser administrador) pode-lhe ser desde logo imputado, ainda que em abstrato, o adiantamento por conta de lucros. Só assim se compreende que alvitre a ideia de que não obstante a violação dos deveres de colaboração por parte do obrigado fiscal, se impunha à Administração Fiscal que esta se socorresse do ar!. 133°, do CJRS e alínea d) e e), do nº 1, do art.º. 63°, da LGT, para recolher informação junto da Conservatória do Registo Comercial e assim imputar o montante global apurado em função das participações sociais dos 1O acionistas.
Ninguém garante que, em concreto, a adiantamento de lucros, cujo montante apurado é global, foi distribuído segundo a participação social de cada um, pois que o montante dos cheques foi levantado

J) O método de imputação da Inspeção Tributária tem pelo menos duas virtudes: não deixa de imputar o adiantamento de lucros àqueles que, sendo também accionistas, recai sobre eles a incidência pessoal do imposto. E logrou reunir prova cabal que lhe permite demonstrar que pelo menos estes três acionistas (não obstante administradores) participaram ativamente no provado adiantamento de lucros com que a douta sentença se logrou convencer.

L) Ficou cabalmente demonstrada as violações plurais ao princípio da colaboração, fosse pela recusa na prestação de informação referente às participações sociais mas, sobretudo, porque foi dado por provado que na base deste adiantamento de lucros está a emissão de facturação falsa, da qual há inquérito criminal instaurado, e porque, fosse no âmbito da ação de fiscalização à empresa fosse no âmbito desta ação de inspeção, referente a IRS de 1999 e 2000 de J……., e não obstante notificados para o efeito, nunca os inspecionados lograram apresentar cópias dos cheques frente e verso autenticados pelas respectivas entidades bancárias, correspondentes aos valores facturados pela empresa M……….., Lda.

M) Assente que está que os administradores também são accionistas e que como tal nunca se poderiam eximir à regra de incidência pessoal prevista no nº 4, do art. 6°, do CIRS, resta a questão de saber até que ponto, num quadro em que foi dado por provado o adiantamento de lucros (facto provado 3 e 1° parágrafo do enquadramento juridico) e de violações manifestas ao dever de colaboração que logram inverter o ónus da prova, por via do nº 2, do art. 75° da LGT, o critério de imputação determinado pela inspecção tributária assume relevância tal que logre colocar em crise o ato tributário.

N) A presunção de veracidade e boa - fé das declarações do contribuinte (não sendo absoluta) cessa se a AT demonstrar que as mesmas contém omissões, erros, inexatidões ou indicies fundados reveladores de que a mesma não reflete a matéria tributável real do sujeito passivo, ou, quando o contribuinte não cumprir com os deveres acessórios que têm por subjacente, o principio da colaboração, nos termos do art. 75°, nº 2 alineas a) e b), da LGT

O) Não há dúvida que se foi dado por provado o adiantamento por conta dos lucros, forçoso é concluir que a AT logrou cumprir com os pressupostos da tributação. E isso foi conseguido sem que conseguisse ir mais longe porque os montantes dos cheques foram levantados, e, como já dissemos, nada nos garante que a distribuição tenha sido realizada segundo a participação social de cada um

P) Mas, se não é possível determinar ainda que recorrendo ao disposto nos arts. 133°, do CIRS e alínea d) e e), do nº 1, do art. 63°, da LGT e em virtude da mencionada falta de colaboração, e se estamos na presença de critério razoável que não ofende as regras de incidência real, entendemos que o sujeito passivo mantém ainda assim, nestas circunstâncias, o ónus de fazer prova do erro ou excesso manifesto da quantificação

Q) Que foi provado o adiantamento de lucros é inegável, e é inegável (a própria sentença dá conta disso) que o contribuinte se colocou na situação prevista no art. 75°, nº 2, alínea b), da LGT

R) Entendemos, também aqui, que a douta sentença recorrida não fez correta apreciação da prova, pois que perante as violações ao dever de colaboração por parte da sociedade e do Impugnante, hoje representado pela Herança de..., nem o critério assume relevância na esfera juridica do sujeito passivo pois que foi ele quem se colocou na situação de fazer prova o erro ou excesso manifesto na quantificação, cujas possibilidade de demonstração se mantiveram intatas até ao fim da prova, nem o princípio do inquisitório deve servir de expediente para driblar as regras (de inversão) do ónus da prova e dos deveres que neste particular incumbem desde logo aos contribuintes.

S) A douta sentença recorrida não fez correta apreciação da prova, pois que perante as violações ao dever de colaboração por parte da sociedade e do Impugnante, hoje representado pela Herança de..., não deve o princípio do inquisitório servir de expediente para driblar as regras (de inversão) do ónus da prova e os deveres que neste particular incumbem desde logo aos contribuintes

T) Pelo exposto, está em causa, erro de julgamento, resultante de má apreciação da factualidade e da prova produzida nos autos, nomeadamente da prova documental recolhida, apreciação que acabou por concluir incorrectamente que os serviços de inspecção tributária se suportaram na qualidade de administradores e na presunção de que só os mesmos poderiam ser os titulares de tais adiantamentos de lucros sem que a norma de incidência o previsse
U) E, finalmente, erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base nessa factualidade dada por provada, não julgar cessada a presunção da boa-fé declarativa do ora Impugnante, nos termos do art. 75º, nº 2, alíneas a) e b), da LGT, e de provados que ficaram minimamente os pressupostos da tributação cujo ónus recaía sobre a AT, não fazer impender sobre aquele a prova do erro ou excesso de quantificação apurado pela Administração Fiscal imputando e esta deveres que caberiam, à luz destes princípios, sempre e só ao Impugnante

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência anulada a decisão recorrida, neste segmento, substituindo-a por outra que nos termos das conclusões que antecedem V. Ex.ªs melhor suprirão, mantenha a sobredita correcção, mantendo-se, é certo, o parcial provimento da Impugnação Judicial, retificando-se o decaimento das custas processuais.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença na parte em que se recorre, como é de Direito e Justiça.».

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações. Todavia, em requerimento autónomo, constante de fls.180, vêm arguir a nulidade por falta de notificação das alegações de recurso da Fazenda Pública, omissão processual que, a seu ver, constitui preterição do princípio do contraditório e da igualdade processual das partes, bem como violação do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art.º20.º da CRP.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, vêm os autos à Conferência para deliberação.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegalidade da correcção na base da liquidação impugnada, sem olvidar a questão prévia da invocada nulidade processual por falta de notificação das alegações de recurso.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1- Em 02.12.2003, foi efectuada a liquidação de IRS aos s.p. de imposto, J………… e cônjuge F…………., assim como de juros compensatórios devidos, relativo ao ano de 1999 , notificada aos interessados. - cfr Demonstração de Liquidação de fls 14, dos autos e “Print Informático” de fls 40 a 43, do P.A. apenso.
2- As liquidações referidas em 1 resultaram da alteração dos rendimentos auferidos pelos contribuintes naquele ano, tendo por base o relatório interno da I.T. e dos Pareceres constantes de fls. 18 e segs., que mereceu o despacho de concordância proferido pelo Chefe de Divisão da D.F. de Lisboa, em 17.11.2003, de fls 17, notificado os contribuintes da alteração dos rendimentos declarados constante de fls. 20 e 21, e elaborados dois D.C. em nome dos contribuintes- cfr “Prints Informáticos” de fls. 40 e 42, do P.A. apenso.
3- Dá-se aqui por reproduzido o relatório referido em 2, do qual consta que “… na sequência da acção de inspecção à empresa “B…….. - Soc. de Construções, S.A.”, tendo-se apurado a existência de extracto de conta de accionistas relativas ao s.p., de importâncias contabilizadas a débito relacionadas com regularizações efectuadas pela empresa em virtude de anulação de facturas emitidas por um fornecedor de materiais de construção civil, correspondente aos valores de cheques emitidos àquele fornecedor, os quais foram levantados e entregues aos sócios, não tendo sido estornados à empresa… considera-se que tais levantamentos são considerados rendimentos de capitais por se tratar de operação de adiantamentos por conta de lucros, na titularidade dos accionistas na parte que cabe a cada associado e na medida correspondente aos administradores da sociedade, tidos como beneficiários directos dos rendimentos, tendo-se procedido à correcção aritmética do rendimento colectável dos s.p de imposto.- cfr. “Informação Não Certificada” da C.R.C. de Sintra, de fls. 87 a 95, dos autos, Relatório de fls. 20 e segs., e especialmente os pontos 1.1 1.2 e 1.2.2, do Parágrafo III, de fls. 22 a 26, e Anexos 2, de fls. 71 a 77, Anexo 3, de fls. 78 a 80, Anexo 4, de fls. 82 e 83, Anexo 5, de fls. 84 a 86 e extractos bancários e cópias dos cheques emitidos constantes do Anexo 6, de fls. 87 a 97 do P.A. apenso.
4- Na acção inspectiva interna referida em 2, foi enviado em 15.10.2003 e para o respectivo domicílio, oficio de notificação de J….. e para efeitos de exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de conclusões, tendo J…….., na qualidade de herdeiro por decesso daquele s.p. de imposto verificado em 27.04.2002, prestado esclarecimentos, o qual foi apreciado na elaboração do relatório final. – cfr. parágrafo V do Relatório da I.T e Anexos 8 e 9 . de fls 107 a 113, do P.A. apenso.
5- A sociedade “B……., S.A.”, foi declarada insolvente, tendo sido nomeado administrador de insolvência que elaborou relatório de insolvência, da qual consta os herdeiros do s.p. de imposto como sendo titulares de 3.000 acções, num total de 3.000.000 acções. –cfr D.R, 2ª Série, nº 112, de fls 100 e cópia do Relatório da Adm. de Insolvência, de fls 102 a 111, dos autos.
X
FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que do depoimento da testemunha arrolada não resultou qualquer facto relevante para a decisão de mérito quanto às questões controvertidas nos autos.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Invocam os Recorridos, em requerimento autónomo, nulidade processual por falta de notificação das alegações da Recorrente, questão que importa começar por apreciar.

Sobre esta questão já o STA se pronunciou em diversos arestos, tendo-se deixado consignado no recente Acórdão do Pleno da Secção do CT de 20/09/2017, exarado no proc.º0557/14, o seguinte:
«(…) conforme previsto nos apontados nºs. 2 e 3 do art. 282º do CPPT (…), o despacho que admitir o recurso é notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público e o prazo para alegações, a efectuar no tribunal recorrido, é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da supra mencionada notificação e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.
Reproduzindo as palavras do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 20/06/2012, proc. nº 0324/12, «... ao contrário do que estabelecia o disposto no artigo 743°, nº 2 do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, em que o recorrido podia alegar a partir da notificação que lhe era feita da apresentação da alegação do recorrente, a norma do nº 3 do art. 282º, que constitui preceito especial em relação ao Código de Processo Civil, não prevê a notificação daquela apresentação, pelo que o recorrido tem de prestar atenção à notificação do despacho que admitiu o recurso e verificar o termo do prazo das alegações do recorrente, pois é a partir daí que corre o seu prazo Cf. neste sentido, João António Valente Torrão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, pag. 1023 e Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. IV, pag. 444.
Como assim, a falta da notificação das alegações do recorrente ao recorrido, por não ser acto imposto pela lei, não gera nulidade processual.
Neste sentido é, aliás, abundante e uniforme a jurisprudência deste Tribunal - vejam-se, os acórdãos desta secção de 23.04.2008, recurso 22/08, de 16.01.2008, recurso 788/07, e de 11.05.2005, recurso 454/05, e, bem assim, relativamente ao regime do contencioso administrativo, o acórdão de 17 de Dezembro de 2003, proferido no processo n° 1499/03.
E nem se diga que este regime viola os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Como bem refere a entidade recorrida a possibilidade de conhecer das alegações do recorrente não é de modo nenhum coarctada ao recorrido, que dispõe das mesmas na secretaria do tribunal. Por outro lado, e como sublinha no Acórdão 454/05, citado, “o recorrido tem a possibilidade de contra-alegar, nos mesmos termos que tal direito é conferido ao recorrente, apenas se lhe impondo que cuide de obter, no tribunal, o duplicado das alegações do recorrente que este é obrigado a ali depositar, com esse fim, com o que em nada se coarcta a sua possibilidade de responder a essas alegações. Daí que esteja salvo o princípio do contraditório. Também o princípio da igualdade é respeitado, ao atribuir-se a qualquer das partes – recorrente e recorrido – o mesmo prazo para fazer valer, no recurso, as respectivas posições”» (fim de citação).

Acolhendo e aplicando esta jurisprudência, da qual não descortinamos razões para divergir, sendo que também os Recorridos não apontam argumentos decisivos que a afastem, julga-se improcedente a invocada nulidade processual por não preterido qualquer acto ou formalidade legal (art.º195.º, n.º1, do CPC), com custas do incidente a cargo dos Recorridos, adiante fixadas no dispositivo.

Entrando na apreciação das questões do recurso, vejamos.

Mostram os autos e o probatório que em acção inspectiva à “B….. – Sociedade de Construções, S.A.”, de que o sujeito passivo J…… era administrador e accionista, se constatou que a empresa regularizara voluntariamente no exercício de 2001 a situação decorrente da anulação de facturas contabilizadas do fornecedor “M ……. – Materiais de Construção, Lda.” reportadas aos anteriores anos de 1999 e 2000, nas demonstrações financeiras e nas declarações de substituição do IRC reportadas àqueles mesmos anos de 1999 e 2000, mas, em termos de fluxos financeiros, a situação da saída dos meios monetários/dinheiro da esfera da empresa “B…… – Sociedade de Construções, S.A.” em 1999 e 2000 não teve retorno/ entrada na esfera da empresa aquando da regularização contabilística em 2001, mas sim na conta de sócios/accionistas (Conta POC …… – Outras Operações), reflectindo a situação de que tais montantes, de 180.395,18€ (Esc.36.165.986$00) e 457.656,15€ (Esc.91.751.820$00), referenciados respectivamente aos anos de 1999 e 2000, foram entregues aos sócios/accionistas.

Com base no constatado, concluiu a Administração tributária que atendendo a que à data de ocorrência dos factos, eram três os administradores da “B……. – Sociedade de Construções, S.A.”, entre os quais o sujeito passivo J………….., tinham sido os referidos três administradores e também accionistas os beneficiários directos daqueles montantes lançados a débito na conta de sócios/accionistas (e correspondentes ao pagamento das facturas anuladas do emitente “M………– Materiais de Construção, Lda.”), imputados proporcionalmente aos três como rendimentos da Cat. – E /IRS (60.131,73€ para o ano em causa de 1999), como diz, «…considerados “a título de lucros ou adiantamento por conta dos lucros…”, nos exercícios de 1999 e 2000 respectivamente, nos termos do n.º4 do art.º7.º do CIRS, conjugado com a alínea h) do n.º1 do art.º6.º do Cód. do IRS, os quais não foram sujeitos a retenção na fonte nas condições e taxas previstas no n.º1 do art.º94.º do CIRS, cuja obrigação competia à entidade pagadora (B………. – Sociedade de Construções, S.A.)» - cf. RIT, fls.24 do apenso instrutor.

Na petição inicial, insurgiam-se os impugnantes contra a correcção efectuada, entre o mais, por o invocado n.º4 do art.º6.º do CIRS na sua previsão referir lançamentos nas contas correntes dos sócios e não dos administradores, nessa medida, não se podendo presumir os lançamentos escriturados pela B…….. – Sociedade de Construções, S.A. na conta de sócios/accionistas como feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros aos administradores, como entendeu a Administração tributária.

A sentença recorrida, já se entrevê, não validou a correcção da AT, tendo discreteado assim:
«A situação controvertida relativa à consideração pela Adm. Tributária como rendimentos de capitais, dos montantes alegadamente colocados à disposição dos respectivos titulares do capital social da empresa, enquanto adiantamentos por conta de lucros, teve como fundamento um facto comum, o qual diz respeito a importâncias debitadas na conta de sócios relativas ao reembolso de operações anuladas relativas a um fornecedor da sociedade “B……… - S.A.”, tendo-se apurado que tais meios financeiros não foram devolvidos á sociedade, sendo seus beneficiários os accionistas da mesma, pelo que a existência de montantes directamente contabilizados em contas dos sócios, em resultado de pagamentos destinados à aquisição dos referidos bens objecto de regularização por anulação das respectivas facturas do dito fornecedor , não podiam deixar de ser consideradas como rendimentos de capitais enquanto adiantamentos por conta de lucros daquela entidade por se traduzir em entregas feitas pela sociedade aos seus detentores de capital, caso em que tais vantagens económicas obtidas pelos sócios seriam de considerar ao abrigo do disposto na alínea h), do nº2, do artº 5º do CIRS. Atento a que foram escrituradas tais importâncias na conta de accionistas por contrapartida do estorno das referidas operações anuladas, assim como da saída dos referidos meios financeiros e sua entrega aos sócios da empresa, não se verificando qualquer justificação contabilística ou fiscal para os mesmos, era legitima a presunção ínsita no nº 4, do artº 6º do CIRS, quanto ás entregas feitas pela sociedade aos respectivos detentores de capital. Mais se dirá que não demonstraram os imptes que tais montantes debitados na conta de sócios resultariam de qualquer pagamento de anterior mútuo por si efectuado em benefício da sociedade Não obstante,
Importa ainda verificar o método efectuado pela Adm. Fiscal na determinação dos referidos adiantamentos por conta de lucros. Ora, nesse sede ter-se-á de dar razão aos imptes, na medida em que a I.T. entendeu imputar as referidas importâncias apuradas e não discriminadas pelos diferentes titulares daquelas participações sociais, aos respectivos administradores e accionistas da empresa, sendo o rendimento atribuído proporcionalmente àqueles três responsáveis societários, resulta que aquela referida imputação dos resultados àqueles que eram simultaneamente, sócios e administradores da sociedade, não tem qualquer suporte legal porquanto naquelas disposições do IRS, tem-se como relevante o apuramento daquelas especificas e directamente quantificadas as referidas vantagens económicas na esfera dos diversos titulares das participações sociais, não existindo qualquer presunção legal de que apenas os administradores e accionistas poderiam ser os titulares de tais adiantamentos de lucros, ainda que a Adm Fiscal não houvesse logrado obter do obrigado fiscal as respectivas participações sociais, porquanto tal elemento poderia ser obtido ao abrigo dos deveres de colaboração e de prestação de informações de terceiras entidades a tal obrigadas. –cfr artº 133º do CIRS e alínea d) e e), do nº 1, do artº 63º, da LGT.
Assim, não era legitima a imputação àquele accionista daquela proporção na participação dos resultados, ainda que correctamente apurados na sua integralidade» (fim de cit.).

Com este modo de ver se não conforma a Recorrente, em suma, no entendimento de que não houve erro da AT no critério de imputação escolhido, ou seja, o de repartir proporcionalmente pelos três administradores e também eles accionistas os montantes lançados na conta de sócios da “B…….. – Sociedade de Construções, S.A.” (correspondentes à contrapartida dos valores facturados em 1999 e 2000 pelo emitente “M…….. – Materiais de Construção, Lda. e anulados/regularizados pela empresa em 2001), como de rendimentos provenientes de lucros ou adiantamento de lucros se tratassem.
A Recorrente não tem razão, adiantamos já. Dizemos porquê.

Com efeito, a mera constatação em sede inspectiva de lançamentos na conta corrente de sócios/accionistas de uma sociedade não permite ipso facto a imputação dos montantes debitados como rendimentos dos administradores da sociedade, ainda que também eles sócios dela.

Alega a Recorrente que a conta de sócios/accionistas não identificava os beneficiários dos montantes debitados, nem a sociedade se mostrou disponível para colaborar na identificação dos mesmos ou sequer das participações sociais

É certo que, nos termos do disposto no n.º1 do art.º59.º da LGT, “os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco”.

E que, nos termos do n.º4 do mesmo preceito, “a colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como as relações económicas que mantenham com terceiros”.

Em linha com o disposto naqueles preceitos da Lei Geral Tributária, estabelece o n.º2 do art.º48.º do CPPT que “o contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso”.

E tal princípio da cooperação está reforçado nos artigos 9.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL n.º413/98, de 31 de Dezembro, estabelecendo o n.º1 daquele art.º48.º que “em obediência ao disposto no artigo 9.º, a administração tributária procurará, sempre que possível, a cooperação da entidade inspeccionada para esclarecer dúvidas suscitadas no âmbito do procedimento de inspecção”.

O não cumprimento, pelo contribuinte, de deveres de esclarecimento da sua situação tributária, quando não for caso de recusa legítima da prestação de informações, determina a inversão do ónus da prova relativamente à veracidade das declarações apresentadas e elementos constantes da contabilidade e escrita – cf. art.º75.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da LGT e “LGT – Anotada e Comentada”, de Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Encontro da Escrita, 4.ª ed./2012, anotação 9 ao art.º59.º.

Só que, a inversão do ónus da prova ocorre com relação aos elementos declarativos e inscritos na contabilidade da empresa “B……. – Sociedade de Construções, S.A.”, não relativamente às declarações apresentadas pelos seus accionistas com relação à sua própria situação tributária, que continuam a beneficiar da presunção legal de veracidade e boa-fé, decorrente do n.º1 do art.º75.º da LGT, ainda que se tratem de accionistas que também são administradores e, nessa qualidade, manifestam a vontade social.

Só assim não seria, isto é, só poderia ser retirada credibilidade às declarações apresentadas por esses accionistas e administradores com relação à sua própria situação tributária, se da análise cruzada dessas declarações com os dados contabilísticos da empresa fosse possível concluir pela existência nelas de omissões, erros ou outras anomalias (art.º75.º, n.º2, alínea a) da LGT).

Mas não é esse o caso, manifestamente, porquanto a sociedade contava com dez accionistas e a conta de sócios, como se disse, não identifica os beneficiários dos montantes lançados a débito na sequência da regularização por anulação das facturas do emitente “M………….. – Materiais de Construção, Lda.”.

Claro que a ter por correcto o lançamento contabilístico, algum ou alguns dos sócios hão-de ter sido os beneficiários de tais montantes. Mas a Administração tributária não apresenta qualquer base factual, sólida e credível, para formar o juízo feito de que tenham sido os três administradores da sociedade, nomeadamente o J……….., e proporcionalmente, ou seja, à razão de 1/3 cada um.

Refere a Recorrente também que “foi dado por provado que na base deste adiantamento de lucros está a emissão de facturação falsa, da qual há inquérito criminal instaurado, e porque, fosse no âmbito da ação de fiscalização à empresa fosse no âmbito desta ação de inspeção, referente a IRS de 1999 e 2000 de J…………., e não obstante notificados para o efeito, nunca os inspecionados lograram apresentar cópias dos cheques frente e verso autenticados pelas respectivas entidades bancárias, correspondentes aos valores facturados pela empresa M……….., Lda”.

Prende-se tal asserção, ao que julgamos, com a circunstância de transcrever o RIT, por extracto, as conclusões de um outro relatório da Direcção de Finanças de Aveiro em que surge referenciada a B…… e segundo as quais, “…os cheques que aparecem registados na contabilidade dos utilizadores a título de pagamento nem sequer foram emitidos em nome da M……… (e endossados por esta). Estes cheques eram emitidos pelos responsáveis das empresas para dar maior credibilidade às transacções, e posteriormente seriam encaminhados para as contas particulares dos sócios…” - (cf. fls. 29 do apenso).


Por outras e nossas palavras, o que a Recorrente pretende é que os montantes dos cheques emitidos pela “B…………” para pagamento das facturas fictícias do fornecedor “M..........” que vieram a ser anuladas pela empresa em 2001, foram encaminhados para as contas particulares dos accionistas administradores, quando o que se extrai do relatado é que tais montantes teriam sido encaminhados para as contas particulares dos sócios.

A diferença é substancial e relevante. O recurso à contabilização de facturas e outros títulos de despesa falsos como expediente para descapitalizar uma empresa prejudicando os credores sociais tanto pode ser feito em proveito de todos os sócios, como apenas daqueles que, integrando os seus órgãos representativos, manifestam a vontade social.

E assim sendo, uma vez mais, não se alcança em que base factual, sólida e credível, se apoiou a Administração tributária para imputar os montantes lançados na conta de sócios/ accionistas da “B……… – Sociedade de Construções, S.A.” na regularização de 2001, como montantes entregues aos três accionistas administradores em 1999 e 2000, na proporção de 1/3 para cada um, excluindo desse benefício económico os restantes accionistas.

Note-se que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., a pág.499, “No caso de os particulares não cumprirem os deveres de colaboração que a lei lhes impõe, a administração tributária não está dispensada de averiguar os factos que interessem à decisão do procedimento, como deriva do princípio do inquisitório enunciado no art.º58.º da LGT, e está previsto no art.º91.º, n.º2, do CPA”.

O que vale por dizer que não merece qualquer censura o entendimento da sentença recorrida de que, na falta de colaboração dos sujeitos passivos, não estava a AT dispensada de diligenciar pela obtenção dos elementos factuais com interesse para a decisão do procedimento, nomeadamente, relativos à estrutura accionistas da “B…….. – Sociedade de Construções, S.A.” à data dos factos.

A decisão de imputar proporcionalmente aos três administradores da “B………. – Sociedade de Construções, S.A.” os montantes reflectidos na conta de sócios/accionistas, sem identificação dos beneficiários, enferma de manifesto erro nos pressupostos, a inquinar de ilegalidade o subsequente adicional de IRS/1999 liquidado na esfera jurídica do entretanto falecido J…………, neste processo representado pelos seus herdeiros.

A sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe vem apontado, merecendo ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i) Julgar improcedente a invocada nulidade processual;
ii) Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Custas do incidente, fixadas pelo mínimo legal, a cargo dos Recorridos.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2018



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Vital Lopes




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Joaquim Condesso




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Catarina Almeida e Sousa