Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1414/22.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:RECLAMAÇÃO
APENSAÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
DEVER DE DECISÃO
Sumário:Requerida ao Chefe do Serviço de Finanças, a apensação dos processos de execução fiscal que correm termos contra o Reclamante, deverá ser o pedido de apensação apreciado antes da remessa dos autos de reclamação ao Tribunal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


T…. M…., nos autos melhor identificado, deduziu reclamação, ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) contra os despachos proferidos pelo Chefe de Finanças de Lisboa, que julgou improcedentes as nulidades arguidas, de todo o processado, por falta de citação, nos processos de execução n.º 3336201601015435, 3336201601023527, 3336201601103679, 3336201601103687, 3336201601118455, 3336201601168061, 3336201601197886, 3336201801115022, 3336201801138731, 3336201901048325 e 3336201901085506.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 11 de Outubro de 2023, absolveu a Fazenda Pública da instância relativamente aos processos de execução fiscal n.º 3336201601015435, 3336201601023527, 3336201601103679, 3336201601103687, 3336201601118455, 3336201601168061, 3336201601197886, 3336201801138731, 3336201901048325 e 3336201901085506 e julgou improcedente a reclamação, quanto ao pedido de anulação do despacho de indeferimento do processo de execução n.º 3336201801115022.

Não concordando com a decisão, o Recorrente, interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I. A douta Sentença incorre em nulidade, por excesso de pronúncia, e também em erro de julgamento, tanto de facto como de direito;

II. No requerimento de interposição da sua reclamação, o Recorrente, requereu a apensação dos supra referidos processos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 179º do CPPT, mediante o qual se constituiu o Serviço de Finanças de Lisboa 6 na obrigação de decidir sobre a apensação requerida pelo Recorrente, não bastando, para este efeito, a mera prestação de informação do órgão de execução fiscal sobre o estado de apensação ou não dos processos em causa;

III. À luz da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (vide os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04.10.2017 (processo nº 0373/17), de 22.03.2017 (processo nº 0895/16), de 10.05.2017 (processo nº 020/17), de 07.11.2018, (processo nº 01762/17.1BEPRT 0490/18), de 23.01.2019 (processo nº 0461/17.9BESNT), e de 30.01.2019 (processo nº 01162/15.8BELRS) e de 30.10.2019 (processo nº 0142/18.6BELRS), não tendo, in casu, o órgão de execução fiscal se pronunciado sobre a apensação requerida, como se lhe impunha, sempre deveria o Tribunal a quo ter solicitado a este órgão que decidisse a questão da apensação das execuções, fornecendo-lhe prazo para o efeito e aguardando os autos tal decisão, e só depois de o fazer, e caso se perpetuasse a inércia do órgão de execução fiscal, é que poderia apreciar a legalidade da cumulação de reclamações e verificar o preenchimento dos pressupostos do artigo 179º, nºs 1 e 2, do CPPT, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter julgado ter existido no caso que ora nos ocupa uma cumulação ilegal de reclamações, com a consequente absolvição da Recorrida, descurando o incumprimento do dever decisão que incumbia ao órgão de execução fiscal, que efetivamente se verificou;

IV. Assim, tendo o Tribunal a quo apreciado uma questão da qual não podia ter conhecido oficiosamente, com o devido respeito, a douta Sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do citado artigo 125º, nº 1, do CPPT, cuja declaração (ou o eventual suprimento) ora se requer, com todas as devidas e legais consequências;

V. Não obstante a nulidade invocada, e ainda que se entenda que a mesma não se verifica, o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que os pressupostos do artigo 179º, nºs 1 e 2 do CPPT, não se encontram preenchidos nos presentes autos, uma vez que, por os autos de execução fiscal em causa se encontram na mesma fase, entende o Recorrente que a apensação resultará em evidentes ganhos de eficiência formais e substâncias, não se vislumbrando de que forma seria passível de resultar em quaisquer prejuízos para o cumprimento de formalidades especiais ou, de qualquer outra forma, comprometer a eficácia das execuções, nos termos e para os efeitos daquela disposição legal, pelo que se impunha à douta Sentença recorrida decidir que são lícitas a apensação dos processos de execução fiscal requerida e, bem assim, a cumulação de reclamações, apreciando do mérito das mesmas, devendo os autos baixar à primeira instância para o efeito, seguindo os seus ulteriores termos até final, o que ora se requer;

VI. Sem prejuízo do que antecede, a decisão ora recorrida jamais poderia ter concluído pela improcedência da reclamação respeitante ao PEF nº 3336201801115022, encontrando-se eivada de erro de facto, em concreto, na medida em que considera como não provada a matéria do citado ponto A) do probatório, isto é, que «[o] Reclamante no período que esteve detido, compreendido entre 24.06.2015 a 17.04.2020, não pôde aceder à caixa postal eletrónica», quando se entende que não consubstancia facto público e notório, que, nessa medida, deveria ter sido alegado e provado pelo Recorrente e que este, no entendimento da douta Sentença recorrida, não logrou fazer;

VII. Ao contrário do que argumenta a douta Sentença recorrida, não é necessário um «conhecimento geral [d]as regras do sistema prisional na Tunísia» para se concluir que os reclusos neste país estão impedidos de aceder livremente a qualquer suporte eletrónico ou à Internet, bastando, para este efeito, um conhecimento perfunctório da falta de condições em que os reclusos são detidos neste país, na medida em que existe uma sobrelotação manifesta das celas, lhes é vedada a assistência por advogado, e não rara é a sua submissão a tortura e maus tratos psicológicos (como sucedeu com o Recorrente), que, salvo melhor entendimento, não obstante o seu cariz internacional, a generalidade de pessoas de cultura média em Portugal possui;

VIII. É que esta falta de condições já foi amplamente noticiada pelos meios de comunicação social, nas quais se divulgou que, muito recentemente, o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos ordenou as autoridades tunisinas a implementar medidas no sentido de permitir aos presos políticos neste país acesso aos seus representantes legais e a médicos e se difundiu um testemunho das condições desumanas em que os detidos se encontram, designadamente sobre a extrema sobrelotação das celas (2) - Vide, a título de exemplo, a notícia publicada pela Aljazeera e pela Middle East Eye em 01.09.2023 e 02.09.2023, respetivamente, disponíveis nos sítios https://www.aljazeera.com/news/2023/9/1/african-court-orders-tunisia-to-allow-jailed-leaders-access-to-lawyers e https://www.middleeasteye.net/news/african-court-orders-tunisia-allow-legal-access-political-prisoners. ;

IX. Foi também ostensivamente divulgada a condenação pública que a Organização das Nações Unidas (ONU) fez das condições de prisão da Tunísia em 2017, com particular destaque para a prisão de Mornagua, na qual o Recorrente esteve detido (3) - Vide, para este efeito, a sua publicação, a título de exemplo, pela Africa News, disponível em https://www.africanews.com/2017/02/04/un-condemns-poor-prison-conditions-in-tunisia/, e pelo próprio site português de notícias da ONU, disponível em https://news.un.org/pt/audio/2017/02/1197271.;

X. Esta falta de condições também publicada pela Euro-Med Human Rights Monitor em 06.10.2016, pela Amnistia Internacional em 02.04.2020, e, posteriormente, em 25.10.2021 pela Avocats Sans Frontiéres, nomeadamente, aquando da pandemia COVID-19, em virtude da enorme sobrelotação referia supra representar um risco acrescido de transmissão desta doença (4) – Estas publicações encontram-se disponíveis nos sítios https://euromedmonitor.org/en/article/1465/Tunisia-guilty-of-medieval-practices-in-prisons-detention-centers, https://asf.be/prisons-in-tunisia-inertia-of-a-repressive-system/ e https://www.amnesty.org/en/latest/news/2020/04/tunisia-authorities-should-reduce-the-number-of-detainees-during-covid19-crisis/.;

XI. A notoriedade da falta de condições destas prisões também fica patente nos inúmeros estudos e relatórios que têm vindo a ser publicados por várias organizações internacionais e sem fins lucrativos e aos quais é possível aceder livremente, que, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não poderia desconhecer e desconsiderar (vide, a título de exemplo, o estudo efetuado pela Avocats Sans Frontières em 2015, o relatório do Gabinete de Direitos Humanos da ONU de 2014 sobre o estado das prisões na Tunísia, e os relatórios elaborados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América sobre os direitos humanos na Tunísia em 2018 e em 2019 (5) - As publicações podem ser consultadas nos respetivos endereços eletrónicos: https://www.asf.be/wp-content/uploads/2015/04/ASF_TUN_Detention_201503_EN.pdf, https://www.ohchr.org/en/stories/2014/04/un-human-rights-office-reports-state-prisons-tunisia, https://www.state.gov/reports/2018-country-reports-on-human-rights-practices/tunisia/ e https://www.state.gov/reports/2022-country-reports-on-human-rights-practices/tunisia.


XII. Tendo as condições de detenção na Tunísia sido merecedoras de tamanha atenção e censura internacional, atentos as várias notícias, estudos e relatórios publicados sobre a matéria (designadamente, emanados de organizações internacionais de que o Estado Português faz parte), que são de conhecimento geral e público e das quais o Tribunal não pode desconhecer, não se pode concordar com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou de que não constitui facto notório e público que os reclusos naquele país estão impedidos de aceder à caixa postal eletrónica, sendo igualmente de rejeitar que, não obstante a notoriedade da forma como os detidos na Tunísia são tratados, designadamente, sendo impedidos de aceder aos seus representantes legais, estando sujeitos a tortura física e psicológica, sofrendo de um enorme sobrelotamento nas celas e de uma manifesta insuficiência dos mais básicos padrões de higiene, ventilação e segurança, ainda se considere verosímil que lhes seja possível aceder à Internet e às suas caixas postais eletrónicas, nomeadamente, ao Portal das Finanças;

XIII. Nesta medida, entende o Recorrente que deveria a douta Sentença recorrida ter considerado como provado que aquele se encontrou impedido de aceder à sua caixa postal eletrónica, atenta a notoriedade deste facto, que, à luz do artigo 412º do CPC, carece de ser alegado e provado, pelo que deverá este Tribunal ad quem modificar a decisão sobre a matéria de facto, corrigindo a factualidade dada como provada pelo Tribunal em conformidade, tudo ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 281º do CPPT, com todas as devidas e legais consequências;

XIV. Mas ainda que se entenda que o facto ora em causa não é público e notório, o que se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder, ainda assim não poderia o Tribunal a quo tê-lo considerado como não provado, por tal consubstanciar, no entendimento do Recorrente, um erro notório da apreciação da prova;

XV. Atento o historial de violação de direitos humanos que, lamentavelmente, se tem verificado na Tunísia desde, pelo menos, 2013 e até à presente data, cuja notoriedade se pensa ser indiscutível, uma vez que tem vindo a ser amplamente noticiado pelos meios de comunicação social (6) - Vide, para este efeito, a título exemplificativo, algumas das muitas publicações dos média sobre esta matéria, livremente disponíveis nos seguintes endereços eletrónicos: https://www.theguardian.com/world/2012/oct/23/tunisa-human-rights-amnesty, https://www.amnesty.org/en/documents/mde30/4911/2017/en/?utm_source=annual_report&utm_medium=pdf&utm_campaign=2018&utm_term=english, https://www.dnoticias.pt/2018/7/26/143031-human-rights-watch-pede-a-tunisia-adopcao-de-leis-sobre-liberdades-individuais/, https://www.jornaltornado.pt/tunisia-viola-direitos-humanos-essenciais/, https://www.amnistia.pt/tunisia-liberdade-de-expressao-em-risco-com-aumento-dos-processos-na-justica/, https://www.amnistia.pt/restricoes-abusivas-e-arbitrarias-a-viajar-na-tunisia-violam-os-direitos-humanos/, https://www.rtp.pt/noticias/mundo/21-ong-de-direitos-humanos-alertam-para-ameacas-as-liberdades-na-tunisia_n1377766., e considerando-se o demais já exposto supra quanto às condições pelas quais as prisões tunisinas se pautam, bem como o próprio facto 7) do probatório, que foi considerado provado pela douta Sentença recorrida – de que o Recorrente este preso preventivamente por mais de 5 (cinco) anos, diga-se, sem ser assistido por advogado e sem ter sido julgado ou condenado por qualquer crime, tendo-lhe sido vedado o seu direito a um processo justo e equitativo – entende o Recorrente que, salvo melhor opinião, à luz das mais básicos ditames da lógica e das regras de experiência comum, apreciadas em função do padrão do homem médio, se impunha ao Tribunal a quo concluir que não foi possível ao Recorrente aceder à sua caixa postal eletrónica (i.e., ao Portal das Finanças);

XVI. É que não se pode aceitar que, apesar do histórico de atropelos dos direitos humanos pelo estado tunisino, e a manifesta violação dos direitos do Recorrente enquanto Arguido às suas mãos, que surge evidenciada in casu e constitui prova prima facie da ineficácia do sistema penal e prisional da Tunísia para os salvaguardar, ainda assim se contemple a possibilidade de que a detenção na prisão de Mornagua é de tal forma garantística que permite aos seus presos livre acesso à Internet, ainda que não lhes forneça as mais básicas condições de salubridade e segurança – conclusão esta que, com o devido respeito, que é muito, colide frontalmente com as regras de experiência e lógica pelas quais o Tribunal a quo se devia ter guiado na apreciação do facto ora em causa, e que não podem deixar de apontar em sentido diverso do decidido;

XVII. Aliás, tal significaria que o sistema prisional tunisino seria mais garantístico, diga-se de passagem, do que o sistema penal português, uma vez que, no nosso ordenamento jurídico, a prisão preventiva é utilizada precisamente como forma de garantir a preclusão do acesso à Internet pelos arguidos e, dessa forma, impedir a prática de crimes através do uso de equipamentos informáticos, cf. decorre dos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 02.02.2016 (processo nº 72/15.3JASTB.E1), e de 21.02.2017 (processo nº 161/15.4T9RMZ-A.E1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.12.2019 (processo nº 1008/17.2PFCSC.L1-3), pelo que se pensa ser de afastar, de acordo com as elementares máximas de experiência, que o sistema prisional tunisino não se destina a vedar aos Arguidos o acesso à Internet, ao contrário do que se sucede no ordenamento jurídico de português, e que, face ao exposto supra, detém os recursos materiais ou a vontade para o possibilitar;

XVIII. Face ao que antecede, entende-se que, ao não ter dado como não provado o facto A) do probatório, a douta Sentença recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova, por tal conclusão contrariar as máximas de experiência e lógica que estão subjacentes ao apuramento da matéria de facto em causa (vide, a este respeito, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.07.2018, proferido no âmbito do processo nº 26/16.2GESRT.C1);

XIX. A notoriedade deste erro é ainda salientada em função de que, por se tratar um facto negativo, com as acrescidas dificuldades de prova que lhe são inerentes, se deve admitir uma menor exigência probatória na apreciação do facto de que o Recorrente não teve oportunidade de acesso à sua caixa postal eletrónica enquanto se encontrou preso preventivamente na Tunísia, que, se bem se percebe, o Tribunal a quo desconsiderou – vide, neste sentido, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.12.2012, e do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.04.2019, proferido no âmbito do processo nº 9477/16.1BCLSB;

XX. Em suma de tudo o que antecede, pensa-se que deveria a douta Sentença recorrida ter dado como provado que o «[o] Reclamante no período que esteve detido, compreendido entre 24.06.2015 a 17.04.2020, não pôde aceder à caixa postal eletrónica» (sublinhado nosso), para efeitos do disposto no artigo 190º, nº 6, do CPPT;

XXI. Não o tendo feito, conforme já expresso supra, a douta Sentença recorrida incorre em error in judicando sobre a matéria de facto, e, em consequência, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, sendo a douta Sentença recorrida revogada por este Tribunal ad quem e adotada a solução juridicamente aplicável ao caso sub judice, julgando-se totalmente procedente a reclamação movida pelo Recorrente, com todas as devidas e legais consequências, nos termos do disposto nos artigos 662º, nº 1, e 663, nº 2, do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT.

Termos em que e nos demais de direito deve o presente recurso ser admitido e ao mesmo ser dado provimento, declarando-se a nulidade da douta Sentença recorrida e, uma vez suprida a respetiva nulidade, ser a mesma revogada na parte ora recorrida, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de que recurso deve ser julgado improcedente, com as consequências legais.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1) A 27.06.2018, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-6, contra o Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 3336201801115022, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao período de 2015, tendo como data limite de pagamento 20.06.2018.

(cfr. fls. 2 e 3 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).

2) A 28.06.2018, foi remetido um ofício ao Reclamante, no âmbito do processo de execução n.º 3336201801115022, por VIA CTT, para a caixa postal eletrónica do reclamante, com o assunto «Citação Postal», referente a dívida de IRS de 2015, peticionando-se o pagamento do montante de €23.073,47.

(cfr. fls. 4 e 11 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).

3) A 08.06.2022, o Reclamante apresentou um requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 6, do qual consta o seguinte:

T… M…., NIF 23…, Executado nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado, tendo tomado conhecimento da sua alegada citação, em 03.07.2018, nos termos do disposto no artigo 191.º, n.ºs 4 e 6, do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT), vem, muito respeitosamente, ao abrigo do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea a) e 4 do mesmo diploma legal, arguir a

NULIDADE DE TODO O PROCESSADO, POR FALTA DE CITAÇÃO, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Conforme decorre do e-mail deste Serviço de Finanças de 28.04.2022, cuja cópia ora se junta como Doc. 1 e se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, assim como por reproduzidos se dão todos os documentos juntos com o presente requerimento, na sequência do respetivo pedido de informação acerca da citação nos presentes autos, foi o Executado informado do seguinte:

“(…)

Remetem-se os elementos solicitados relativos aos processos de execução fiscal em nome de T… M, NIF 23…..

Informamos que as citações foram efetuadas postalmente nos processos 333620160110367, 3336201601103687, 3336201601118455 e 3336201601197886 nos termos do art 191/1 CPPT. Remetem-se cópias das citações enviados.

As citações foram efetuadas pessoalmente nos restantes processos nos termos do art 191/4e 6 do CPPT. Remetem-se cópias das citações enviadas acompanhadas da respetiva provo de entrega (...)”

2. E, conforme os Docs. 2 e 3 que ora se juntam, efetivamente, consta dos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira que, em 28.06.2018, foi enviado um documento de citação para a caixa postal eletrônica do ViaCTT do Executado, tendo este se considerado devidamente citado em 07.01.2017;

3. Sucede, porem, que o Executado nunca foi citado para os presentes autos;

4. Com efeito, conforme decorre da Declaração emitida pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Tunes, cuja cópia ora se junta como Doc. 4, no período compreendido entre 24.06.2015 e 17.04.2020, o Executado esteve efetivamente preso na Tunísia, na Prisão Civil de Mornaguia na Capital Tunes; 5. E, nesse contexto, não apenas o Executado não esteve em território português, como não pôde aceder à respetiva caixa postal eletrônica, por motivo que não lhe é imputável, atentas as condições em que permaneceu no referido estabelecimento prisional;

6. Ora, nos termos do disposto no artigo 190.º, n.º6, do CPPT, «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou o ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável»;

7. Por outro lado, à luz do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, “[s]ão nulidades insanáveis em processo de execução fiscal (...) [a] falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado”;

8. Com efeito, nunca tendo o Executado chegado conhecer do ato de citação, tendo a mesma se considerada efetuada em 03.07.2018, não pôde o Executado apresentar oposição à execução ou reclamação dos atos de penhora, nos termos do disposto nos artigos 203.º e ss. e 276.º e ss. do CPPT, em manifesto prejuízo da respetiva defesa nos presentes autos;

9.º. Assim, tendo legitimidade e estando em tempo, impõe-se a anulação de todo o processado subsequente à autuação do presente processo executivo, à luz do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea a), 2 e 4, do CPPT, com todas as devidas e legais consequências, o que se requer.

Termos em que se requer, muito respeitosamente, a V. Exa. se digne anular todo o processado, concretizando-se a citação do Executado de modo a possibilitar a respetiva defesa, tudo com as devidas e legais consequências.

Junta: 4 (quatro) documentos.

(cfr. fls. 18 a 20 e 34 a 36 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).


4) A 29.06.2022, foi elaborada Informação pelo Serviço de Finanças, da qual consta o seguinte:



5) A 29.06.2022, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-6 proferiu despacho de concordância.
(cfr. fls. 34 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).

6) A 30.06.2022, foi remetido pelo Serviço de Finanças de Lisboa-6 um ofício ao mandatário do Reclamante a dar conhecimento do despacho referido no ponto anterior.

(cfr. fls. 41 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).

Mais se provou que,

7) A 24.06.2015, o Reclamante foi detido na Tunísia, tendo ficado detido na Prisão Civil de Mornaguia na Capital Tunes até 17.04.2020, data em que foi extraditado para Espanha.

(cfr. fls. 32 do doc. n.º 007619507 do Sitaf).»


*

Factos não provados

«A) O Reclamante no período que esteve detido, compreendido entre 24.06.2015 a 17.04.2020, não pôde aceder à caixa postal eletrónica.»

*

Motivação da decisão de facto

« No que se refere aos factos provados, o Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais, constantes dos autos e do processo de execução fiscal, para os quais se remete no final de cada facto, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.

No que se refere ao facto não provado, não deu o Tribunal como provado que o Reclamante no período que esteve detido, compreendido entre 24.06.2015 a 17.04.2020, não pôde aceder à caixa postal eletrónica, por não ter sido produzida qualquer prova e por não se tratar de um facto notório.

O reclamante alega que não pôde aceder à caixa postal eletrónica, no período em que esteve detido e que é um facto notório que aos reclusos dos estabelecimentos prisionais é vedado o acesso à internet, pelo que não carece de ser alegado nem demonstrado.

Vejamos.

Estabelece o n.º1 do artigo 412.º do CPC, o seguinte: «1 - Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.»

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa «1. Não carecem de prova os factos notórios, isto é, os que sejam de conhecimento e de experiência comum, de acordo com os padrões médios da coletividade de um determinado tempo e lugar. A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos: na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz; na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, não integrando apenas um saber especializado; na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita.» (negrito nosso).

Ora, desconhece o Tribunal e qualquer cidadão quais as regras do sistema prisional na Tunísia, se é permitido aceder à caixa postal eletrónica com ou sem vigilância ou se não é permitido.

Pelo não é um facto notório de que na Tunísia os reclusos estão impedidos de aceder à caixa postal eletrónica, pois não é de conhecimento geral as regras do sistema prisional na Tunísia.

Deste modo, competia ao Reclamante provar que não era possível aceder à caixa postal eletrónica e que naquele período não lhe foi permitido, o que não fez.

Em conclusão, não tendo o Reclamante provado que não pôde aceder à caixa postal eletrónica no período em que esteve detido, deu o Tribunal como não provado tal facto.»


*

- De Direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece da nulidade por excesso de pronúncia ao decidir pela ilegal cumulação de reclamações, e se ocorre erro de julgamento de facto e de direito.

No âmbito da presente reclamação, foi proferida sentença, no TT de Lisboa, que julgou a reclamação improcedente quanto ao pedido de anulação do despacho de indeferimento do processo de execução n.º 3336201801115022. Mais se decidiu, na sentença recorrida, julgar verificada a excepção de ilegal cumulação de reclamações, em virtude de não se encontrarem apensados os respectivos PEF’s.

O Recorrente não se conforma com a decisão relativa à matéria de excepção, invocando a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Refere que o Tribunal deveria ter remetido os autos ao OEF para que se pronunciasse quanto ao pedido de apensação, antes de emitir pronúncia quanto à reclamação.

Está assim em causa, por um lado, a questão da apensação dos diversos processos de execução fiscal que correm termos contra o ora Recorrente, sendo certo que a apensação foi por este requerida no requerimento inicial da presente reclamação.

Por outro lado, vem posta em causa a decisão recorrida no segmento em que considerou eficaz a citação efectuada no âmbito do PEF, não obstante o ora Recorrente ter invocado não ter tido acesso ao correio electrónico (considerado facto não provado) em virtude de, ao tempo, se encontrar detido em estabelecimento prisional na Tunísia.

Cumpre apreciar e decidir.

Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia

O Recorrente alega que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, em virtude de ter apreciado uma questão da qual não podia ter conhecido oficiosamente.

Refere que não tendo, in casu, o órgão de execução fiscal se pronunciado sobre a apensação requerida, como se lhe impunha, sempre deveria o Tribunal a quo ter solicitado a este órgão que decidisse a questão da apensação das execuções, fornecendo-lhe prazo para o efeito e aguardando os autos tal decisão, e só depois de o fazer, e caso se perpetuasse a inércia do órgão de execução fiscal, é que poderia apreciar a legalidade da cumulação de reclamações e verificar o preenchimento dos pressupostos do artigo 179º, nºs 1 e 2, do CPPT.

Dos autos resulta, e não é controvertido, que o Recorrente dirigiu 11 requerimentos junto do Serviço de Finanças de Lisboa 6 pedindo que fosse declarada a nulidade de todo o processado em cada PEF, por falta de citação.

E que foram proferidos, pelo Chefe do SF de Lisboa 6, 11 despachos de indeferimento daquele pedido de declaração de nulidade, sendo que o ora Recorrente deduziu uma única reclamação contra os referidos 11 despachos.

A sentença recorrida concluiu que os onze PEF’s não estavam apensados, pelo que considerou verificada a excepção dilatória de ilegal cumulação de pedidos referentes a processos de execução fiscal não apensados entre si, absolvendo a FP da instância quanto aos pedidos formulados no âmbito dos processos que não foram escolhidos pelo ora Recorrente (note-se que o Recorrente, à cautela, elegeu um do processos de execução para a decisão da reclamação).

Adiante-se que não tem razão o Recorrente quanto à pretendida nulidade por excesso de pronúncia.

A nulidade por excesso de pronúncia ocorre quanto o juiz conheça de questões de não podia tomar conhecimento – cfr. alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC.

No caso dos autos a questão conhecida pelo juiz – da ilegal cumulação de reclamações -, por se tratar de excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, podia ser apreciada na sentença recorrida.

Ou seja, por se tratar de questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal, não colhe a argumentação de que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia.

No entanto, a circunstância de não ocorrer a nulidade da sentença, não significa que a questão não possa ser apreciada na perspectiva do erro de julgamento, o que faremos em seguida.

Improcede, face ao exposto, a pretendida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.


*

Importa, agora, verificar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter decidido julgar verificada a excepção dilatória inominada de ilegal cumulação de pedidos.

Como se refere na sentença recorrida, e consta do requerimento dirigido pelo Recorrente ao Chefe do SF de Lisboa 6 a fls.2, foi pedida a apensação dos processos de execução fiscal a correr termos contra o Recorrente.

Não é, pois, controvertido o facto de ter sido pedida a apensação dos processos de execução fiscal no requerimento que formalizou a dedução da presente reclamação.

Acresce que não há notícia nos autos de que tal pedido tenha sido apreciado pelo OEF.

A informação prestada pelo OEF, a solicitação do Tribunal, limitou-se a referir quais os processos apensados entre si, não constituindo a formalização da resposta ao pedido de apensação formulado pelo Recorrente.

O certo é que a sentença recorrida entendeu ser ilegal a cumulação de reclamações por ter concluído não estarem apensados os processos executivos.

A nosso ver, mal.

Isto porque, estando pendente o referido pedido de apensação de processos, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6, caberia ao tribunal, antes de decidir, determinar a baixa dos autos ao Serviço de Finanças para que fosse proferida decisão quanto ao pedido de apensação.

Ora, considerando que a Reclamação é apresentada junto do órgão de execução fiscal onde pende a execução (nº2 do artigo 277.º do CPPT), cabia-lhe, antes da subida da Reclamação, proferir decisão sobre a apensação e notificar tal decisão com cumprimento do disposto no n.º 2, do artigo 36.º do CPPT, indicando os meios de defesa do executado, nomeadamente o direito de reclamar nos termos do artigo 276.º do CPPT. Não o tendo feito, importa, agora, que seja proferido despacho pelo Juiz do TT de Lisboa nesse sentido.

Isto porque só depois de estabilizada a decisão relativa ao pedido de apensação de processos executivos é que estaria o Tribunal munido dos elementos necessários à decisão de uma eventual ilegal cumulação de pedidos.

A propósito da necessária decisão do pedido de apensação de processos executivos, embora a propósito de um processo de oposição e não de reclamação, por pertinente, veja-se o que se decidiu no Acórdão do STA de 27/02/2019, proferido no âmbito do processo n.º 0252/18.0BEPNF:

“A questão que se suscita nos autos consistente em saber se na situação dos autos é admissível a dedução de uma única oposição a vários processos de execução não apensados todos entre si já foi tratada por este STA e, numa linha de entendimento diverso do seguido na sentença recorrida.


Por concordarmos com a expressão do acórdão de 11/01/2017 tirado no recurso nº 54/16 passamos a citar o mesmo cuja jurisprudência se aplica ao presente caso ressalvadas naturalmente as especificidades próprias de ambos os processos. Ali, além do mais se expendeu: (…) Porém, no caso concreto há circunstancialismos próprios que impõem que tal doutrina, que este Supremo Tribunal tem vindo a seguir, seja interpretada de forma a que se conforme com os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, de modo a que se atinja, em última ratio, uma decisão equilibrada e justa do ponto de vista material.
É sabido que a apensação dos processos de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, deve seguir uma lógica economicista, isto é, devem ser apenas praticados os atos estritamente necessários para o bom andamento dos processos, devendo, por isso, reunir-se num único todos os processos em que seja previsível que sejam praticados no mesmo espaço temporal os mesmos atos processuais relativamente ao mesmo sujeito, e por outro, uma lógica de eficácia do julgamento, se é previsível que o mesmo sujeito discuta a “legalidade” da própria execução, cfr. artigo 204º do mesmo CPPT, invocando razões que, inerentes a si próprio se estendem e são idênticas nas diversas execuções e sua tramitação, o “bom” julgamento só se obterá se for uno e abranger as diversas execuções, cfr. acórdão datado de 30.11.2016, recurso n.º 01233/16.
Tendo em conta estas razões que impõem a apensação, naturalmente que se trata de um ato a praticar no(s) processo(s) de execução fiscal ex officio pelo órgão de execução fiscal, ou seja, deve ser praticado independentemente de o interessado particular formular um pedido expresso nesse sentido (ou de existir uma ordem expressa nesse sentido por parte do juiz), e terá que existir uma pronúncia sobre tal questão sempre que a mesma seja suscitada no processo, de forma direta ou indireta, o que é imposto pelo disposto no n.º 1 do artigo 179º do CPPT - correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase.
Permitir-se que o órgão de execução fiscal omita por completo a pronúncia sobre a questão da apensação de execuções fiscais, depois de suscitada pelo interessado directo na mesma, constituiria uma violação grosseira dos princípios da legalidade e da igualdade que enformam todo o direito fiscal, quer substantivo, quer processual, uma vez que a sua intervenção está sempre condicionada por tais princípios, o que afasta, desde logo, qualquer tipo de discricionariedade de actuação, que poderia, em última instância, ser o fundamento para a omissão de tal pronúncia.

Tratando-se, como se trata, o processo de execução fiscal de um processo judicial, cfr. artigos 103º da LGT, 151º e 276º do CPPT, as questões aí colocadas, direta ou indiretamente, devem ser decididas pelo juiz ou pelo órgão de execução fiscal, com possibilidade de o juiz sindicar tal apreciação, não se formando, em qualquer circunstância, um deferimento ou indeferimento tácito a exemplo do que se passa no procedimento administrativo/tributário; ou seja, no âmbito do processo judicial o silêncio do titular do processo, por si ou por intermédio do coadjuvante, não tem valor de ato, não tem valor jurídico, antes constituindo uma falta ou omissão que deve ser suprida logo que seja detetada, tanto mais que a pronúncia expressa sobre as questões suscitadas no processo ou conhecidas oficiosamente adquirem o valor de caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 619º e ss. do CPC.

Não se quer com isto dizer que todas as questões de conhecimento oficioso devam ser oficiosamente apreciadas de forma expressa mesmo que se entenda não se verificarem, na verdade apenas devem ser conhecidas por iniciativa do titular do processo quando o mesmo entenda que se verifiquem, porém, logo que suscitadas pela parte, ainda que o titular do processo já tenha interiorizado a sua não verificação, devem ser conhecidas sem mais demora, sob pena de omissão ilegal de um ato processual devido, cfr. artigo 13º do CPPT.
E isto é assim, quer a questão seja suscitada no processo principal, processo de execução fiscal, quer seja suscitada na oposição à execução fiscal que corre por dependência daquela, cfr. artigos 207º e 208º do CPPT; independentemente do processo onde seja suscitada a questão, a mesma é de conhecimento obrigatório uma vez que tem influência direta e imediata na tramitação de ambos os processos.

De todos os modos, a questão da apensação das execuções fiscais, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, apenas se coloca para o órgão de execução fiscal a partir do momento em que as execuções são instauradas e para o interessado a partir do momento em que é citado para as execuções.

E, portanto, este apenas pode requerer ou introduzir nos autos a questão da apensação de várias execuções após a sua citação, e deve fazê-lo no momento em que deduz a oposição à execução fiscal, uma vez que é nesse momento que tem a primeira intervenção processual, cfr. acórdão proferido no recurso n.º 01233/16, e quanto a si todas as execuções estarão na mesma fase processual.

Vejamos então o caso concreto.

Na concreta situação dos autos o executado/oponente requereu a apensação dos diversos processos de execução fiscal na petição de oposição, ou seja, na primeira intervenção processual legalmente prevista que ocorre após a citação, que dirigiu e entregou nos serviços do órgão de execução fiscal.

Sendo certo que o órgão de execução fiscal nada disse a esse respeito, tendo vindo a Fazenda Pública, na resposta à oposição invocar a não apensação prévia de todas as execuções, para que fosse determinada a absolvição a instância.
Ou seja, a administração fiscal não só não cumpriu a obrigação que sobre si impendia enquanto órgão de execução fiscal, conhecimento da questão da apensação das várias execuções, posto que as questões de conhecimento oficioso podem e devem ser invocadas a todo o tempo pelos interessados, como ainda pretende retirar efeitos processuais negativos para o interessado, enquanto entidade exequente, invocando uma realidade processual que decorre dessa sua omissão ilegal de prática de ato processual.
Mas, no caso concreto, a situação ainda se torna mais gritante, sob o ponto de vista da violação do princípio da proporcionalidade e da justiça, porque se tratam de execuções fiscais, também, de coimas aplicadas em processos de contraordenação, relativamente às quais não foi cumprido o disposto nos artigos 25º e 29º, do Cód. Proc. Penal, cfr. acórdão datado de 04.03.2015, recurso n.º 01396/14, isto é, não foi ordenada a organização de um só procedimento, nem foi ordenada a apensação dos vários procedimentos.
Ou seja, no caso dos autos,
a oposição não pode ser julgada, de mérito ou de forma, até que o órgão de execução fiscal decida a questão da apensação das execuções, o que se lhe impõe, como atrás vimos, por dever de ofício. Impondo-se, por conseguinte, que estes autos aguardem a tramitação processual adequada e necessária a tal questão e, só após se ter concluído com decisão transitada em julgado que tal apensação não é possível, nem viável (ou seja, se houver reclamação de eventual decisão de improcedência, apenas após o trânsito em julgado da respetiva decisão), é que poderá ser decidida a questão suscitada pela Fazenda Pública no tocante à não apensação das execuções.
E, no caso de o órgão de execução fiscal não se pronunciar sobre a questão da apensação, por negligência ou por se recusar a fazê-lo, então o juiz deverá certificar-se da verificação dos requisitos previstos nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 179º do CPPT e ordenar o prosseguimento da oposição relativamente a todas as execuções, incumbindo posteriormente ao órgão de execução fiscal adequar a tramitação das diversas execuções entre si.
Assim, e nesta medida, impõe-se a revogação da decisão recorrida. (…)”.
Regressando ao caso dos autos, concluímos, na senda do entendimento vertido no Acórdão do STA citado, que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência impõe-se a revogação da decisão recorrida.

Pelo exposto, importa revogar a decisão recorrida, regressando os autos à 1.ª instância, para que, se a tal nada mais obstar, seja proferido despacho a ordenar ao Serviço de Finanças que decida o pedido de apensação de execuções fiscais, com a consequente baixa dos autos ao SF e, posteriormente, deverão os autos prosseguir a devida tramitação legal.

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento do demais invocado no presente recurso.


*




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para aí ser proferido despacho nos termos supra referidos, e demais tramitação legal.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, de 29 de Fevereiro de 2024

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria de Lurdes Toscano)