Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:184/08.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:OPOSIÇÃO
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA DOS FACTOS
EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:
I. A ausência de impugnação especificada dos factos não comporta a confissão dos mesmos em processo tributário.

II. Tendo a oponente apresentado garantia bancária e o PEF ficado, por essa via, suspenso, ao recurso pela mesma interposto deve ser conferido efeito suspensivo.

III. A legalidade em concreto das liquidações que dão origem à dívida exequenda não é, salvo casos excecionais, suscetível de apreciação em sede de oposição à execução fiscal.

IV. Tendo sido a oponente notificada, em sede de procedimento inspetivo, para efeitos de exercício do direito de audição, as liquidações do mesmo resultantes podem ser notificadas via correio postal registado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

T....., Lda (doravante Recorrente ou Oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 07.02.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ....., instaurado no Serviço de Finanças (SF) de Oeiras 2, para cobrança de dívidas de IVA, referentes aos anos de 2003 e 2004, e respetivos juros compensatórios.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1 - Oportunamente a Recorrente prestou garantia bancária conforme consta de fls.96 da Oposição e até da informação na fls. 677.

2 - Cumpriu, assim, a Recorrente o disposto no artigo 286º. nº.2 do C.P.P. Tributário.

3 - 0 despacho que recebeu o recurso, por evidente lapso e ao contrário do requerido efeito suspensivo, fixou ao recurso efeito devolutivo.

4 -Assim, deve ser alterado o efeito do recurso fixando-lhe efeito suspensivo.

5 - À Recorrente, conforme se verifica da análise dos documentos de fls. 682, 686 e 687, não foi eficazmente concedido o Direito de Audição.

6 - Com efeito, verifica-se de fls. 687 que a notificação remetida à Recorrente em 12-01-2007, com Aviso de Recepção, não foi recebida pela Recorrente, tendo sido devolvida à Autoridade Tributária.

7 - A Autoridade Tributária perante o conhecimento de não haver sido recebida a notificação para exercer um Direito de Audição deveria ter repetido a notificação, conforme imposto pelo nº 5 do artigo 39º do C. P. P. Tributário.

8 - Tal é também imposto pelos princípios impostos pelo artigo 59º da L.G.Tributária e a obrigação que consta da alínea a) do nº 1 do artigo 60º da L. G. Tributária.

9 - Aquela omissão gera a nulidade do Processo de Inspecção Tributária.

10 - Apesar de não ter sido concedido, legalmente, à Recorrente o exercício de Direito de Audição, a Entidade inspectiva elaborou o relatório e conclusões, que remeteu à Recorrente em 05 de Março de 2007.

11 - A Recorrente não pode, nem previamente nem posteriormente, tomar posição relativamente à matéria de Relatório e Conclusões.

12 - Com efeito, da notificação de 05 de Março consta claro que a Recorrente não pode reclamar nem impugnar aquele acto.

13 - Tal omissão gera nulidade do Relatório e Conclusões, nulidade que pode ser arguida a todo o tempo conforme dispõe o nº 3 do artigo 102º do C. P. P. Tributário.

14 - Assim, procedendo a Autoridade Tributária à Notificação da Recorrente para exercer o Direito de Audição, relativa ao Processo Inspectivo, exercerá a Recorrente o seu Direito.

15 - Todo o Processo inspectivo a partir da data da remessa da notificação de 17.01.2007 e posterior Processo Executivo deve ser declarado nulo.

16 - As informações que constam das fls. 677 e 724 a 728 não correspondem à realidade.

17 - Desde logo, o que consta da informação da fls. 677, está em contradição com o que consta dos documentos a fls. 678 a 681.

18 - Referem a fls. 678/679, Notas de Cobrança (?!) com Aviso de Recepção - I.V.A., (21 notas) mas a fls. 679 a 681 referem Notas de Cobrança (?!) sem Aviso de Recepção (25 notas)

19 - Não esclarece que I.V.A. está em causa, se o das correcções se de juros, nem se o que está em causa é a matéria da presente execução.

20 - Sabemos da análise dos documentos que uns foram recepcionados outros não, conforme consta de fis. 697 a 703 e 706 a 710.

21 - Não consta do processo que as liquidações, conforme articulou a Recorrente no artigo 4º. da petição, relativas às correcções de I.V.A. de 2003 e 2004 tenham sido recebidas.

22 - Esclarece-se que a Recorrente é uma empresa multinacional que recebe dezenas de cartas diariamente e inúmeras notificações da Autoridade Tributária, dado o seu volume de negócios.

23 - Repete-se - As informações das Entidades Tributárias, referidas na sentença - fls. 677 - contém informação errada, mas nela se fundamentou a sentença recorrida.

24 - É pela citação para a Execução, datada de 5 de Julho de 2007, foi feita à Recorrente, que esta tomou conhecimento, através das certidões de divida, das liquidações das correcções de IVA e liquidação de juros.

25 - Assim, face à impossibilidade que a Recorrente teve de deduzir Impugnação ou Reclamação das liquidações do IVA, quer no que se refere ao Projecto de Relatório da Acção Inspectiva - ( notificação não recebida de Janeiro de 2007) - quer da expressa referencia à impossibilidade de reclamar ou impugnar o Relatório da Inspecção, só restava à Recorrente recorrer à dedução de Oposição à Execução, conforme consta da alínea h) do n°. 1 do artigo 204°. e n°.2 do C.P.P.Tributário.

26 - Ali se refere que sempre que a lei não assegure meio judicial de Impugnação ou Recurso, segue-se os termos da Impugnação ( n°.2 daquele artigo)

27 - Aquando da citação para a Execução, conforme consta da Nota de Citação, não restava à Recorrente outro meio legal que não a dedução de Oposição à Execução.

28 - Mas a Recorrente articulou matéria de facto e juntou documentos.

29 - Nem a matéria de facto nem os documentos foram impugnados.

30 - Em consequência deve ser julgada provada, conforme o artigo 574°. do Código do Processo Civil, toda a matéria de facto articulada na petição de Oposição à Execução.

31 - Acresce que a Recorrente arrolou Testemunhas.

32 - Cumprindo o despacho de fls.764 indicou a matéria a que deviam ser inquiridos, conforme fls. 767.

33 - A Recorrente requereu diligencias de prova, mormente que terceiros prestassem informações relativas ao pagamento de IVA em causa.

34 - Tal requerimento não foi objecto de pronuncia, nem deferindo nem indeferindo o Requerimento, tendo-se avançado para a prolação da sentença, o que determina a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

35 - Por despacho de fls. 773, considerou-se que atendendo à prova documental junta ao processo - documentação não impugnada - era dispensável a prova testemunhal.

36 - Reforça-se, é obrigação da Autoridade Tributária agir de boa-fé com os contribuintes e colaborarem com eles, artigo 59°. da Lei Geral Tributária.

37 - Permitir que os contribuintes através do Direito de Audição participem nas decisões de Liquidação dos Tributos ( alínea a) do n°.1 do artigo 60°. da Lei Geral Tributária).

38 - Tais deveres da Administração Tributária não foram cumpridos, nem à Recorrente foi concedido o exercício desses direitos.

39 - Tal gera a nulidade por um lado, da liquidação dos impostos e por outro concede- Ihe como único recurso legal de se opor à Execução a respectiva Oposição.

40 - A sentença recorrida fez errado julgamento da matéria de facto alegada pela Recorrente face à documentação que consta do processo, devendo ter sido julgada provada toda a matéria de facto articulada na petição.

41 - A sentença recorrida fez errada aplicação dos artigos 2 e alínea h) do n°. 1 e n°.2 do artigo 204°. do C.P.P.Tributário.

- Deve ao presente recurso ser fixado efeito suspensivo.

- Deve a sentença ser revogada decidindo-se que a Recorrente não foi notificada das liquidações de IVA e respectivos juros, só tendo tomado conhecimento das liquidações de tais tributos, com a citação para a Execução,

- Julgando-se que o meio próprio para defesa da Recorrente era a Oposição á Execução.

- Julgando-se, até, a sentença nula por omissão de Pronúncia.

Se assim não fôr decidido.

- Deve ser declarado nulo o Procedimento Inspectivo, ordenando-se que a Recorrente seja notificada para exercer o Direito de Audição relativamente ao Projecto de Relatório da Acção Inspectiva, declarando-se nulos todos os actos processuais posteriores”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Ao presente recurso deve ser conferido efeito suspensivo?
b) Verifica-se nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, no tocante à diligências de prova requeridas?
c) Verifica-se erro no julgamento da matéria de facto?
d) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que as liquidações em causa são nulas, por não ter sido concedido à Recorrente o direito de audição?
e) Verifica-se erro de julgamento, por errada aplicação dos art.ºs 2.º e 204.º, n.ºs 1, al. h) e n.º 2, do CPPT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Com base nas ordens de serviços n.ºs ..... e ....., para os exercícios de 2003 e 2004, foi despoletada uma acção de inspecção à contabilidade do Oponente, tendo sido efectuadas correcções de natureza meramente aritméticas de €22.105,35, e €38,181,94, referente a IVA, com fundamento no facto do Oponente ter deduzido IVA, sem os comprovativos previstos no n.º 5 do artigo 71.º do CIVA [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 682 a 694 dos autos].

B. A Oponente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia, do teor do projecto de relatório de inspecção [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 682 a 694 dos autos].

C. Em nome da Oponente foram emitidas liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, e dos correspondentes juros compensatórios, remetidas para a sede da mesma por carta registada, e recebidas em 16.04.2007 [cf. documentos a fls. 679 a 681, 695 a 710 e 714 a 723 dos autos].

D. A 04.07.2007 foi instaurado contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º ....., a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 2, para cobrança de dívida de IVA e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, pela quantia exequenda de €66.188,04 [cf. informação a fls. 667 dos autos].

E. A 11.07.2007 foi a Oponente citada em sede do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior [cf. informação a fls. 667 dos autos].

F. A 10.09.2007 foi apresentada a petição inicial correspondente aos presentes autos [cf. informação a fls. 677 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em eliminar o facto B. mencionado em II.A., porque conclusivo.

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração[1].

Nesse seguimento, é a seguinte a redação dos factos que C. e D., referidos em II.A., sendo que o facto C será desagregado em cinco factos:

C.1. Em nome da Oponente foram emitidas liquidações adicionais de IVA, referentes aos meses dos anos de 2003 e 2004, e dos correspondentes juros compensatórios [cf. documentos a fls. 679 a 681, 695 a 710 e 714 a 723 dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem].

C.2. As liquidações de IVA mencionadas em C.1. foram remetidas à Oponente, via correio postal registado (cfr. fls. 680, 681 e 706 a 710).

C.3. A empresa distribuidora de correio postal registou, relativamente aos vinte e quatro objetos postais consubstanciados nas liquidações em causa, o seguinte:

a) a 16.04.2007: entrega não conseguida; destinatário tem apartado, avisado;

b) a 16.04.2007: entrega conseguida (cfr. fls. 680, 681 e 706 a 710).

C.4. As liquidações de juros compensatórios mencionadas em C.1. foram remetidas à Oponente, via correio postal registado com aviso de receção (cfr. fls. 714 a 720).

C.5. Nos avisos de receção mencionados em C.4., foram apostas assinatura no campo para preenchimento pelo destinatário e data (cfr. fls. 714 a 720).

C.6. A empresa distribuidora de correio postal registou, relativamente aos vinte e um objetos postais consubstanciados nas liquidações de juros compensatórios mencionadas em C.4. em causa entrega conseguida, em datas compreendidas entre 16.04.2007 e 20.04.2007 (cfr. fls. 697 a 703 e 714 a 720).

D. A 04.07.2007 foi instaurado contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º ....., a correr termos no SF de Oeiras 2, para cobrança de dívida exequenda de 66.188,04 Eur., relativa a:

Natureza da dívida
Período
Valor
IVA
2003
01
121,66
IVA
2003
02
5.845,47
IVA - juros
2003
02
671,99
IVA
2003
03
93,76
IVA
2003
04
381,74
IVA - juros
2003
04
40,66
IVA
2003
05
459,12
IVA - juros
2003
05
47,45
IVA
2003
06
1.311,23
IVA - juros
2003
06
130,91
IVA
2003
07
1.651,22
IVA - juros
2003
07
159,42
IVA
2003
08
789,97
IVA - juros
2003
08
73,67
IVA
2003
09
4.402,15
IVA - juros
2003
09
395,59
IVA
2003
10
550,79
IVA - juros
2003
10
47,68
IVA
2003
11
5.579,33
IVA - juros
2003
11
462,86
IVA
2003
12
1.012,67
IVA - juros
2003
12
80,79
IVA
2004
01
1.751,67
IVA - juros
2004
01
204,25
IVA
2004
02
2.938,99
IVA - juros
2004
02
332,07
IVA
2004
03
636,34
IVA - juros
2004
03
69,95
IVA
2004
04
4.817,95
IVA - juros
2004
04
512,68
IVA
2004
05
4.056,82
IVA - juros
2004
05
417,91
IVA
2004
06
3.898,67
IVA - juros
2004
06
389,23
IVA
2004
07
4.224,38
IVA - juros
2004
07
407,39
IVA
2004
08
4.588,50
IVA - juros
2004
08
426,92
IVA
2004
09
39,23
IVA
2004
10
1.751,37
IVA - juros
2004
10
151,43
IVA
2004
11
8.168,95
IVA - juros
2004
11
677,69
IVA
2004
12
1.311,07
IVA - juros
2004
12
104,45

[cfr. PEF apenso – fls. 2 a 46].

II.F. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

G. No âmbito da ação inspetiva mencionada em A., foi elaborado, pelos serviços da administração tributária (AT), projeto de relatório de ação inspetiva (cfr. fls. 683 a 685).

H. Foi remetido, via correio postal registado (registo .....) pelos serviços da AT, ofício, datado de 11.01.2007, dirigido à Oponente e relativo ao projeto de relatório mencionado em G., para efeitos, designadamente, de exercício do direito de audição (cfr. fls. 682 a 686).

I. A empresa distribuidora de correio postal registou, relativamente ao objeto mencionado em H., o seguinte:

a) a 16.01.2007: entrega não conseguida; destinatário ausente, empresa encerrada, avisado;

b) a 17.01.2007: entrega conseguida (cfr. fls. 687 e 688).

J. No âmbito do PEF mencionado em D. foi prestada, a 17.10.2007, garantia bancária pela oponente, para efeitos de suspensão do processo (cfr. fls. 677, dos autos, e fls. 96 do PEF apenso).

K. Na sequência do referido em J., o PEF mencionado em D. foi suspenso (cfr. fls. 97 do PEF apenso).

II.G. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no tocante à decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo que articulou factos e juntou documentos, nunca impugnados, motivo pelo qual deve ser julgada provada toda a matéria de facto articulada na sua petição, atento o disposto no art.º 574.º do CPC.

Ademais, ao longo das suas alegações, vai fazendo menção a alguns dos elementos documentais constantes dos autos, designadamente relativos ao exercício do direito de audição e à emissão das notificações, pondo ainda em causa o teor de informações emitidas pela AT face ao teor de documentos constantes dos autos.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[2].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ]cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­se-lhe os ónus já mencionados[3].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, não são indicados quaisquer pontos de facto que se entendam incorretamente julgados nem que alteração (por aditamento, correção ou supressão) deveria ocorrer na decisão proferida sobre a matéria de facto. Logo, não foram, por consequência, indicados os meios probatórios pertinentes para qualquer alteração à decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que a mera indicação de documentos constantes dos autos não cumpre as exigências estipuladas pelo art.º 640.º do CPC.

Da mesma forma, não é admissível a indicação, sem mais, de que todos os factos articulados na petição inicial se devem considerar provados, por ausência de impugnação. Abstraindo da circunstância de a ausência de impugnação especificada dos factos não comportar a confissão dos mesmos em processo tributário, a metodologia adotada pela Recorrente não obedece, como referimos, aos ónus exigidos pelo art.º 640.º do CPC.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do efeito do recurso

Entende, desde logo, a Recorrente que ao presente recurso deve ser conferido efeito suspensivo, dado ter prestado garantia bancária.

Vejamos.

Nos termos do art.º 286.º, n.º 2, do CPPT:

“2 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos”.

In casu, como resulta provado, a Recorrente prestou garantia bancária, motivo pelo qual ao recurso deveria ter sido conferido efeito suspensivo e não devolutivo.

Não obstante ter sido proferido pelo Tribunal a quo despacho de admissão de recurso com efeito devolutivo, atento o disposto no art.º 641.º, n.º 5, do CPC, tal despacho não vincula o Tribunal superior.

Como tal, confere-se efeito suspensivo ao presente recurso.

III.B. Da omissão de pronúncia

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, porquanto nunca se pronunciou sobre requerimento atinente a diligências de prova.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que o que a Recorrente configura como nulidade por omissão de pronúncia é, na verdade, quando muito, uma nulidade processual secundária.

Com efeito, em termos de conceptualização da omissão de pronúncia, a mesma respeita ao conhecimento das questões suscitadas pelas partes quanto à matéria controvertida, que, in casu, foram conhecidas, considerando, numa das situações, o Tribunal a quo que o alegado era fundamento de impugnação judicial e não de oposição à execução fiscal e, no outro, entendendo não assistir razão à Recorrente.

Coisa diferente é a eventual existência de irregularidades no processado, que podem ou não redundar em nulidade processual secundária.

Ou seja, o alegado poderá, eventualmente, configurar-se como irregularidade processual (omissão de um ato que a lei prescreve), sendo, em abstrato, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, passível de ser considerada nulidade processual secundária.

Atento o disposto no art.º 196.º do mesmo código, tal nulidade tem de ser arguida. Em regra, as nulidades processuais secundárias devem ser arguidas nos termos previstos no art.º 199.º do CPC, considerando ainda o prazo geral de dez dias previsto no art.º 149.º do mesmo código. Nos casos em que a omissão só é conhecida com a notificação da sentença, consumando-se com a sua prolação, é admissível a arguição da nulidade em causa nas alegações de recurso[4].

Feito este introito, passemos então à apreciação do alegado pela Recorrente.

Atenta a petição inicial, da mesma decorre que a Recorrente arrolou testemunhas e requereu que fossem oficiadas as entidades destinatárias das notas de crédito (notas de crédito essas que identifica), para que as mesmas informassem se a Recorrente lhas remeteu.

Como refere a Recorrente nas suas alegações, sobre a prova testemunhal requerida foi proferido despacho a 14.09.2017, no sentido de que, considerando os factos alegados como fundamentos da oposição (face às causas de pedir admitidas em sede de oposição, nos termos do art.º 204º do CPPT), e atendendo à prova documental junta aos autos e ao processo de execução fiscal apenso, era dispensável a produção de prova testemunhal.

Como decorre do mencionado despacho, nada é referido em relação às demais diligências.

Entretanto, é proferido despacho, para efeitos de apresentação de alegações ao abrigo do art.º 120.º do CPPT, de que a Recorrente foi notificada, tendo, aliás, apresentado tal articulado.

Ora, com a notificação para a apresentação das alegações, momento que dita o fim da instrução em primeira instância, fica estabilizado que, em relação às demais diligências requeridas, o Tribunal nada tinha decidido, pelo que cabia à Recorrente, nesse momento, suscitar a nulidade processual secundária em causa. Não o tendo feito, a situação sedimentou-se na ordem jurídica, não podendo agora, em sede de recurso, vir suscitá-la.

Ademais, ainda que se considerasse admissível suscitar na presente sede tal omissão de prolação de despacho, sempre se estaria perante uma irregularidade processual, que, não influenciando no exame ou decisão da causa, não conduziria a qualquer anulação de processado. Com efeito, as diligências requeridas respeitam à legalidade em concreto da liquidação, que, como veremos adiante de forma mais detalhada, não são fundamento de oposição à execução.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Da nulidade, por preterição do direito de audição

Considera, por outro lado, a Recorrente que, em sede de ação inspetiva, foi preterido o exercício do direito de audição, motivo pelo qual o procedimento inspetivo é nulo, comportando a nulidade de todos os autos ulteriores, questão suscetível de apreciação a todo o tempo.

Vejamos.

Como resulta das alegações de recurso, a Recorrente pretende que seja apreciada uma questão nova (concretamente o vício de falta de notificação para efeitos de audição prévia no âmbito do procedimento inspetivo), questão esta nunca suscitada na petição inicial e que, não sendo de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem.

Nos moldes em que vem, então, alegada trata-se de questão nova (ius novorum).

Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais[5], sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação[6], o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. “Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”[7].

Esta conclusão não se altera pelo facto de o Recorrente invocar que a alegada irregularidade comporta a nulidade do procedimento (sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo – cfr. art.º 162.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo - CPA).

Com efeito, são circunscritos os casos que o nosso ordenamento considera suscetíveis de conduzir à nulidade (sendo, pois, que nos demais casos a sanção é de anulabilidade).

A este respeito, como resulta do art.º 161.º do CPA:

“1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido”.

Ora, uma alegada falta de notificação para efeitos de exercício do direito de audição é um vício do procedimento, nunca sendo cominada com nulidade, mas sim com anulabilidade.

Ademais, nunca a questão em causa poderia ser objeto nos termos alegados de apreciação na presente sede, dado estarmos perante uma oposição à execução fiscal, e tal eventual irregularidade, na forma como foi suscitada, tem a ver com a legalidade em concreto das liquidações.

Com efeito, cumpre atentar no âmbito dos processos de oposição à execução fiscal e, bem assim, nos fundamentos que lhe podem estar subjacentes.

A oposição é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos enunciados no art.º 204.º do CPPT.

Nos termos desta disposição legal:

“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;

b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;

d) Prescrição da dívida exequenda;

e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;

f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;

g) Duplicação de coleta;

h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;

i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título…”.

Cumpre aferir do alcance das alíneas a) e h) transcritas supra.

Em regra, a legalidade da dívida exequenda não é passível de apreciação em sede de oposição à execução fiscal. Assim, quando estamos perante tributos, a forma de reação contra ilegalidades das liquidações (onde se incluem irregularidades do procedimento inspetivo) é através da competente impugnação judicial.

Representam exceção as situações de ilegalidade abstrata, previstas na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, e as situações em que a lei não confira meio judicial de impugnação ou recurso, previstas no art.º 204.º, n.º 1, al. h)[8], do mesmo código.

Centrando-nos no art.º 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, como referido, o mesmo abarca as situações de ilegalidade em abstrato ou absoluta da liquidação, onde, no fundo, o que está em causa não é a mera legalidade de uma liquidação em concreto, mas sim a própria legalidade do tributo, ou seja, a ilegalidade decorre da própria lei cuja aplicação foi feita ou da inexistência sequer de norma[9].

“Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. // Inserem-se ainda neste conceito de ilegalidade abstracta os casos em que a norma que foi aplicada no acto de liquidação não podia sê-lo por qualquer outra razão, como é o caso de existir lei especial que estabeleça a ineficácia de quaisquer normas” [10].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.03.2019 (Processo: 0558/15.0BEMDL 0176/18):

“… [A] ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação (…) distingue[-se] da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado”.

Já quanto à alínea h), a mesma visa tutelar a parte naqueles casos em que inexiste, em abstrato, qualquer meio na lei de impugnação do ato que está na origem da dívida exequenda.

Como tal, esta norma não visa abranger situações de eventuais irregularidades no procedimento inspetivo, por preterição do direito de audição, nos termos alegados, mas sim aquelas situações em que a própria lei não prevê uma forma de reação contra o ato em causa – o que não é o caso, dada a existência de meio próprio, a saber a impugnação judicial.

Portanto, não assiste razão à Recorrente.

III.D. Do erro de julgamento, por errada aplicação dos art.ºs 2.º e 204.º, n.ºs 1, al. h) e 2, do CPPT

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ainda que de forma ampla, entendendo que deveria ter conhecido de fundo de todos os fundamentos alegados.

Recordemos que, in casu, a Recorrente alegou, em suma, duas questões na sua petição de oposição:
a) Ilegalidade em concreto das liquidações;
b) Falta de notificação das liquidações.

Ora, como já deixamos expresso supra, a ilegalidade em concreto das liquidações em regra não pode ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal, exceto se, em abstrato, inexistir outro meio processual para o efeito.

Tal não é o caso das liquidações de IVA e de juros compensatórios, cujo meio de reação, como já referimos, está previsto na lei – a impugnação judicial.

A menção feita pela Recorrente à notificação de 05.03.2007 (cfr. fls. 689), atinente ao relatório de inspeção tributária (RIT) não tem, por outro lado, a consequência que é retirada nas alegações. É certo que, dessa notificação, consta a menção de que não cabe impugnação direta do RIT. E de facto assim é, atento o princípio da impugnação unitária, previsto no art.º 54.º do CPPT (nos termos do qual, “[s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”).

Assim, serão objeto de impugnação as liquidações que resultem da ação inspetiva, na sequência da respetiva notificação. E mesmo que essa notificação não ocorra, tal não impede que o contribuinte impugne o ato tributário quando venha a dele ter conhecimento, sendo essa falta de notificação relevante para efeitos de caducidade do direito de ação.

Em suma, existe um meio próprio para discutir as questões atinentes à legalidade em concreto das liquidações e esse meio é a impugnação judicial.

Como tal, bem andou o Tribunal a quo ao não conhecer as causas de pedir relativas à legalidade em concreto das liquidações, não assistindo razão à Recorrente.

III.E. Do erro de julgamento, quanto à notificação das liquidações

Considera, por outro lado, a Recorrente que apenas com as citações teve conhecimento das liquidações em causa, tendo o Tribunal a quo partido de informações da AT incorretas.

Vejamos.

A falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º, do CPPT.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.09.2013 (Processo:     0578/13):

“[E]ncontra-se hoje firmada a orientação jurisprudencial entretanto adoptada pelo STA, no sentido de que a ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.

Com efeito, é esta a orientação seguida nos recentes acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário em 2/02/2011, no processo nº 0803/10, em 28/09/2011, no processo nº 0473/11, em 20/06/2012, no processo nº 0378/12, em 26/09/2012, no processo nº 0251/12, todos em consonância, de resto, com a jurisprudência contida no acórdão proferido pelo Pleno da Secção em 7/07/2010, no processo nº 0545/09, que subscreve, por sua vez, a fundamentação vertida no acórdão igualmente proferido pelo Pleno em 20/01/2010, no processo nº 0832/08, que inteiramente sufragamos, pelo que, face à sua proficiência, nos limitaremos, nessa parte, também aqui a reproduzir:

«(…) Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, nº 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado. Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);

– de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;

– de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;

– de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;

– de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,

– de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;

– de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;

– de 23-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;

– de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e

– de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;

– de 3-5-2000, recurso n.º 22608.).

(…) Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176º, alínea g), do CPCI e 286º, nº 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204º, n.º 1, alínea i), do CPPT. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;

– de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;

– de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768

– de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;

– de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;

– de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;

– de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;

– de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,

– de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;

– de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;

– de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;

– de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;

– de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;

– de 3-3-1999, recurso n.º 22902;

– de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;

– de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;

– de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;

– de 6-10-2005, recurso n.º 500/05.)

(…) Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.

Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do nº 1 do art. 286º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».

E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).

(…) [C]om o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.

Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.

Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação (…)».

(…) Assim sendo, o vício de falta de notificação do acto de liquidação invocado pelos Oponentes, afectando a eficácia do acto, constitui, inequivocamente, fundamento de oposição à execução fiscal”.

Nos termos do art.º 60.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT):

“4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

In casu, atenta a decisão proferida sobre a matéria de facto, com as correções e aditamentos ora efetuados, verifica-se, em primeiro lugar, que a Recorrente foi notificada para efeitos de exercício do direito de audição em sede de procedimento inspetivo (cfr. factos G a I), não tendo qualquer sustentação na prova constante dos autos que a carta tenha sido devolvida (ao contrário do referido pela Recorrente), muito pelo contrário.

Portanto, no que toca às liquidações de imposto, era admissível a notificação através de carta registada (sem aviso de receção), dado que a oponente tinha previamente sido notificada para efeitos do exercício do direito de audição.

Com efeito, nos termos do art.º 38.º, n.º 3, do CPPT (redação à época):

“3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem (…) de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada”.

Nesse seguimento, foram enviadas as notificações em causa, via correio postal registado, que foram entregues, como decorre da informação plasmada pelo próprio distribuidor de correio postal (sendo que a circunstância de os documentos constantes dos autos falarem em nota de cobrança de IVA é irrelevante).

Já em relação às liquidações de juros compensatórios, a AT optou por notificar as mesmas através de correio postal registado com aviso de receção (sendo que tal circunstância em nada colide com o facto de as liquidações de imposto terem sido remetidas via correio postal simples, porquanto, como já referimos, tal era admissível in casu). Todas estas liquidações foram entregues, estando todos os avisos de receção assinados.

Assim, ao contrário do que refere a Recorrente, não decorre dos autos que algumas notificações tenham sido entregues e outras não. A informação constante das bases de dados da AT é confirmada pela informação prestada pela empresa distribuidora de correio postal, nada tendo sido alegado nem provado pela Oponente que infirme tal informação.

Por outro lado, a circunstância de a Recorrente receber dezenas de cartas diariamente e inúmeras notificações da AT não é, per se, relevante, porquanto caberá à Oponente dispor de sistemas de controlo interno que permitam gerir esse fluxo de informação, questão que extravasa os presentes autos.

Portanto, e em suma, foram efetuadas as notificações em causa, em abril de 2007 (logo, antes também de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no art.º 45.º, nos termos referidos pelo Tribunal a quo).

Como tal, tendo a Recorrente sido notificada dos atos de liquidação em causa, a mesma carece de razão.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso, ao qual se fixa efeito suspensivo;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


___________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 169.
[3] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[4] V. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.09.2011 (Processo: 0505/10). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2015 (Processo: 0839/15), de 12.02.2015 (Processo: 0373/14), de 29.01.2015 (Processo: 01311/13), de 29.01.2014 (Processo: 0663/13), do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.09.2017 (Processos: 00203/14.0BEMDL e 00193/14.0BEMDL), de 12.07.2013 (Processo: 00127/07.8BEBRG) e de 30.11.2016 (Processo: 00109/14.3BEMDL) e o do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.05.2016 (Processo: 09475/16).
[5] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454.
[6] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119.
[7] António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.
[8] Cfr., v.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2014 (Processo: 01001/13).
[9] V. Acórdão deste TCAS, de 09.07.2020 (Processo: 1456/10.9BELRS). Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 443.
[10] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, cit., p. 446.