Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12832/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/14/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA; CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME
Sumário:I - A aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, nos termos do artigo 3º da Lei da Nacionalidade, depende da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.

II - A aquisição da nacionalidade portuguesa é negada verificados que sejam determinados pressupostos, designadamente no caso de o interessado ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.

III - Para efeitos de aplicação desta norma releva a moldura penal abstracta fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efectivamente escolhida e aplicada no caso concreto.

IV - O crime de ofensas à integridade física simples é punível, nos termos do artigo 143º, nº 1 do Código Penal, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

V - Tendo a recorrida sido condenada em pena de multa, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensas corporais simples, verifica-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade previsto na al. b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor recurso jurisdicional do acórdão de 9/07/2015 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu a reclamação para a conferência da decisão de 5/05/2014 e julgou improcedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa que instaurou contra ODALYS …………………..

As alegações de recurso culminam com as seguintes conclusões:
“A. A expressão "crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos de prisão", constante do artº 9º, alínea b) LN, impõe ao intérprete, como critério aferidor da verificação da condição imposta na norma, a moldura abstracta da pena prevista na lei portuguesa para o crime em causa e não a pena concretamente determinada pelo tribunal, seja ela privativa ou não privativa da liberdade;
B. O legislador, na redacção do artº 9º, alínea b) LN, teve em mente fixar um critério objectivo e abstracto para a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, em que optou por considerar como referencial adequado a gravidade máxima dos ilícitos penais puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos e não a gravidade mínima;
C. E, muito menos, a apurada em sede de julgamento penal e reflectiva na espécie e medida da pena concretamente aplicadas;
D. A previsão do artº 9º, alínea b) LN, decorrente da redacção introduzida pela Lei 25/94, 19 Agosto, foi agravada em consequência da alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2006, 17 Abril, que alargou a verificação do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa às condenações por crime punível com pena de prisão de máximo igual a três anos;
E. O critério defendido pelo Mº Juiz a quo, assente na distinção entre a condenação em pena não privativa da liberdade e pena privativa da liberdade, para aferição da verificação da previsão do artº 9º, alínea b) LN, conduz à introdução, ainda que por via indirecta, de um elevado grau de subjectividade na interpretação daquela norma legal;
F. Pois que, a opção entre aquelas penas exige ao Juiz penal avaliações largamente subjectivas no que toca à ponderação das finalidades da punição e à suficiência e adequação da medida não privativa da liberdade na sua realização (artºs 40º e 70º CP);
G. Subjectividade que o legislador de 2006 pretendeu eliminar ao alterar a redacção do artº 6º, nº 1, alínea d) LN que passou, assim, a ser igual à do artº 9º, alínea b) LN;
H. A mesma norma comporta, como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a existência de condenações criminais provenientes de outros países;
l. Condenações cuja valoração nos termos previstos nos artºs 40º e 70º CP se encontra subtraída aos tribunais portugueses e, por maioria de razão, à jurisdição administrativa;
J. O critério acolhido na decisão ora impugnada viola o princípio da igualdade perante a lei, consagrado no artº 13º, nº 1 CRP, por conduzir a tratamento desigual de requerentes da nacionalidade que hajam sido condenados por tribunais portugueses em penas de diferente natureza pela prática de crime com a mesma moldura penal;
K. E, também, ao tratamento desigual de requerentes condenados por decisões estrangeiras, cuja pena não é passível de valoração segundo os critérios dos artºs 40º e 70º CP, por o "julgamento" da questão penal, que tal valoração implica se encontrar subtraído à competência dos tribunais nacionais;
L. A interpretação do artº 9º, alínea b) LN subjacente à improcedência da oposição deduzida pelo Ministério Público, assenta em pressupostos claramente não admitidos nem na letra nem no espírito do preceito legal em causa.”

A recorrida não apresentou contra-alegações.
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A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade.
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
A) Odalys …………….. nasceu em 12 de Dezembro de 1969, em Rancho Boyeros, em La Habana, República de Cuba (Cfr. documento de folhas 16 dos autos).
B) Odalys …………….. tem nacionalidade cubana (Cfr. documento de folhas 21 a 23 dos autos).
C) Odalys …………………. casou em 10 de Fevereiro de 2006, na Conservatória do Registo Civil de Loures, com Adelino Fonseca Martins (Cfr. documento de folhas 18 dos autos).

D) Adelino ……………. tem nacionalidade portuguesa (Cfr. documento de folhas 18 dos autos).
E) Odalys …………………. foi condenada no âmbito dos autos de Processo comum (Tribunal Singular), registados sob o n.º 45/04.1FJLSB - 1.º Juízo - 1.ª Secção, do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, por decisão de 31 de Março de 2008, tendo a sentença transitado em julgado no dia 30 de Abril de 2008, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido, pelo artigo 108.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 4 meses de prisão e 50 dias de multa (na mesma decisão a pena de prisão aplicada foi substituída por igual tempo de multa nos termos do artigo 44.º n.º 1 do Código Penal, e portanto Odalys ………………. foi condenada na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março) (Cfr. documento de folhas 178 e 179 e de folhas 112 a 121 dos autos).
F) Odalys ……………nos autos com Processo Comum (Tribunal Singular), registados sob o n.º …………...5PXLSB, 6.º Juízo, 1.ª Secção, 6.º Juízo Criminal de Lisboa, por decisão de 5 de Novembro de 2009, tendo a sentença transitado em julgado no dia 07 de Dezembro de 2009, foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido, pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €7 (Cfr. documentos de folhas 80 e 81 e de folhas 94 a 110 dos autos).
G) Odalys ……………….. prestou declarações para a Aquisição de Nacionalidade Portuguesa junto da Conservatória dos Registos Centrais em 28 de Agosto de 2012, para o que invocou o facto de estar casada há mais de três anos com cidadão de nacionalidade portuguesa, tendo designadamente declarado que não foi condenada, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa (Cfr. documento de folhas 10 e 11 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).
H) Na Conservatória dos Registos Centrais foi proferido no Processo n.º 33971/12 NACA despacho nos termos do qual se decidiu, com fundamento no facto de a requerida ter sido condenada pela prática de dois crimes, remeter aquele processo ao Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, para efeitos de ser deduzida oposição à aquisição da nacionalidade (Cfr. documento de folhas 123 a 125 dos autos).

2. Do Direito

2.1. O Ministério Público instaurou no TAC de Lisboa acção com processo especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra Odalys …………………, alegando em síntese, que se verifica o fundamento da oposição previsto no artigo 9º, al. b) da Lei n.º 37/81, de 3/10, na redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04, considerando que a mesma foi condenada, no âmbito dos processos n.ºs 45/04.1FJ.LSB e 87/07.5PXLSB, pela prática dos crimes de exploração ilícita de jogo e ofensas à integridade física simples, os quais são puníveis, respectivamente, com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias e com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Por acórdão de 9/07/2015, o TAC de Lisboa indeferiu a reclamação para a conferência apresentada pelo ora recorrente da decisão de 5/05/2014 e julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade, considerando que, no que aqui releva, “No caso dos autos, prevendo a lei (o artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, no crime de ofensas à integridade física simples) a possibilidade de escolha, pelo juiz julgador penal, entre dois tipos de pena aplicáveis, em alternativa, sendo uma, a pena de prisão até três anos e a outra, a pena de multa, a verificação do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade e no artigo 56.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro só ocorre quando a pena aplicada for a pena de prisão. No caso dos autos à requerida foi em concreto escolhida a alternativa de o crime ser punido com pena de multa, tendo-lhe sido aplicada a pena de 70 dias de multa à taxa diária de €7. Ou seja, no caso dos autos também relativamente àquela condenação não se verifica o invocado fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa”.
2.2. O recorrente pretende que o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento de direito ao considerar como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade.
Alega, para tanto e em síntese, que “a expressão "crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos de prisão", constante do artº 9º, alínea b) LN, impõe ao intérprete, como critério aferidor da verificação da condição imposta na norma, a moldura abstracta da pena prevista na lei portuguesa para o crime em causa e não a pena concretamente determinada pelo tribunal, seja ela privativa ou não privativa da liberdade”, sendo certo que “o critério defendido pelo Mº Juiz a quo, assente na distinção entre a condenação em pena não privativa da liberdade e pena privativa da liberdade, para aferição da verificação da previsão do artº 9º, alínea b) LN, conduz à introdução, ainda que por via indirecta, de um elevado grau de subjectividade na interpretação daquela norma legal”. Sustenta ainda que “o critério acolhido na decisão ora impugnada viola o princípio da igualdade perante a lei, consagrado no artº 13º, nº 1 CRP, por conduzir a tratamento desigual de requerentes da nacionalidade que hajam sido condenados por tribunais portugueses em penas de diferente natureza pela prática de crime com a mesma moldura penal; e, também, ao tratamento desigual de requerentes condenados por decisões estrangeiras, cuja pena não é passível de valoração segundo os critérios dos artºs 40º e 70º CP, por o "julgamento" da questão penal, que tal valoração implica se encontrar subtraído à competência dos tribunais nacionais”.
2.3. Está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, situação que vem regulada no artigo 3º da Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37/81, de 3/10, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 25/94, de 19/08 e n.º 2/2006, de 17/04 - cujo n.º 1 prescreve que “O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”.
A aquisição da nacionalidade portuguesa depende, assim, da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento (ou de uma união de facto) com cidadão nacional português há mais de três anos.
Isso mesmo resulta também do n.º 1 do artigo 14º do Regulamento da Nacionalidade -Decreto-Lei n.º 237-A/2006 de 14 de Dezembro, na versão do Decreto-Lei nº 43/2013, de 1 de Abril -, nos termos do qual, “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo”.
Para adquirir a nacionalidade portuguesa não basta, contudo, a verificação de tais pressupostos, uma vez que a mesma pode ser negada verificados que sejam determinados factos.
Assim é que, o Ministério Público pode opor-se à pretensão do interessado, deduzindo oposição à aquisição da nacionalidade, designadamente (e para o que aqui importa) em caso de “condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa” (cfr. artigo 9º, al. b) da Lei da Nacionalidade e artigo 56º, n.º 2, al. b) do Regulamento da Nacionalidade).
A questão está na interpretação desta norma e concretamente em saber se o requisito nela previsto se reporta à pena em abstracto ou à pena concretamente aplicada.
Esta questão tem merecido da jurisprudência mais recente do STA um entendimento unânime no sentido de que o preenchimento do aludido requisito se deve aferir com referência à pena abstractamente aplicável e não à pena que foi concretamente aplicada (cfr. Acórdãos de 20/11/2014, rec. n.º 0662/14, de 17/12/2014, rec. n.º 0490/14, de 21/05/2015, rec. n.º 032/15 e de 10/09/2015, rec. n.º 030/15).
Assim, entendeu-se no Acórdão do STA proferido em 20/11/2014 - entendimento esse acolhido nos restantes Acórdãos supra referidos -, o seguinte: “(…)«Punível» é adjectivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstracto, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efectivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstracta, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efectuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, n.º 3, do Código Civil].
Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objectivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, n.º 1, do Código Civil].
É que o artigo 6º da LN, nos n.ºs 1 a 4, e diferentemente do que acontece nos n.ºs 5 e 6, vincula a Administração a conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, àqueles que preenchem os requisitos aí previstos, e que gozam, assim, de um verdadeiro «direito à naturalização» [Rui Manuel Moura Ramos, A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04, RLJ n.º 136º, Março-Abril de 2007, n.º 3943, páginas 206, 207, e 213].
Esta «vinculação», se por um lado vem reforçar o peso daqueles elementos que apontam para a construção da nacionalidade como um direito fundamental, por outro lado vem exigir, ao Estado Português que estabeleça padrões razoáveis de aferição da conformidade do naturalizando com os bens jurídicos por ele protegidos segundo o padrão de «mínimo ético». E essa conformidade é aferida, sobretudo, pelo respeito manifestado pelos bens criminalmente protegidos, e não, propriamente, pela maior ou menor gravidade da conduta criminal concreta.
Temos, por conseguinte, que se a vinculação da aquisição da nacionalidade por naturalização pretende vincar o seu carácter de direito fundamental, a exigência do respeito do naturalizando pelos bens jurídicos criminalmente sancionados com «pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa», visa evitar o risco de introdução na comunidade nacional de sujeitos em relação aos quais haja fundadas razões para que o Estado não lhes queira reconhecer a condição nacional portuguesa.
4. A este respeito, é preciso ter presente que, na linha de reputados penalistas, a actividade de «escolha da pena» faz parte, já, da tarefa de encontrar a pena «concretamente cabida ao caso». Trata-se da determinação da medida da pena «em sentido amplo» [Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Coimbra Editora, 2005, II volume, página 212; Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995].
Assim, nos casos de previsão alternativa, determinar se medidas não privativas de liberdade são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime [artigo 71º do CP], não constitui uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas é fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, através de uma apreciação aturada dos elementos de prova disponíveis, se legitimará a «escolha» entre as penas detentivas e não detentivas [Adelino Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, publicação do Centro de Estudos Judiciários, páginas 237 a 240].
Fazer depender o preenchimento ou não do requisito da alínea d) em referência da «escolha» realizada pelo juiz criminal quanto à natureza da pena a aplicar ao arguido concreto, significaria não só navegar ao arrepio da intenção legislativa acima dita, mas, também, introduzir no respectivo regime jurídico um elemento de alguma subjectividade que cremos não se coadunar com a objectividade que o legislador pretendeu imprimir ao requisito em causa.
5. Temos, pois, que tanto o pertinente texto legal como a intenção detectável do legislador apontam, de forma consistente, para que a punição a que se refere a alínea d), do n.º 1, do artigo 6º da LN [na redacção dada pela Lei Orgânica 2/2006 de 17.04], tem a ver com a moldura penal abstracta fixada ao tipo criminal, sendo irrelevante a pena efectivamente escolhida e aplicada no caso concreto”.
Considerando a pertinência e bondade dos argumentos invocados, aderimos a este entendimento - assim revendo a posição assumida no Acórdão de 6/11/2014, rec. n.º 11589/14 -, pelo que concluímos que o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade plasmado na al. b) do artigo 9º da LN reporta-se à moldura penal abstracta fixada ao tipo penal e não à pena efectivamente aplicada ao arguido.
2.4. No caso que nos ocupa resultou provado que a ora recorrida foi condenada, no âmbito do processo n.º …………….5PXLSB, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €7 (cfr. alínea F) do probatório).
O crime em causa é punível “com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”, nos termos do disposto no artigo 143º do CP, pelo que se mostra verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade previsto na al. b) do artigo 9º da LN, pois o que releva, como referimos, é a moldura abstracta da pena prevista na lei portuguesa para o crime em causa e não a pena concretamente determinada pelo tribunal.
Em face do exposto, concluímos que a decisão recorrida errou na interpretação que fez da referida norma, o que determina a procedência do recurso.

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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

I - A aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, nos termos do artigo 3º da Lei da Nacionalidade, depende da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.
II - A aquisição da nacionalidade portuguesa é negada verificados que sejam determinados pressupostos, designadamente no caso de o interessado ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
III - Para efeitos de aplicação desta norma releva a moldura penal abstracta fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efectivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
IV - O crime de ofensas à integridade física simples é punível, nos termos do artigo 143º, nº 1 do Código Penal, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
V - Tendo a recorrida sido condenada em pena de multa, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensas corporais simples, verifica-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade previsto na al. b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Custas na 1ª e 2ª instância a cargo da recorrida.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2016


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)