Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:437/21.1BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:03/17/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
SUBMISSÃO PROPOSTAS
PLATAFORMA ELETRÓNICA
JUSTO IMPEDIMENTO
PRAZO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - A transposição do instituto do justo impedimento, previsto no art. 140.º do CPC, para o domínio da contratação pública justifica-se por respeito pelo núcleo essencial do direito fundamental de acesso ao direito previsto no art. 20.º da CRP, correspondendo, assim, a uma verdadeira e plena consagração dos princípios da justiça e da razoabilidade, consagrados no art. 8.º do CPA, aplicáveis à contratação pública ao abrigo do art. 1.º-A, n.º 1, do CCP.

II - Nos presentes autos ocorreu uma situação de justo impedimento, que impossibilitou que a Recorrente pudesse ter submetido na plataforma eletrónica em tempo, a sua proposta;

III - O facto de a Recorrente não ter comunicado a causa impeditiva ao júri do concurso logo que teve conhecimento da mesma, conforme decorre das normas que regem o instituto do justo impedimento, mas apenas após a data da publicitação da lista dos concorrentes admitidos e em sede de reclamação administrativa, impede a admissibilidade da sua proposta, por extemporânea;

IV - Inadmissibilidade essa que poderia não ter ocorrido, segundo um juízo de proporcionalidade, ao abrigo do art. 266.º da CRP, se a “reclamação” e apresentação posterior da proposta pela Recorrente, invocando as circunstâncias já conhecidas e consideradas como uma situação de justo impedimento, tivesse, ainda assim, ocorrido em momento anterior ao da publicitação da lista dos concorrentes admitidos na plataforma eletrónica, o que, no caso, também não sucedeu.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório
U…, S.A., vem interpor recurso da sentença proferida a 15.12.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou a ação de contencioso pré-contratual improcedente por entender que «não estão preenchidos os requisitos de que dependeria a admissão da proposta da A. em 5/7/2021 e a consideração de que a mesma foi tempestivamente apresentada em 28/6/2021, ou a anulação do próprio procedimento, pois tal admissão ou anulação do procedimento não encontra abrigo no princípio do justo impedimento e, simultaneamente, tal não se impõe por força dos princípios da concorrência e da igualdade


Em sede de alegações, a Recorrente concluiu como se segue – cfr. fls. 762 e ss., do SITAF:
«(…)
A. Entendeu o Tribunal a quo enquadrar a atuação da A. na figura jurídica do justo impedimento, talqualmente o instituto vem previsto no Código do Processo Civil, no seu artigo 140.º, na sua redação atual, que, sem embargo da sua aplicação subsidiária aos presentes autos, é, com a devida vénia, aqui, para a presente questão, desnecessária ou, pelo menos e sempre, inadequada, porquanto, ao assim proceder, perde o Tribunal a quo a perspetiva sobre a concreta atuação da A., e o fundamento das suas diligências perante os problemas de indisponibilidade e inoperabilidade da plataforma.

Vejamos,

B.O recurso à figura do justo impedimento, como solução doutrinal e jurisprudencial que é – e ainda que tenha hoje assento legal - constitui sempre uma solução a posteriori, e de ultima ratio, oferecida pelo Direito, mobilizável no quadro clássico da interpretação jurídica e de superação de lacunas, uma vez que soluções normativas da ordem jurídica não se limitam às normas específicas para determinada mundividência.

C. Todavia, para um operador económico que se vê na situação de impossibilidade de submeter a sua proposta a um procedimento pré-contratual, nomeadamente um concurso público, por razões como as dos autos, está bastante longe de ser evidente que seja essa a devida configuração jurídica da sua situação.

D. Efetivamente, por um lado, porque o próprio Direito Administrativo substantivo, seja na sua parte geral, prevista no CPA, seja na regulamentação especial de contratação pública, plasmada no CCP, oferece, dentre os meios de tutela graciosos, a mesma solução para este tipo de problemas: a Reclamação, prevista e regulada nos artigos 184.º e ss. do CPA, e enunciada, novamente, nos artigos 267.º e ss. do CCP, quadro legal abrigo do qual a A. apresentou a sua reclamação, como se encontra expresso no processo administrativo que foi junto aos autos pela Demandada, e que se dá por integralmente reproduzida.

E. Assim, a A. mobilizou, em respeito por todas as regras administrativas gerais, e do Código dos Contratos Públicos, em especial, e em observância de todos os prazos por elas exigidos, um meio de tutela gracioso, in casu, a reclamação, para impugnar a inoperabilidade da plataforma, meio de tutela esse que, nos termos conjugados dos artigos 101.º e 59.º, n.º 4, ambos do CPTA, até faz suspender o prazo de impugnação judicial do ato administrativo em causa, um claro incentivo do legislador, aos administrados, para que não se coibam de esgotar os meios graciosos, ainda que os mesmos sejam facultativos.

F. Por outro lado, a figura do justo impedimento, mobilizada pelo Tribunal a quo, é um instituto do Direito Adjetivo Civilista, surgindo prevista no CPC, e não uma norma de Direito Administrativo, ou de Contratação Pública, sendo qualquer um dos Códigos – CPA ou CCP – omissos quanto a tal “garantia” dos administrados. Aliás, e pese embora a sua natureza adjetiva, nem no CPTA o mesmo instituto surge previsto autonomamente, sendo apenas um recurso subsidiário e supletivo, nos termos gerais do artigo 1.º do CPTA. Com o devido respeito, que é muito, o instituto foi pensado para a entrega extemporânea de peças processuais, num contexto de processo judicial; ora, o que se aqui discute é, diversamente, um procedimento (administrativo) pré-contratual, sem qualquer natureza judicial, seja da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, seja na Jurisdição Comum, pelo que se não entende como procura o Tribunal a quo responder ao litígio substantivo mobilizando uma norma adjetiva, ainda para mais de cariz supletivo.

G. Ora, naquele momento, o operador económico médio, e, no caso, a Autora, não é parte em qualquer processo judicial, é apenas uma entidade a tentar participar num concurso público, e como tal é expectável que utilize os meios de tutela administrativa, ie, a reclamação, tal como fez, como principal referência para guiar a sua atuação e, antes, isso sim, de recorrer, se necessário, aos meios de tutela jurisdicionais, como ora se litiga.

H. É, portanto, e por harmonia com os Princípios do Acesso à Justiça e da Boa Fé Processual, ínsitos nos artigos 7.º e 8.º do CPTA, necessário um especial cuidado nas exigências comportamentais pedidas à A., no quadro impugnatório, sob pena de nos depararmos com situações aberrantes, como a que ressalta do Saneador-Sentença, onde se entende que, apesar da A. ter acionado os meios de tutela graciosos tipificados, nomeadamente a reclamação, ainda assim, tal pleno cumprimento do quadro legal administrativo (promovido pelo legislador) não é suficiente, e, aliás, obsta e aniquila a possibilidade de impugnação, porquanto, no entender do Tribunal a quo, a A. teve “falta de diligência”, e deveria, antes, ter optado por um instituto previsto numa norma jus-processual civil. Ou seja, o Tribunal a quo impõe à A. que, para impugnar o procedimento em apreço, devia ter lançado mão da figura do justo impedimento, ao invés da reclamação, reclamação essa que manifesta, reitera-se, na ótica do Tribunal a quo, uma “falta de diligência”, o que, com o devido respeito, que é muito, não pode deixar de configurar um crasso erro no julgamento, nomeadamente na mobilização do quadro legal aplicável ao caso.

I. Impor à A. um (pesado) ónus de invocar e cumprir normas processuais civis, num contexto de procedimento administrativo, ignorando as normas próprias do procedimento administrativo, nomeadamente o regime das reclamações - que foi cumprido – é punir a A. por ter privilegiado os meios de tutela graciosos, quando o que deveria ter feito era, na ótica do Tribunal, recorrido a um expediente processual civil, o que não faz qualquer sentido nem tem qualquer respaldo na Lei.

J. Na verdade, o que parece resultar da fundamentação da decisão, para justificar tal conservadorismo do Tribunal na aplicação da lei, negando a pretensão da A., é uma aparente sombra de suspeita sobre a A., nomeadamente de que esta possa ter obtido conhecimento das propostas das outras concorrentes, e só depois, em violação aparente do princípio da concorrência, ter elaborado a sua proposta, que ora pretende que seja admitida. Tal não faz qualquer sentido, com o devido respeito. Se não vejamos,

K .Prima facie, por um lado, a A. não tem o condão de gerar aqueles erros na plataforma, sendo-lhe alheia a sua gestão e até a escolha a mesma, como veículo para o procedimento, o que só se pode assacar à Demandada. Em boa verdade, resulta claramente da matéria provada que os erros na submissão e na plataforma existiram, e não são uma invenção do A, como está assente nos pontos 6 e 7 da matéria provada. Assim, e partindo desta matéria provada, outra não poderia ter sido a decisão que não fosse a de admitir a proposta da A., uma vez que mesma foi impedida de ser submetida, por erro que não se pode assacar à A., que devidamente, em tempo, e no lugar devido, através de reclamação, foi alardeado, existindo claro erro de julgamento na subsunção dos factos ao Direito.

L. Entende o Tribunal a quo, com aparente suporte em doutrina, que, para que não se lesasse a concorrência, o erro deve ser reportado no hiato temporal que medeia o fim prazo para a apresentação de propostas e a publicitação, no dia seguinte, da lista de concorrentes e propostas recebidas, obrigando qualquer concorrente que se veja confrontando com um erro informático, que lhe é alheio, a laborar, madrugada fora, na arguição de um justo impedimento, quando os serviços da Entidade Adjudicante até se encontram encerrados – e, repita-se, tudo isto sem qualquer respaldo na Lei, que prevê, isso sim, os meios graciosos e judiciais devidos no caso, e onde não consta qualquer “justo impedimento”.

M.E não se diga que a solução legal crismada não é consentânea com a celeridade que a concorrência exige. Pelo contrário, os prazos procedimentais e processuais já são mais exíguos, exatamente para harmonizar o procedimento pré-contratual com as garantias dos administrados.

N.E mesmo que assim não se entendesse, sem embargo e sem prescindir, a A., em tempo próprio, antes do terminus do prazo para a submissão de propostas, alegou o erro que obstava, e obstou, à entrega atempada da proposta, como resulta dos Autos, e pode ser confirmado por prova testemunhal e por declarações de parte, que o Tribunal a quo ignorou, em atropelo dos elementares princípios processuais. Ou seja, a A. denunciou o problema técnico atempadamente, ainda antes do terminus do prazo para a submissão de propostas, e também cumpriu o prazo legal para reclamação à entidade adjudicante.

O. Acresce que, e caso assim não se entendesse, sempre se deveria ter atendido ao facto de que, que nos termos do procedimento pré-contratual, todos os elementos da proposta deviam ser enviados em formato digital, e além disso, assinados com assinatura digital qualificada, validada pelos devidos selos temporais.

Ora,

P. Os documentos enviados pela A. à R., via e-mail, enquanto ficheiros digitais, poderiam sempre ser analisados e assim poderia ser confirmada a hora a que foram gerados. Mas, mais do que isso, ao estarem assinados com assinatura digital qualificada, acresce-lhes uma nova camada de segurança que atesta também a hora a que estes foram assinados – o que permite concluir se estes foram ou não posteriormente alterados.

De facto,

Q. A assinatura digital qualificada permite atestar a autenticidade da assinatura de um documento digital, bem como confirmar a autoria, integridade, e hora de assinatura de um documento digital. Assim, seria sempre possível confirmar a data em que os documentos foram gerados e assinados digitalmente.

R. Ainda assim, se dúvidas restassem sobre a autenticidade dos documentos, poderia sempre o Tribunal sujeitar os documentos enviados por e-mail pela A. à R. a perícias ou outras diligências de prova a realizar em julgamento – algo que foi preterido com a prolação de despacho saneador-sentença.

S. Deu como provado o Tribunal a quo, num claro erro de julgamento da matéria de facto, que só houve problemas técnicos entre as 22h00 e as 22h17, e que a A. não alegou nem demonstrou que tentou submeter a proposta entre esse período e as 23h59.

Ora,

T. Resulta muito claramente do conteúdo da reclamação e da petição inicial, para onde se remete, para os devidos efeitos, que a determinada altura apareceu um erro na plataforma que impedia de todo qualquer acesso. Aliás, tal é dado como provado, no ponto 7. da matéria provada: a partir das 22h23, ocorreu um erro de sistema com a mensagem «Ocorreu um erro inesperado no sistema. Pedimos desculpas pelo incómodo. Para mais informações contacte o suporte técnico: (…) (9h – 19h).». Assim, se há um erro informático, que impede a navegação, a partir das 22:23, é elementar que o último registo de tentativa de submissão seja o das 22:17, dado que, posteriormente, à A. foi negada a utilização da plataforma, como provado ficou.

U. Acresce que, de todo o modo, a prova a produzir em julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, sempre poderia reforçar a prova documental já apresentada e permitiria esclarecer quaisquer dúvidas sobre que erros que apareceram exatamente, até que horas tentou a A. submeter a sua proposta, e todos os detalhes da factualidade dos autos considerados relevantes para a boa decisão da causa – algo que também foi preterido com o despacho saneador-sentença de que ora se recorre.

V. Face ao exposto, e nos termos do artigo 144.º, n.º 2, do CPTA, sempre se dirá que o Saneador-Sentença de que se recorre, ao aplicar o instituto do justo impedimento, previsto no artigo 144.º do CPC, a um procedimento pré-contratual, nomeadamente à impossibilidade de entrega da proposta em tempo útil, motivada por um erro informático, enferma de erro na aplicação do Direito, ao mobilizar uma figura estranha, e ao impor a mesma à A., quanto a A. fez uso, em tempo, dos meios legais aplicáveis, nomeadamente da reclamação graciosa, para invocar o erro informático em apreço.

W. Errou o saneador-sentença, também, no julgamento da matéria de facto, quando deu como provado que, a determinado momento, a A. decidiu parar de tentar submeter a proposta, quando, do ponto 7 da matéria provada, o que deveria ter o Tribunal concluído é que, desse mesmo facto, inimputável à A., ficou a mesma impossibilitada de submeter a sua proposta, que ora requer que seja aceite, para os devidos efeitos.

X. Erra o saneador sentença, finalmente, na aplicação do Direito, ao entender que viola o princípio da concorrência admitir uma proposta, quando a lista de publicitação já está divulgada, uma vez que essa mesma proposta, com salvaguarda para a concorrência, se encontra “selada” pela assinatura digital qualificada, e não pode ser tida como alterada ou adulterada.

Assim, face ao exposto, deve este Venerando Tribunal, atentos os seus poderes previstos no artigo 149.º do CPTA, declarar nulo o Saneador-Sentença e, atenta a matéria de facto e de direito, bem como com recurso aos meios de prova requeridos, e não produzidos, cuja produção se reitera, julgar a presente ação procedente e julgada procedente, por provada, e, em consequência,

a) Deve a R. ser condenada a admitir a proposta da Autora, que se junta, considerando-se esta apresentada atempadamente no dia 28 de Junho de 2021, devendo a mesma ser analisada, para os devidos efeitos, designadamente nos termos dos artigos 70.º e 146.º do Código dos Contratos Públicos.

Sem embargo e sem prescindir, em alternativa,

b) Deve o presente procedimento pré-contratual ser declarado nulo ou ser anulado, porquanto ilegal e atentatório das boas regras de contratação pública, nomeadamente do Princípio da Igualdade de Tratamento e não Discriminação e do Princípio da Concorrência, vertidos no art. 1º A, n.º 1 do CCP, ao não ter sido permitido à ora A., por facto imputável ao R., conexo com a plataforma eletrónica por si escolhida, apresentar a proposta em apreço. (…)».

O RECORRIDO, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P, contra-alegou, tendo concluído como se segue - fls. 762 e ss. do SITAF:
«I –No presente recurso, a Recorrente justifica o pedido de alteração/revogação da decisão proferida alegando:
i) que o justo impedimento deve, no caso concreto, ser analisado e entendido num sentido mais lato;
ii) que ficou impedida de, a partir das 22.23h, de apresentar qualquer proposta na plataforma devido a um qualquer erro de sistema (facto novo e só alegado agora em sede de recurso);
iii) que o Tribunal, ao decidir no saneador, não permitiu à Recorrente, nomeadamente, através da prova testemunhal, provar que havia tentado submeter a sua proposta até ao limite do prazo – 23:59h do dia 28/6/2021.
II - Não assiste qualquer razão nos argumentos invocados pela Recorrente.
III - Logo no dia 29/06/2021, a Recorrente tomou conhecimento dos motivos pelos quais não foi possível submeter a sua proposta, sendo que perante tal informação, decidiu nada fazer e só apresentar a proposta em sede de reclamação e aí pedir a nulidade/anulação do procedimento.
IV – Nesse momento já eram conhecidas as propostas apresentadas ao presente concurso.
V - Atento o comportamento adoptado pela Recorrente, ainda que tivesse ocorrido qualquer justo impedimento no facto da mesma não ter conseguido apresentar a sua proposta dentro do prazo limite consagrado para o efeito, sempre aquela tinha a obrigação de comunicar esse impedimento no momento imediatamente seguinte à sua ocorrência.
VI – A Recorrente tomou conhecimento logo no dia 29/06/2021 que a sua proposta não foi submetida devido, eventualmente, à utilização de caracteres especiais que impossibilitaram a sua submissão na plataforma.
VII - A Recorrente teria que alegar imediatamente tal facto e não, nada fazer, e esperar mais de 08 (oito) dias para o invocar.
VIII - O conceito de justo impedimento encontra-se consagrado na lei civil, lei essa que, à falta de qualquer outra disposição especial, se aplica ao caso concreto.
IX - Se tal conceito se encontra legalmente definido, também legalmente definidos se encontram consagrados os pressupostos para a sua verificação, pressupostos esses que não se verificam no caso concreto.
X – A Recorrente nunca alegou, no decurso do seu articulado, que havia tentado submeter a sua proposta até ao terminus do prazo, ou seja até às 23.59h do dia 28/6/2021 e muito menos o comprovou, nomeadamente via documental.
XI - A Recorrente confessa que, no próprio dia 28/6/2021, por lapso seu, pediu a emissão de uma nova chave, o que terá reiniciado o pedido de registo na entidade demandada e a eliminação do utilizador.
XII - Ainda que se admitisse que efectivamente a Recorrente tivesse tentado enviar a sua proposta após as 22:17h e até ao terminus do prazo, pelas 23:59h desse mesmo dia, que não se admite de todo, e não o conseguiu fazer, tal facto deve-se única e exclusivamente à sua responsabilidade de ao ter, por erro seu, pedido a emissão de nova chave, ter provocado a sua eliminação como utilizador.
XIII – A situação aludida no ponto anterior tão pouco se enquadra numa situação de justo impedimento, uma vez que a mesma se deveu única e exclusivamente à negligência e ao erro da Recorrente.
XIV – Sublinha-se que a proposta da empresa F…, Lda. foi submetida às 21h47m do dia 28 de Junho de 2021, não existindo registo de ter padecido de qualquer problema na introdução da mesma na plataforma ANOGOV.
XV - A proposta da empresa F…, Lda. foi, assim, submetida 07 minutos antes da alegada tentativa de submissão da proposta pela Recorrente.
XVI - Em relatório técnico, a ANOGOV veio informar que a plataforma se encontrava a funcionar perfeitamente e não se verificou qualquer anomalia ou inoperacionalidade do sistema ou da plataforma em causa.
XVII - Facto esse corroborado pela circunstância da empresa F…, Lda. ter submetido sem qualquer problema a sua proposta e isto minutos antes da Recorrente ter tentado apresentar a sua.
XVIII - Atento o supra exposto, não ficou de todo demonstrada a existência de qualquer justo impedimento pela Recorrente quanto à entrega da proposta até às 23h59 do dia 28/6/2021, tal como correcta e acertadamente foi considerado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, não merecendo quanto a este ponto qualquer censura a sentença em preço.
XIX - O Tribunal a quo, além de considerar e bem não ter ocorrido qualquer justo impedimento que obstasse a Recorrente a ter submetido a sua proposta, em tempo útil e pela via estipulada para o efeito, considerou que, ainda que tivesse ocorrido esse justo impedimento, a Recorrente não actuou de forma adequada por forma a fazer-se valer de tal circunstância, isto sem por em causa os direitos dos restantes proponentes ao concurso.
XX - Neste sentido, o Tribunal a quo entendeu que, mesmo que se considerasse que havia ocorrido qualquer justo impedimento, a Recorrente teria que o alegar no momento imediato, sendo esse momento o dia 29/06/2021 quando é informada de que a sua proposta não foi submetida.
XXI - A Recorrente optou por nada fazer e vir alegar tal justo impedimento, 08 (oito) dias depois, apenas em 05/07/2021 e só aí submeter a sua proposta, isto tudo já em sede de reclamação do procedimento.
XXII - O “homem médio” deveria, no dia seguinte, ter contactado a plataforma ANOGOV, no horário de apoio disponibilizado, a fim de tentar ultrapassar o problema e após a informação disponibilizada pela ANOGOV, deveria ter submetido a sua proposta (ainda que fora do prazo), o que a mesma não fez.
XXIII - Se a Recorrente tivesse diligenciado neste sentido, o júri do concurso poderia apreciar a alegada justificação da Recorrente e (em abstracto) e eventualmente poderia ter considerado verificado o justo impedimento e admitir tal proposta no concurso público. Contudo, a Recorrente não diligenciou desta forma.
XXIV - A Recorrente, mesmo sabendo desde o dia 29/6/2021 que a sua proposta não havia sido submetida e os motivos pela sua não submissão decidiu nada fazer e apenas no dia 05/07/2021 submeter a sua proposta e alegar o eventual impedimento, nos termos em que o fez no seu articulado, isto quando o júri já tinha acesso às propostas apresentadas.
XXV - A Recorrente não actuou dentro dos parâmetros exigidos para que lhe fosse reconhecido a verificação de qualquer justo impedimento, ainda que o mesmo tivesse ocorrido, o que não se admite de todo.
XXVI – Entende-se que, salvo melhor opinião, a douta sentença ora recorrida não é merecedora de qualquer censura ou reparo, devendo as pretensões da Recorrente, através do Recurso por si apresentado, ser julgadas totalmente improcedentes.
XXVII - A Recorrente altera e dá uma interpretação totalmente errónea dos argumentos utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão numa tentativa vã de fazer crer pela incorrecção da decisão recorrida. (…)».

Neste tribunal, o DMMP não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I.1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se, em suma, em conhecer dos seguintes erros de julgamento:

i) ao aplicar o instituto do justo impedimento, previsto no artigo 140.º do CPC, a um procedimento pré-contratual, nomeadamente à impossibilidade de entrega da proposta em tempo útil, motivada por um erro informático, enferma de erro na aplicação do direito, «ao mobilizar uma figura estranha, e ao impor a mesma à A., quanto a A. fez uso, em tempo, dos meios legais aplicáveis, nomeadamente da reclamação graciosa, para invocar o erro informático em apreço.»;

ii) errou o saneador-sentença, também, no julgamento da matéria de facto, quando deu como provado que, a determinado momento, a A. decidiu parar de tentar submeter a proposta, quando, do ponto 7 da matéria provada resulta que A. ficou impossibilitada de submeter a sua proposta; e, por fim

iii) erra o saneador sentença na aplicação do direito, ao entender que viola o princípio da concorrência admitir uma proposta quando a lista de publicitação já está divulgada, mesmo que essa proposta se encontre «“selada” pela assinatura digital qualificada, e não pode ser tida como alterada ou adulterada».

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 723 e ss., ref. SITAF:
«(…)
1. Em 7/6/2021, foi determinada a abertura de concurso público com vista à aquisição de serviços para a definição, marcação de percursos pedestres e colocação de sinaléctica no Parque Natural da Arrábida.
(cfr. anúncio fls. 10 a 14 do p.a., entre fls. 244 a 263 do sitaf);
2. Foi fixado como prazo limite para a apresentação de propostas o dia 28 de Junho de 2021, até às 23h59, e indicada como plataforma electrónica a utilizar a AnoGov (http://www.anogov.com/).
(cfr. anúncio fls. 10 a 14 do p.a., entre fls. 244 a 263 do sitaf);
3. Do caderno de encargos e do programa do procedimento não consta que no nome dos ficheiros submetidos como proposta não podem ser utilizados caracteres como "-~ç" e acentos.
(cfr. caderno de encargos e programa do procedimento entre fls. 244 a 305 do sitaf);
4. Do programa de procedimento consta, entre o mais, que o critério de adjudicação é da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade "avaliação do preço", e que o preço base é de €95.000,00.
(cfr. págs. 38 e 39 do p.a., entre fls. 264 a 283 do sitaf);
5. A proposta da empresa F…, Lda., da qual consta que a referida empresa se obriga a prestar os serviços em causa pelo preço de €83.239,00, foi submetida às 21h47 do dia 28 de Junho de 2021.
(cfr. pág. 55 do p.a., entre fls. 286 a 305 do sitaf; e pág. 132 do p.a., fls. 370 a 390 do sitaf)-,
6. Pelas 22h00 do dia 28/6/2021, a Autora tentou submeter a sua proposta, mas o sistema informático devolvia a seguinte mensagem: "Failure submitting the documents. Please try again".
(cfr. doc. 1 junto com a p.i., fls. 12 do sitaf, e o relatório elaborado pela equipa de suporte técnico da plataforma anagOV, cfr. pág. 419 a 422 do p.a., entre fls. 664 a 688 do sitaf);
7. No dia 28/6/2021, às 22h23 a plataforma apresentou a seguinte mensagem: «Ocorreu um erro inesperado no sistema.
Pedimos desculpas pelo incómodo.
Para mais informações contacte o suporte técnico: (...) (9h - 19h).».
(cfr. doc. 2 junto com a p.i., fls. 12 do sitaf);
8. No dia 28/6/2021, pelas 22h45, a Autora enviou e-mail ao suporte técnico da plataforma AnoGov, informando o seguinte:
«Ao iniciar submissão de proposta na Plataforma Anogov ocorreu um erro de impossibilidade de submissão e ao ir à entidade verificar os certificados ativados a plataforma bloqueou como indicado nos prints em anexo.
Ao fechar o browser e tentar novamente, por lapso ao tentar verificar qual poderia ser o problema pedi nova chave o que reiniciou o pedido de registo na entidade ICNF e eliminou o utilizador.
O prazo de entrega é até às 23h50 do dia de hoje 28/06/2021. Haverá algo que se possa fazer para a empresa não ficar prejudicada?».
(cfr. doc. 3 junto com a p.i., fls. 14 a 16 do sitaf);
9. Em 29/6/2021, o júri do procedimento procedeu à abertura das propostas.
(cfr. pág. 132 do p.a., entre fls. 370 a 390 do sitaf);
10. Em 29/6/2021, às 10h06, o suporte técnico da plataforma AnoGov enviou e-mail à A. do qual consta que verificaram que esta utilizou no nome da submissão e nos ficheiros submetidos caracteres especiais, como - ~ç, que devem ser evitados e que, nestas situações, os concorrentes devem entrar em contacto com o suporte técnico entre as 9h00 e as 19h00; e que, após análise dos procedimentos de monitorização, não detectaram qualquer indicação de anomalia ou falha técnica da plataforma.
(cfr. doc. 4 junto com a p.i., fls. 17 e 18 do sitaf);
11. Em 29/6/2021, às 15h, a A. enviou e-mail ao suporte técnico da plataforma AnoGov, do qual consta o seguinte:
«(•••)
Entendemos que a submissão deverá ser feita com antecedência, neste caso específico o prazo de entrega foi de dia 28/07/2021 às 23h59 e o 1º bloqueio da plataforma Anogov ocorreu pelas 21h30, pelo menos 3 horas antes do terminus.
"Neste caso, verificamos no V/ print screen que constam vários caracteres especiais no nome da submissão e dos ficheiros submetidos, como: _ ~ ç e acentos que devem ser evitados numa submissão".
Os caracteres são correntes no nosso idioma, e não há nenhuma informação comunicada aos utilizadores, quando o serviço é contratado ou quando ocorre durante a submissão. Sendo este um impedimento conhecido pela ANOGOV que impossibilita a submissão dos ficheiros deverá estar indicado para consulta na Plataforma. Poderá indicar no Manual do Utilizador ou nos Termos e Condições de utilização da Anogov onde se encontra essa informação ou aviso?
Foi realizada também uma tentativa de anexação dos documentos em pasta ZIP como recomendado no aviso mas surtiu o mesmo bloqueio. Não tendo sidos colocados ao corrente de que os ficheiros não podem ter caracteres especiais no nome da submissão e dos ficheiros submetidos (em submissões anteriores nunca tinha ocorrido) e não tendo sido alertados para esse facto na plataforma Anogov durante a submissão, fomos por esse motivo impedidos de submeter a nossa proposta dentro do prazo legal. Como podermos resolver esta questão?».
(cfr. doc. 6 junto com a p.i., fls. 22 a 29 do sitaf);
12. Em 29/6/2021, às 16h00, o suporte técnico da plataforma AnoGov enviou e-mail à A. do qual consta o seguinte:
« (...) informamos que a sugestão abaixo indicada relativamente aos carateres é uma informação que devem ter em consideração para resposta a futuros procedimentos. Após nova validação, verificamos que de facto, não houve qualquer constrangimento com a plataforma na data/hora indicada, pelo que não nos é possível conhecer a finalidade da informação enviada, por este motivo solicitamos sempre aos nossos clientes que efetuem a submissão no horário já referido (9h00-19h00) para que possamos apoiar o operador económico na resolução dos seus problemas/questões.».
(cfr. doc. 6 junto com a p.i., fls. 22 a 29 do sitaf);
13. Em 30/6/2021, foi publicitada a lista dos concorrentes na plataforma electrónica, da qual constam como concorrentes a T… e a F…, tendo nessa data a A. sido notificada da referida lista.
(cfr. docs. 2 e 3 juntos com juntos com o requerimento apresentado em 10/9/2021, fls. 186 a 188 do sitaf);
14. Em 5/7/2021, a A., invocando o [art. 267.°] e segs. do CCP, apresentou reclamação junto da Entidade Demandada, qual consta o seguinte:
«(•••)
3.º
A Plataforma AroGov.com, utilizado no presente procedimento, não aceitou a proposta que a Requerente diversas e repetidas vezes tentou apresentar, de forma atempada.
De facto,

O procedimento tinha como prazo para a apresentação de propostas até às 23h59 do dia 28/06/2021.
5o
Pelas 22h00 do dia 28/06/2021 tentou a Requerente submeter a sua proposta, mas o sistema informático devolvia sempre e de forma consecutiva a seguinte mensagem: “failure submiting the documents. Please try again”
(Documento 1, que se junta)

A Requerente tentou constantemente realizar a submissão da proposta, mas a plataforma informática recusou sempre a submissão.

Inclusivamente tentou a Requerente em alternativa submeter todos os ficheiros num único ficheiro .zip, mas o resultado foi o mesmo.

A mensagem genérica de erro não permitia à Requerente saber que tipo de problema poderia estar a causar o erro, ou se haveria forna de ultrapassar a questão.

Pelas 22h23 do mesmo dia, ao consultar os certificados acdvados na plataforma informática AnoGov, esta bloqueou, passando a apresentar o seguinte erro:
“Ocorreu um erro inesperado no sistema. Pedimos desculpas peio incómodo. Para mais informações contacte o suporte técnico (...)”
10º
Pelas 22h45, portanto ainda bem dentro do prazo para submeter a proposta, a Requerente contactou o suporte técnico da plataforma AnoGov, dando conta dos erros de submissão e do bloqueio da plataforma, que impossibilitavam, a Requerente de apresentar a sua proposta.
{Documento 3, que se junta)
11º
Apesar de todos os seus esforços, a proposta da Requerente foi. sempre rejeitada pela plataforma informática, até ser ultrapassado o prazo de submissão.
12°
O apoio técnico da plataforma AnoGov respondeu apenas no dia seguinte, indicando como possível causa dos problemas a utilização de ‘Vários caracteres especiais no nome da submissão e dos ficheiros submetidos, como: _ ~ ç e acentos que devem ser evitados numa submissão (Documento 4, que se junta)
13°
Ora, em primeiro lugar, caracteres como o “til”, cedi lha e acentos são caracteres comuns da Língua Portuguesa, <e não “caracteres especiais”.
14°
Em segundo lugar, nenhuma informação nesse sentido consta nos termos e condições da plataforma, incluindo nas informações intituladas "Acessibilidade” “Requisitos Técnicos”, "Declaração de Práticas”, “Política de Privacidade”, ou em qualquer parte do site, ou das peças do procedimento.
15º
Era terceiro lugar e conforme foi documentado peia Requerente, os erros apresentados peia plataforma em caso algum referiam que fossem esses caracteres "especiais” a origem do erro e que portanto impediam a submissão da proposta.
16°
Em quarto lugar, não há qualquer razão inultrapassável do ponto de vista técnico que justifique que uma plataforma rejeite propostas por estas utilizarem “”, cedilhas ou acentos.
17º
De facto, e após nova reclamação da Requerente, nem os próprios serviços técnicos da plataforma parecem saber o que poderá ter ou não originado o problema, dizendo não terem detectado qualquer anomalia ou falha técnica.
(Documentos 5 e 6, que se juntam)
18°
Certo é que a Requerente viu a sua proposta rejeitada pela plataforma informática, apesar de a ter apresentado dentro do prazo e cumprido todos os requisitos técnicos e materiais para a sua submissão; dando ainda conta, dentro do prazo, dos problemas apresentados pela plataforma.
19°
A presente factualidade oferece motivos mais que suficientes para obter a impugnação judicial do Procedimento concursal, crê a Requerente que tal é algo que se visa evitar, se possível.
Deste modo, e tendo presente os fundamentos apresentados supra pela ora Requerente, requer-se a V.Exa. que determine a aceitação da proposta da Requerente, que se junta, considerando-se esta apresentada atempadamente no dia 28 de Junho de 2021, devendo a mesma ser analisada, para os devidos efeitos, designada mente nos termos dos artigos 70." e 146." do Código dos Contratas Públicos.
(cfr. docs. 4 e 5 juntos com o requerimento apresentado em 10/9/2021, fls. 189 a 202 do sitaf);
15. À reclamação referida no ponto anterior foi junta a proposta da A, da qual consta que esta se obriga a prestar os serviços em causa pelo preço de € 79.600,00.
(cfr. pág. 312 a 412 do p.a., entre fls. 558 a 683 do sitaf);
16. Na sequência da reclamação apresentada pela A., a Entidade Demandada solicitou à equipa de suporte técnico da plataforma anagOV pronúncia e os esclarecimentos que entendessem por convenientes para a tomada da decisão. (cfr. fls. 414 do p.a, entre fls. 664 a 683 do sitaf);
17. Em 27/7/2021, foi emitido pela equipa de suporte técnico da plataforma anagOV relatório técnico do qual consta o seguinte:
«(•••)
Após análise dos logs do sistema, e como se pode analisar na tabela abaixo, verificamos que operador económico realizou várias tentativas de submissão do documento do tipo proposta entre as 22h01min e as 22h17min do dia 28 de junho.
Logs das tentativas de submissão do documento do tipo proposta
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:17
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:08
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:07
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:07
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:04
Tentativa de submissão de proposta 28/06/2021 22:01
No dia 29 de julho a equipa de Suporte Técnico da plataforma anoGov identificou que a dificuldade sentida aquando da submissão do documento do tipo proposta por parte do operador económico U…, S.A, estava relacionada com o facto de constarem alguns carateres especiais na designação atribuída à proposta que entraram em conflito com o processo de submissão do documento.
Atendendo ao facto de o operador económico ter realizado a submissão da proposta fora do horário de atendimento do Suporte Técnico (conforme informação disponível na área publica da plataforma anoGov), não foi possível prestar em tempo útil, ou seja, dentro da hora legal definida para a apresentação de propostas, o apoio necessário para ultrapassar a questão.
CONCLUSÃO
Como conclusão, verifica-se que o operador económico U…, S.A, não conseguiu submeter a sua proposta no procedimento registado na plataforma anoGov sob a referência “C…/2021/…/…-…- Aquisição de Serviços para Definição, Marcação de Percursos Pedestres e Colocação de Sinalética no Parque Natural da Arrábida”, devido a um constrangimento originado por alguns carateres especiais que constavam na designação da proposta.
Considerando que esta situação ocorreu fora do horário de atendimento do Suporte Técnico não foi possível à equipa técnica prestar o devido esclarecimento em tempo útil.
É ainda importante referir que a plataforma de contratação pública tem inúmeras camadas tecnológicas, quer a nível de servidor, quer a nível de cliente, e que é da responsabilidade do operador económico garantir os procedimentos adequados de forma a cumprir os prazos legais estipulados.
(cfr. pág. 419 a 422 do p.a., entre fls. 664 a 688 do sitaf);
18. Em 3/8/2021, a Entidade Demandada respondeu à reclamação apresentada, indeferindo a mesma com base nos seguintes fundamentos:
«(…)
Do procedimento
O procedimento C…/2021/…/…, anunciado no Diário da República n.° 110/2021, no dia 08 de junho de 2021, esteve disponível durante 20 dias para ser consultado e para todos os interessados poderem apresentar as suas propostas.
A data limite para apresentação de propostas era o dia 28 de junho de 2021, às 23h59m.
Em 29 de junho de 2021, o júri do concurso abriu as propostas e verificou que foi apresentada uma proposta, submetida na plataforma às 21h:47m do dia 28 de junho de 2021.
Do enquadramento legal
Com a entrada em vigor, a 30 de julho de 2008, do Decreto-Lei n.° 18/2008 de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP), todas as aquisições promovidas por entidades públicas deverão ser realizadas por via eletrónica em Plataformas Eletrónicas de Contratação.
A plataforma eletrónica de contratação pública com a qual o ICNF, I.P. trabalha, é a anoGov, conforme é do V. conhecimento.
A Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública e transpõe o artigo 29.° da Diretiva 2014/23/UE, o artigo 22.° e o anexo IV da Diretiva 2014/24/UE e o artigo 40.° e o anexo V da Diretiva 2014/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, revogando o Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de julho, dispõe no n.° 1 do seu artigo 70.° que, "Sem prejuízo do disposto no n.° 6 do artigo 65.°, a proposta considera-se apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente finaliza o processo de submissão.". Sendo que, nos termos do n.° 6 do artigo 65.° da referida Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto, "Caso o envio completo não seja bem-sucedido, considera-se não ter existido qualquer apresentação de candidaturas, soluções e propostas, devendo o interessado ser, de imediato, notificado desse facto.".
Análise da reclamação.
Em face do teor da V. reclamação e, bem assim, dos documentos que a instruíram, designadamente as mensagens de correio eletrónico que a U…, S.A. dirigiu à anoGov no dia 28 de junho (último dia para apresentação das propostas no âmbito do procedimento melhor identificado em assunto, este Instituto solicitou esclarecimentos à própria anoGov, que nos respondeu no passado dia 27 de julho, esclarecendo que "Após análise dos logs do sistema (...), verificamos que operador económico realizou várias tentativas de submissão do documento do tipo proposta entre as 22h01min e as 22hl7min do dia 28 de junho.".
Acrescentou ainda que "No dia 29 de julho a equipa de Suporte Técnico da plataforma anoGov identificou que a dificuldade sentida aquando da submissão do documento do tipo proposta por parte do operador económico U…, S.A, estava relacionada com o facto de constarem alguns carateres especiais na designação atribuída à proposta que entraram em conflito com o processo de submissão do documento.
Atendendo ao facto de o operador económico ter realizado a submissão da proposta fora do horário de atendimento do Suporte Técnico (conforme informação disponível na área pública da plataforma anoGov), não foi possível prestar em tempo útil, ou seja, dentro da hora legal definida para a apresentação de propostas, o apoio necessário para ultrapassar a questão."
Em conformidade, a anoGov conclui afirmando que "(...) verifica-se que o operador económico U…, S.A, não conseguiu submeter a sua proposta no procedimento registado na plataforma anoGov sob a referência "C…/2021/I…/D…- Aquisição de Serviços para Definição, Marcação de Percursos Pedestres e Colocação de Sinalética no Parque Natural da Arrábida", devido a um constrangimento originado por alguns carateres especiais que constavam na designação da proposta. Considerando que esta situação ocorreu fora do horário de atendimento do Suporte Técnico não foi possível à equipa técnica prestar o devido esclarecimento em tempo útil.
É ainda importante referir que a plataforma de contratação pública tem inúmeras camadas tecnológicas, quer a nível de servidor, quer a nível de cliente, e que é da responsabilidade do operador económico garantir os procedimentos adequados de forma a cumprir os prazos legais estipulados.".
Conclusão
Neste contexto, o júri não tem forma de considerar a proposta da U…, S.A., uma vez que a mesma não foi submetida na plataforma anoGov.».
(cfr. pág. 423 a 425 do p.a., fls. 684 a 688 do sitaf);
19. Em 30/7/2021, a petição inicial deu entrada no presente Tribunal.
(cfr. fls. 1 do sitaf).
*
A decisão quanto à matéria de facto dada como provada realizou-se com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
*
Não há factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa. (…)» (negritos e sublinhados nossos).

De Direito
i) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida em ter aplicado o instituto do justo impedimento, previsto no artigo 140.º do CPC, a um procedimento pré-contratual, nomeadamente à impossibilidade de entrega da proposta em tempo útil, motivada por um erro informático, assim enfermando de erro de direito «ao mobilizar uma figura estranha, e ao impor a mesma à A., quanto a A. fez uso, em tempo, dos meios legais aplicáveis, nomeadamente da reclamação graciosa, para invocar o erro informático em apreço.»

Vejamos.

Decorre dos autos que o prazo limite para a entrega das propostas, via plataforma AnoGov, no procedimento em apreço, seria até às 23h59 do dia 28.06.2021 – cfr. facto n.º 2 da matéria de facto supra.

A Recorrente tentou submeter a sua proposta entre as 22h00 e as 22h17, desse mesmo dia desse dia 28.06.2021, tendo feito várias tentativas – cfr. factos n.º 6, 10, 12 e 17 da matéria de facto supra.

Nesse mesmo dia 28, enviou um e-mail ao suporte técnico da plataforma AnoGov assumindo que, por lapso seu, pediu uma nova chave de acesso, o que provocou o reinício do pedido de registo e à eliminação do utilizador - cfr. factos 7 e 8 da matéria de facto supra.

Resulta também da matéria de facto que apenas no dia seguinte, dia 29.06.2021, os serviços da plataforma AnoGov responderam ao e-mail da Recorrente – cfr. facto n.º 10 da matéria de facto supra.

Assim, a Recorrente, apenas no dia seguinte ao terminus do prazo para a apresentação das propostas é que ficou a saber que o erro que teria motivado a verificada impossibilidade de submissão da sua proposta se ficou a dever ao facto de ter utilizado carateres especiais como "-~ç" e acentos.

Acresce que das peças do procedimento não consta que estes caracteres não deveriam ser utilizados no nome dos ficheiros aquando da submissão da proposta – cfr. facto n.º 3 da matéria de facto supra. O que, aliado ao facto de o art. 33.°, alínea g), da Lei n.° 96/2015, de 17.08, dispor que as plataformas eletrónicas devem disponibilizar, «em local de acesso livre a todos os potenciais interessados, as especificações necessárias exigidas para a realização dos procedimentos de formação dos contratos, designadamente as respeitantes aos requisitos a que os ficheiros que contêm os documentos das propostas, das candidaturas e das soluções devem obedecer», o que também não sucede.

Estando em causa caracteres que fazem parte da língua portuguesa, tal erro não pode ser imputado à Recorrente, como bem concluiu a sentença recorrida. Assim como se acompanha o decidido pelo tribunal a quo quando considerou que o facto de o apoio técnico da plataforma AnoGov apenas estar disponível das 09.00 às 19:00 não pode determinar qualquer tipo de exigência quanto à conduta das concorrentes, que comprima o prazo de apresentação das propostas fixado nas peças do procedimento, nem qualquer juízo de censurabilidade, caso as propostas não sejam submetidas naquele hiato de tempo em que o referido apoio técnico está, hipoteticamente, garantido.

Onde nos afastamos da decisão recorrida é na consideração de que o exposto não consubstancia um evento absolutamente impeditivo para que a Recorrente pudesse ter submetido a sua proposta no dia 28.06.2021, ao ter considerado que «uma vez que aquela tinha até às 23h59 desse dia para submeter a sua proposta e não alegou a A. nem demonstrou que tentou submetê-la até às 23h59 desse dia e que não conseguiu fazê-lo por um evento que não lhe pode ser imputado a título de culpa.»

E isto porque para este tribunal de recurso resulta claro que mesmo que a Recorrente tivesse continuado a tentar submeter a sua proposta até ao limite do tempo que tinha para o efeito, o erro que se revelou numa impossibilidade de submissão, como vimos, a utilização de caracteres que a plataforma AnoGov não reconhecia, apenas foi esclarecido pelos serviços técnicos desta plataforma no dia seguinte.

Ou seja, o mais provável é que a Recorrente, mesmo que tivesse continuado a tentar submeter a sua proposta até ao limite do tempo que tinha, reincidisse no mesmo erro, o que levaria a que a impossibilidade de submissão se mantivesse, daí a irrelevância do juízo adotado na decisão recorrida.

Importa, pois, realçar, que das peças do procedimento não consta que os caracteres usados pela Recorrente não poderiam ser utilizados – cfr. facto n.º 3 da matéria de facto supra -, ao que acresce o facto de o art. 33.°, alínea g), da Lei n.° 96/2015, de 17.08, dispor que as plataformas eletrónicas devem disponibilizar, «em local de acesso livre a todos os potenciais interessados, as especificações necessárias exigidas para a realização dos procedimentos de formação dos contratos, designadamente as respeitantes aos requisitos a que os ficheiros que contêm os documentos das propostas, das candidaturas e das soluções devem obedecer», o que também não sucedeu.

Perante o que, se considera também irrelevante, para este efeito, a circunstância de os serviços da plataforma AnoGov relatarem que a mesma não padecia, naquele período, de quaisquer deficiências técnicas, pois que não foram estas, como vimos, e resulta dos autos, a causa da não submissão da proposta da Recorrente - cfr. factos n.º 5, 10, 12 e 17 da matéria de facto supra.

Neste pressuposto, não será de manter a decisão recorrida na parte em que conclui que o evento que impediu a Recorrente de submeter a sua proposta dentro do prazo fixado no procedimento, ocorreu apenas entre as 22h00 e as 22h17 do dia 28.06.2021, último dia do prazo de entrega, pois que o erro que se revelou como impossibilitante da submissão da proposta, a circunstância que relevou para tal impossibilidade, foi a utilização pela Recorrente de determinados caracteres cujo uso seria causa do verificado erro na submissão da proposta, erro esse que apenas foi conhecido no dia seguinte – cfr. factos n.º 10 e 12 da matéria de facto supra – ou seja, no dia 29.06.2021.

Assim se concluindo, ao invés, que resulta provado nos autos a ocorrência de uma situação de impossibilidade de submissão oportuna da proposta não imputável à Recorrente, o que consubstancia, de facto, a verificação de um justo impedimento.

Insurge-se, porém, a Recorrente contra a aplicação deste instituto de cariz processualista, a um procedimento administrativo pré-contratual, alegando, em suma, que o Código dos Contratos Públicos (CCP) tem regras específicas para estas situações, pelo que serão estas as normas a aplicar em primeira linha e não um instituto cuja aplicação será sempre de natureza supletiva.

Mas não tem razão a Recorrente. Vejamos porquê.

É entendimento consensual na doutrina (1) e na jurisprudência (2) que a transposição do instituto do justo impedimento para o domínio da contratação pública se sustenta no respeito pelo núcleo essencial do direito fundamental de acesso ao direito previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), correspondendo, assim, a uma verdadeira e plena consagração dos princípios da justiça e da razoabilidade, consagrados no art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicáveis à contratação pública ao abrigo do disposto no art. 1.º-A, n.º 1, do CCP.

Neste pressuposto, verificada que está uma situação de justo impedimento, que impossibilitou que a Recorrente, sem culpa, não tivesse submetido na plataforma AnoGov, em tempo, a sua proposta – cfr. fundamentação que antecede – o que cumpre decidir é se o facto de a Recorrente não ter comunicado ao júri do concurso, logo que teve conhecimento da causa impeditiva – a 29.06.2021 -, o referido impedimento – cfr. decorre das normas que regem o referido instituto do justo impedimento - art. 140.º do CPC -, mas apenas a 05.07.2021, e em sede de reclamação administrativa, impede a admissibilidade da sua proposta.

O tribunal a quo entendeu que sim. A Recorrente entende que não.

Vejamos por partes.

Dispõe o art. 140.°, n.°s 1 e 2, do CPC, que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova e que, ouvida a parte contrária, admitir-se-á o requerente a praticar o ato fora do prazo, se se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

É certo que, pese embora a requerente, ora Recorrente, se insurja contra a aplicação deste instituto, dúvidas não há que os factos que invoca como justificação da sua não atuação atempada, consubstanciam, como vimos, uma situação de impossibilidade, sem culpa sua, o que apenas a pode beneficiar.

Repare-se que a alternativa usada Pela Recorrente, ao ter reclamado dessa impossibilidade, invocando as normas do CCP, revela-se, in casu, desajustada. Na verdade, os invocados art.s 267.º e ss. do CCP, na reclamação que apresentou – cfr. facto n.º 14 da matéria de facto supra – não tem aplicação no caso em apreço pois que, naquela, a Recorrente não está a reagir a nenhuma decisão que tenha sido tomada pelo júri ou pela entidade adjudicante, no âmbito do procedimento de formação do contrato em apreço. Ao invés, a Recorrente, através do requerimento que apresenta a 05.07.2021, pretende impugnar a inoperabilidade da plataforma AnoGov, e não de nenhuma decisão que tivesse sido tomada contra si pela entidade adjudicante ou pelo júri – cfr. alíneas D) e E) das conclusões de recurso -, conforme decorre claramente da reclamação apresentada a 05.07.2021 - e facto n.º 14 da matéria de facto supra.

Assim, e secundando, nesta parte, a doutrina que dimana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.09.2017, P. 01081/16 (3), no qual se sumariou que a dedução do justo impedimento em procedimento administrativo, sendo admissível, impõe a observância de todas as regras previstas no art. 140º do CPC (4), mais resultando da sua fundamentação, com particular interesse para o caso em apreço, o seguinte:

«(…) não se vê porque não seja de aplicar o referido n.º 2 do artigo 146º do CPC, que impõe ao requerente o ónus de requerer a prática extemporânea do acto mediante alegação e instrução do pedido com a indicação dos meios de prova dos factos integradores desse justo impedimento logo que cesse a causa impeditiva.

Nem se diga que, porque estamos perante um procedimento administrativo, não se aplicam as regras dos processos judiciais, por a estes se aplicarem os princípios do dispositivo e da preclusão, daí a exigência da imediata apresentação da prova.

E que, quando aplicada a procedimentos administrativos, as regras do justo impedimento terão de ser interpretadas à luz dos dispositivos do CPA.

É que, nos termos alegados está a pretender-se que o juiz regulamente uma situação que o legislador nem expressamente previu, criando também um direito ex novo atendendo a princípios subjacentes ao procedimento administrativo.

Ou seja, chama-se à colação no âmbito do procedimento administrativo um instituto regulamentado na lei para um processo judicial, que aquele nem prevê expressamente, nem por remissão, mas depois diz-se que a regulamentação já deve ser diversa face a especificidades próprias do procedimento em causa.

Ora, haverá sempre especificidades do procedimento administrativo que poderão justificar a importação do instituto tal e qual, assim como haverá sempre margem para se dizer que outra regulamentação seria mais adequada.

E basta atermo-nos, desde logo, ao facto de no âmbito do processo gracioso administrativo qualquer decisão que venha a ser tomada ser ainda susceptível de impugnação contenciosa.

Portanto, a própria razão de ser do procedimento administrativo gracioso é uma fase no sentido da definição de uma situação jurídica mas não é a última.

Se se chama à colacção no âmbito do procedimento administrativo um regime jurídico apenas previsto no processo civil, também se há-de chamar à colacção a regulamentação para ele prevista.

Estar a criar uma regulamentação própria invocando razões de especificidades põe desde logo em causa o recurso a este instituto precisamente por as razões de ser do procedimento administrativo serem diversas das do processo civil. (…)».

Assim, o facto de a Recorrente não ter comunicado ao júri do concurso logo que teve conhecimento da causa impeditiva – a 29.06.2021 -, o referido impedimento – cfr. decorre das normas que regem o referido instituto do justo impedimento - art. 140.º do CPC -, mas apenas a 05.07.2021 e após a data da publicitação da lista dos concorrentes admitidos - cfr. factos n.º 13 e 14 da matéria de facto supra, que ocorreu a 30.06.2021 -, em sede de reclamação administrativa, impede a admissibilidade da sua proposta.

Inadmissibilidade essa que poderia não ter ocorrido, segundo um juízo de proporcionalidade (5), ao abrigo do art. 266.º da CRP, se a “reclamação” e apresentação posterior da proposta pela Recorrente, invocando as circunstâncias já conhecidas e consideradas como uma situação de justo impedimento, tivesse, ainda assim, ocorrido em momento anterior ao da publicitação da lista dos concorrentes admitidos na plataforma eletrónica, o que, no caso, também não sucedeu- cfr. factos supra.

Em face do que, é de manter o decidido na sentença recorrida, embora com distinta fundamentação.

ii) Do erro de julgamento da matéria de facto em que incorreu a sentença recorrida, ao ter dado como provado que, a determinado momento, a A., ora Recorrente, decidiu parar de tentar submeter a proposta, quando, do ponto 7 da matéria provada.

Face a todo o exposto, este concreto facto revela-se, face a todo o exposto, absolutamente irrelevante para a decisão do presente recurso, pois que, como se viu, apenas no dia seguinte ao terminus do prazo de apresentação das propostas, a Recorrente terá sido informada de qual o erro que impossibilitou a submissão da sua proposta, pelo que se pode concluir que o resultado teria sido sempre mesmo – a impossibilidade – quer a Recorrente tivesse desistido ou não de submeter a proposta até ao limite do prazo.

iii) Do erro de julgamento de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado que viola o princípio da concorrência, admitir uma proposta, quando a lista de publicitação já está divulgada, mesmo que «“selada” pela assinatura digital qualificada, e não pode ser tida como alterada ou adulterada

O conhecimento deste erro de julgamento fica prejudicado, pela decisão que antecede, pois que o mesmo apenas teria uma valia autónoma caso não se tivesse dado como verificada situação de justo impedimento, como decidiu o tribunal a quo, mas que este tribunal de recurso reverte. Na verdade, verificada que está a situação de justo impedimento, mas incumpridos que foram os seus pressupostos, esta questão fica prejudicada pela procedência da primeira, pois que a situação de justo impedimento, enquanto decorrência, designadamente, do princípio da justiça, constitui um dos casos específicos, que devem ser tidos em conta na ponderação com outros valores e princípios igualmente relevantes para o direito da contratação pública, como o da concorrência e da transparência, em virtude de só assim ser respeitado o valor da justiça material que subjaz à ideia do próprio direito (6).

Ou seja, se a Recorrente tivesse comunicado, em momento oportuno, conforme fundamentação supra na alínea i), a impossibilidade em submeter a sua proposta na plataforma AnoGov e dada aquela por verificada e a inexistência de culpa da Recorrente, a sua proposta seria admitida, ao abrigo do instituto do justo impedimento – cfr. art. 140.º, do CPC.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17.03.2022

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

__________________________

(1) Neste sentido, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, pgs. 645 e segs.; MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, Almedina, 1997, pg. 159.
(2) v. ac. STA de 14.09.2017, P. 01081/16, cuja doutrina é também acompanhada pelo TCA Norte, em ac. de 20.01.2011, P.0840/09.5BEVIS e de 20.03.2015, P. 01578/14.7BEPRT, este referindo expressamente que «o instituto do justo impedimento regulado no artigo 140.º do CPC/2013 tem plena aplicação aos procedimentos administrativos e, por conseguinte, também aos procedimentos de contratação pública.».
(3) Disponível em www.dgsi.pt
(4) O ali referido art 146.° do anterior CPC - Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12., na versão do DL nº 34/2008, de 26/02, aplicável ao caso, tem a mesma redação do atual art. 140.° nº 1 do CPC, que se refere no texto.
(5) Neste sentido, embora sobre situação distinta, mas cuja doutrina seria, no caso, transponível, v. ac. STA de 19.11.2020, P. 0999/19.3BEAVR e ac. TCA Sul, de 23.09.2021, P.2209/19.4BELSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
(6) Neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, op.cit., pg. 942.