Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1236/22.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO
SUSPENSÃO DA ENTREGA DE IMÓVEL AO ARREMATANTE
Sumário:Não tendo o reclamante/recorrente obtido o reconhecimento de que o imóvel arrematado constitui a sua habitação principal, não tem como recorrer ao regime excecional de suspensão da instância executiva, estatuído no n.º 3 do artigo 863.º do CPC, verificados que sejam os requisitos ali previstos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l– RELATÓRIO


M….., deduziu reclamação nos termos do artigo 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contra o despacho do datado de 07/01/2021, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Amadora - 3, por delegação, que determinou a entrega do imóvel constituído pela fração autónoma identificada letra "………. - Apartamento 007 do prédio urbano sito no Largo S. João Baptista, n.° ……..- Lisboa, na sequência da venda judicial, ocorrida no âmbito dos processos de execução fiscal n.° …….53 e apensos.

O Tribunal Tribuário do Lisboa, por decisão de 25 de janeiro de 2023, julgou improcedente a reclamação.

Inconformado, o reclamante, M....., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a) A alínea p) dos factos assentes deverá ter a redacção segundo a qual Entre 04.03.2021 e 04.07.2021 a sociedade Galp faturou, ao Reclamante, consumos relativos a eletricidade e gás natural fornecidos na morada “Largo São João Baptista …….. Lisboa, pois que dos documentos em que tal acervo probatório assenta não decorre terem os consumos ser feitos no apartamento 008;

b) Da mesma forma que a consideração de o apartamento 007 ser a residência permanente e exclusiva do recorrente deriva quer dos documentos e dos processos constantes dos factos assentes, como, ainda, resulta evidente dos depoimentos das testemunhas P.....e W.....;

c) Consignada tal realidade efectiva, o art. 861°, n° 6 do Cod. Proc. Civil, bem assim como o art. 6°F, n° 7, al. b) da Lei n° 1-A/2020, implicam a suspensão da entrega preconizada na decisão reclamada, tanto mais que o recorrente é insolvente, tendo-lhe sido vendidas as habitações que possuía, tendo uma filha, ainda que agora maior, a seu cargo;

d) Estando declarado por Acordão do STJ transitado em julgado a competência da jurisdição civil para a entrega, não pode, de forma concorrente e paralela, a mesma questão ter lugar em sede de jurisdição administrativa e fiscal;

e) A decisão sob recurso viola, salvo melhor opinião, os comandos e princípios legais contidas nas presentes conclusões.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por ser de

JUSTIÇA!


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Notificada para o efeito, a A FAZENDA PÚBLICA, não contra-alegou.


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



II – QUESTÕES A APRECIAR

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a reclamação e, consequentemente manteve o ato reclamado.

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho.

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que, aqui importa decidir, consiste em aferir se a sentença recorrida errou no julgamento que fez da matéria de facto e de direito ao concluir pela manutenção do ato reclamado, ou seja, pela entrega por parte do reclamante aqui recorrente do imóvel ao arrematante com o reconhecimento dos seus direitos de proprietário do mesmo.

III - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:
“a) Em 27.07.2002, nasceu C........, filha do Reclamante (cfr. Assento de nascimento junto aos autos em 10.01.2023);

b) Em 11.03.2013, o Serviço de Finanças de Amadora-3, penhorou o imóvel inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ….9 - fração …… Apartamento 007 do prédio urbano sito no Largo S. João Baptista, n……. - Lisboa, pertencente ao Reclamante, para garantia da quantia exequenda de € 42.658,46, referente ao processo de execução fiscal n.° ……53 e apensos (cfr. AP. 2629 de 11.03.2013 da certidão predial referente à ficha n.° ……..-G, da freguesia do Lumiar, junta com o processo administrativo instrutor);

c) Em 31.07.2013 o Reclamante foi declarado insolvente no âmbito do processo n.° …….SB que correu os seus termos pelo 8.° Juízo Cível de Lisboa (cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial);

d) Em 12.08.2013, o imóvel descrito na alínea precedente foi vendido, pelo Serviço de Finanças de Amadora-3, a H........, pelo valor de € 210.000,00 (cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial);

e) No dia 02.05.2016, o Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças de Amadora-3, petição para efeitos de anulação da venda do imóvel descrito supra, a qual deu origem ao processo de reclamação de atos do órgão de execução fiscal n.° 1133/16.7BESNT, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (cfr. consulta do processo n.° 1133/16.7BESNT na plataforma SITAF);

f) Em 02.02.2017, foi proferida sentença no processo identificado na alínea anterior, que concluiu que o pedido de anulação de venda foi apresentado para além do prazo legal para o efeito, e, como tal "(...) o despacho reclamado não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que deverá manter-se nos seus precisos termos." e julgou improcedente a reclamação (cfr. consulta do processo n.° 1133/16.7BESNT na plataforma SITAF);

g) Em 11.05.2017, na sequência de recurso interposto contra a decisão acima identificada, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão que confirmou a sentença identificada na alínea anterior (cfr. consulta do processo n.° 1133/16.7BESNT na plataforma SITAF);

h) Em data que não foi possível apurara, mas durante o ano de 2017, foi interposta, contra o Reclamante, ação de processo comum, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, à qual foi atribuído o n.° 28606/17.1T8LSB, em cuja petição foi formulado o seguinte pedido: "Nestes termos, e nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência: a) Declararem-se os Autores como donos e legítimos proprietários da fracção identificada no artigo 1.° deste articulado; b) Condenar-se o Réu a restituir aos Autores a fracção autónoma em causa, livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; c) Condenar-se o Réu ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da ocupação dos imóveis, calculada nos termos do art. 609°. n.° 2 do Cód. Proc. Civil, que nunca poderá ser inferior a €116.277.50 (cento e dezasseis mil duzentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), conforme descrita nos artigos 32.°, 33.°, 34.° e 35.° deste articulado; d) Condenar-se o Réu ao pagamento das quantias vincendas até à efectiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens; e) Condenar-se o Réu ao pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção nos termos peticionados no art.° 50.° e 57.°, deste articulado; f) Finalmente, deve o ora Réu ser condenado no pagamento das custas de parte e procuradoria condigna" (cfr. documento 1 junto com a petição inicial);

i) Em 04.07.2018, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão que não admitiu o recurso de revista do acórdão identificado na alínea g), por "(...) julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional" (cfr. consulta do processo n.° 1133/16.7BESNT na plataforma SITAF);

j) Em 18.10.2018, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Amadora – 3 o seguinte despacho:

(cfr. consulta do processo n.° 157/19.7BESNT, na plataforma SITAF, fls. 79 a 82);

k) Em 06.12.2018, o Reclamante foi citado do despacho acima identificado e para entregar o imóvel supra descrito (cfr. consulta do processo n.° 157/19.7BESNT, na plataforma SITAF, fls. 79 a 82);

l) Não se conformando o Reclamante contestou o ato supra identificado no âmbito de processo de reclamação de atos do órgão de execução fiscal, que correu os seus termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.° 157/19.7BESNT (cfr. consulta do processo n.° 157/19.7BESNT, na plataforma SITAF);

m) Em 21.01.2019, foi proferida decisão no âmbito do processo n.° 28606/17.1T8LSB que julgou "(...) a acção procedente por provada, nesta parte, reconhecendo-se o direito de propriedade dos AA. e condenando-se o R. à restituição da fracção (...)", a qual foi confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.01.2020 (cfr. documento 1 junto com a petição inicial);

n) Em 23.04.2019 foi proferida decisão no processo n.° 157/19.7BESNT na qual se concluiu que "Nada vindo alegado a respeito de tal reclamação, e encontrando-se assente que a notificação do acórdão do STAfoi expedida em 6 de Julho de 2018 e que o acto reclamado foi praticado em 6 de Dezembro seguinte, Resulta evidente que à data da prática do acto sindicado, o prazo de 10 dias para reclamar já há muito se encontrava expirado e, consequentemente, que a decisão que referente ao pedido de anulação da venda do imóvel já se encontrava transitada em julgado. Assim sendo, o despacho reclamado não enferma do vício que lhe foi imputado, devendo manter-se na ordem jurídica" decisão que foi mantida pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.09.2019, proferido no processo identificado (cfr. consulta do processo na plataforma SITAF e http://www.dgsi.pt);

o) ATO RECLAMADO - Em 07.01.2021, foi proferido despacho com o seguinte teor:

Face às sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Tribunal Central Administrativo Sui e do Supremo Tribunal Administrativo, já transitadas em julgado e à insistência do pedido apresentado pelo adquirente do imóvel, determino novameníe a citação ao executado para no prazo de 20 { Vinte ) dias, fazer a entrega do imóvel ao arrematante e respeite e reconheça os seus direitos de proprietário nos termos dos ns° 1 e 3o do artigo 801° do Código Processo Civil. Se o imóvel constituir a casa de habitação principal do executado e caso a entrega suscite séries dificuldades de realojamento, é de comunicar esse facto à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes.

Findo aquele prazo, se o não fizer, proceder-se-á nos termos do artigo 757° do Código Processo Civil, a entrega efectiva do imóvel ao respectivo adjudicatário.

(cfr. despacho constante do processo administrativo instrutor, em Petição Inicial (407788) Documentos da PI (006548605) de 25/07/2022 19:51:00 );

p) Entre 04.03.2021 e 04.07.2021 a sociedade Galp faturou, ao Reclamante, consumos relativos a eletricidade e gás natural fornecidos na morada "Largo ………, Lisboa 1600-….. Lisboa” (cfr. Requerimento (415033) Requerimento (006610909) de 10/01/2023 19:38:45);

q) Entre 17.03.2021 e 18.05.2021 a sociedade Epal - Grupo de Águas de Portugal, faturou, ao Reclamante, consumos relativos a fornecimentos de água na morada "A…….., Quinta do……, B2, Corpo A……, 1600-…… Lisboa" (cfr. Requerimento (415185) Requerimento (006612260) de 12/01/2023 13:24:10);

r) Em 23.06.2021, o Reclamante foi citado do despacho acima identificado (cfr. certidão de verificação com hora certa, constante do processo administrativo instrutor, em Petição Inicial (407788) Documentos da PI (006548605) de 25/07/2022 19:51:00);

s) Em 22.07.2021, o Reclamante procedeu à alteração da morada com efeitos retroativos a 30.10.2019 (cfr. Cadastro do número de contribuinte constante do processo administrativo instrutor, em Petição Inicial (407788) Documentos da PI (006548605) de 25/07/2022 19:51:00);

t) Em 28.06.2021, a Reclamante apresentou junto do órgão de execução a presente reclamação (cfr. Petição Inicial (407788) Petição Inicial (006548604) de 25/07/2022 19:51:00);

u) Em 04.11.2022, no âmbito do processo de Insolvência no âmbito do processo n.° 719/13.6YXLSB que correu os seus termos pelo 8.° Juízo Cível de Lisboa foi elaborado anunciado o "Despacho de Exoneração do Passivo Restante" do qual resulta o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. https://www.citius.mj.pt/portal/consultas, consultado pela signatária, aquando da elaboração da decisão, em 24.01.2023, pelas 14:36).

*

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Face à prova produzida inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções aduzidas integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito das partes.


*

III.3. MOTIVAÇÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto assenta na análise dos articulados e dos documentos juntos aos autos e constante do processo administrativo instrutore apensos nomeadamente das informações oficiais e dos documentos deles constantes, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada, da consulta dos processos judiciais identificados e que correram os seus trâmites neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, da consulta de plataformas oficiais de publicação de atos judicias (CITIUS) como também da prova testemunhal.

Assim:

- P........, informou que trabalhou com o Reclamante, identificando-o como entidade patronal. Referiu ser amigo do Reclamante à trinta (30) e tal anos. Questionado sobre se frequenta a casa do Reclamante disse "(...) de vez enquando vou lá, porque somos amigos (...)". Perguntado em que ocasiões ia a casa do Reclamante, disse "(...) ao fim de trinta e tal anos...somos amigos, né (...) vou a casa dele regularmente ou porque vou lá, porque vou falar com ele, ou porque já não o vejo há algum tempo ou porque vou jogar damas com ele ou ...". Questionado se o Reclamante sempre viveu no imóvel em casa, referiu que existiam duas casas e que antigamente entrava numa casa - referindo-se ao apartamento 008 - e que "(...) há aqui quatro, cinco anos sei que atravessou uma fase difícil na vida dele e ficou sem aquela casa e ficou com a do lado direito.". Questionado uma primeira vez sobre se o Reclamante ainda tem acesso à fração n.° 8 referiu apenas que "Quando eu vou ter com ele, ele está do lado direito, as coisas dele estão do lado direito.". Mais tarde referiu que tanto quanto sabe o Reclamante não tem acesso à casa. Questionado, descreveu de forma clara a disposição do apartamento n.° 008 8 e o seu discurso não foi tão fluido na discrição da disposição do n.° 007, o que levantou dúvidas quanto ao grau de amizade afirmado e, sobretudo, quanto à frequência com que visita o Reclamante na sua casa ou se efetivamente desde há "(...) quatro ou cinco anos (...) vai à casa do Reclamante e entra pelo n.° 007 ou pelo n.° 008.

Enquanto prestava depoimento a testemunha apresentava-se constrangida e foi pouco esclarecedora, vaga e o seu discurso não foi compatível com a amizade que disse ter com o Reclamante não tendo sido convincente quanto à frequência com que disse visitar e conhecer a casa deste. Pelo que vem descrito, o seu depoimento não se afigura credível e apto para formar a convicção do Tribunal quanto à morada do Reclamante.

- W........, trabalhou com o Reclamante e disse por força dessa relação desenvolveu uma relação de amizade. Acrescentou que as filhas de ambos são da mesma idade. Referiu que a última vez que foi a casa do Reclamante foi quando a filha deste fez anos e foi levar a sua filha à festa. A muitas das perguntas que lhe foram colocadas respondeu que o que sabia decorria de informações que tinha. Questionado sobre que informações eram essas respondeu que eram informações recolhidas entre amigos comuns, mas quando foi questionado se tem muitos amigos em comum com o Reclamante disse "(...) muitos não, poucos, é mais a nível profissional, a ligação com o Sr. .. a nível profissional ... e as pessoas que conhecíamos eram, digamos, do circuito profissional basicamente (...)".

Afirmou que não sabe se o Reclamante tem acesso ao n.° 008, nem sabe se vive lá alguém.

A testemunha não estava à vontade ao responder às perguntas colocadas e o seu depoimento foi mecânico, pouco espontâneo, hesitante e muito vago, razão pela qual o seu depoimento não se afigura verosímil.”

Face ao disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, acordar-se em alterar o facto constante da alínea p) da matéria dada por provada, que passará, por isso, a ter a seguinte redação:

p) Entre 04.03.2021 e 04.07.2021 a sociedade Galp enviou ao Reclamante – para a morada – Largo……., Lisboa 1600-….. Lisboa – as faturas com os n.ºs FT ……83; FT …….01; FT …….61; FT ………03, todas referentes a fornecimento de eletricidade e gás natural em “LARGO …….1600-….. LISBOA” (cfr. Requerimento (415033) de 10/01/2023 19:39:15).


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De Direito

Em sede de aplicação do direito a sentença jugou improcedente o pedido de suspensão da entrega de imóvel ao arrematante e do reconhecimento dos seus direitos de proprietário.

Dissente, o reclamante vem recorrer arguindo que “[A]a alínea p) dos factos assentes deverá ter a redacção segundo a qual Entre 04.03.2021 e 04.07.2021 a sociedade Galp faturou, ao Reclamante, consumos relativos a eletricidade e gás natural fornecidos na morada “Largo São……., Lisboa 1600-…… Lisboa”, por considerar que do acervo probatório em que tal facto assenta não decorre que os consumos foram feitos no apartamento 008 – concl. a)

Refere ainda que “a consideração de o apartamento 007 ser a residência permanente e exclusiva do recorrente deriva quer dos documentos e dos processos constantes dos factos assentes, como, ainda, resulta evidente dos depoimentos das testemunhas P.....e W.....”- concl. b)

Do que se deixa dito e da leitura que se faz do salvatério, fica para nós claro que o recorrente vem impugnar a materialidade dada como assente, por considerar que o Tribunal errou no seu julgamento de facto.

Recordemos antes de mais que, tal como temos vindo a dizer, a impugnação da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso.

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas.

Por seu lado ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.

Acolhemos, quanto a esta matéria e, bem assim, quanto ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal de recurso a posição largamente adotada neste TCA Sul transcrevendo parte do acórdão deste Tribunal, proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS,

Diz-se ali:

“(…)

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).

Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).

Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada e menciona os documentos ou pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc. 118/18.3BELRS).” - fim de citação

Tal como temos vindo a dilucidar a alteração da matéria de facto pressupõe, nos termos explanados, a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorreu erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo, sendo certo que na situação em análise, pese embora venha alegado erro de julgamento, a recorrente não logrou enunciar qualquer situação em que, de facto, se conteste a materialidade fixada no probatório.

Volvendo ao caso que, ora nos ocupa, damos conta que, não obstante o recorrente venha nesta sede a identificar o ponto que considera incorretamente julgado identificando-o como constante da alínea p) do probatório, não logra indicar os concretos meios probatórios, que, em seu entender, ditavam decisão diferente daquela que foi perfilhada pela decisão recorrida.

Na verdade, importa dizê-lo, no facto indicado (alínea p) do probatório fixado na sentença), constava que, entre 04/03/2021 a Galp faturou ao reclamante consumos de gás natural e eletricidade fornecidos na morada - Largo São João Baptista 5 A RC 008, Lisboa 1600-760 Lisboa.

Da análise do documento de suporte o que constatamos foi que a faturação ali enunciada foi remetida para a referida morada (Largo São João Baptista 5 A RC008, Lisboa 1600-760 Lisboa), mas indicando como local de fornecimento daqueles bens, o “LARGO ……. LISBOA 1600-….. LISBOA”, situação que face ao artigo 662.º do CP, deixamos corrigida no local próprio.

Assim sendo, temos que, não ficando claro qualquer correspondência entre o local onde foi recebida a correspondência (Largo……., Lisboa 1600-….. Lisboa) e aquela a que respeitam os consumos (Largo …… Lisboa) a verdade é quedaqui não resulta o pretendido pelo recorrente, ou seja, que os respetivos consumos foram fornecidos na morada “Largo……, Lisboa 1600-…… Lisboa”.

Quanto à questão a que se reporta a considerar o apartamento 007 como residência permanente e exclusiva do recorrente, padece por falta de indicação dos concretos meios probatórios, que, em seu entender, ditavam decisão sobre a matéria de facto impugnados, diferente daquela que foi perfilhada pela decisão recorrida, ou seja por falta de cumprimento do ónus que emerge do citado artigo 640.º n.º 1 do CPC, sendo certo que lidas as alegações recursiva atentamos a que também dali não se retira em que medida é que o ali explanado oferece prova capaz, de conduzir a decisão diferente daquela que foi perfilhada pela sentença recorrida.

Improcedem assim, sem mais, as presentes conclusões recursivas.

Alega ainda o recorrente que “[C]consignada tal realidade efectiva, o art. 861°, n° 6 do Cod. Proc. Civil, bem assim como o art. 6°F, n° 7, al. b) da Lei n° 1-A/2020, implicam a suspensão da entrega preconizada na decisão reclamada…”, - concl. c)

Também, neste ponto carece de razão o executado, já que não tendo, como vimos, obtido o reconhecimento de que o imóvel constitui a sua habitação principal, não tem como recorrer ao regime excecional de suspensão da instância executiva, estatuído no n.º 3 do artigo 863.º, verificados que sejam os requisitos ali previstos.

O mesmo se dirá quanto às considerações com que faz apelo à Lei n.º 1-A/2002, que veio criar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, cuja cessão ocorreu por força do Decreto Lei n.º 66-A/2002 de 30/09(1), sendo certo que o acórdão da Relação de Lisboa de 13/10/2022, se refere, à entrega “do local arrendado”, sem que haja sido estabelecido qualquer paralelo com situações de insolvência.

Por fim, parece pretender arguir a incompetência da jurisdição administrativa e fiscal para a entrega, com a alegação de que se encontra declarado por acórdão do STJ transitado em julgado a competência da jurisdição civil, situação que, segundo entendemos se refere à ação de processo comum, interposta junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, à qual foi atribuído o n.° 28606/17.1T8LSB, a que se refere o ponto h) dos factos provados, donde se infere, que também aqui as conclusões recursivas estão condenadas ao fracasso já que, pese embora ambos os processos visem, a final, a entrega do imóvel ao adjudicatário, são processos distintos, o que foi intentado na jurisdição comum é um processo declarativo, sendo que este decorre no âmbito da ação execução fiscal, termos em que não se colocam questões de incompetência ou de litispendência, nem seria este o momento em que a questão se pode colocar, já que o imóvel se encontra adjudicado a terceiro.

Quanto à eventual violação dos comandos e princípios legais contidas nas presentes conclusões, a que refere na conclusão e), importa apenas dizer que à míngua de tal enunciação o tribunal não pode aferir da eventual verificação.

Improcede assim, in totum, a pretensão do recorrente.

III- Decisão Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrente
Registe e Notifique
Lisboa, 01 de junho de 2023



Hélia Gameiro Silva – Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)





(1)A situação epidemiológica deixou de ser considerada emergência sanitária global conforme foi declarado pelo Diretor geral da OMS, no mês de maio último