Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:890/09.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:É inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I.RELATÓRIO

O Instituto ..., inconformado com a sentença Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual julgou improcedente a Acção Administrativa Especial e, em consequência, negou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por não estarem reunidos os pressupostos legais para a sua atribuição, veio dela recorrer. O Recorrente termina as alegações do recurso formulando as seguintes conclusões:

“Conclusões

1ª) A Administração Fiscal efectuou uma liquidação de IVA e juros compensatórios, tendo o contribuinte deduzido reclamação contra tal liquidação;

2ª) Após a apresentação da reclamação, o contribuinte efectuou o pagamento dos quantitativos exigidos pela Administração Fiscal resultantes da liquidação;

3ª) A Administração Fiscal, em 2001, veio a deferir, parcialmente, a reclamação apresentada pelo contribuinte, anulando, assim, parcialmente, a liquidação;

4ª) A Administração Fiscal devolveu ao contribuinte os quantitativos que este tinha pago, mas recusou-se a pagar juros indemnizatórios;

5ª) Tal recusa é ilegal, desde logo porque o contribuinte, por aplicação do princípio do não enriquecimento sem causa, tem direito a receber tais juros;

6ª) Tal recusa é ilegal por violação do artº 43º da LGT, que estabelece esse direito a juros indemnizatórios;

7ª) O direito aos juros indemnizatórios nasceu com o deferimento da reclamação;

8ª) Quando nasceu esse direito aos juros indemnizatórios, estava em vigor o artº 43° da LGT, pelo que tal disposição é plenamente aplicável;

9ª) O pedido autónomo de juros indemnizatórios feito pelo contribuinte cumpriu o estabelecido no nº 4 do artº 61º do CPPT;

1Oª) O simples deferimento da reclamação deduzida pelo contribuinte é suficiente para demonstrar que a Administração Fiscal cometeu um erro na liquidação, pelo que o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios.

11ª) Sendo que, e ao invés do decidido na douta sentença recorrida, está provado que a AT cometeu um erro em sede de inspecção, que gerou as liquidações de imposto que vieram a ser anulados em face da reclamação deduzida pelo contribuinte;

12ª) E a circunstância de o contribuinte ter apresentado, na reclamação, elementos de prova e, no âmbito da apreciação da reclamação, ter a AT efectuado diligências, não prova que, anteriormente, em sede de inspecção e de emissão das liquidações, não tenha havido erro dos serviços;

13ª) É que esse comportamento da AT, ao considerar ser devido IVA, não resultou de qualquer elemento errado fornecido pelo contribuinte, nem da omissão da apresentação pelo mesmo contribuinte de qualquer elemento solicitado pela AT;

14ª) É, assim, indiscutível, ter havido erro da parte da AT, pelo que a autora tem direito a juros indemnizatórios.”

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A Recorrida apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência do recurso, conforme fls. 101 a 102.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

A questão suscitada pelo Recorrente consiste em apreciar se a sentença a quo errou ao considerar que o Autor, aqui Recorrente, não tem direito aos juros indemnizatórios peticionados.


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II.FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. Da Matéria de Facto

A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“Com interesse para a decisão da causa e compulsada a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A 03.01.1996 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º ..., no montante de Esc.95.522.883$00, e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs ... a ..., no montante total de Esc.53.931.077, referentes ao exercício fiscal de 1992 [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
B) A 29.04.1997 a Autora efectuou o pagamento das liquidações identificadas no ponto anterior [não controvertido – art. 5.º da p.i. e 4.º da contestação].
C) A Autora apresentou reclamação graciosa contra as liquidações identificadas em A) supra [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
D) A 18.07.2001, foi prestada informação em sede da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)
5-DESCRIÇÃO DOS FACTOS
A Inspecção realizada à contabilidade da firma ora reclamante, teve por origem o facto de, aquando da análise a um pedido de reembolso de IVA, haverem sido detectadas infracções de carácter continuado.
No decurso da Acção Inspectiva, foram efectuadas correcções decorrentes das seguintes situações:

I - Imposto incorrectamente deduzido, no montante de 885.343$00, pontos 4.1, 4.2 e 4.3 do relatório que constitui páginas 16 a 36 dos autos), cuja correcção foi aceite pelo contribuinte reclamante.

2- Dedução total do imposto suportado na aquisição de materiais destinados à construção das novas instalações, situadas em Leilão, destinadas ao exercício da actividade mista, de que resultou a correcção de 46.937.243S00, (ponto 4.4 do relatório), conforme descrito no parágrafo 3 desta informação, resultante da aplicação da percentagem de dedução, (pro rata), referente a outros bens e serviços, como calculado pela Inspecção Tributária.

3- Verificando-se a existência de recebimento de subsídios destinados a exploração, não tributados por Hão se enquadrarem na alínea c) do na 5 do artigo 16º do já citado CIVA, a ora reclamante não tomou em consideração tal facto para efeitos de apuramento do imposto dedutível, nos termos do disposto no artigo 23º desse diploma, de que resultou a correcção de 42.700.300$00), (ponto 4.6 do relatório).

4- O Obrigado Tributário deduziu reclamação graciosa do teor das disposições enunciadas nas duas alíneas anteriores, nomeadamente, alegando que o pro-rata determinado na Acção Inspectiva, deveria incidir unicamente sobre a área de construção destinada ao desenvolvimento da actividade mista, relativamente à qual se verifica a impossibilidade de separação entre actividade sujeita e não isenta e actividade isenta. E ainda que, no calculo do segundo pro-rata, (mencionado no parágrafo 3 desta informação), dever-se-ia ter tido em conta, somente os proveitos respeitantes à actividade sujeita a que se destinaram os subsídios à exploração, em concreto, o sector denominado Investigação e Desenvolvimento. A reclamante, baseada nas correcções efectivadas, determinou os valores que na sua perspectiva, seriam devidos, 13.078.134$00, (parágrafo 4), fazendo a sua entrega nos Cofres do Estado, (juntamente com os montantes considerados em dívida, respeitantes aos exercícios de 1991, 1993 e 1994), através de guias de pagamento, as quais ficam a constituir folhas 8 e 9 dos autos.

5-Dado que, pela leitura do texto da reclamação surgiram dúvidas relacionadas com a comprovação das áreas afectas a cada um dos sectores, da forma como foram apurados os valores dos proveitos, do IVA deduzido e do critério que presidiu à distribuição dos subsídios à exploração, enviaram-se notificações à reclamante, datadas de 2000-10-24, 2001-01-29, 2001-02-05 e 2001-05-03, as quais constituem folhas 50 a 52, 443 a 445,470 a 472 e 485 a 487 dos autos, respectivamente. No sentido de podermos aquilatar da justeza dos valores fornecidos pelo contribuinte, (cujos esclarecimentos constituem folhas 53 a 442, 446 a 469, 473 a 484 e 488 a 495, respectivamente, dos autos), dado que a resposta aos esclarecimentos por nós solicitados não foram de molde a suprir cabalmente as questões postas, houve a necessidade de nos deslocarmos à sede da firma, no sentido de se analisar documentalmente a parte correspondente ao IVA deduzido e liquidado referido ao sector denominado Investigação e Desenvolvimento, bem como os respectivos proveitos, (centro de custos 92). Relativamente ao imposto suportado e posteriormente deduzido, analisaram-se, nas rubricas "imobilizado" e "outros bens e serviços", os períodos de Janeiro, Julho e Dezembro, enquanto que, na vertente "proveitos e imposto liquidado", a análise incidiu no período correspondente ao primeiro trimestre do exercício em causa, ou seja, 1992. Em relação ao IVA dedutível, verificou-se que o seu total atingiu 32.779.628$00, enquanto que os "Proveitos" situaram-se em de 518.776.226$00, tal como consta dos mapas enviados pela reclamante em 01-05-15 e 01- 06-04, os quais constituem folhas 489 e 495 dos autos. Tais alterações face aos valores constantes da petição inicial, resultaram da reconstituição daqueles montantes e respectivo suporte documental, por parte da reclamante, em resposta às notificações efectuadas, (ofícios 2760 de 01-02-05 e 113 51 de 01-05-03, os quais constituem folhas 470 a 472 e 485 a 487 dos autos). Estas alterações tiveram reflexos na determinação do pro-rata, o qual passou a situar-se em 90%, assim calculado: (…) Assim sendo, verifica-se existir uma diferença de (3.277.963$00 - 3.597.596500) = (319.633$00), entre o montante entregue nos Cofres do Estado, através das Guias de Pagamento que constituem folhas 8 e 9 do auto, e o que efectivamente deveria ter sido entregue, face a reconstituição dos valores, com a consequente implicação nos juros compensatórios entretanto pagos.

6-PARECER

Postas as questões enunciadas nos parágrafos precedentes, parece-nos ser de atender as pretensões da reclamante.

Assim, relativamente à correcção de 46.937.243$00, em que o contribuinte solicita a redução para 3.641.000$00, não há razão para que o pro-rata calculado, (aceite pela reclamante), incida sobre a totalidade da edificação, quando apenas uma parte reduzida da sua superfície, 7,76% foi destinada a uma actividade de natureza mista, como foi demonstrado a folhas 475 e 476 dos autos.

Também em relação á situação exposta na alínea 3 do parágrafo anterior, é de considerar adequada a metodologia seguida pelo reclamante, na determinação do pro rata que irá incidir sobre o montante do IVA a deduzir, derivado dos subsídios à exploração acolhidos.

Desta maneira, o total de imposto em falta, (já entregue nos Cofres do Estado), é de: 312.988$00 + 316.515$00 + 255.840$00 + 3.641.000$00 + 3.597.596$00 = 8.123.939$00, a que naturalmente se juntarão os juros compensatórios a ele correspondente.

7-PROPOSTA DE DECISÃO

Face ao exposto, conclui-se da legalidade da pretensão do Obrigado Tributário “Instituto ...”, sendo de deferir o pedido, procedendo-se à anulação parcial das liquidações de imposto (n.º ...), e de juros compensatórios (n.º ... a ...), tendo em atenção que a reclamante realizou já, como anteriormente referido, um pagamento a título de imposto devido, bem como dos respectivos juros compensatórios, sendo 8.123.937$00 de imposto e 4.954.197$00 de juros compensatórios (folhas 8, 9 e 503 dos autos).
(…)
[cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].

E) A 15.01.2002 foi pela Autora requerido o pagamento de juros indemnizatórios [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
F) Por despacho de 26.04.2002, do Director de Finanças de Lisboa, foi indeferido o pedido identificado no ponto anterior [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
G) A 29.05.2002 foi pela Impugnante apresentado recurso hierárquico do indeferimento do pedido de pagamento de juros [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
H) Por despacho de 20.06.2006 foi indeferido o pedido de pagamento de juros indemnizatórios peticionado pela Autora A 29.05.2002 foi pela Impugnante apresentado recurso hierárquico do indeferimento do pedido de pagamento de juros [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
I) Por despacho de 25.03.2009, do Subdirector-Geral dos Impostos, foi determinada a notificação do despacho de indeferimento identificado no ponto anterior [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
J) Pelo ofício n.º 2791, de 16.04.2009, do Serviço de Finanças de Oeiras 2, foi a Autora notificada do teor do despacho identificado em I) supra [cf. fls. não numeradas no P.A. em apenso].
K) A 31.07.2009 foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 3 dos autos].


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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”


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II.2. Do Direito
Importa apreciar no presente recurso se, por força de uma anulação parcial de uma liquidação adicional de IVA resultante de uma inspecção tributária, o Recorrente tem direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT (24º do CPT) por ter efectuado o pagamento.
Apesar da liquidação aqui em causa remontar ao ano 1996 e referente ao exercício de 1992, ao qual se aplica o artigo 24º do Código do Processo Tributário, a verdade é que a sua redacção corresponde à do actual artigo 43º da LGT, que aqui transcrevemos.
Ora, diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT,
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA,
“[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios” (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531)

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do ato:
- o reconhecimento de um vício destes últimos tipos “não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Destaque nosso.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual.
Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem, págs. 531/532).

De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante, ver entre outros o recente Acórdão do STA proferido no processo 49/16 em 10/05/2017.

Ora, no caso em análise, a anulação parcial da liquidação não ocorreu por força de um vicio de forma por incompetência. Como resulta do ponto D) do probatório, de acordo com a informação prestada em sede de reclamação graciosa:
A Inspecção realizada à contabilidade da firma ora reclamante, teve por origem o facto de, aquando da análise a um pedido de reembolso de IVA, haverem sido detectadas infracções de carácter continuado.
No decurso da Acção Inspectiva, foram efectuadas correcções decorrentes das seguintes situações: (…)
O Obrigado Tributário deduziu reclamação graciosa do teor das disposições enunciadas nas duas alíneas anteriores, nomeadamente, alegando que o pro-rata determinado na Acção Inspectiva, deveria incidir unicamente sobre a área de construção destinada ao desenvolvimento da actividade mista, relativamente à qual se verifica a impossibilidade de separação entre actividade sujeita e não isenta e actividade isenta. E ainda que, no calculo do segundo pro-rata, (mencionado no parágrafo 3 desta informação), dever-se-ia ter tido em conta, somente os proveitos respeitantes à actividade sujeita a que se destinaram os subsídios à exploração, em concreto, o sector denominado Investigação e Desenvolvimento.
A reclamante, baseada nas correcções efectivadas, determinou os valores que na sua perspectiva, seriam devidos, 13.078.134$00, (parágrafo 4), fazendo a sua entrega nos Cofres do Estado, (juntamente com os montantes considerados em dívida, respeitantes aos exercícios de 1991, 1993 e 1994), através de guias de pagamento, as quais ficam a constituir folhas 8 e 9 dos autos.
Dado que, pela leitura do texto da reclamação surgiram dúvidas relacionadas com a comprovação das áreas afectas a cada um dos sectores, da forma como foram apurados os valores dos proveitos, do IVA deduzido e do critério que presidiu à distribuição dos subsídios à exploração, enviaram-se notificações à reclamante, datadas de 2000-10-24, 2001-01-29, 2001-02-05 e 2001-05-03, as quais constituem folhas 50 a 52, 443 a 445,470 a 472 e 485 a 487 dos autos, respectivamente.
No sentido de podermos aquilatar da justeza dos valores fornecidos pelo contribuinte, (cujos esclarecimentos constituem folhas 53 a 442, 446 a 469, 473 a 484 e 488 a 495, respectivamente, dos autos), dado que a resposta aos esclarecimentos por nós solicitados não foram de molde a suprir cabalmente as questões postas, houve a necessidade de nos deslocarmos à sede da firma, no sentido de se analisar documentalmente a parte correspondente ao IVA deduzido e liquidado referido ao sector denominado Investigação e Desenvolvimento, bem como os respectivos proveitos, (centro de custos 92).
Relativamente ao imposto suportado e posteriormente deduzido, analisaram-se, nas rubricas "imobilizado" e "outros bens e serviços", os períodos de Janeiro, Julho e Dezembro, enquanto que, na vertente "proveitos e imposto liquidado", a análise incidiu no período correspondente ao primeiro trimestre do exercício em causa, ou seja, 1992. Em relação ao IVA dedutível, verificou-se que o seu total atingiu 32.779.628$00, enquanto que os "Proveitos" situaram-se em de 518.776.226$00, tal como consta dos mapas enviados pela reclamante em 01-05-15 e 01- 06-04, os quais constituem folhas 489 e 495 dos autos.
Tais alterações face aos valores constantes da petição inicial, resultaram da reconstituição daqueles montantes e respectivo suporte documental, por parte da reclamante, em resposta às notificações efectuadas, (ofícios 2760 de 01-02-05 e 113 51 de 01-05-03, os quais constituem folhas 470 a 472 e 485 a 487 dos autos). Estas alterações tiveram reflexos na determinação do pro-rata, o qual passou a situar-se em 90%, assim calculado: (…)
Assim sendo, verifica-se existir uma diferença de (3.277.963$00 - 3.597.596500) = (319.633$00), entre o montante entregue nos Cofres do Estado, através das Guias de Pagamento que constituem folhas 8 e 9 do auto, e o que efectivamente deveria ter sido entregue, face a reconstituição dos valores, com a consequente implicação nos juros compensatórios entretanto pagos.
6-PARECER
Postas as questões enunciadas nos parágrafos precedentes, parece-nos ser de atender as pretensões da reclamante.

Resulta claro do teor da informação transcrita e da qual resultou o despacho de anulação parcial da liquidação, que a AT errou quando liquidou adicionalmente o IVA com base nos pressupostos de facto errados, ao não ter em conta em sede de inspecção tributaria determinados elementos. Se, em sede de inspecção a AT não encetou as diligências necessárias ao apuramento dos factos e se não solicitou elementos ao contribuinte inspeccionado, aqui Recorrente, agiu erradamente. Tendo este sentido necessidade de através de reclamação graciosa fornecer elementos e invocar a ilegalidade das correcções efectuadas.

A AT poderia e deveria ter retirado as conclusões correctas em sede de inspecção mesmo que para isso fosse necessário novas diligências de recolha de elementos, coisa que não fez. A circunstância de o ora Recorrente ter apresentado, na reclamação, elementos de prova e, no âmbito da apreciação da reclamação, ter a AT efectuado diligências, não retira a obrigação de que, anteriormente, em sede de inspecção e antes da emissão das liquidações, não tenha havido erro dos serviços por erro nos pressupostos de facto.
Tendo admitido que o Recorrente tinha razão quando interpôs a reclamação e só após a mesma ter promovido a descoberta da verdade, a AT andou mal.
Considerando que ocorreu erro nos pressupostos imputável à AT e sendo “inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito”, importa atender a pretensão do Recorrente e julgar procedente o presente recurso.

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III.DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a Acção.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 08 de Junho de 2017.

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(Barbara Tavares Teles)



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(Pereira Gameiro)


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(Anabela Russo)