Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1654/22.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DA VENDA DE IMÓVEL
AFECTAÇÃO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim e o imóvel tenha valor inferior ao determinado na lei;

II - Incumbindo-lhe o ónus da prova, não basta ao executado alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação, é necessário a demonstração de que o imóvel objecto da decisão de venda se encontrava afecto a habitação própria e permanente, sua ou do seu agregado familiar.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


J. A., ora recorrente, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, deduzida contra a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, que determinou a venda, através de leilão eletrónico, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Campo e Campinho sob o artigo …, sito na R. P., n.º …, S. M. C., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz sob o n.º …/1….3, no âmbito do processo de execução fiscal n.º …..899 e apensos, dela interpôs recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«1. Decidiu o Tribunal pela improcedência da reclamação, mantendo o acto recorrido de venda.

2. Ora, o que em causa se acha nesta parte – e tendo em conta a matéria factual assente nestes autos – é o que se deverá entender por residência habitual, em face da legislação portuguesa.

3. A referida casa, no Alentejo, não é uma estância de veraneio, um lugar de férias ou fim-de-semana, onde o recorrente, em modos idílicos, se evade do quotidiano.

4. O prédio assume, hoje, foros de alojamento do recorrente de suma importância, na medida em que, desde Agosto de 2022, decidiu mudar-se para lá.

5. O recorrente já se encontra, hoje, a morar praticamente no imóvel.

6. O mesmo recorrente já tem angariações em Beja (é agente imobiliário), estando já concentrada, na zona alentejana, toda a sua actual actividade profissional.

7. A residência habitual, tal como a lei a configura na sua básica geometria, tem uma definição que se não acha estanque num único e singular local concreto.

8. Parece claro que deverá ser, como afirma a jurisprudência, o local onde se vive com estabilidade e em que está instalada a economia doméstica, podendo isso até suceder em dois locais distintos.

9. O recorrente, ao dia de hoje, está em incumprimento com o seu contrato de arrendamento em Almada.

10. É hábito ver-se o recorrente em S. M. C..

11. Ademais, trata-se a habitação de um direito fundamental, plasmado no art.º 65º da CRP.

12. Caracteriza-se por um direito social, cujo cerne assume foros de importância capital, na medida em que a habitação é um local onde cada um encontra um «porto seguro», guardião da intimidade da vida privada.

13. Assim, deve ser considerada residência habitual do recorrente o imóvel em questão, para efeitos do art.º 244º do CPPT, porquanto o legislador, interpretando o seu pensamento, o que quis com a norma foi proteger a habitação dos cidadãos, em detrimento de outros imóveis cujo fim se não destina a tal.

Nestes termos, nos melhores de Direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, e ser, a final, revogada e alterada a sentença recorrida, no sentido de se considerar residência habitual do recorrente o imóvel penhorado, e, por consequência, anulada a sua venda executiva.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos os vistos legais, dado o carácter urgente do processo, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto ao julgar que o Reclamante, ora recorrente não demonstrou que o imóvel objecto da decisão de venda se encontrava afecto a habitação própria e permanente, sua ou do seu agregado familiar.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, datado de 12.04.2017, foi determinada a reversão contra o ora Reclamante do processo de execução fiscal n.º …899 e apensos (…403, …683, …667, …581 e …987), instaurados no Serviço de Finanças de Oeiras 2 contra a sociedade A. A., Lda., para cobrança de dívida relativa a IRS, IVA e IUC dos anos de 2015 e 2016, no valor de 16.013,60 EUR (cfr. documento junto a fls. 1 a 3, 6 e 7 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
B) Por carta registada com aviso de receção, o Serviço de Finanças de Oeiras 2 remeteu ao Reclamante o designado ofício de “citação (reversão)”, datado de 12.04.2017, e rececionado em 18.04.2017, a comunicar o despacho mencionado na alínea anterior (cfr. documentos de fls. 102 e 122 dos autos);
C) Em 13.12.2018, no âmbito dos processos de execução fiscal mencionados na alínea A) supra, foi efetuada penhora, a favor da Administração Tributária, sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Campo e Campinho sob o artigo …, sito na R. P., n.º .., S. M. C., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz sob o n.º …/1…3, de que o reclamante é titular (cfr. documentos de fls. 41 a 45 e 168 a 178 dos autos);
D) Em 19.12.2018, foi registada na Conservatória de Registo Predial de Lisboa a penhora mencionada na alínea anterior (cfr. documento a fls. 168 a 172 dos autos);
E) Em 26.08.2022, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2 determinou a venda, através de leilão eletrónico, do imóvel identificado na alínea C) supra (cfr. documento a fls. 18-19 e 283-284 dos autos);
F) Por solicitação do Serviço de Finanças de Oeiras 2, a Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Évora efetuou inspeção externa tendo em vista aferir se o prédio penhorado, identificado na alínea C) supra, se encontrava habitado ou devoluto e se o ora Reclamante reside no referido imóvel, tendo prestado em 30.08.2022, após deslocação ao imóvel, a seguinte informação:
No âmbito do procedimento inspetivo supra identificado, em apoio ao Serviço de Finanças de Reguengos de Monsarazm para cumprimento do solicitado pelo serviço de Finanças de Oeiras – 2, através do e-mail de 26/08/2022, efetuou-se a deslocação no dia 30/08/2022, à morada do prédio urbano da União das Freguesias de Campo e Campinho com o arigo matricial … (anterior artigo … da freguesia c. – Extinta), propriedade do sujeito passivo anteriormente identificado, localizado na R. P. n.º .. em S. M. C.).
De acordo com o solicitado do email, foram tiradas fotos ao edifício que se anexam ao presente relatório.
Conforme se pode comprovar através das fotos, o imóvel encontra-se devoluto, sem quaisquer indícios que possa estar habitado, aparentando algum grau de degradação.
Da consulta ao “Sistema de Participação de Prédios Arrendados”, não se verificam participações de prédios arrendados em nome do sujeito passivo.
Após o contato com o serviço de Finanças Reguengos de Monsaraz, verificou-se também que não existir em arquivo, qualquer contrato de arrendamento em suporte papel.
(cfr. documento junto a fls. 31 a 33 dos autos);
G) O Reclamante, em 21.11.2022, tinha domicilio fiscal na A. a., n.º .. – ...º C, 2...-.. A. (cfr. documento junto a fls. 83 dos autos).»

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Consta ainda da mesma sentença que «Factos não provados: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»
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III – 2. Da apreciação do recurso

No âmbito do processo de execução fiscal objecto e reversão contra o ora recorrente foi penhorado um imóvel de sua propriedade cuja venda foi determinada pelo órgão da execução fiscal.

Notificado do agendamento da venda judicial do bem imóvel, veio o recorrente apresentar reclamação alegando que o imóvel em causa é o único bem de que é proprietário e que tal prédio «está na iminência de constituir-se como sua habitação própria permanente (…) apesar de ainda não estar lá, ainda, a tempo inteiro, a verdade é que (…) tem envidado toas as diligências no sentido de se mudar definitivamente para lá, visto que já lá está a pernoitar parte da semana e a procurara emprego na zona de Reguengos de Monsaraz.»

Invocou que a decisão de venda reclamada enferma de ilegalidade, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT.

O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a reclamação no entendimento de que o Reclamante, não demonstrou que o imóvel objecto da decisão de venda se encontrava afecto a habitação própria e permanente, sua ou do seu agregado familiar, nem à data da penhora que sobre o mesmo incidiu, nem aquando da decisão reclamada (ou sequer à data em que foi interposta a reclamação).

Louvou-se o Tribunal no seguinte discurso fundamentador:

«Sob a epígrafe “Bens prioritariamente a penhorar”, o artigo 219.º do CPPT estabelece no seu n.º 5 que:

“A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º”.

Por outro lado, sob a epígrafe “Realização da venda”, o artigo 244.º do CPPT dispõe o seguinte:

“1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

(…)”.

A redacção do n.º 2 do supra reproduzido artigo 244.º do CPPT, dada pela Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, é inovatória, e teve em vista a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva dos imóveis que sejam habitação própria e permanente do executado (cfr. artigo 1.º da Lei n.º 13/2016, de 23 de maio), impedindo que a habitação que constitui casa de morada de família, quando penhorada no decorrer de um processo de execução fiscal, seja objeto de venda judicial por iniciativa do Estado (desde que o imóvel não se enquadre na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis).

Todavia, no caso em apreciação, decorre, desde logo, do alegado pelo próprio Reclamante, o que é corroborado pelos elementos juntos aos autos, que o imóvel em causa - prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de Campo e Campinho sob o artigo …, sito na R. P., n.º .., S. M. C. – não se encontrava afeto a habitação própria e permanente do Reclamante ou do seu agregado familiar, à data da decisão de venda objeto de reclamação [26.08.2022 – cfr. alínea C) do probatório], e muito menos, obviamente, à data da penhora [13.12.2018 – cfr. alínea C) do probatório].

Com efeito, se atentarmos ao alegado na petição inicial (apresentada em 22.09.2022 – fls. 17), constatamos que o Reclamante refere que “além de ser o único bem imóvel do requerente, está na eminência de constituir-se como sua habitação própria e permanente” (artigo 4.º). Confirmando que, “[a]pesar de ainda não estar lá, ainda, a tempo inteiro, a verdade é que o requerente tem envidado todas as diligências no sentido de se mudar definitivamente para lá” (artigo 5.º). Mais referindo que “[e]m face de todas as dificuldades que está a atravessar, outra alternativa não tem que não seja constituir o imóvel penhorado como sua habitação própria permanente, (…) é isso que tem diligenciado e que está praticamente consumado” (artigo 13.º); E, “[j]á está a apetrechar o imóvel no sentido de nele estabelecer as condições de vida diária” (artigo 26.º).

Ora, todas estas afirmações do Reclamante transmitem-nos, clara e indubitavelmente, que o mesmo está a diligenciar no sentido de afetar o imóvel em causa à sua habitação própria e permanente, e não que o imóvel já se encontrava afeto a tal finalidade aquando da penhora do mesmo ou da decisão da sua venda.

É muito claro o Reclamante a reconhecer que o imóvel “está na eminência de constituir-se como sua habitação própria e permanente”, o que significa que ainda não tem essa afetação aquando da interposição da reclamação, muito menos à data da decisão de venda ou de penhora – esta já tinha ocorrido quase 4 anos antes.

Ainda que o Reclamante afirme que pernoita parte da semana no imóvel, o que não traduz a afetação do mesmo a habitação própria e permanente, o Reclamante não deixa de reconhecer que mantém o contrato arrendamento com o imóvel que habita em A..

Sendo certo, ademais, que o Reclamante, em 21.11.2022, ainda tinha domicílio fiscal na “A. a., n.º .. – ...º C, 2…-… A.” [cfr. alínea G) do probatório].

Ora, o domicílio fiscal do sujeito passivo corresponde, para as pessoas singulares, ao local da residência habitual [cfr. artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária].

Em harmonia com todos os elementos e conclusões mencionados supra, temos ainda que, a solicitação do órgão de execução fiscal, a Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Évora efetuou inspeção externa tendo em vista aferir se o prédio em causa se encontrava habitado ou devoluto, e se o ora Reclamante residia no referido imóvel, tendo prestado em 30.08.2022, após deslocação ao imóvel, informação no sentido de que o imóvel “encontra-se devoluto, sem quaisquer indícios que possa estar habitado, aparentando algum grau de degradação”. Juntando fotografias para demonstração do informado.

Em suma, não só o Reclamante não demonstrou que o imóvel objeto da decisão de venda se encontrava afeto a habitação própria e permanente, sua ou do seu agregado familiar, como resulta dos autos que o referido imóvel não se encontrava afeto a esse fim, nem à data da penhora que sobre o mesmo incidiu, nem aquando da decisão reclamada (ou sequer à data em que foi interposta a reclamação).» (Sublinhados e destacados nossos).

Ora, com o presente recurso o recorrente continua a não provar os factos que alega.

Não basta alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação. Conforme decorre do disposto no artigo 74.º da LGT, sob a epígrafe «Ónus da prova»:

«1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

(…)»

Efectivamente, é o próprio reclamante que na petição, ao referir-se ao imóvel aqui em causa utiliza as expressões, como salienta o Tribunal recorrido: «está na eminência de constituir-se como sua habitação própria e permanente», «[a]pesar de ainda não estar lá, ainda, a tempo inteiro, a verdade é que o requerente tem envidado todas as diligências no sentido de se mudar definitivamente para lá» e acrescenta «já passa parte da sua semana no Alentejo, pernoitando no imóvel». Prossegue afirmando que «[e]m face de todas as dificuldades que está a atravessar, outra alternativa não tem que não seja constituir o imóvel penhorado como sua habitação própria permanente, (…) é isso que tem diligenciado e que está praticamente consumado« e que «[j]á está a apetrechar o imóvel no sentido de nele estabelecer as condições de vida diária».

Além dos factos alegados não suportarem o pedido, como refere o Tribunal, os próprios elementos constantes dos autos, corroboram o entendimento de que o imóvel em causa - prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de Campo e Campinho sob o artigo …, sito na R. P., n.º .., S. M. C. – não se encontrava afecto a habitação própria e permanente do Reclamante ou do seu agregado familiar, à data da decisão de venda objecto de reclamação que data de 26.08.2022 e muito menos, à data da penhora ocorrida em 13.12.2018, conforme resulta do ponto C) do probatório.

Na verdade, diligenciar no sentido de afectar o imóvel em causa à sua habitação própria e permanente significa que o próprio reclamante na petição inicial reconhece que o imóvel em causa ainda não está afecto a essa finalidade.

Já não acompanhamos o argumento invocado na sentença relativo ao facto de o Reclamante, em 21.11.2022, ainda manter o seu domicílio fiscal na A. a. , n.º .. – ...º C, 2..-… A., conforme resulta do ponto G) do probatório, como prova de que não habita no imóvel penhorado.

O facto de ali ter declarado o seu domicílio fiscal, não significa que não pudesse ter noutro local a sua habitação própria permanente.

Do domicílio fiscal do sujeito passivo decorrer apenas que, na ausência de outros elementos de prova em sentido divergente, se presume que ali se situa a sua habitação própria permanente.

A jurisprudência do STA sobre o conceito de habitação própria permanente tem sido desenvolvida de modo unânime no que se refere exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, que consideramos ser inteiramente aplicável no contexto dos presentes autos o mesmo entendimento.

Assim, no sentido de que o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0114/15, datado de 1 de Julho de 2020.

Sobre o conceito de habitação própria permanente tem-se debruçado este Tribunal citando-se por todos o Acórdão proferido no processo n.º 471/18.9BEALM, datado de 6 de Dezembro de 2018:

«Examinemos, agora, no caso “sub judice”, se tem aplicação a proibição de venda de imóvel prevista no citado artº.244, do C.P.P.T., na redacção da Lei 13/2016, de 23/05, a qual depende do preenchimento dos seguintes pressupostos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/06/2018, proc.852/17.5BESNT; Andreia Barbosa, ob.cit., pág.6):

1-O imóvel deve estar exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do devedor/executado ou do seu agregado familiar (cfr.artº.244, nº.2, do C.P.P.T.);

2-O valor tributável do imóvel, no momento da penhora, não se enquadrar na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (cfr.artº.244, nº.3, do C.P.P.T.).

(…)

O conceito “habitação própria e permanente” reporta-se a situação de facto que condiciona a isenção do IMT (cfr.artº.9, do C.I.M.T.). O requisito da permanência na “habitação” deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr.artº.65, nº.2, al.c), da C.R.P.), basta que o beneficiado organize no imóvel as condições da sua vida normal/diária e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2011, rec.590/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/06/2018, proc.852/17.5BESNT).»

Ora, como bem concluiu o Tribunal recorrido, além dos elementos constantes dos autos, acresce ainda a constatação da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Évora a solicitação do órgão de execução fiscal, após deslocação ao imóvel, com vista a aferir se o prédio em causa se encontrava habitado ou devoluto, e se o ora recorrente, prestou informação datada de 30.08.2022, no sentido de que o imóvel «encontra-se devoluto, sem quaisquer indícios que possa estar habitado, aparentando algum grau de degradação».

Cabia ao recorrente efectuar a prova do por si alegado na petição inicial, o que não logrou efectuar, assim se concluindo que o recurso não pode ser provido, impondo-se manter a sentença recorrida.


*

No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi o recorrente que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).


IV – CONCLUSÕES

I – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim e o imóvel tenha valor inferior ao determinado na lei;

II - Incumbindo-lhe o ónus da prova, não basta ao executado alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação, é necessário a demonstração de que o imóvel objecto da decisão de venda se encontrava afecto a habitação própria e permanente, sua ou do seu agregado familiar.

V – DECISÃO


Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional mantendo assim a sentença.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 13 de Julho de 2023.



Ana Cristina Carvalho – Relatora

Patrícia Manuel Pires – 1ª Adjunta


Luisa Soares – 2ª Adjunta