Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1701/20.2 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
SINDICATO
DIREITO À GREVE
ATO HOMOLOGATÓRIO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO DA PGR
REVOGAÇÃO TÁCITA DO PRÉ-AVISO DE GREVE DE 1999
QUESTÃO EXCETIVA NOVA
IDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL- DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I- A questão da inimpugnabilidade do ato homologatório consubstancia uma questão nova, se apenas foi introduzida no processo pelo Recorrente no presente recurso, e nunca foi debatida antes pelas partes.
II- Sendo assim, a invocada inimpugnabilidade do ato homologatório não pode ser apreciada e julgada no presente recurso.
III- E não colhe em contrário a circunstância da questão em causa assumir natureza excetiva e de ser de conhecimento oficioso, uma vez que, em contencioso administrativo, vigora o princípio da preclusão do conhecimento, significando tal que, mesmo a oficiosidade do conhecimento só pode ser exercitada até determinada fase processual, concretamente, até ao saneamento dos autos, em harmonia com o prescrito no art.º 88.º, n.ºs 1, al. a9 e 2 do CPTA.
IV- No caso posto, de acordo com o disposto no art.º 110.º do CPTA, verifica-se que a presente fórmula processual não comporta a prolação de despacho saneador autónomo, devendo o saneamento ser realizado na sentença. O que significa, portanto, que todas as questões excetivas dilatórias devem ser arguidas, pelas partes ou oficiosamente, até à prolação da sentença e aí apreciadas e julgadas, precludindo, com a emissão da sentença, o conhecimento de matéria excetiva nova.
V- Tendo sido impugnadas apenas duas das conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR, homologado por ato do Secretário de Estado, não ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, se a mesma não apreciou e julgou questão a que se referem outras conclusões desse parecer, mas que, por não terem sido impugnadas, não integram o objeto do processo.
VI- Estando em causa o exercício, por banda dos associados do Recorrido, do direito à greve, que se prolonga por tempo indeterminado e que abrange específicos períodos temporais diários, resulta evidente que o recurso a uma ação administrativa não urgente, considerando a delonga que a mesma acarreta, não acautelaria devidamente o direito à greve dos associados do Recorrido, na medida em que estes poderiam estar, inelutavelmente, sujeitos a sanções disciplinares derivadas da circunstância de se recusarem a trabalhar nos períodos diários em causa.
VII- Ademais, e ainda que viesse a ser concedida tutela cautelar à pretensão de exercício de greve nos termos descritos no pré-aviso de 09/06/1999, a verdade é que esta tutela, pela sua própria natureza provisória, geraria inseguranças e incertezas quanto à regulação final e definitiva da situação e, especialmente, quanto aos efeitos jurídicos a que os associados do Recorrido ficariam sujeitos no caso de vir a ser julgado improcedente o pedido impugnatório.
VIII- Efetivamente, se é certo que os associados do Recorrente poderiam exercitar o seu direito à greve nos termos daquele pré-aviso enquanto durasse a tutela cautelar, também é certo que a eventual improcedência da ação principal originaria prováveis efeitos retroativos relativamente aos associados que, ao abrigo daquela tutela cautelar, estiveram em greve, mormente e no mínimo, em termos remuneratórios, disciplinares e de eventual repercussão na carreira.
IX- Por outra banda, no caso de não ser concedida a tutela cautelar, é ponto assente que os associados do Recorrido não poderiam exercitar o seu direito à greve em conformidade com o pré-aviso de 09/06/1999. No entanto, esta hipótese mostra-se intolerável e inadmissível no caso de, afinal, vir a ser dada procedência à ação principal, pois que tal significa que, durante todo o período temporal em que correu termos a ação principal, os associados do Recorrido foram, realmente, impedidos de exercer o seu direito à greve nos termos do pré-aviso de 1999.
X- Ora, o quadro hipotético vindo de desenhar é ilustrativo das significativas constrições ao direito à greve a que ficariam sujeitos os associados do Recorrido se tivessem de recorrer a outras fórmulas processuais que não a presente. E tal constrição apresenta-se ainda mais gravosa quando considerada a relevância axiológica e social do direito à greve, ainda por cima, de natureza fundamental primacial.
XI- Deste modo, não se descortina qualquer outro meio processual apto a obter a satisfação definitiva da pretensão agora em discussão, dado que, a tutela judicial definitiva de uma situação é naturalmente incompatível com a utilização de meios cautelares, e a urgência da situação não se compadece com o recurso à ação administrativa.
XII- Não ocorre revogação tácita do Pré-aviso de greve de 1999, determinada pelo Pré-aviso de 16/11/2018, se os motivos, reivindicações e a duração desta última greve são diversos daqueloutra, e se o Recorrido Sindicato exprime, inequívoca e reiteradamente, a intenção de manter aquela greve.
XIII- Não ocorre violação do direito de audiência prévia do Recorrido Sindicato se entre a edição do Parecer por parte do CCPGR e a edição do ato homologatório não ocorreu a auscultação do Recorrido.
XIV- É que, considerando o disposto nos art.ºs 44.º, al. a) e 50.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março), verifica-se que o procedimento em causa não configura um procedimento decisório, mas, somente, de consulta com vista à fixação de uma interpretação jurídica.
XV- Ademais, a eventual afetação- lesiva- da esfera jurídica do Recorrido e dos seus associados pela adoção da interpretação propugnada no Parecer do CCPGR através do ato de homologação daquele Parecer não justifica a ingerência do Recorrido num procedimento de mera natureza consultiva, que se destina a orientar futuras atuações do Recorrente.
Votação:Vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*** ***

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I- RELATÓRIO
O Ministério da Justiça (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 16/11/2020 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra si proposta pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (Recorrido).

Com efeito, o agora Recorrido veio, na presente Intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, peticionar que «deverá ser julgada procedente, por provada, a Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades e garantias e, em consequência, deverá declarado nulo o acto de homologação do Parecer 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça».
Em 16/11/2020 foi prolatada sentença pelo Tribunal a quo, que julgou improcedentes as questões prévias atinentes à irregularidade da petição inicial e à impropriedade do meio processual e julgou procedente o vertente pedido intimatório e, em consequência, declarou «a nulidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8-09-2020, na parte em que homologou as conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República».
Inconformado com esta sentença, o Recorrente interpôs recurso jurisdicional da mesma, culminando a impetração com as seguintes conclusões e pedidos:
«A. O ora Recorrente Ministério da Justiça, manifestando a sua discordância com a sentença ora em recurso, vem invocar que a mesma padece de violação de lei por julgar improcedente a invocada irregularidade da petição inicial, omissão de pronúncia, erro na forma de processo e inimpugnabilidade do ato impugnado, tendo o juiz incorrido em erro de julgamento na interpretação e aplicação da lei ao caso dos presentes autos.
B. A sentença ora recorrida, emitida em 16 de novembro de 2020, pelo Juízo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa andou mal ao julgar os autos de intimação à margem e supra identificados, procedentes, concretamente por julgar improcedente a invocada irregularidade da petição inicial, em violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º do CPTA, e considerar que não existe lugar ao suprimento dessa irregularidade ou à absolvição da instância (artigo 87.º, n.º 2, do CPTA).
C. Afirma que tal requisito da PI se mostra cumprido pelo preenchimento do formulário do SITAF, na sequência da publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 174/2019 e da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio.
D. Ora, a lei estabelece que na petição inicial (PI) deve o Autor «Designar o tribunal/juízo em que a ação é proposta» (artigo 78.º, n.º 2, alínea a), do CPTA).
E. E, entre outras razões, é quando o tribunal/juízo recebe a PI, com a menção do tribunal a quem a mesma se dirige e apresenta, que ocorre a propositura da ação e com esta a constituição da instância (n.º 1 do artigo 78.º do CPTA).
F. Veja-se que o preenchimento dos campos obrigatórios relativos ao tribunal, exigidos pelo SITAF, e sem o qual não é possível apresentar uma PI em tribunal, não determina o tribunal/juízo em que a ação é proposta, tal facto decorre do recebimento da PI pelo tribunal ao qual a PI se dirige, daí que seja um requisito obrigatório da PI a designação do tribunal/juízo em que a ação é proposta.
G. No entanto, prova-se da consulta do processo pelo SITAF que o Requerente, ora Recorrido, preencheu os campos obrigatórios relativos ao juízo/tribunal no SITAF, não recorreu aos formulários facultativos de articulados, que ainda não estavam em vigor nem disponíveis no SITAF, e não designou e devia ter designado na PI o Juízo Administrativo Social do TACL, em que propôs a ação.
H. Em conformidade, impunha-se ordenar a correção da PI ou a eventual absolvição do Recorrente/Réu da instância, caso não se procedesse à referida correção, o que não se julgou e inquina a sentença ora em recurso de violação de lei.
I. Quanto à violação de lei por erro na forma de processo e inadequação processual da intimação, dir-se-á que a sentença em recurso padece ainda de violação do disposto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, ao julgar que não se verifica a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, consubstanciada na inadequação processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter tutela jurisdicional efetiva.
J. Ora, o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
K. E atendendo ao pedido de declaração de nulidade da posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve, verifica-se que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a utilização do processo urgente de intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias.
L. Por força do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, são os seguintes os pressupostos do pedido de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias:
a) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia;
b) Que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares;
c) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa normal (comum ou especial).
M. Quanto à necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, atendendo ao pedido, verifica-se que tal tomada de posição interpretativa em que se consubstancia o ato impugnado ou a situação de incerteza jurídica que se iniciou em 1999 e que se arrastou até à data, de facto, não foi no passado nem é no presente suscetível de violar o direito à greve.
N. Tal tomada de posição além de não ter determinado extinguir o referido direito à greve, mantém o referido direito incólume, caso se verifique que não ocorreu causa de extinção de direitos que lhe tivesse sido aplicável, apesar da insegurança e incerteza que se arrasta há décadas, de 1999 até 2020, acerca da vigência da referida situação de greve.
O. E não estando em causa a violação ou a ameaça de violação do direito fundamental à greve, sendo certo que o ato impugnado se traduz na referida posição interpretativa, sem extinguir o direito à greve, não se verifica o primeiro dos pressupostos exigidos para o recurso a esta forma de processo: a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
P. Por outras palavras, atendendo ao pedido em apreço e aos respetivos fundamentos - de declaração de nulidade da posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve – não existe a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo, pelo que a questão em apreço não pode seguir a forma de processo urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, encontrando-se prejudicada a apreciação dos demais pressupostos, de verificação cumulativa, exigidos para a utilização desta forma de processo.
Q. Aliás, neste sentido, se pronunciou o Requerente, ora Recorrido, na PI ao nela referir que «Para se poder considerar a greve decretada em 9.6.1999 pelo SFJ, por tempo indeterminado, como terminada, [por causa de extinção de direitos que lhe tivesse sido aplicável] conforme entendimento vertido no Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR homologado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Justiça em 8.9.2020, era necessário que fosse proferida uma decisão judicial, transitada em julgado, que decidisse, a título cautelar ou definitivo, o termo da greve decretada pelo SFJ em 9.6.1999».
R. Até que a questão seja apreciada judicialmente mantém-se a atual situação jurídica da greve, ou seja, tudo se passa como se não tivesse sido emitido o despacho interpretativo ora impugnado.
S. A exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, consubstanciada na inadequação processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter tutela jurisdicional efetiva, determina a absolvição do Requerido, ora Recorrente, da instância (alínea b) do nº 4 do artigo 89.º do CPTA), o que não ocorreu na sentença ora em recurso e determina a sua invalidade.
T. Relativamente ao erro nos pressupostos de facto e de direito por inimpugnabilidade do ato impugnado, a sentença em recurso é ainda inválida por violação do disposto no artigo 51.º, n° 1, do CPTA, ao considerar impugnável o despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8/09/2020, na parte em que homologou as conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e que, como se viu, não terminou a greve decretada, por tempo indeterminado, para o período compreendido entre as 0h e as 9h, as 12h30m e as 13h30m e entre as 17h e as 24h, de todos os dias.
U. O ato do SEAJ de 08/09/2020, homologatório das conclusões do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, é um ato não impugnável por ser destituído de aptidão para produzir efeitos externos, designadamente, senão para impedir, pelo menos, criar sérios obstáculos a que os associados do ora Recorrido/Requerente a exerçam, situação, afirma a sentença ora recorrida, se manterá até que tal atuação do Recorrente/Requerido seja apreciada judicialmente.
V. Neste contexto, os atos homologatórios dos pareceres do CCPGR são destituídos de eficácia externa, pois limitam-se a assumir como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, internamente, sem eficácia externa, as conclusões dos pareceres restritos a matérias de legalidade.
W. O ato do SEAJ de 08/09/2020, homologatório das conclusões do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República não tem outra natureza que não seja de orientação interna para os serviços sem qualquer eficácia jurídica externa.
X. E sem eficácia jurídica externa o ato não é impugnável.
Y. A inimpugnabilidade do ato impugnado (alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA), é uma exceção dilatória que determina a absolvição do Requerido, ora Recorrente, o que não ocorreu na sentença ora em recurso e a inquina de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Z. Quanto à violação de lei por omissão de pronúncia, a sentença em recurso padece ainda de violação de lei, concretamente do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, ao omitir pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, concretamente sobre o pedido de declaração de nulidade da posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve.
AA. A sentença ora em recurso, incorrendo em omissão de pronúncia, circunscreveu a análise da legalidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 08/09/2020, que homologou o Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (CCPGR), às afirmações/pareceres ínsitas nas conclusões 10.ª e 11.ª, com prejuízo para as demais conclusões do Parecer homologado.
BB. Sem dúvida que o pedido em apreço, de declaração de nulidade do ato de homologação do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, embora incida sobre as afirmações/pareceres ínsitos nas conclusões 10.ª e 11.ª do referido Parecer, não se restringe a estas nem incide sobre uma decisão de determinar a greve decretada pelo pré-aviso de 09/06/1999 terminada.
CC. Incide sobre a validade de uma posição interpretativa, segundo a qual, no passado, ocorreu uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicável à referida greve.
DD. E sendo assim, o pedido de declaração de nulidade do ato impugnado não incide sobre uma decisão que determina a extinção do direito à greve, mas sobre a validade da posição interpretativa que define a posição da entidade Recorrente/Requerida em relação à situação jurídica da greve.
EE. E isto porque, segundo a mesma interpretação, à luz do direito à greve, consagrado no artigo 57.º da CRP e definido nos artigos 357.º e 358.º do CT e nos artigos 394.º e seguintes da LTFP, ocorreu, no passado, uma causa de extinção de direitos que é aplicável à referida situação de greve.
FF. Tal decorre do facto de as conclusões 10.ª e 11.ª serem precedidas e procedidas das demais conclusões do citado Parecer do CCPGR e não se compreenderem em toda a sua amplitude sem esse contexto e encadeamento.
GG. Veja-se que o pedido em apreço não pode abarcar as conclusões 11.ª, ao contrário do que se refere na sentença ora em recurso, e a 9ª, por se reportarem a outra greve.
HH. Acresce que ao pedido do Requerente, ora Recorrido, não se pode responder sem atender às conclusões 7.ª, 8ª e 10ª, do Parecer, ou seja, sem atender que ocorreu uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicável à greve em apreço, e que tal extinção não decorre do despacho do SEAJ de 08/09/2020.
II. Em conformidade, o pedido na presente ação de intimação configura-se como um pedido de declaração de nulidade da posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve.
JJ. Ora, a sentença do tribunal a quo determinou que o pedido se restringia à declaração de nulidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8 de setembro de 2020, na parte em que homologou as conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e pronunciou-se apenas sobre ele.
KK. Descurou em absoluto a questão de saber se a extinção do direito à greve decorreu da própria lei, concretamente do seu não exercício, sem serviços mínimos, impostos pela mesma lei, e consequentemente, como reflexo prático dessa causa de extinção de direitos, da revogação do pré-aviso de greve de 9 de junho de 1999 pelo aviso prévio de greve de 16 de outubro de 2018 do SFJ.
LL. E isto porque omitiu pronunciar-se e confrontar realidades completamente distintas: a restrição do direito fundamental à greve pelos trabalhadores e a ameaça de lesão ou a lesão/violação do exercício do direito à greve.
MM. O direito à greve, apesar de gozar de força jurídica acrescida, de se revestir de um regime jurídico reforçado, ou de uma mais valia normativa, como refere o requerente, é um direito que a lei constitucional sujeita a restrições.
NN. Restrições que corroboram o facto de não ser um direito absoluto, proeminente ou único, como pretende inculcar o requerente, mas em relação, ao serviço dos demais direitos fundamentais, concretamente dos direitos pessoais, de participação política, económicos, sociais e culturais, consagrados na CRP.
OO. Neste sentido, é um direito de defesa dos interesses dos trabalhadores e, simultaneamente, estreitando-se, de salvaguarda dos demais direitos fundamentais, previstos como tal na CRP.
PP. Confirma-o a lei constitucional ao prever que o exercício do direito à greve, pela sua natureza (nº 2 do artigo 12.º da CRP), seja objeto de confinamento, estritamente necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do artigo 18.º da CRP) ou ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, através da prestação de serviços mínimos (nº 3 do artigo 57.º da CRP).
QQ. Sendo certo que a proteção de direitos, liberdades e garantias fundamentais que se traduz na prática de atos judiciais e da secretaria, urgentes, se enquadra na noção de necessidades sociais impreteríveis a satisfazer no exercício do direito de greve.
RR. E dúvidas não subsistem de que ao longo das últimas décadas, os oficiais de justiça, no estrito cumprimento da lei, têm assegurado, na dependência funcional do magistrado competente, a prática dos atos urgentes e necessários à referida tutela jurisdicional efetiva, ocorrendo à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, frequentemente, para além do horário de funcionamento das secretarias.
SS. Sem que, com tal atuação, estejam impedidos de exercer o direito à greve, como têm exercido, e de acorrer à salvaguarda do exercício de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como têm ocorrido.
TT. Na verdade, a definição de serviços mínimos, por acordo ou decisão arbitral, não ameaça o exercício do direito à greve, por se fundamentar em razões de segurança, transparência, celeridade e certeza jurídica, consubstanciando-se, para além de uma restrição ou confinamento do direito à greve, numa densificação, estritamente necessária, de direitos fundamentais em ordem à salvaguarda de necessidades sociais impreteríveis - para que todos produzam igualmente o seu efeito, em função da espécie e da natureza do direito e sem maior detrimento para qualquer das partes (artigo 335.º do CC) - à satisfação do todo e de cada um, ao bem comum, e à construção de uma sociedade mais perfeita na unidade e harmonia do sistema jurídico.
UU. Por outras palavras, o atual regime de obrigações de prestação de serviços durante a greve, indissociável do exercício do direito à greve, se, por um lado, restringe o direito à greve, por outro, alarga-o em ordem à sua salvaguarda, delimitando-o com precisão e arbítrio, e à de outros direitos fundamentais, sem lhe provocar qualquer lesão ou violação.
VV. De facto, não se pode confundir a prestação de serviços mínimos, fora do horário de funcionamento das secretarias, durante o exercício do direito à greve, num quadro de luta e de reivindicação por melhores condições socioprofissionais, com a prestação desses mesmos serviços num contexto normal, sem greve, de prestação de trabalho, trata-se de realidades distintas.
WW. Daí que a lei que consagra e define a prestação de serviços mínimos seja diretamente aplicável, ao caso concreto, a partir da sua entrada em vigor, a da atual redação do nº 3 do artigo 57.º da CRP e a do artigo 397.º da LTFP, e vincule entidades públicas e privadas (artigo 18.º da CRP).
XX. Ilustra-se na CRP, n.º 3 do artigo 57.º, que «A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis».
YY. E tal delimita-se pelos artigos 538.º do Código do Trabalho e 397.º da LTFP., em perfeita sintonia jurídica.
ZZ. Torna-se assim claro que o direito/dever à definição de prestação de serviços mínimos é incindível do exercício do direito à greve, inexistindo este sem aquele, nos casos de colisão de direitos ou valores fundamentais constitucionalmente protegidos (artigo 335.º do Código Civil).
AAA. Neste contexto, a omissão de definição de serviços mínimos, segundo o disposto no nº 3 do artigo 57.º da CRP, conduz, inexoravelmente, à caducidade do direito à greve ou à revogação do respetivo aviso prévio de greve, o que aconteceu no caso em apreço.
BBB. Melhor dizendo (conclusões do Parecer nº 7/2020):
12.ª A greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em 9 de junho de 1999, não foi sujeita à obrigação de assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; e
13.ª De todo o modo, os mecanismos de fixação dos serviços mínimos, previstos no artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas ou no artigo 538.º do Código do Trabalho, são aplicáveis às greves por tempo indeterminado iniciadas antes da sua entrada em vigor, nada impedindo assim a fixação posterior dos respetivos serviços mínimos.
CCC. Isto significa, segundo as citadas conclusões do Parecer nº 7/2020 que o exercício do direito à greve, sem a posterior fixação dos respetivos serviços mínimos, falece por força/causa de lei que lhe é diretamente aplicável.
DDD. A questão essencial a apreciar e que não foi apreciada pela sentença ora recorrida é a de saber se a extinção do direito à greve decorreu da aplicação da lei, concretamente do seu não exercício, sem serviços mínimos, impostos pela mesma lei, e ainda da revogação do pré-aviso de greve de 9 de junho de 1999 pelo aviso prévio de greve de 16 de outubro de 2018 do SFJ.
EEE. Em face do exposto a sentença do tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre o pedido de declaração de (in)validade da posição interpretativa assumida pelo Recorrente, concretamente, sobre a situação jurídica de ter ocorrido, no passado, causa de extinção de direitos que foi aplicável à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal interpretação extinguisse o direito à greve.
FFF. O que configura uma omissão de pronúncia sobre questão que o juiz devia apreciar e determina a nulidade da sentença (alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), o que desde já se requer.
GGG. Finalmente, quanto à invocada preterição de formalidade essencial de não audição do requerente não se verifica porque não se iniciou nem se findou, pela prática do ato do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 08/09/2020, qualquer procedimento administrativo relativo à extinção do direito à greve decretado pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, nem o esvaziamento das reivindicações dos trabalhadores; tal decorreu de eventual causa de extinção de direitos que teria sido aplicada à greve, sendo certo que a porta para exercer o direito à greve está sempre aberta para os trabalhadores.
HHH. Acresce que, estando em causa uma posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve, sem eficácia externa, não se encontra abrangido pelas situações em que é exigido que se dê a oportunidade ao interessado de exercer o direito de audiência enquanto manifestação do princípio do contraditório.
III. Mas se assim não se entender, sempre seria de aplicar o princípio da inoperância dos vícios ou “utile per inutile non vitiatur”».
JJJ. Em face do que ficou exposto, andou mal a sentença em recurso que deve ser revogada com fundamento em erro de julgamento, equivalente a violação de lei, e nulidade, por omissão de pronúncia, e substituída por outra sentença que não padeça das invocadas invalidades e acolha o pedido formulado pelo Recorrente/Requerido de ser absolvido da instância por irregularidade da petição inicial, erro na forma de processo e inimpugnabilidade do ato impugnado ou, se assim não for entendido, de ser absolvido do pedido, por omissão de pronúncia, julgando-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada, com as demais consequências legais.
Nestes termos, e nos melhores de direito:
a) Deve o Recorrente ser absolvido da instância,
b) Ou, se assim não se entender, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Recorrente absolvido do pedido.»

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando, em suma, pela improcedência do recurso e sequente manutenção da sentença recorrida, concluindo como se segue:
«1. A função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação sintética dos fundamentos de facto e direito que constam nas alegações e têm de ser significativamente inferiores às alegações.
2. A reprodução integral do anteriormente alegado nas alegações, ainda que o Recorrente as tenha denominado “conclusões”, não é considerada para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões.
3. O convite ao aperfeiçoamento, previsto no art. 146º n.º 4 do CPTA ou no art. 641º n.º 2 b) do CPC, aplicável ex vi pelo art. 140º do CPTA, só tem aplicação nas situações em que o recorrente tentou efectuar uma síntese.
4. Como o Recorrente se limitou, em regra, a fazer uma mera cópia das suas motivações para as conclusões, não foi efectuada qualquer operação de síntese em sede de conclusões, pelo que estamos perante uma situação de ausência de conclusões, o que implica que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto no art. 641º n.º 2 b) do CPC aplicável ex vi pelo art. 140º do CPTA.
5. O Recorrente refere que a sentença recorrida está inquinada de vício de violação de lei porque devia ter julgado procedente a questão prévia da irregularidade da pi, por violação da alínea a) do n.º 2 do art. 78º do CPTA.
6. Contudo, o art. 78º, n. º 2, alínea a) do CPTA, não impõe que na pi conste o juízo de competência especializada do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, criado pela Decreto-Lei n.º 174/2019, podendo a opção pelo juízo de competência especializada ter lugar apenas no formulário de subscrição desse articulado, não tendo razão o Recorrente nesta questão.
7. O Recorrente refere também no recurso que a sentença deve ser revogada porque se verifica a excepção dilatória do erro na forma de processo, por inadequação processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias para a tutela pretendida pelo Recorrido uma vez que não se verifica a necessidade de emissão urgente decisão de fundo indispensável para protecção de direito, liberdade e garantia.
8. A DGAJ tinha o entendimento que a greve decretada pelo Recorrido em 9.6.1999 estava caducada (cfr. factos provados E) e que o despacho a homologar o Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo é meramente interpretativo não tendo extinguido a referida greve.
9. Contudo, o Recorrente comunicou à DGAEP, antes da publicação em DR e antes de dar conhecimento ao Recorrido, a homologação do Parecer do Conselho Consultivo da PGR, para que a DGAEP fizesse constar na sua página electrónica, no registo das greves, que a greve decretada pelo Recorrido em 9.6.1999 “terminada. Conforme Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR homologado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Justiça em 8/9/2020” para assim condicionar a adesão à greve pelos Associados do Recorrido.
10. O acto de homologação do Parecer do Conselho Consultivo da PGR, consubstancia um acto administrativo, com eficácia externa, porque deu por terminada a greve decretada pelo Recorrido em 1999 e também determinou que os oficiais de justiça que invoquem a greve de 1999 para obstar ao cumprimento dos serviços mínimos decretados pelo colégio arbitral na greve de outra associação sindical, podem incorrer em responsabilidade civil e criminal.
11. A situação de urgência é manifesta pelo que a decisão impugnada ao determinar que greve terminou, tem efeitos actuais e imediatos senão o impedimento, pelo menos, a criação de sérios obstáculos para que os Associados do Recorrido exerçam o direito a fazer a greve decretada em 1999.
12. Assim, também não se verifica a excepção de inadequação processual do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
13. O Recorrente refere a sentença está inquinada de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e direito, porque o acto que homologou as conclusões 10ª e 11ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR não é um acto impugnável por não produzir efeitos externos.
14. De acordo com o n.º 1 do art. 50º dos EMP “Quando homologados pelas entidades que os tenham solicitado ou a cujo setor respeite o assunto apreciado, as conclusões dos pareceres do Conselho Consultivo sobre disposições de ordem genérica são publicados na 2.ª série do Diário da República para valerem como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer.
15. Se a DGAEP divulgou no seu site, no registo das greves, que a greve decretada em 1999 pelo Recorrido terminou, por homologação do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR, e se também consta nas conclusões do Parecer que os oficiais de justiça que a invoquem a greve de 1999 para não cumprirem serviços mínimos decretados na greve de outra associação sindical podem ser responsabilizados civil e criminalmente, a homologação produziu efeitos externos porque está a condicionar os oficiais de justiça a fazerem a greve.
16. O acto de homologação do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 7/2020 constitui a decisão e os fundamentos do acto administrativo homologatório impugnado, que teve eficácia externa ao considerar terminada a greve decretada pelo Recorrido pelo que a sentença não padece de erro nos pressupostos de facto.
17. O Recorrente refere também que a sentença incorreu em omissão de pronúncia uma vez que não se pronunciou sobre “a questão de saber se a extinção do direito à greve decorreu da própria lei, concretamente do seu não exercício, sem serviços mínimos, impostos pela mesma lei…”.
18. Se não constituiu fundamento do acto impugnado (a homologação do Parecer 7/2020) a caducidade da greve decretada em 1999, não pode o Recorrente recorrer com o fundamento que o Tribunal devia ter-se pronunciado sobre esse fundamento pelo que a sentença não está inquinada de omissão de pronúncia.
19. Por último, o Recorrente entende que não se verifica a preterição de formalidade essencial por violação dos art.s 121º e ss do CPA, porque não se iniciou ou findou qualquer procedimento administrativo relativo à extinção do direito à greve decretada em 1999.
20. Se o art. 1º do CPA dispõe que “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução de vontade dos órgãos da Administração Pública” tem que se concluir que o acto de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça culminou um procedimento administrativo cujos vários actos constam nos factos provados da sentença.
21. O Recorrido é interessado no procedimento que culminou na homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça do Parecer do Conselho Consultivo 7/2020 (cfr. art. 68º do CPA).
22. Os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, nos termos do disposto no art. 121º do CPA.
23. Negar que o acto impugnado teve por base um procedimento administrativo põe em causa o carácter procedimental da actuação jurídico administrativa da Administração Pública.
Nestes termos, devem V.Ex.ªs julgar o recurso totalmente improcedente, fazendo assim a habitual e costumada Justiça!»

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Notificado para tanto, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo não emitiu parecer.
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II- QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
O Recorrido vem, nas conclusões 1, 2, 3 e 4 do seu recurso, clamar pela rejeição do recurso do Recorrente. Estriba o seu clamor no disposto no art.º 641.º, n.º 2, al. b) do CPC, invocando, fundamentalmente, a má técnica alegatória do Recorrente e, especificamente, o facto das conclusões do recurso verterem, praticamente, o corpo alegatório do recurso.
Ora, a excessiva extensão e profusão das conclusões elencadas no recurso não são condicentes, realmente, com os ditames enumerados no art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, resultando claro que o Recorrente poderia e deveria sintetizar as conclusões do recurso, ao invés que repetir, ainda mais profusamente, o que tinha anteriormente aduzido.
Seja como for, a verdade é que, ainda assim, as conclusões oferecidas pelo Recorrente, não obstante o excesso assinalado, permitem apreender as razões da discordância com a sentença recorrida e, por isso, escrutiná-las.
De resto, é de assinalar que o Recorrido, pese embora o excesso e a complexidade das conclusões do recurso agora em causa, exerceu um contraditório adequado quanto a esta impetração, não resultando, por isso, diminuídos os seus direitos de defesa.
Sendo assim, nada obsta à admissão do vertente recurso jurisdicional.


III- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O Recorrente vem, nas conclusões do seu recurso, apontar um conjunto de patologias à sentença recorrida.
E a primeira que impera mencionar é a nulidade que vislumbra na sentença, por entender que a mesma padece de omissão de pronúncia.
Em seguida, o Recorrente iça a sua discordância quanto ao decidido pelo Tribunal a quo no que se refere à imputada irregularidade da petição inicial, pois, no seu entender, dever-se-ia ter ordenado a correção da petição inicial e a absolvição do Recorrente da instância no caso da correção não ser realizada.
Em terceiro lugar, sufraga o Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento no que tange à decisão que fez recair sobre a exceção de impropriedade do presente meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Em quarto lugar, clama também que ocorre inimpugnabilidade do ato impugnado, pelo que a sentença erra ao não determinar a absolvição do Recorrente da instância.
Em quinto lugar, reclama que ocorre erro de julgamento, por o ato não ser violador do direito à greve dos associados do Recorrido.
E, finalmente, em sexto lugar, entende que a sentença impetrada também erra no seu decisório relativo à violação do direito de audiência prévia.
Ora, compulsado o objeto do recurso e concatenando o mesmo com o objeto do processo, é forçoso concluir que aquele é mais amplo do que este.
Com efeito, o Recorrente vem, na presente sede recursiva, invocar que a sentença errou ao não absorver o Recorrente da instância em virtude da inimpugnabilidade do ato que constitui o objeto dos presentes autos.
Sucede que a questão da inimpugnabilidade consubstancia uma questão nova, introduzida apenas agora pelo Recorrente no recurso.
Com efeito, basta compulsar a contestação apresentada pelo Recorrente para, sem qualquer dificuldade, percecionar que a questão da eventual inimpugnabilidade do ato não foi aí invocada, nem, de resto, em mais lado nenhum, nunca tendo sido debatida pelas partes.
A própria sentença recorrida, não obstante a sua prolixidade, não contém qualquer alusão a tal questão, nem tinha de conter, uma vez que, reitere-se, até ao recurso, nunca foi arguido, de modo explícito ou implícito, o que quer que fosse referente á temática em causa.
Sendo assim, a invocada inimpugnabilidade do ato não pode ser apreciada e julgada no presente recurso.
Neste sentido veja-se, entre outra, a Jurisprudência emitida:
- pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 08/11/2018 no processo 212/16.5T8PTL.G1, e no qual foi consignado que: «1. Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
2. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.»
- pelo Supremo Tribunal de Justiça em 22/06/2004 no processo 05B175: «os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas»; em 07/07/2016 no processo 156/12.0TTCSC.L1.S1: «Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.»
- pelo Supremo Tribunal Administrativo em 04/11/2021 no processo 01960/20.0BEPRT: «É que se trata, no caso, de invocação de “questão nova”, não apreciada na sentença recorrida (e que também não fora apreciada no procedimento administrativo concursal), sendo certo que os recursos destinam-se a apreciar as decisões recorridas e não a conhecer “questões novas” não apreciadas nas decisões recorridas – arts. 627º nº 1, 635º nºs 2 e 3 e 639º nº 1 do CPC, aplicáveis “ex vi” do artº 140º nº 3 do CPTA.»
- por este Tribunal Central Administrativo Sul em 31/03/2022 no processo 596/21.3 BELRA: «I – A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas.
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram.»
E contra o que vem de dizer-se não colhe a circunstância da questão em causa assumir natureza excetiva e de ser de conhecimento oficioso, uma vez que, em contencioso administrativo, vigora, como se sabe, o princípio da preclusão do conhecimento, significando tal que, mesmo a oficiosidade do conhecimento só pode ser exercitada até determinada fase processual, concretamente, até ao saneamento dos autos, em harmonia com o prescrito no art.º 88.º, n.ºs 1, al. a9 e 2 do CPTA.
No caso posto, de acordo com o disposto no art.º 110.º do CPTA, verifica-se que a presente fórmula processual não comporta a prolação de despacho saneador autónomo, devendo o saneamento ser realizado na sentença. O que significa, portanto, que todas as questões excetivas dilatórias devem ser arguidas, pelas partes ou oficiosamente, até à prolação da sentença e aí apreciadas e julgadas, precludindo, com a emissão da sentença, o conhecimento de matéria excetiva nova.
Destarte, resulta inequívoco estar vedado a este Tribunal de Apelação a apreciação da questão excetiva agora introduzida no recurso pelo Recorrente.
Pelo que, em face do antecedentemente exposto, e considerando também a prioridade lógica quanto ao conhecimento das questões, cumpre apreciar se a sentença impetrada decidiu corretamente no que se refere:
i) à imputada irregularidade da petição inicial;
ii) se ocorre por omissão de pronúncia que determine a nulidade da sentença;
iii) se ocorre erro de julgamento quanto à impropriedade do presente meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias;
iv) se ocorre erro de julgamento quanto à violação do direito à greve dos associados do Recorrido; e
v) se ocorre erro de julgamento quanto à violação do direito de audiência prévia.


IV- FACTUALIDADE PROVADA
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:
«A) Em 9-06-1999, a Direção Nacional do Sindicato dos Funcionários Judiciais dirigiu ao Ministro da Justiça e ao Ministro do Trabalho e Solidariedade o seguinte «AVISO PRÉVIO DE GREVE», o qual também foi publicado no jornal Diário de Notícias de 10-06-1999, pág. 53:
«CONSIDERANDO:
1. Que desde Fevereiro de 1994 que se encontra em vigor a denominada greve às horas extraordinárias, pelo estrito cumprimento do horário de trabalho;
2. Que grande parte dos motivos que levaram à marcação da referida greve se mantém actuais, nomeadamente:
O deficiente dimensionamento dos quadros de pessoal e o elevado volume processual, que obrigam a uma permanente sobrecarga de trabalho;
O facto de não recebermos nenhuma remuneração adicional, pelo trabalho extraordinário, o que contraria toda a legislação em vigor, sobre a matéria;
A informatização continua por fazer. Não existe nenhum projecto credível e eficaz de informatização dos tribunais;
O Governo continua irredutível na sua posição de não rever o regime de aposentação dos funcionários judiciais, atribuindo-nos as mesmas regalias que já auferem outras classes profissionais do Ministério da Justiça;
Continua por regulamentar e atribuir o Subsidio de Risco, prometido há mais de dez (!?) anos.
3. Que, nestas circunstâncias, os funcionários judiciais, estão naturalmente desiludidos com o Governo e com as promessas feitas e expectativas criadas;
4. Que, pelo exposto, é vontade unânime de todos os funcionários judiciais, cumprirem apenas e em rigor o horário de trabalho, até que o Governo assuma a devida atitude de reconhecimento e estímulo;
5. Que com a entrada em vigor do Decreto-Lei n°.186-A/99 de 31.05 que regulamenta a Lei n°.3/99 de 13/01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), foi alterado o horário de funcionamento das secretarias dos tribunais, passando o mesmo a ser das 9 horas às 12 horas e 30 minutos e das 13 horas e 30 minutos às 17 horas;
6. Que, por tal motivo, é obviamente necessário adequar a greve já referida ao novo horário,
O SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS, ao abrigo do disposto no art°. 57.° n. º. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, e nos termos da Lei 65/77 de 26/09 nomeadamente dos seus art°s. 2.°, 5.° e 12.°, na redacção dada pela Lei 30/92 de 20/10, comunica que decreta GREVE, por tempo indeterminado, a ter inicio em 21 de Junho de 1999, nos períodos compreendidos entre as O horas e as 9 horas, as 12horas e 30 minutos e as 13 horas e 30 minutos e entre as 17 horas e as 24 horas, de todos os dias.» (Cfr. documento n.º 2 da PI e pág. 7 do Processo Administrativo -PA-1, de fls. 129 a 182 do SITAF)
B) Em 13-07-2006, o Parecer n.º 145/2004 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República pronunciou-se pela legalidade da greve referida na al. anterior, dele constando, designadamente, o seguinte:
«A greve dos oficiais de justiça em análise assume-se como uma recusa de prestação de trabalho, de qualquer trabalho que ocorre fora do período de funcionamento normal dos serviços.
Não se especifica no pré-aviso de greve qual o âmbito material da greve, pelo que se tem de atender que a mesma incide sobre todo e qualquer serviço que deva ser prestado fora do referido período de funcionamento das secretarias judiciais.
Trata-se, no fundo, de uma recusa de cumprimento de uma parte do serviço normalmente decorrente da relação de trabalho dos oficiais de justiça, e que pela sua própria natureza se pode situar fora do horário normal do serviço. Muitas vezes terá até o seu início dentro do horário normal, impondo-se depois o seu prolongamento para além deste.
É este elemento, o facto de se situar fora do horário normal, que permite identificar o trabalho sobre que incide a recusa coletiva e concertada dos trabalhadores e que se nos afigura decisivo para a respetiva qualificação jurídica e para a autonomização desta forma de greve relativamente a outras de curta duração que têm sido consideradas como ilícitas.
Ora a greve dos oficiais de justiça sobre que nos debruçamos configura-se como a recusa coletiva do trabalho, todo o trabalho que deva ser prestado num determinado período de tempo.
Trata-se do tipo de serviço que legalmente pode ocorrer nesse período de tempo e não de uma parte do serviço autonomizada pelos trabalhadores em greve no contexto do todo que lhes é exigível.
Não se trata, deste modo, da recusa de prestação de específicas tarefas da atividade devida pelos grevistas, durante o período normal da sua atividade, ou perante uma abstenção concertada da prestação de trabalho que vise a produção de "danos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho ou terceiro ou para a própria coletividade" (...) e que acarrete "perturbação extrema e desproporcionada de serviços fundamentais", o que poderia acarretar a sua ilicitude.
Estamos, pois, perante uma forma de greve que ainda se pode reconduzir ao conceito de greve, garantida pelo artigo 57.° da Constituição da República.» (Cfr. Parecer n.º 145/2004, de 13-06-2006, citado no Parecer n.º 7/2020 do mesmo Conselho Consultivo, a págs. 13 e 14 do PA2, inserido a fls. 183 a 224 do SITAF)
C) Em 16-11-2018, o Presidente da Direção Nacional do Sindicato dos Funcionários Judiciais dirigiu à Ministra da Justiça e ao Ministro de Estado e das Finanças o seguinte «AVISO PRÉVIO DE GREVE»:
«O Sindicato dos Funcionários Judiciais comunica que, para os devidos efeitos, ao abrigo do artigo 57.° da Constituição da República Portuguesa e nos termos dos artigos 394.°, 395.° e 396.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho, considerando a aprovação da Resolução aprovada em Plenário Nacional de trabalhadores, realizado no dia 11 de Outubro de 2018, em Lisboa, em que foram analisados:
a situação socioprofissional, nomeadamente;
a negociação Estatuto da Carreira de Oficial de Justiça:
a recuperação do tempo de serviço de congelado;
a dramática falta de funcionários;
o congelamento injustificado de promoções;
Consideram indispensável que:
O processo negocial referente à Negociação do Estatuto socioprofissional seja reiniciado urgentemente, e que no documento final aprovado sejam consagradas, entre outras, as seguintes matérias:
1. Vínculo de Nomeação;
2. Grau de complexidade funcional 3;
3. Titularidade do lugar nos cargos de chefia;
4. Formação Especializada;
5. Alteração das normas referentes à Mobilidade e Regime de Substituições;
6. Nova tabela salarial;
7. Regime específico de aposentação;
8. Sejam preenchidos na íntegra os lugares vagos (existem mais de mil lugares nos quadros por preencher);
9. Se proceda urgentemente às promoções para todas as categorias cujos lugares se encontram vagos, principalmente para os mais de 750 lugares de Escrivão Adjunto e Técnico de Justiça Adjunto;
10. Inclusão no vencimento do suplemento de 10%, com efeitos a 1 de Janeiro de 2019;
11. Que, nos termos do artigo 19°. da Lei de Orçamento de Estado para 2018, nos seja apresentada uma proposta concreta para recuperação do tempo de serviço congelado. Nesta matéria em concreto estamos disponíveis para encontrar uma solução em que o tempo Congelado‖ possa vir a ser contemplado para efeitos de Aposentação;
Assim, na prossecução destes objectivos e considerando a falta de diálogo do Ministério da Justiça, deliberou-se decretar GREVE, a tempo parcial, a nível nacional, com o seguinte horário: 00:00 às 11:00, das 12:30 às 13:30 e das 16:00 às 24:00 horas, com início no próximo dia 05 de Novembro e até 31de Dezembro do corrente ano de 2018;
Porque os períodos de greve acima referidos não contendem com o cumprimento de actos urgentes, não se apresenta qualquer proposta de serviços mínimos. Igualmente não se mostra necessária qualquer proposta relativamente à segurança e manutenção de instalações e equipamentos:» (Cfr. págs. 3 e 4 do PA1)
D) Em 14-12-2018, o Presidente da Direção do Sindicato dos Oficiais de Justiça dirigiu ao Primeiro Ministro, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, à Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, ao Ministro das Finanças, à Ministra da Justiça, ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, à Secretária de Estado da Administração Pública e à Secretária de Estado Adjunta e da Justiça o seguinte «AVISO PRÉVIO DE GREVE»:
«Comunica-se a todas as entidades que, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 394°, 395º, 396°, 397° e segs. da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) e, bem assim, artigos 530.º n.° 1, 531.° n.° 1, 532.°, n.° 1, 533.°, 534.°, 535.°, 536.°, 537.° e 540.° do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, os Oficiais de Justiça irão exercer o seu direito à greve a partir do dia 4 de Janeiro de 2019 até ao dia 4 de Outubro de 2019. A greve irá decorrer, todos os dias, nos períodos compreendidos entre as 12h30 e as 13h30 bem como das 17h00 até às 09h00 do dia seguinte.
Em defesa do:
.Reconhecimento e valorização do trabalho realizado fora das horas de serviço, garantindo, assim, um Regime de Aposentação Justo;
.Reconhecimento dos riscos, em termos de saúde, para uma carreira que todos os dias trabalha com portadores de doenças infectocontagiosas, nomeadamente na realização de inquirições e primeiros interrogatórios de arguidos detidos, sem quaisquer condições;
.Renegociação do DL 485/99, de 10.11, nomeadamente, garantindo a sua concessão por 14 meses;
.Abertura de um Processo Negocial para Contagem do Tempo de Congelamento da Carreira dos Oficiais de Justiça, cumprindo-se, assim, a vontade dos representes do povo português, na Assembleia da República;
.Colocação a concurso de todos os lugares ocupados, em regime de substituição/escolhas;
.Reforço do quadro de Oficiais de Justiça, em número suficiente a garantir o seu normal e regular funcionamento, cumpridas as leis da República;
.Direito a férias, nos termos da lei geral.
Por se tratar de um horário em que as secretarias judiciais estão encerradas, não há lugar à apresentação de proposta de serviços mínimos, por inexistência dos mesmos.
Por se tratar de períodos em que as secretarias judiciais estão encerradas, a segurança e a manutenção das instalações e equipamentos é assegurada pelos profissionais a quem competem essas funções.» (Cfr. pág. 12 do PA1)
E) Em 7-01-2019, o Diretor-Geral da Direção Geral da Administração da Justiça emitiu o seguinte ofício, dirigido ao Chefe do Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça:
«Assunto: Greve -Pedido de emissão de parecer ao Conselho Consultivo da PGR
O Sindicato dos Funcionários Judiciais divulgou, no seu sitio da Internet, informação segundo a qual se mantém em vigor, e sem fixação de serviços mínimos, a greve ao trabalho fora do horário normal das secretarias decretada por aviso prévio de 9 de junho de 1999, por tempo indeterminado (com início a 21 de junho de 1999, nos períodos compreendidos entre as 0 horas e as 9 horas, as 12.30H e as 13.30H e entre as 17horas e as 24 horas, todos os dias), o qual se encontra igualmente disponível no sítio da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
É entendimento desta direção-geral que esse aviso prévio já caducou, tendo em conta, nomeadamente, que:
i) Recentemente foram decretadas greves para o mesmo universo de destinatários (oficiais de justiça), e para o mesmo período diário, quer pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), quer pelo próprio SFJ;
ii) A greve decretada em 1999 assentava num conjunto de reivindicações que se mostram desatualizadas;
iii)Ao tempo em que foi apresentado o aviso prévio em causa não vigorava norma que exigisse a fixação de serviços mínimos a assegurar no decurso da greve.
No entanto, e tendo em conta a natureza do assunto, afigura-se-me aconselhável que seja solicitado o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o que levo à ponderação desse Gabinete.
Com os melhores cumprimentos,» (Cfr. págs. 5 e 6 do PAI)
F) Em 28-12-2018, Tribunal Arbitral, com voto de vencido do Árbitro representante dos Trabalhadores, proferiu acórdão no proc. n.º 19/2018/DRCT - ASM, referente a «Definição de serviços mínimos requerida pela Direção-Geral da Administração da Justiça, na sequência da greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, a decorrer de 4 de janeiro até 4 de outubro de 2019, nos períodos compreendidos entre as 12h30 e as 13h30, e das 17h00 até às 9h00 do dia seguinte», com a seguinte decisão:

«Nestes termos decide este Colégio, por maioria, que devem ser assegurados pelas secretarias dos tribunais e dos serviços do Ministério Público;
1. Nos períodos abrangidos pela greve, isto é, entre as 12h30 e as 13h30 e das 17h00 até ás 9h00 do dia seguinte, devem ser prestados como serviços mínimos os atos respeitantes a:
a) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes, desde que esteja em causa o prazo de 48 horas previsto na lei;
b) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinam a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil;
c) Adoção das providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo;
d) Providências urgentes ao abrigo da Lei da Saúde Mental.
e) Operações materiais decorrentes das eleições gerais, como sejam, entre outras, as relacionadas com a apresentação das candidaturas ou a afixação da relação das mesmas no tribunal.
2. Quanto aos meios:
I) Relativamente aos atos referidos nas alíneas a) a d), cuja realização já se tenha iniciado, os serviços mínimos devem ser garantidos no período abrangido pela greve, pelo oficial de justiça que esteja a assegurar a diligência em causa;
ii) Para o caso de os mesmos atos serem iniciados fora do horário de funcionamento das secretarias dos tribunais, os serviços mínimos devem ser garantidos por um oficial de justiça, a designar, em regime de rotatividade, peio respetivo Administrador Judiciário, ou pelo Secretário de Justiça no caso da jurisdição administrativa;
iii) Relativamente às operações materiais, de natureza urgente, referidas na alínea
e), decorrentes das eleições, caso os mesmos tenham que ser praticados, obrigatoriamente, no próprio dia (p.e. nas eleições legislativas e legislativas regionais a entrega das candidaturas tem que ser efetivada até ao 41° dia anterior à data marcada para a eleição - n.° 2 do artigo 23.° ex vi n.° 2 do artigo 171.° da Lei Eleitoral da Assembleia da República e n.° 2 do artigo 25.° ex vi n,° 2 do artigo 167.° da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira), conforme o mapa-calendário das operações eleitorais que vier a ser homologado pela Comissão Nacional de Eleições, em cada juízo de competência genérica ou juízo local cível e em cada juízo de proximidade por um oficial de justiça, todos eles designados pelo respetivo Administrador Judiciário da Comarca.» (Cfr. fls. 13 a 20 do PA1, que se têm por integralmente reproduzidas)
G) A greve do Sindicato dos Oficiais de Justiça referida na al. D) veio a ser desconvocada. (Admitido no ponto 16.º da Resposta da Entidade Demandada)
H) Na sequência do conhecimento do acórdão referido na al. F), o Sindicato dos Funcionários de Justiça divulgou no seu site da internet a seguinte informação:
«Greve ao serviço fora do horário normal das secretarias
GREVE DECRETADA POR OUTRA ENTIDADE
Pela terceira vez, veio uma entidade sindical, com residual implantação no meio judiciai, anunciar greve aos períodos compreendidos entre as 17.00 e as 09.00 horas e as 12.30 e as 13.30 horas.
Em face da Greve agora comunicada por essa entidade foram, mais uma vez, decretados serviços mínimos, conforme o Ofício-Circular 1/2020 - DGAJ.
(...)
Relativamente à Greve ao período compreendido entre 04.01.2019 e 04.10.2019, também esta veio a ser desconvocada pela entidade emitente do aviso prévio, conforme noticiamos através da Informação Sindical de 21.08.2019.
Infelizmente, não se compreendem, assim, estas insistências e tomadas de decisão, em decretar uma greve nos moldes supramencionados, a qual só prejudica os direitos dos Oficiais de Justiça.
Com efeito, a Greve decretada pelo SFJ em 09.06.1999 aos períodos compreendidos entre as 00.00 e as 09.00 horas, as 12.30 e as 13.30 horas e as 17.00 e as 24.00 horas está em vigor e por tempo indeterminado, NÃO EXISTINDO QUAISQUER SERVIÇOS MÍNIMOS.
Com a greve do SFJ, os Oficiais de Justiça apenas trabalham fora do seu horário normal de trabalho se assim o entenderem (e em casos excecionais previstos na Lei) e não por imposição da tutela.
Nos termos da Lei, só o SFJ poderá dar por finda a greve por si decretada, pelo que as informações veiculadas por algumas pessoas são falsas. A greve decretada pelo SFJ está válida e tem permitido que milhares de oficiais de justiça se recusem a cumprir ordens para trabalhar para além do horário, emitidas por quem não tem respeito pela dignidade profissional e pessoal dos Oficiais de Justiça.
Estas atitudes, reiteradas por aquela entidade, são incompreensíveis e só causam ruído e confusão, tendo dado, mais uma vez, a oportunidade à DGAJ e ao MJ de decretarem serviços mínimos e escalas de serviço após as 17.00 horas.
Afinal o que pretende essa entidade?
Criar confusão entre os Oficiais de Justiça?
Obrigar os Oficiais de Justiça a terem de prestar serviços mínimos?
Tomar inútil e anular a greve do SFJ, dando a mão à tutela?
Não estará esse grupo consciente das nefastas consequências que as duas greves que anteriormente decretou provocaram, com claro prejuízo para os Oficiais de Justiça devido à imposição de Serviços Mínimos e de Escalas de Serviço após as 17.00 horas?
(...)» (Cfr. págs. 37 a 39 do PA1)
I) Em 6-01-2020, o Presidente da Direção do Sindicato dos Oficiais de Justiça dirigiu ao Primeiro Ministro, ao Ministro do Estado, da Economia e da Transição Digital, ao Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, à Ministra do Estado e da Presidência Ministro de Estado e das Finanças, à Ministra da Justiça, à Ministra da Modernização e da Administração Pública, ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ao Secretário de Estado da Administração Pública e ao Secretário de Estado Adjunto e da Justiça o seguinte «AVISO PRÉVIO DE GREVE»:

«Comunica-se a todas as entidades que, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 394°, 395°, 396°, 397° e Segs. da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) e, bem assim, artigos 530.° n.° 1, 531.°, 534.° e 537.° do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, os Oficiais de Justiça irão exercer o seu direito à greve a partir do próximo dia 22 de Janeiro de 2020 até ao dia 21 de Dezembro de 2020. A greve irá decorrer, todos os dias, nos períodos compreendidos entre as 12h30 às 13H30 e das 17h00 até às 09h00 do dia seguinte.
Em defesa
- das Leis da República Portuguesa e Convenções Internacionais, ratificadas peio Estado Português;
- do Diálogo e Concertação Social, colocando assim, por negociação, termo ao trabalho forçado — os Oficiais de Justiça são obrigados, por imposição legal, a trabalhar fora de horas sem que sejam remunerados nem compensados;
- de um Regime de Aposentação Justo, perante as obrigações a que está sujeita a carreira;
- da Dignificação e Valorização do Trabalho e da carreira dos Oficiais de Justiça;
- de uma Alteração ao DL 485/99, de 10 de Novembro, determinando que seja concedido durante 14 meses e, após, imediata integração no vencimento;
Por se tratar de períodos em que o exercício da greve não contende com o cumprimento de actos de natureza urgente, não há lugar à apresentação de proposta de serviços mínimos.
Também não se mostra necessária, por não ser matéria da competência dos Oficiais de Justiça, qualquer proposta relativamente à segurança e manutenção das instalações e equipamentos.» (Cfr. pág. 27 do PA1)
J) Em 20-01-2020, Tribunal Arbitral proferiu acórdão no proc. n.º 1/2020/DRCT - ASM, referente a «Definição de serviços mínimos requerida pela Direção-Geral da Administração da Justiça, na sequência da greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, a decorrer nos períodos das 12h30 e as 13h30 e das 17h00 até às 9h00 do dia seguinte, nos dias 22 de janeiro de 2020 a 21 de dezembro de 2020», com a seguinte decisão:
«Devem ser assegurados pelas secretarias dos tribunais e dos serviços do Ministério Público:
1. No período abrangido pela greve e apenas no período a partir das 17h00 até às 9h00 do dia seguinte, quanto aos atos já iniciados e que não possam ser adiados ou continuados noutro dia, devem ser prestados como serviços mínimos os atos iniciados antes da hora do encerramento da secretaria, quer pelo oficial de justiça quer pelo magistrado titular e aos quais o oficial de justiça tenha de dar continuidade no próprio dia, respeitantes a:
a) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes, desde que esteja em causa o prazo de 48 horas previsto na lei;
b) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinam a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil;
c) Adoção das providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo;
d) Providências urgentes ao abrigo da Lei da Saúde Mental.
e) Operações materiais decorrentes das eleições gerais, como sejam, entre outras, as relacionadas com a apresentação das candidaturas ou a afixação da relação das mesmas no tribunal.
2. Quanto aos meios:
a) Relativamente aos atos já iniciados, os serviços mínimos devem ser garantidos pelo oficial de justiça que esteja a assegurar a diligência em causa;
b) Nos demais atos em que seja necessário dar continuidade ao serviço do magistrado titular, por um oficial de justiça, a designar, em regime de rotatividade, pelo respetivo Administrador Judiciário.
3. Não são fixados serviços mínimos para o período das 12h30 às 13h30.» (Cfr. págs. 29 a 33 do PA1, que se têm por integralmente reproduzidas)
K) Em 31-01-2020, a Diretora-Geral da Direção-Geral da Administração da Justiça dirigiu o seguinte ofício ao Chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça:
«ASSUNTO: Greve - Pedido de emissão de parecer ao Conselho Consultivo da PGR
O Sindicato dos Funcionários Judiciais decretou greve em 21 de junho de 1999, por tempo indeterminado, nos períodos compreendidos entre as 00horas e as 9horas, entre as 12.30 horas e as 13.30 horas e entre as 17 horas e as 24 horas de todos os dias, através do pré-Aviso de Greve de 9 de junho (cfr. Documento em anexo).
Ao tempo em que foi apresentado o referido Aviso-Prévio não vigorava norma que exigisse a fixação de serviços mínimos a assegurar no decurso da greve.
Por Pré-Aviso de 16 de novembro de 2018, o mesmo Sindicato, decretou greve a tempo parcial, a nível nacional, com o seguinte horário: das 00h às 11horas, das 12.30h às 13.30h e das 16horas às 24horas, com início a 5 de novembro de 2018 a 31 de dezembro de 2018.
Em face do entendimento publicamente assumido pelo SFJ, de que se mantém em vigor a greve, sem termo, decretada em 1999 - não obstante a greve decretada em 2018 abranger o mesmo universo de destinatários e idênticos períodos diários esta Direção-Geral dirigiu ofício a esse Gabinete, em 7 de janeiro de 2019, onde verteu aquele que é o nosso entendimento e colocou à consideração a submissão da questão ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por via da emissão de parecer quanto à manutenção da greve decretada em 1999.
Este pedido deu lugar à emissão do Parecer n.° 1/2019 (Abreviado) por parte da Auditora Jurídica, em anexo, cujo sentido acompanha o entendimento da DGAJ quanto à caducidade do Aviso Prévio de 1999, ao mesmo tempo que pondera a pertinência de posterior submissão a parecer do Conselho Consultivo, quanto a questão prévia subjacente - ilicitude de greve sem termo final.
Em face de dúvidas apresentadas nesta Direção-Geral por parte de oficiais de justiça - na sequência da fixação de serviços mínimos pelo Colégio Arbitral, por decisão de 20 do corrente mês, em anexo, referente à greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, conforme respetivo Aviso Prévio, de 22 de janeiro a 21 de dezembro de 2020, nos períodos compreendidos entre as 12:30horas e as 13:30horas e as 17:00horas e as 09:00horas do dia seguinte, (períodos que se sobrepõem/conflituam com a abrangência da greve decretada em 1999 pelo SFJ, e reivindicada por aquele Sindicato como estando em vigor) - , reitera-se a absoluta urgência na obtenção de pronúncia por parte de órgão superior/independente quanto à validade do pré-aviso de greve do SFJ, de 9 de junho de 1999.
Tal pronúncia revela-se fundamental para dirimir e pôr termo às repetidas e crescentes questões colocadas pelos tribunais, que se prendem, entre outras, com a obrigatoriedade dos oficiais de justiça, filiados no SFJ, assegurarem os serviços mínimos recentemente fixados no âmbito da greve decretada pelo SOJ, assim como quanto às consequências para os oficias de justiça que incumpram estes serviços mínimos, alegando a adesão à greve de 1999.
Assim, tendo em conta a natureza do assunto, afigura-se-me aconselhável que o mesmo seja submetido a parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o que levo à ponderação desse Gabinete.
Com os melhores cumprimentos,» (Cfr. págs. 41 e 42 do PA1)
L) Em 14-02-2020, Técnico Especialista do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça emitiu informação, sob o assunto «Greve de oficiais de justiça; serviços mínimos; pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República», pela qual propõe o seguinte:
«3.6. Nestes termos, são as seguintes as questões que, em concordância com a sugestão da Sra. Diretora-Geral da Administração da Justiça, se entende deverem ser submetidas a parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, se tal merecer a superior concordância de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça:
1. Está vigente o pré-aviso de greve do SFJ datado de 9/6/1999, comunicando uma greve decretada por tempo indeterminado, para ser observada nos períodos fora do período normal de funcionamento das secretarias judiciais (e, portanto, sem quaisquer consequências remuneratórias para os oficiais de justiça, de acordo com o respetivo estatuto)?
2. Os oficiais de justiça que invoquem uma eventual adesão à greve decretada pelo SFJ em 1999 estão obrigados a cumprir os serviços mínimos decretados pelo Colégio Arbitral, pelo seu Acórdão de 20/1/2020, proferido no processo n.º 1/2020DRCT-ASMA, no contexto da greve decretada pelo SOJ?» (Cfr. págs. 45 a 51 do PA1, que se têm por integralmente reproduzidas)
M) Em 18-02-2020, o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça apôs despacho de concordância na informação referida na alínea anterior. (Cfr. pág. 45 do PA1)
N) Em 19-02-2020, o Chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça emitiu o ofício n.º 340, dirigido ao Chefe do Gabinete da Procuradora-Geral da República, com o seguinte teor:
«ASSUNTO: Greve de Oficiais de Justiça - Serviços mínimos
Para emissão de parecer, encarrega-me o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de remeter a V. Exa., cópia da Informação elaborada neste Gabinete, datada de 14/02/2020, assim como documentação nela mencionada sobre o assunto identificado em epígrafe.» (Cfr. fls. 53 do PA1)
O) Na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 25-06-2020, foi votado favoravelmente, por unanimidade, o Parecer n.º 7/2020, com o seguinte teor:
«(...)
III
Conclusões
Em face do exposto, tendo em consideração as questões que foram colocadas por V.ª Ex.ª, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª O direito de greve (art. 57.° Constituição da República Portuguesa) é um direito fundamental, integrante do conjunto dos direitos, liberdades e garantias, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas e consubstancia uma parcela do princípio da socialidade, enquanto vertente fundamental do Estado de direito democrático;
2.ª Nem a Lei Fundamental (art. 57.°), nem a lei ordinária (arts. 530.° a 543.° do Código do Trabalho e arts. 394.° a 405.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) definiram o direito de greve, remetendo essa tarefa essencial para a doutrina e, sobretudo, para o intérprete;
3.ª O direito de greve é, doutrinal e jurisprudencialmente, definido como «abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores com vista à satisfação de objetivos comuns», assim se excluindo da respetiva área de tutela algumas greves impróprias e algumas greves atípicas, que, com a mínima perda de salário possível, procuram provocar o maior prejuízo ao empregador;
4.ª O direito de greve não é um direito absoluto, imune a quaisquer restrições ou limites, devendo, em casos de colisão com outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos, operar-se a devida harmonização prática, no quadro da unidade de sistema de direitos e valores constitucionalmente protegidos;
5.ª A greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em 9 de junho de 1999, consiste numa recusa de prestação de qualquer trabalho fora do período de funcionamento normal dos serviços, reconduzindo-se ainda ao conceito de greve, garantida pelo artigo 57.° da Constituição da República;
6.ª O exercício do direito de greve deverá observar a lealdade, a probidade e a boa-fé, podendo ser considerado ilícito, caso ultrapasse gravemente esses limites (art. 522.° do Código do Trabalho e art. 334.° do Código Civil);
7.ª A greve termina por acordo entre as partes, por deliberação de entidade que a tenha declarado ou no final do período para o qual foi declarada (artigo 539.° do Código do Trabalho, aplicável nos termos dos arts. 4.°, n.° 1, alª m) e 394.°, n.° 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) ou, ainda, por qualquer outra causa de extinção de direitos que seja aplicável;
8.ª Quer o acordo, quer a deliberação que põem termo à greve podem ser expressos ou implícitos, deduzindo-se, nesse caso, tacitamente de factos que, com toda a probabilidade, os revelam (art. 217.°, n.° 1, do Código Civil);
9.ª O decretamento de uma greve por outro sindicato para o mesmo período temporal é, ainda que tenha subjacente as mesmas revindicações, irrelevante, não podendo daí retirar-se um qualquer acordo entre as partes, uma vontade legítima de pôr termo à greve ou um outro qualquer facto extintivo da mesma;
10.ª A execução da greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais em 2018 era incompatível com a manutenção da greve decretada pelo mesmo em 1999, de modo que, da declaração da nova greve, se pode concluir, com toda a segurança (art. 217.°, n.° 1, do Código Civil), que havia vontade de substituir o protesto inicial, assim lhe pondo termo;
11.ª Uma vez que a referida greve já terminou, os funcionários que invoquem a sua continuação para obstar ao cumprimento dos serviços mínimos decretados pelo Colégio Arbitral, pelo seu Acórdão de 20 de janeiro de 2020, proferido no processo n.° 1/2020-ASMA, no contexto da greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, podem incorrer em responsabilidade civil e disciplinar (art. 541.° do Código do Trabalho);
12.ª A greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em 9 de junho de 1999, não foi sujeita à obrigação de assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; e
13.ª De todo o modo, os mecanismos de fixação dos serviços mínimos, previstos no artigo 398.° da Lei Geral Trabalho em Funções Públicas ou no artigo 538.° do Código do Trabalho, são aplicáveis às greves por tempo indeterminado iniciadas antes da sua entrada em vigor, nada impedindo assim a fixação posterior dos respetivos serviços mínimos.» (Cfr. págs. 1 a 39 do PA2, que se têm por integralmente reproduzidas)
P) Em 3-07-2020, o Secretário da Procuradoria-Geral da República emitiu o ofício n.º 200929.20, dirigido ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, com o seguinte teor:
«Assunto - Greve de Oficiais de Justiça - serviços mínimos
Reportando-me ao pedido de parecer relativo ao assunto em epígrafe, tenho a honra de junto enviar o Parecer n.° 7/2020, votado na sessão de 25 de junho de 2020, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, solicitando a V. Ex.ª se digne submetê-lo à consideração de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.
Mais se solicita a V. Ex.ª se digne informar a Procuradoria-Geral da República se o mesmo vier a ser homologado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.°, n.° 1, do Estatuto do Ministério Público (Lei n.° 68/19, de 27 de Agosto).
Com os melhores cumprimentos.» (Cfr. pág. 40 do PA2)
Q) Em 8-09-2020, o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça homologou o Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. (Cfr. documento n.º 1 da PI)
R) O Autor não notificado para se pronunciar sobre o teor do Parecer 7/2020 antes de ser proferido o despacho de homologação referido no ponto anterior. (Acordo: ponto 5.º da PI e ausência de tal notificação do PA)
S) Após 31-12-2018, muitos funcionários judiciais continuaram a invocar a greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais em 9-06-1999. (Acordo: ponto 77.º da PI e págs. 45 a 51 do PA)
T) A presente intimação foi apresentada em 29-09-2020. (Cfr. SITAF)
U) No formulário da petição inicial, na parte referente à identificação do processo, o Autor preencheu o seguinte:
«Apenso: Não
Valor do processo: 30.000,01
Matéria: Administrativa
Espécie: Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias
Objeto: Intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias
Invocação de violação de disposições comunitárias (Artigo 188.º CPTA): Não
Juízo: Social» (Cfr. fls. 1 a 3 do SITAF)
V) O Parecer (extrato) n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 207, de 23-10-2020.

ii) Factos não provados
Inexistem factos alegados não provados com relevo para as decisões a proferir.
iii) Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal fundou-se nos documentos juntos pelo Autor e integrados nos processos administrativos juntos pela Entidade Demandada, os quais não foram impugnados, conforme indicado em cada uma das alíneas, assim como em consulta no SITAF.
Os factos provados com a referência a “acordo” decorrem da falta de impugnação expressa ou implícita de factos invocados na petição inicial, mediante aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 83.º do CPTA, atenta a omissão de regulação específica desta situação no meio processual em apreço.»


V- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrente vem impetrar a sentença prolatada pelo Tribunal a quo em 16/11/2020, e que julgou parcialmente procedente a vertente intimação, declarando a nulidade do despacho proferido em 08/09/2020 pelo Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, na parte que homologou as conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República.
Com efeito, recorde-se que o Recorrido, atentos os termos que dimanam da petição inicial, veio peticionar, nesta intimação, a declaração de nulidade do mencionado ato de homologação do referido Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (doravante, apenas CCPGR).
Em 16/11/2020 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a presente intimação procedente. Efetivamente, entendeu o Tribunal a quo, por um lado, que o presente meio processual é idóneo à dedução da pretensão do Recorrido agora em causa, uma vez que militam a seu favor razões de urgência qualificada, e, por outo lado, que o ato homologatório em discussão, na medida em que se apropria do teor das conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do CCPGR, padece de ilegalidade, por violação do direito à greve dos associados do Recorrido- na medida em que os impede de o exercer- e por violação do direito de audiência prévia.
O Recorrente, não conformado com o aresto em questão, veio impetrar o dito, afrontando o aí julgado no que concerne i) à imputada irregularidade da petição inicial; entendendo que ii) ocorre por omissão de pronúncia que determina a nulidade da sentença; que iii) ocorre erro de julgamento quanto à impropriedade do presente meio processual; que iv) ocorre erro de julgamento quanto à violação do direito à greve dos associados do Recorrido; e, finalmente, que v) ocorre erro de julgamento quanto à violação do direito de audiência prévia.

i) Quanto à imputada irregularidade da petição inicial
O Recorrente sufraga, a este propósito, que a sentença impetrada viola o disposto nos art.ºs 78.º, n.º 2, al. a) e 87.º, n.º 2 do CPTA, dado que a petição inicial não poderia ser recebida, ou que deveria ter sido objeto de convite ao seu aperfeiçoamento, pois que tal articulado, apesar de se encontrar dirigido ao Tribunal a quo, não continha, no seu cabeçalho, a menção do concreto Juízo a que se dirigia. E isto, não obstante no formulário do SITAF se encontrar preenchido o campo destinado ao Juízo. Por conseguinte, deveria o Recorrido ter sido convidado a aperfeiçoar a petição inicial quanto a esse aspeto concreto, sendo que, se não o fizesse, deveria o Recorrente ser absolvido da instância.
O Tribunal a quo decidiu esta questão da seguinte maneira:
«(…)
Alega a Entidade Demandada que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa encontra-se desdobrado em juízos de competência especializada, os quais entraram em funcionamento em 1-09-2020, de acordo com o disposto na Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio.
Na sua perspetiva, há uma irregularidade na petição inicial, por não ter sido designado o juízo especializado em que a ação é proposta, ao arrepio do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 78.º do CPTA. Assim, importa suprir essa irregularidade, sob pena de absolvição da instância (art.º 87.º, n.º 7 do CPTA), afirma.
O Autor respondeu que a al. a) do n.º 2 do art.º 78.º do CPTA não impõe que se indique o juízo de competência especializada do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, criado pelo Decreto-Lei n.º 174/2019, onde deve correr a intimação.
Acrescenta que indicou no SITAF, aquando da entrega da petição inicial, que a competência pertencia ao juízo social.
Passando a apreciar, como afirmado pelo Autor, a al. a) do n.º 2 do art.º 78.º do CPTA apenas impõe a designação, na petição inicial, do tribunal em que a ação é proposta.
Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro, que procedeu à criação de juízos de competência especializada e na sequência da sua entrada em funcionamento em 1-09-2020, determinada pela Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio, o Autor tem de optar por um dos juízos especializados em funcionamento no presente tribunal. No entanto, nada impõe que tal menção conste na petição inicial, podendo a opção pelo juízo de competência especializada ter lugar apenas no formulário de subscrição desse articulado, como foi o caso, cfr. facto provado U).
Desta forma, improcede a irregularidade da petição inicial invocada pela Entidade Demandada.
(…)»
A nosso ver, a apreciação desta questão por parte do Tribunal recorrido foi realizada de modo fundamentalmente correto.
Com efeito, a petição inicial apresentada pelo Recorrido, no seu cabeçalho, vem expressamente dirigida ao Tribunal competente, sendo que, no formulário do SITAF atinente à mesma peça está também expressamente designado o Juízo a que o Recorrido pretende direcionar a ação por si proposta.
Quer isto dizer que, o Recorrido procedeu adequadamente à identificação do Tribunal competente, incluindo no que concerne à organização interna do mesmo, não tendo ocorrido qualquer dúvida quanto à identificação do Tribunal e Juízo competentes.
Acrescente-se que, a menção que o Recorrente insiste dever constar no cabeçalho da petição inicial assume relevância, essencialmente, na estrutura interna do Tribunal, quanto à organização e distribuição do serviço pelos Juízos, Juízes e Unidades Orgânicas, em nada prejudicando, diminuindo ou atingindo os direitos processuais do Recorrente, mormente, o seu direito de defesa.
E seja como for, mesmo que, porventura, ocorresse designação de Juízo incompetente, a verdade é que a consequência não seria a extinção da instância, por absolvição do Recorrente da mesma, mas a remessa do processo ao Juízo competente, nos termos descritos nos art.ºs 44.º-A do ETAF e 14.º, n.º 1 do CPTA.
Pelo que, é de manter a decisão recorrida, improcedendo, nesta matéria, o recurso do Recorrente.

ii) Quanto à imputada nulidade da sentença
O Recorrente, nas conclusões Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE e FFF do seu recurso vem argumentar que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia. E identifica a questão silenciada na sentença recorrida da seguinte forma:
«Z. Quanto à violação de lei por omissão de pronúncia, a sentença em recurso padece ainda de violação de lei, concretamente do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, ao omitir pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, concretamente sobre o pedido de declaração de nulidade da posição interpretativa contida na decisão do SEAJ de 08/09/2020, segundo a qual ocorreu, no passado, uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicada à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal decisão tivesse determinado a extinção do direito à greve.
AA. A sentença ora em recurso, incorrendo em omissão de pronúncia, circunscreveu a análise da legalidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 08/09/2020, que homologou o Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (CCPGR), às afirmações/pareceres ínsitas nas conclusões 10.ª e 11.ª, com prejuízo para as demais conclusões do Parecer homologado.
BB. Sem dúvida que o pedido em apreço, de declaração de nulidade do ato de homologação do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da PGR do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, embora incida sobre as afirmações/pareceres ínsitos nas conclusões 10.ª e 11.ª do referido Parecer, não se restringe a estas nem incide sobre uma decisão de determinar a greve decretada pelo pré-aviso de 09/06/1999 terminada.
CC. Incide sobre a validade de uma posição interpretativa, segundo a qual, no passado, ocorreu uma outra causa de extinção de direitos que foi aplicável à referida greve.
DD. E sendo assim, o pedido de declaração de nulidade do ato impugnado não incide sobre uma decisão que determina a extinção do direito à greve, mas sobre a validade da posição interpretativa que define a posição da entidade Recorrente/Requerida em relação à situação jurídica da greve.
(…)
JJ. Ora, a sentença do tribunal a quo determinou que o pedido se restringia à declaração de nulidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8 de setembro de 2020, na parte em que homologou as conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e pronunciou-se apenas sobre ele.
KK. Descurou em absoluto a questão de saber se a extinção do direito à greve decorreu da própria lei, concretamente do seu não exercício, sem serviços mínimos, impostos pela mesma lei, e consequentemente, como reflexo prático dessa causa de extinção de direitos, da revogação do pré-aviso de greve de 9 de junho de 1999 pelo aviso prévio de greve de 16 de outubro de 2018 do SFJ.
LL. E isto porque omitiu pronunciar-se e confrontar realidades completamente distintas: a restrição do direito fundamental à greve pelos trabalhadores e a ameaça de lesão ou a lesão/violação do exercício do direito à greve.
(…)
TT. Na verdade, a definição de serviços mínimos, por acordo ou decisão arbitral, não ameaça o exercício do direito à greve, por se fundamentar em razões de segurança, transparência, celeridade e certeza jurídica, consubstanciando-se, para além de uma restrição ou confinamento do direito à greve, numa densificação, estritamente necessária, de direitos fundamentais em ordem à salvaguarda de necessidades sociais impreteríveis - para que todos produzam igualmente o seu efeito, em função da espécie e da natureza do direito e sem maior detrimento para qualquer das partes (artigo 335.º do CC) - à satisfação do todo e de cada um, ao bem comum, e à construção de uma sociedade mais perfeita na unidade e harmonia do sistema jurídico.
UU. Por outras palavras, o atual regime de obrigações de prestação de serviços durante a greve, indissociável do exercício do direito à greve, se, por um lado, restringe o direito à greve, por outro, alarga-o em ordem à sua salvaguarda, delimitando-o com precisão e arbítrio, e à de outros direitos fundamentais, sem lhe provocar qualquer lesão ou violação.
VV. De facto, não se pode confundir a prestação de serviços mínimos, fora do horário de funcionamento das secretarias, durante o exercício do direito à greve, num quadro de luta e de reivindicação por melhores condições socioprofissionais, com a prestação desses mesmos serviços num contexto normal, sem greve, de prestação de trabalho, trata-se de realidades distintas.
WW. Daí que a lei que consagra e define a prestação de serviços mínimos seja diretamente aplicável, ao caso concreto, a partir da sua entrada em vigor, a da atual redação do nº 3 do artigo 57.º da CRP e a do artigo 397.º da LTFP, e vincule entidades públicas e privadas (artigo 18.º da CRP).
(…)
AAA. Neste contexto, a omissão de definição de serviços mínimos, segundo o disposto no nº 3 do artigo 57.º da CRP, conduz, inexoravelmente, à caducidade do direito à greve ou à revogação do respetivo aviso prévio de greve, o que aconteceu no caso em apreço.
BBB. Melhor dizendo (conclusões do Parecer nº 7/2020):
12.ª A greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em 9 de junho de 1999, não foi sujeita à obrigação de assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; e
13.ª De todo o modo, os mecanismos de fixação dos serviços mínimos, previstos no artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas ou no artigo 538.º do Código do Trabalho, são aplicáveis às greves por tempo indeterminado iniciadas antes da sua entrada em vigor, nada impedindo assim a fixação posterior dos respetivos serviços mínimos.
CCC. Isto significa, segundo as citadas conclusões do Parecer nº 7/2020 que o exercício do direito à greve, sem a posterior fixação dos respetivos serviços mínimos, falece por força/causa de lei que lhe é diretamente aplicável.
DDD. A questão essencial a apreciar e que não foi apreciada pela sentença ora recorrida é a de saber se a extinção do direito à greve decorreu da aplicação da lei, concretamente do seu não exercício, sem serviços mínimos, impostos pela mesma lei, e ainda da revogação do pré-aviso de greve de 9 de junho de 1999 pelo aviso prévio de greve de 16 de outubro de 2018 do SFJ.
EEE. Em face do exposto a sentença do tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre o pedido de declaração de (in)validade da posição interpretativa assumida pelo Recorrente, concretamente, sobre a situação jurídica de ter ocorrido, no passado, causa de extinção de direitos que foi aplicável à greve decretada pelo pré-aviso de greve de 09/06/1999, sem que tal interpretação extinguisse o direito à greve.
(…)»
Escrutinado o argumentório exposto, é de assentar que a Recorrente entende que o Tribunal a quo deveria pronunciar-se não apenas sobre a manutenção da validade e eficácia do pré-aviso de greve de 09/06/1999 em face da greve que foi decretada nos termos do pré-aviso de greve emitido em 16/1172018, mas também sobre a caducidade do aludido pré-aviso de greve de 09/06/1999 em face das greves decretadas em data posterior a 2018 e, especialmente, em face do regime de prestação de serviços mínimos.
Mas não tem razão o Recorrente.
Com efeito, examinada a sentença em discussão, constata-se, facilmente, que a mesma emitiu clara pronúncia relativamente à manutenção da validade e eficácia do pré-aviso de greve de 09/06/1999. E fê-lo considerando, não só, que o pré-aviso de greve de 16/11/2018 não tinha substituído aqueloutro, não subsistindo razões jurídicas e factuais para firmar um juízo de caducidade, como aquele primitivo pré-aviso de greve continuou a ser invocado pelos associados do Recorrido mesmo após o término da greve decretada em 2018, como, aliás, está assente nos pontos D), E), F), G), H), I), J), K) e L) da matéria de facto assente.
Realmente, a questão sobre a qual o Tribunal a quo não emitiu pronúncia foi a de saber se a greve decretada através do pré-aviso de 09/06/1999 está, ou não, atualmente sujeita à estipulação de serviços mínimos, por lhe ser aplicável um acervo de normação que entrou em vigência em data posterior (cfr. art.ºs 531.º, 534.º, 537.º e 538.º do Código do Trabalho).
Todavia, tal questão não participa do objeto do processo da presente intimação, pela simples razão de que, efetivamente, o ato do Recorrente agora em discussão apenas foi impugnado no que concerne à homologação das conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 do CCPGR e que rezam o seguinte:
«10.ª A execução da greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais em 2018 era incompatível com a manutenção da greve decretada pelo mesmo em 1999, de modo que, da declaração da nova greve, se pode concluir, com toda a segurança (art. 217.°, n.° 1, do Código Civil), que havia vontade de substituir o protesto inicial, assim lhe pondo termo;
11.ª Uma vez que a referida greve já terminou, os funcionários que invoquem a sua continuação para obstar ao cumprimento dos serviços mínimos decretados pelo Colégio Arbitral, pelo seu Acórdão de 20 de janeiro de 2020, proferido no processo n.° 1/2020-ASMA, no contexto da greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, podem incorrer em responsabilidade civil e disciplinar (art. 541.° do Código do Trabalho);»
E esclareça-se que, os serviços mínimos a que faz referência a conclusão 11.ª são os que foram decretados pelo Tribunal Arbitral em 20/01/2020 na sequência do pré-aviso de greve de 06/01/2020, greve esta temporária e que já findou (cfr. pontos I) e J) do probatório).
E, seja como for, o juízo de validade e eficácia do pré-aviso de greve de 09/06/1999, a que chega o Tribunal recorrido na sentença agora em discussão, prejudica a apreciação da questão de saber se os serviços mínimos decretados pelo Tribunal Arbitral em 20/01/2020 são aplicáveis à greve exercitada ao abrigo daquele pré-aviso de 09/06/1999. É que, a conclusão 11.ª do Parecer assume como pressuposto, precisamente, que este pré-aviso já não está em vigor. Donde, logicamente retira a conclusão de que, não estando em vigor aquele pré-aviso, então os associados do Recorrido estão sujeitos ao cumprimento dos serviços mínimos estipulados pelo Tribunal Arbitral em 20/01/2020- referentes ao pré-aviso de greve de 06/01/2020-, incorrendo em responsabilidade disciplinar caso não os acatem.
Ora, a sentença agora recorrida vem, precisamente, assentar entendimento contrário relativamente ao pressuposto assinalado na conclusão 11.ª do Parecer, estabelecendo que o referenciado pré-aviso de greve de 09/06/1999 não foi revogado. O que, obviamente, faz cair por terra a extração da consequência que foi consignada na conclusão 11.ª.
Sendo assim, nada impõe que o Tribunal emita pronúncia sobre se os serviços mínimos decretados pelo Tribunal Arbitral em 20/01/2020 são, ou não, aplicáveis aos funcionários do Recorrido, porque esta questão está, como se viu, prejudicada pela solução dada à questão logicamente prioritária, e que era a de saber se o pré-aviso de 09/06/1999 foi ou não tacitamente revogado pelo Recorrido em 16/11/2020.
Ademais, refira-se, que a questão que o Recorrente pretende introduzir no recurso foi abordada expressamente nas conclusões 12.ª e 13.ª do Parecer n.º 7/2020 do CCPGR, que igualmente foram homologadas pelo ato homologatório do Recorrente visado nestes autos, mas que não foram atacadas pelo Recorrido.
Note-se que o teor das ditas conclusões 12.ª e 13.ª do Perecer n.º 7/2020 reza o seguinte:
«12.ª A greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em 9 de junho de 1999, não foi sujeita à obrigação de assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; e
13.ª De todo o modo, os mecanismos de fixação dos serviços mínimos, previstos no artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas ou no artigo 538.º do Código do Trabalho, são aplicáveis às greves por tempo indeterminado iniciadas antes da sua entrada em vigor, nada impedindo assim a fixação posterior dos respetivos serviços mínimos.»
Ou seja, nestas conclusões o CCPGR concluiu que, realmente, a greve decretada em 09/06/1999 não foi sujeita à estipulação de serviços mínimos- porque, à época, o regime legal não o previa-, mas que, presentemente, pode vir a ser sujeita a tal estipulação (pelas razões que abundantemente espraia na parte II do Parecer, a fls. 29 a 36). E, repita-se, tais conclusões foram igualmente homologadas pelo despacho emitido pelo Secretário de Estado em 08/09/2020, e não foram impugnadas pelo Recorrido, que expressamente cingiu o seu ataque à homologação das conclusões 10.ª e 11.ª.
Sendo assim, não tendo sido impugnada a homologação daquelas conclusões, não pode o Recorrente vem reclamar deste Tribunal uma pronúncia prognóstica eventualmente ratificadora da interpretação vertida nas conclusões 12.ª e 13.ª do Parecer do CCPGR. De resto, refira-se que nem sequer se vislumbra qual o interesse do Recorrente em controverter nos presentes autos tal temática, quando, na verdade, não está impedido de extrair os devidos efeitos da homologação das referenciadas conclusões 12.ª e 13.ª do Parecer n.º 7/2020.
Do que vem de expender-se decorre, portanto, que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada, pois que não tinha de emitir pronúncia quanto à questão da sujeição da greve decretada em 09/06/1999 à estipulação de serviços mínimos, por tal se traduzir numa questão que, por um lado, claramente não está incluída no objeto do processo e, por outro lado, não se apresenta controvertida, não subsistindo, por isso, interesse processual na sua análise e julgamento.
Assim, improcede o recurso do Recorrente nesta parte.

iii) Quanto à impropriedade do presente meio processual
O Recorrente insurge-se, também, nas conclusões I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R e S do seu recurso, contra a decisão proferida pelo Tribunal recorrido no que respeita à exceção atinente à inadequação da presente fórmula processual para obter a invalidação do ato homologatório do Recorrente. Argumenta, nesta sede, que não há urgência na emissão de decisão célere, visto que não está ameaçado o exercício do direito à greve dos associados do Recorrido.
O discurso fundamentador espraiado na sentença recorrida quanto à questão agora em discussão é o seguinte:
«(…)
A Entidade Demandada invocou a exceção dilatória do erro na forma de processo, consubstanciada na inadequação processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para a tutela pretendida pelo Autor.
Para tanto, afirma que não estão verificados os pressupostos, previstos no n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, de que depende a admissibilidade da intimação, porquanto, em síntese:
- a intimação não tem por objeto a adoção de uma conduta positiva ou negativa da Administração, mas sim a declaração de nulidade de um ato, o que constitui um pedido próprio de uma ação administrativa;
- não é demonstrada a situação de especial urgência que determina a adoção deste meio processual urgente; e
- o Autor não demonstrou não ser possível em tempo útil o recurso a uma ação administrativa, ainda que acompanhada ou não de providências cautelares.
O Autor pronunciou-se pela improcedência da referida exceção.
Para tanto, realça que a greve é um direito fundamental dos trabalhadores previsto no art.º 57.º da CRP, beneficiando da tutela prevista no art.º 18.º da mesma Lei.
No seu entender, a situação de violação desse direito justifica o recurso ao «único meio contencioso previsto no CPTA que permite assegurar o respectivo exercício do direito constitucional dos funcionários judiciais poderem fazer a greve que foi decretada pelo SFJ em 9.6.1999, para os períodos entre as 0h e as 9h, as 12h30m e as 13h30m e as 17h e as 24h, todos os dias, por tempo indeterminado, sem a ameaça de acção disciplinar.»
Mais afirma que a utilização da ação administrativa não é suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito a fazer greve, pretendendo-se uma solução definitiva sobre o mérito da causa, com carácter de urgência.
De acordo com o n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, «A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.»
A referida intimação constitui um meio principal de carácter urgente e excecional que, de acordo com a leitura que se faz da norma citada, depende da verificação de três pressupostos cumulativos:
- A necessidade de célere prolação de decisão de mérito, ou seja, final;
- Estar em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia que careça de ser assegurado em tempo útil; e
- Ser impossível ou insuficiente, «nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar».

A Entidade Demandada invocou que o pedido deduzido, de declaração de nulidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8-09-2020, que homologou o Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, não é próprio de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, mas sim de uma ação administrativa, focando-se na alusão, do n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, à «emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa
Alegação que, de resto, encontra apoio jurisprudencial, de que é exemplo o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 23-11-2017, proc. n.º 1499/17.1BELSB, no qual se afirmou, designadamente, ainda que com um voto de vencido, «não ser legalmente possível no âmbito da presente intimação emitir uma pronúncia anulatória de ato administrativo, por não ser a via própria para a impugnação de atos administrativos.»
Afigura, contudo, não ser esse o entendimento que recentemente foi acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), ínsito no acórdão de 10-09-2020, proc. n.º 088/20.8BALSB, reafirmado no acórdão de 31-10-2020, proc. n.º 0122/20.1BALSB, no âmbito dos quais estava em causa um pedido de declaração de ilegalidade de normas por via de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, comportando, portanto, um pedido de matriz impugnatório.
A este respeito, foi a seguinte a fundamentação daquele primeiro aresto:
«5 – Da impropriedade do meio processual para a formulação do primeiro pedido. A Requerida considera que o Requerente não podia lançar mão da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias com o intuito de obter a declaração de ilegalidade da norma com efeitos pessoais, uma vez que a intimação apenas pode ter como ―resultado‖ uma sentença condenatória e não pode ser utilizado como ―meio impugnatório‖.
Porém, não tem razão a Requerida, pois como resulta claro desde o primeiro momento (designadamente da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 92/VIII, que deu origem à Lei n.º 15/2002, que aprovou o CPTA), a intencionalidade do legislador com a introdução entre nós deste meio processual foi ―a de dar cumprimento à determinação contida no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição‖ e para o efeito concebeu um ―instrumento que se procurou desenhar com uma grande elasticidade‖, para assegurar em tempo útil, com uma decisão de mérito, os direitos dos lesados que não ficassem devidamente protegidos com um meio cautelar ou quando o uso destes meios seja desprovido de sentido, como sucede neste caso, em que um meio cautelar poderia dar origem a um ―excesso de tutela‖, permitindo ao alegado lesado obter com maior facilidade, por via da tutela cautelar, uma protecção que mais tarde se concluísse que era infundada à luz do julgamento do mérito da questão.
E por isso este é o meio adequado para obter a tutela urgente perante a alegada lesão de direitos, liberdades e garantias que não possam ser garantidos pela via da tutela cautelar, redundando sempre a decisão na imposição à Administração da adopção de uma conduta, positiva ou negativa, mesmo que essa decisão, como sucede aqui, seja funcionalmente equivalente à desaplicação de uma norma imediatamente operativa (Veja-se que neste caso, por se tratar de um pedido ―funcionalmente coincidente‖ com a impugnação da ilegalidade de uma norma geral com efeito circunscrito ao caso concreto, não se suscita sequer o problema que a doutrina vem colocando a respeito do uso deste processo urgente para obter a imposição da abstenção da conduta que se traduza na ―desaplicação de um acto administrativo‖ em que, por se tratar de uma actuação da administração que não tem outro destinatário que não seja o requerente (referimo-nos, claro, a um acto individual e contrato), colocar-se-ia o problema de saber o que é que sucederia com esse acto, no sentido de saber se poderia ser também anulado no âmbito do processo urgente (como defende uma parte dos autores) ou não (como defendem outros).). Contrariamente ao que alega a Requerida, a tutela que o Requerente pretende obter não seria alcançável através da cumulação de um pedido de impugnação de normas, com uma providência cautelar, porquanto, atendendo à vigência temporal limitada do regime normativo em causa, apenas uma decisão de fundo sobre a questão se revela juridicamente adequada à sua solução.
Na verdade, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias acaba por se mostrar um expediente processual tipificado no que respeita aos seus pressupostos especiais, mas extremamente dúctil quanto ao conteúdo da pretensão e, até, aos efeitos da decisão, sempre que a mesma acautele de modo efectivo a lesão (ou ameaça de lesão) do direito fundamental e se cinja ao necessário para esse efeito.
Assim, tal como vem configurado o pedido pelo Requerente ― textualmente enunciado como um pedido de declaração de ilegalidade com efeitos pessoais, mas que substancialmente se configura como a condenação do Estado a não lhe aplicar a regra da proibição de ajuntamentos de mais de 10 ou 20 pessoas em espaço público, regra que ele identifica com o ―direito de reunião com amigos e família, jantares, tertúlias, sessões lúdicas ou piqueniques‖ ― o uso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, não se revela um meio processual impróprio.
Poderia dizer-se que a formulação mais correcta a adoptar no pedido seria a de pedir a imposição à Administração da abstenção de proibir ajuntamentos ou reuniões ―convocadas‖ pelo Requerente ou em que ele participasse, o que constitui um equivalente funcional da desaplicação da norma que contempla aquela proibição relativamente a si, pelo que, atenta a já mencionada especial simplificação com que devem ser analisados os pressupostos processuais relativamente a este meio processual, impõe-se a interpretação do pedido com este sentido.»
Concordando-se com o acórdão citado, afigura-se que a formulação do n.º 1 do art.º 109.º do CPTA não tem em vista limitar a natureza dos pedidos passíveis da presente intimação ou o âmbito da decisão judicial, radicando a sua existência na urgência na proteção de um direito, liberdade e garantia, a qual, as mais das vezes, basta-se com uma decisão meramente impugnatória.
Aliás, a limitação invocada pela Entidade Demandada não encontra abrigo na formulação do n.º 5 do art.º 20.º da CRP, norma que é a razão de ser da intimação em apreço. A vingar a posição da Entidade Demandada, estaria o CPTA a criar uma importante restrição àquela garantia constitucional, ao obstaculizar a tutela quando o meio de reação ou tutela se consubstanciasse num pedido impugnatório. Quando, pelo contrário, é consensualmente entendido que o CPTA estendeu o campo de proteção da norma constitucional, em especial por não ter limitado a aplicação deste meio processual urgente aos direitos, liberdades e garantias pessoais.
Por outro lado, os direitos, liberdades e garantias, traduzem-se, tendencialmente, numa garantia ou direito à não ingerência dos poderes estatais na esfera individual do cidadão. Razão pela qual a agressão de um direito, liberdade é materializada, muitas vezes, através de um ato administrativo ou norma. Aliás, o direito à greve, em concreto, assume a natureza de um «direito subjetivo negativo, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr termo a uma greve em curso (salvo se ilícita)» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 2007, pág. 751) Assim, relegar as pretensões impugnatórias para o processo administrativo comum não urgente será expurgar o meio processual específico da proteção de direitos, liberdades e garantias daquele que será o seu campo tendencial de atuação: a impugnação de atos ou normas violadoras de direitos, liberdades e garantias.
Tal entendimento comporta uma de duas consequências. Pode entender-se que a violação de direitos, liberdades e garantias perpetradas por ato ou norma ficam desprovidas de tutela principal urgente. O que se afigura inaceitável e potencialmente violador da garantia prevista no n.º 5 do art.º 20.º da CRP. Ou obriga-se o interessado a formular pretensões artificialmente moldadas à expressão literal do n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, transformando pretensões que seriam meramente impugnatórias em pedidos condenatórios.
Por outro lado, como resulta do acórdão citado, ainda que este meio processual não comportasse uma pretensão impugnatória de um ato administrativo, o pedido deveria ser interpretado em conformidade com os pressupostos processuais deste meio processual, sendo entendido como um pedido de condenação da Entidade Demandada à abstenção de qualquer comportamento que ponha em causa o exercício do direito à greve ao abrigo do pré-aviso de greve de 9-06-1999.
Nestes termos, entende-se que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias comporta a formulação de pedidos impugnatórios e, ainda que assim não fosse, haveria de interpretar o pedido de acordo com a formulação (literalmente consentânea com a letra do n.º 1 do art.º 109.º do CPTA) de pedido de condenação à abstenção de qualquer comportamento que ponha em causa o direito à greve ao abrigo do pré-aviso de greve de 9-06-1999.
Mais alega a Entidade Demandada que o Autor não demonstra a situação de especial urgência que determina a adoção deste meio processual urgente.
Entende-se, porém, que a situação de urgência é, no caso em apreço, manifesta.
Na realidade, de acordo com a alegação do Autor, está em vigor uma greve decretada, por tempo indeterminado, para o período compreendido entre as 0h e as 9h, as 12h30m e as 13h30m e entre as 17h e as 24h, de todos os dias. Pela decisão impugnada, a Entidade Demandada determinou que a referida greve terminou, tendo por efeitos atuais e imediatos senão o impedimento, pelo menos, a criação de sérios obstáculos a que os Associados do Autor a exerçam. Situação que se manterá até que tal atuação da Entidade Demandada seja apreciada judicialmente.
Desta forma, o Autor tem urgência em que a ilegalidade invocada seja celeremente conhecida, de forma a que os seus Associados possam exercer os direitos que, na sua perspetiva, decorrerem do aviso de greve de 9-06-1999. Exercício do referido direito de greve, que, na perspetiva do Autor, está ilegalmente a ser vedado desde a produção de efeitos do ato impugnado, não se compadecendo a situação jurídica com os prazos correntes de prolação de uma decisão transitada em julgado numa ação administrativa.
Ainda no âmbito da impropriedade deste meio processual, invoca a Entidade Demandada que, para proteção do direito invocado, o Autor não demonstrou não ser possível em tempo útil o recurso a uma ação administrativa, ainda que acompanhada ou não de providências cautelares.
O Autor contrapôs que a ação administrativa não é suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito a fazer greve, sendo necessária uma solução definitiva sobre o mérito da causa, com carácter de urgência.
Como resulta dos pressupostos acima elencados, de acordo com o n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, a admissibilidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não se basta com a alegação de violação de um direito, liberdade e garantia e a existência de uma situação de urgência. Exige-se também que a situação invocada não seja passível de tutela mediante a instauração de uma providência cautelar ou que a proteção conferida pelos meios cautelares não seja suficiente.
Assim, não basta que se esteja perante uma situação de urgência na defesa de direito, liberdade e garantia, uma vez que, na maioria das vezes, esta tutela pode ser conseguida mediante o recurso a providências cautelares e dos instrumentos nelas previstas, como a proibição de executar o ato administrativo (art.º 128.º do CPTA) e o decretamento provisório (art.º 131.º do CPTA). Ou seja, à situação de urgência tem de acrescer a necessidade de emissão urgente de uma decisão final de mérito.
Na prática, importa saber se a instauração de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho homologatório do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, seguida de ação administrativa de impugnação, seria passível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito à greve invocado.
A este propósito, entende-se que a tutela cautelar não era passível ou suficiente para assegurar o direito, atentas os requisitos específicos de decretamento dessas providências, previstos no art.º 120.º do CPTA, os quais, determinariam, no caso concreto, com grande probabilidade, a sua improcedência.
Como é sabido, os requisitos para o decretamento de providências cautelares não se cingem à legalidade da pretensão material trazida a juízo, mesmo que (desde a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro) a ilegalidade da atuação administrativa seja manifesta. O n.º 1 do art.º 120.º do CPTA obriga à demonstração de um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. Em especial, o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA obriga a um juízo de proporcionalidade entre os danos que resultariam da concessão e os que resultariam da recusa da providência. Assim, se os interesses públicos em presença forem superiores aos interesses privados em causa, a providência teria de ser improceder.
Nestes casos, a tutela cautelar revela-se inoperante para acautelar o direito, liberdade e garantia. No entanto, ao interessado particular tem de ser conferido um meio de discutir o mérito da sua pretensão, devendo permitir-se o recurso à intimação para que o tribunal conheça, com celeridade e em definitivo, o mérito da causa. Não se está aqui a postergar o interesse público em face do interesse privado, mas sim a reconhecer-se que a situação carece de definição urgente e definitiva do direito aplicável ao caso.
Ora, na situação em apreço, afigura-se que os interesses públicos relacionados com a normal e inconturbada prossecução da atividade judicial se iriam sobrepor aos interesses à realização da referida greve pelos Associados do Autor, determinando a improcedência da referida providência cautelar de suspensão de eficácia. O que se traduz na insuficiência da tutela cautelar para tutelar o direito, liberdade e garantia invocado.
Não se pode também deixar de referir que o conhecimento célere e definitivo da alegada violação do direito à greve é a solução que se afigura mais consentânea com o caso concreto e a natureza do direito fundamental em presença. Na realidade, não se afiguraria consentâneo com a dignidade constitucional desse direito que a greve aqui em questão viesse a ser recusada ou exercida durante anos com base num juízo meramente cautelar, tendencialmente definido com base em requisitos não relacionados com a apreciação da legalidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 8-09-2020. Ou seja, corria-se o risco de ser executada durante anos uma decisão ilegal de denegação do direito a exercer a greve em questão ou, pelo contrário, permitir-se, pelo mesmo período de tempo, que tal greve seja exercida pelos Associados do Autor quando a mesma já se deveria ter considerado cessada.
Nestes termos, julga-se improcedente a exceção dilatória do erro na forma de processo, por inadmissibilidade da presente intimação.
(…)»
Ora, diga-se, desde já, que os fundamentos da decisão impetrada mantêm-se intocados, sucedendo que a impetração que lhe dirige o Recorrente redunda em fracasso.
Com efeito, estando em causa o exercício, por banda dos associados do Recorrido, do direito à greve, que se prolonga por tempo indeterminado e que abrange específicos períodos temporais diários, resulta para nós evidente que o recurso a uma ação administrativa não urgente, considerando a delonga que a mesma acarreta, não acautelaria devidamente o direito à greve dos associados do Recorrido, na medida em que estes poderiam estar, inelutavelmente, sujeitos a sanções disciplinares derivadas da circunstância de se recusarem a trabalhar nos períodos diários em causa.
Ademais, e como se explica também na sentença recorrida, ainda que viesse a ser concedida tutela cautelar à pretensão de exercício de greve nos termos descritos no pré-aviso de 09/06/1999, a verdade é que esta tutela, pela sua própria natureza provisória, geraria inseguranças e incertezas quanto à regulação final e definitiva da situação e, especialmente, quanto aos efeitos jurídicos a que os associados do Recorrido ficariam sujeitos no caso de vir a ser julgado improcedente o pedido impugnatório. Efetivamente, se é certo que os associados do Recorrente poderiam exercitar o seu direito à greve nos termos daquele pré-aviso enquanto durasse a tutela cautelar, também é certo que a eventual improcedência da ação principal originaria prováveis efeitos retroativos relativamente aos associados que, ao abrigo daquela tutela cautelar, estiveram em greve, mormente e no mínimo, em termos remuneratórios, disciplinares e de eventual repercussão na carreira.
Por outra banda, no caso de não ser concedida a tutela cautelar, é ponto assente que os associados do Recorrido não poderiam exercitar o seu direito à greve em conformidade com o pré-aviso de 09/06/1999. No entanto, esta realidade mostra-se intolerável e inadmissível no caso de, afinal, vir a ser dada procedência à ação principal, pois que tal significa que, durante todo o período temporal em que correu termos a ação principal, os associados do Recorrido foram, realmente, impedidos de exercer o seu direito à greve nos termos do pré-aviso de 1999.
Ora, o quadro hipotético vindo de desenhar é ilustrativo das significativas constrições ao direito à greve a que ficariam sujeitos os associados do Recorrido se tivessem de recorrer a outras fórmulas processuais que não a presente. E tal constrição apresenta-se ainda mais gravosa quando considerada a relevância axiológica e social do direito à greve, ainda por cima, de natureza fundamental primacial.
Deste modo, não se descortina qualquer outro meio processual apto a obter a satisfação definitiva da pretensão agora em discussão, dado que, a tutela judicial definitiva de uma situação é naturalmente incompatível com a utilização de meios cautelares, e a urgência da situação não se compadece com o recurso à ação administrativa.
Em suma, o dissídio agora posto é detentor de urgência qualificada, justificativa da utilização do presente meio intimatório.
Pelo que, soçobra a impetração que o Recorrente dirige ao julgamento realizado quanto à idoneidade do meio processual intimatório.

iv) Quanto à violação do direito à greve dos associados do Recorrido
O Recorrente acomete, ainda, a decisão de mérito prolatada pela Instância a quo, especificamente, na parte que entendeu que o teor das conclusões 10.ª e 11.ª homologadas pelo Recorrente em 08/09/2020 contendem com o direito à greve dos associados do Recorrido.
É certo que o Recorrente, na sua impetração recursória não individualiza, propriamente, este ataque. No entanto, depreende-se esta sua discordância com o julgado pela Instância recorrida também da afronta que endereça à sentença recorrida em sede da nulidade que lhe imputou.
O Tribunal recorrido julgou procedente a invocação da violação do direito à greve, entendendo que a posição exarada nas conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 que foi objeto de homologação, de que ocorreria revogação tácita do pré-aviso de greve decretado em 09/06/1999 pelo pré-aviso de 16/11/2018, não poderia manter-se. E decidiu esta questão do seguinte modo:
«(…)
Como exposto, o Autor alega que o despacho impugnado viola o direito fundamental à greve, previsto no art.º 57.º da CRP, no art.º 394.º da LGTFP, no art.º 530.º do Código do Trabalho, no art.º 11.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Carta de Nice.
Mais invoca erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto não pretendeu pôr termo à greve que decretou em 1999, por tempo indeterminado, quando convocou a greve em 16-11-2018, sendo distintos os motivos e os períodos abrangidos por essas duas greves e mantendo-se atuais os motivos da primeira.
A Entidade Demandada contesta essa posição, suportando-se no Parecer homologado. Acrescentou que a «a omissão de definição de serviços mínimos, segundo o disposto no nº 3 do artigo 57.º da CRP, conduz, inexoravelmente, à caducidade do direito à greve ou à revogação do respetivo aviso prévio de greve, o que acontece no caso em apreço.»
Começando por esta última alegação da Entidade Demandada, deve ser notado que a caducidade do direito à greve (ou a revogação do respetivo aviso de greve) não constitui fundamento do ato impugnado, razão pela qual não tem qualquer repercussão na discussão da sua legalidade, encontrando-se prejudicado o seu conhecimento, sob pena de se admitir a fundamentação a posteriori do ato em questão. Como concluído, entre outros, pelo acórdão do STA de 12-03-2008, proc. n.º 0784/07, «Só é válida a fundamentação contextual, ou seja, a que integra o próprio acto ou que dele é contemporânea.»
Aliás, o Parecer homologado, no ponto 5.3, pronuncia-se pela inexistência da caducidade agora invocada em juízo.
Quanto à causa de pedir do Autor, o ato impugnado violará o direito fundamental à greve se se concluir que enferma do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Isto é, se se entender que a Entidade Demandada deu por terminada uma greve por tempo indeterminado que ainda se deve considerar em vigor.
Pelo que cumpre apreciar a viabilidade da fundamentação aduzida, consubstanciada no entendimento de que a greve por tempo indeterminado decretada no ano de 1999 cessou por declaração tácita da entidade sindical que a convocou, a qual o Parecer considerou decorrer da apresentação do aviso prévio de greve de 16-11-2018 (facto C)).
Diga-se que as partes não divergem quanto ao regime jurídico aplicável, havendo convergência até nas causas determinantes da cessação de uma greve. O dissenso está apenas em saber se uma dessas causas se verifica, no caso a existência de uma declaração tácita da entidade sindical que a convocou, da qual se poderia depreender a intenção de «substituir a antiga greve por uma nova greve, assim fazendo cessar o primeiro protesto» (pág. 26 do Parecer).
Efetivamente, as disposições da LGTFP relativas ao direito à greve (artigos 394.º a 405.º) não regulam as causas de cessação das greves, razão pela qual, com recurso ao n.º 3 do art.º 394.º, haverá de recorrer ao regime do Código do Trabalho, sendo, no caso, relevante o disposto no art.º 539.º deste diploma. De acordo com este preceito, «A greve termina por acordo entre as partes, por deliberação de entidade que a tenha declarado ou no final do período para o qual foi declarada.»
Como exposto, foi entendimento da Entidade Demandada, expresso na homologação do Parecer da Procuradoria-Geral da República, que a greve decretada em 9-06-1999, por tempo indeterminado, foi objeto de uma deliberação de cessação da entidade que a convocou, a qual entende estar implícita no pré-aviso de greve de 16-11-2018.
Em especial, fundamenta-se que, «para além da grande similitude dos objetivos ainda válidos, do ponto de vista temporal, a segunda greve abrangeu a primeira de tal forma que se tornou impossível a continuação da suspensão do contrato de trabalho que aquela já consubstanciava (artigo 536.°, n.° 1, do Código do Trabalho). A execução da nova declaração de vontade só é possível com a cessação da greve anterior. De modo que podemos concluir, com toda a segurança (art. 217.°, n.° 1, do Código Civil), que o Sindicato dos Funcionários Judiciais queria substituir a antiga greve por uma nova greve, assim fazendo cessar o primeiro protesto.» (Pág. 26 e 27 do Parecer)
Passando a apreciar, afigura-se que a deliberação da entidade sindical a dar por terminada uma greve, a que se refere o art.º 539.º do Código do Trabalho, não constitui propriamente uma declaração negocial. De qualquer forma, a doutrina e a jurisprudência têm admitido a figura das deliberações tácitas ou implícitas, cuja existência será apurada com base no n.º 1 do art.º 217.º do Código Civil, cfr. art.º 295.º do mesmo diploma.
No entanto, havendo de determinar a existência e sentido do que foi considerado uma declaração negocial, o aplicador não se pode limitar ao disposto do n.º 1 do art.º 217.º do Código Civil. Na situação em apreço, importa relevar que, nos termos do n.º 2 do art.º 236.º do mesmo diploma, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, é de acordo com a vontade real que vale a declaração emitida.
Como tem sido assinalado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a aferição sobre se determinados comportamentos podem servir de suporte a uma declaração negocial tácita será resolvida «em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236 do C. Civil», cfr., designadamente, acórdãos de 19-05-2011 (proc. n.º 5326/09.5TVLSB.S1) e de 24-05-2007 (proc. n.º 07A988).
Sendo que, para a interpretação de uma declaração, há de atender-se, nomeadamente, ao comportamento posterior do declarante, cfr., designadamente, acórdãos do STJ de 2-10-2013 (proc. n.º 03B1972) e de 14-12-2006 (proc. n.º 06B3792), acórdão da Relação de Lisboa de 2-02-2019 (proc. n.º 6889/17.7T8ALM.L1-7) e acórdão da Relação de Coimbra de 14-09-2010 (proc. n.º 5191/08.0TBLRA.C1).
Ora, apesar de no Parecer se alegar desconhecimento quanto à utilização efetiva pelos Associados do Autor da greve convocada em 9-06-1999 (cfr. ponto (ponto I 5.1.5), a realidade é que essa greve tem sido invocada por funcionários do Autor (facto S)), o que é necessariamente do conhecimento da Entidade Demandada, e o próprio Autor tem veiculado publicamente o seu entendimento quanto à manutenção dessa greve sem vinculação à prestação de serviços mínimos (facto H)).
Ou seja, a Entidade Demandada sabe que a greve convocada em 1999 tem sido invocada por Associados do Autor mesmo após ter sido decretada a greve de 16-11-2018 pelo mesmo sindicato, como resulta do ponto I 3.1. da informação do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 14-02-2020 (facto L)). Aliás, só assim se justifica o procedimento que culminou com a prolação do ato em apreço. A Entidade Demandada também tem conhecimento que o Autor propugna que a greve de 9-06-1999 se mantém vigente, sem dependência de serviços mínimos, como resulta do ponto I 2.12. da mesma informação do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.
Acrescente-se que tanto a «sucessiva invocação do pré-aviso de greve de 1999» (expressão usada no referido ponto I 3.1.) pelos Associados do Autor após 16-11-2018, como o entendimento do Autor quanto à manutenção da greve após 16-11-2018 sem dependência de serviços mínimos, decorrem expressamente da informação do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça que foi objeto de despacho de concordância de 18-02-2020 (facto M)) e foi posteriormente submetida à Procuradoria-Geral da República para a prolação de parecer (facto N)). Foi até citada no Parecer em apreço.
O que permite concluir que as conclusões do Parecer fundamentador do despacho impugnado não assentaram em pressupostos de facto exatos, porquanto não relevaram que a greve decretada em 9-06-1999 tem sido sucessivamente invocada pelos Associados do Autor mesmo após o término da greve de 16-11-2018. Facto que se afigura relevante quanto à interpretação da “declaração negocial” ínsita na convocatória da greve de 16-11-2018 e que, entende-se, conjuntamente com a veiculação pública pelo Autor de entendimento que propugna a manutenção da greve de 1999, obstam a que se possa concluir pela existência de uma deliberação tácita de dar por terminada a referida greve de 9-06-1999. Na realidade, não se pode deduzir uma deliberação tácita de cessação da greve quando o comportamento da entidade que a convocou e dos seus Associados permite concluir, sem margens de dúvidas, pela intenção de manutenção dessa greve, invocando-a expressamente.
Em suma, quanto ao fundo da questão, não pode a Entidade Demandada deduzir a existência de uma deliberação tácita de a entidade sindical dar por terminada a greve de 1999, o que faz com recurso ao disposto no n.º 1 do art.º 217.º do Código Civil, quando tem conhecimento que a vontade real do Autor é no sentido dessa greve se manter vigente (art.º 236.º, n.º 2 do Código Civil), sendo sucessivamente invocada pelos seus Associados. Ou seja, nestas circunstâncias não pode ser reconhecida a existência da deliberação tácita invocada no despacho impugnado, mantendo-se intocada a greve de 1999.
Por outro lado, ainda que assim não fosse e analisando da perspetiva da fundamentação da decisão impugnada, o Parecer homologado propugnou a existência de uma deliberação tácita tendo por base a comparação dos termos dos pré-avisos de greve de 9-06-1999 e 16-11-2018, mediante a conclusão que este segundo pretendeu substituir o primeiro.
Na interpretação da declaração a lei faz prevalecer de forma inequívoca o conhecimento, pelo declaratário, da vontade real do declarante (art.º 236.º, n.º 2 do Código Civil). No entanto, se fosse de entender que, no caso em apreço, o declaratário desconhecia a vontade real do declarante, para efeitos da alegada declaração tácita presumida com recurso à segunda parte do n.º 1 do art.º 217.º do Código Civil (interpretada de acordo com os ditames do n.º 1 do art.º 236.º), deve atender-se que é orientação jurisprudencial que «A inequivocidade dos factos concludentes deve ser aferida com base numa conduta suficientemente significativa que não deixe nenhum fundamento razoável para duvidar do significado que dos factos se depreende.» Neste sentido, designadamente, os acórdãos do STJ de 16-03-2010 (proc. n.º 97/2001.L1.S1) e de 9-07-2014 (proc. n.º 299709/11.0IPRT.L1.S1) e, na Relação de Lisboa, o acórdão de 28-09-2017 (proc. n.º 3006/11.0TCRS.L1-2).
Ora, analisando os termos do pré-aviso de greve de 16-11-2018, não se detetam indícios de que o mesmo pretendeu substituir o pré-aviso de greve de 9-06-1999, fazendo-o cessar.
Na realidade, uma leitura global do pré-aviso de greve de 16-11-2018 permite perceber que ele é especialmente dirigido à indispensabilidade, para o Autor, de que «O processo negocial referente à Negociação do Estatuto socioprofissional seja reiniciado urgentemente, e que no documento final aprovado sejam consagradas» as matérias elencadas nos pontos 1 a 11.
Para tanto, fixa um período de greve que engloba, mas vai além (das 9h00 às 11h00 e das 16h00 às 17h00), do previsto na greve de 1999. E, sobretudo, a greve foi convocada com uma duração determinada, de 5 de novembro a 31 de dezembro de 2018.
Os elementos factuais expostos não permitem concluir pela inequivocidade de que este pré-aviso de greve tenha pretendido substituir o decretado em 9-06-1999. Pelo contrário, indiciam, sim, que a greve de 16-11-2018 constitui um agravamento das condições da greve que tem como intenção reivindicativa o reinicio urgente do processo negocial referente à negociação do estatuto socioprofissional. Daí que o período de greve coincida em parte com o horário normal de funcionamento das secretarias judiciais e tenha um período de duração determinado. Enquanto a greve de 1999 tem como foco principal o trabalho para além do horário de funcionamento normal das secretarias (por não serem pagas horas extraordinárias).
Desta forma, entende-se que a greve de 16-11-2018 não pretendeu prejudicar a vigência da greve de 1999, continuando esta a vigorar em simultâneo e após o término daquela. De facto, se dúvidas pudessem existir era relativamente ao período temporal de confluência das duas greves, designadamente quando seja invocada greve ao trabalho para além do horário normal de funcionamento das secretarias.
Ao decidir considerar terminada greve regularmente convocada e plenamente vigente, o despacho impugnado violou o direito à greve previsto no art.º 57.º da CRP, em termos que ofendem o conteúdo essencial desse direito fundamental. Na realidade, como exposto, o conteúdo essencial do direito à greve está, precisamente, no direito ou na garantia de que a entidade contra quem a greve se dirige se abstenha de praticar atos que obstaculizem o seu legítimo exercício por parte dos trabalhadores.
Razão pela qual o despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça em apreço, na parte impugnada, é nulo, nos termos do disposto na al. d) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA.
(…)»
Escrutinando o decidido pelo Tribunal a quo quanto à temática agora em análise, ponderando toda a argumentação esgrimida pelas partes nos articulados inicial e contestatório, é nosso entendimento que o Tribunal a quo julgou corretamente as questões quanto à vigência e validade do pré-aviso de greve de 09/06/1999, bem como quanto à consequência do entendimento sufragado nas conclusões 10.ª e 11.ª do Parecer n.º 7/2020 em termos de afronta do direito à greve, direito este constitucionalmente consagrado no art.º 57.º.
E por assim suceder, atentando no facto de o direito à greve consubstanciar um direito fundamental, não podia ser outra a conclusão a retirar senão aquela que o Tribunal recorrido consagrou: a da violação material de um direito fundamental e a consequente nulidade do ato homologatório, na parte em impugnada pelo Recorrido, por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, em consonância o previsto no art.º 161.º, n.º 2, al d) do CPC.
Adite-se, que o Recorrente não apresenta quanto a esta problemática, em sede do vertente recurso jurisdicional, argumento que não tenha sido anteriormente aduzido e debatido, e que não tenha sido enfrentado na sentença recorrida, limitando-se a verter, implicitamente, uma posição de discordância com o sentido da decisão recorrida e respetiva fundamentação.
Por conseguinte, também improcede, nesta parte, o recurso do Recorrente.

v) Quanto à violação do direito de audiência prévia
Por último, o Recorrente ataca a sentença recorrida no que se refere à decisão concernente à imputada violação do direito de audiência prévia.
Com efeito, o Tribunal recorrido entendeu que ao procedimento administrativo que originou a produção do ato homologatório agora impugnado cabia cumprir o disposto no art.º 121.º do CPA. Pelo que, não tendo sido cumprida esta formalidade, ocorre violação do direito de audiência prévia do Recorrido.
Ora, não podemos concordar com este julgamento, pois que o mesmo padece de um evidente vício de raciocínio, e que é o de assumir a aplicabilidade do disposto no art.º 102.º e seguintes do CPA ao caso versado, mutatis mutandis.
Realmente, na visão do Tribunal recorrido, entre a edição do Parecer por parte do CCPGR e a edição do ato homologatório deveria ocorrer a auscultação do Recorrido.
Todavia, esta visão não é compatível com o disposto nos art.ºs 44.º, al. a) e 50.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março), visto que o procedimento em causa não configura um procedimento decisório, mas, somente, de consulta com vista à fixação de uma interpretação jurídica.
Ademais, a eventual afetação- lesiva- da esfera jurídica do Recorrido e dos seus associados pela adoção da interpretação propugnada no Parecer do CCPGR através do ato de homologação daquele Parecer não justifica a ingerência do Recorrido num procedimento de mera natureza consultiva, que se destina a orientar futuras atuações do Recorrente.
Quer isto significar, portanto, não ser configurável a existência de um direito de audiência prévia por parte de terceiros nos procedimentos consultivos ao CCPGR.
Sendo assim, não pode manter-se o decidido pelo Tribunal recorrido no que tange à violação do direito de audiência prévia, devendo revogar-se a sentença recorrida nesta parte e julgar improcedente este vício de falta de audiência prévia.
**
Atentando e sopesando tudo o que se expôs antecedentemente, e pese embora o sucesso do recurso do Recorrente no que respeita ao decidido na sentença recorrida relativamente ao vício de falta de audiência prévia, a verdade é que este sucesso não abala o sentido final da sentença recorrida, e que é o de julgar procedente a presente intimação e declarar a nulidade do ato de homologação proferido pelo Recorrente em 08/09/2020.
Com efeito, tendo sido peticionada pelo Recorrido a declaração de nulidade desse ato homologatório, e constituindo objeto dos presentes autos a indagação da validade desse mesmo ato, grassa à evidência que a improcedência de uma das patologias invalidantes que foi imputada ao ato impugnado não é suscetível de reverter ou alterar a decisão final. Do mesmo modo, o sucesso do recurso quanto a uma das questões nele colocadas também não é apto a reverter a decisão proferida pela Instância a quo, se se mantém incólume a apreciação das demais ilegalidades apontadas ao ato impugnado.

Desta feita, atentando nos fundamentos espraiados, é nosso entendimento que a sentença recorrida apresenta-se correta e acertada no seu percurso fáctico-jurídico, e, nessa senda, a presente impetração recursiva não merece procedência.
Destarte, impera negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


VI- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe e Notifique.
*** ***
Lisboa, 27 de abril de 2023,

____________________________
Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora

____________________________
Jorge Pelicano

____________________________
Ana Paula Martins- vencida, conforme voto que segue
Voto de vencido
Daria provimento ao recurso por considerar que inexiste, como é exigido pelo artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, uma situação de especial urgência na emissão de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia.
O Requerente instaurou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pedindo a declaração de nulidade do acto de homologação do Parecer n.º 7/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República.
Este TCAS, em acórdão de 19.05.2022, proferido no processo nº 2040/17.1BELSB-A e transitado em julgado, estando em causa acção administrativa instaurada pela Ordem de Enfermeiros contra o Ministério da Saúde, na qual é impugnado um despacho de homologação de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, decidiu – posição que secundamos - que o “total acolhimento do parecer do Conselho Consultivo da PGR, realizado pelo despacho impugnado, mais não traduz do que a apropriação de um determinado entendimento jurídico que os serviços do Ministério da Saúde haverão doravante de seguir sempre que sejam chamados a tomar posição sobre algum dos pontos que o parecer tratou”; que, “nesta conformidade, o despacho impugnado não tem natureza lesiva, não decide nenhum caso individual e concreto, tendo apenas como exclusivos destinatários os serviços do Ministério da Saúde, limitando-se a operar no plano das relações interorgânicas, meramente definindo a interpretação que tais serviços deverão observar quando forem confrontados com situações, singulares ou específicas, que caibam no género de assuntos que o parecer homologado tratou”; e que, “perante a manifesta falta de lesividade do acto impugnado, a Autora não tem interesse em agir, atenta a desnecessidade de fazer uso do presente processo.”.
Ora, se não há interesse na obtenção de uma decisão judicial, necessariamente e por maioria de razão, não há urgência na obtenção de tal decisão.
Ainda que assim se não entenda, vindo impugnado o Parecer n.º 7/2020 do CCPGR (apenas) no que concerne à homologação das conclusões 10.ª e 11.ª, não incluindo as conclusões 12.ª e 13.ª, igualmente não se vislumbra especial urgência em lançar mão deste meio processual.
É dito no Parecer (sintetizado sob as conclusões 12.ª e 13.ª que, a entender-se que a greve decretada em 99 se mantém em vigor (não tendo sido substituída por greves decretadas posteriormente), então, dever-se-á entender que, ainda que ao tempo em que foi apresentado o aviso prévio em causa não vigorava norma que exigisse a fixação de serviços mínimos a assegurar no decurso da greve, presentemente, são-lhe aplicáveis os mecanismos de fixação dos serviços mínimos, previstos no artigo 398.º da Lei Geral Trabalho em Funções Públicas ou no artigo 538.º do Código do Trabalho.
Tal posição, que não é objecto de censura pelo Requerente/Recorrido, desarma a singularidade e vantagem que esta greve vem comportando durante mais de 20 anos, ou seja, a inexistência de serviços mínimos.
Assim, ainda que se remova da ordem jurídica o entendimento/interpretação de que a greve decretada em 99 “está terminada”, manter-se-á intacto o entendimento/interpretação de que os oficiais de justiça que invoquem a adesão a essa greve estão sujeitos à fixação de serviços mínimos. A greve não está terminada, porém, passa a estar sujeita a serviços mínimos.
Donde, com a apreciação e procedência da acção, o Requerente obteria (como obteve, face à posição vencedora) a manutenção da vigência da greve decretada em 99, desacompanhada da particularidade de não estar sujeita à fixação de serviços mínimos. Resultado que o Requerente lograria obter mediante o decretamento de um novo aviso prévio de greve ao serviço fora do horário normal das secretarias.
Em síntese, erradicada a discussão da sujeição ou não da greve de 99 a serviços mínimos, inexiste urgência na apreciação da acção.- Ana Paula Martins