Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:578/13.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS/ AJUDAS DE CUSTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL VS FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANTIVA
Sumário:I - A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara, congruente, suficiente e tem que ser expressa.
II - No caso, com razão ou sem ela, a AT, com base no relatório de inspecção, explicitou o percurso argumentativo – de facto e de direito – que a levou a concluir nos termos em que o fez, ou seja, pugnando pela sujeição a IRS, como rendimentos da categoria A, dos montantes recebidos pelo Impugnante a título de ajudas de custo.
III - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
IV - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
V – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
VI - Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era na sede da entidade patronal, em Portugal, as verbas pagas, por força das despesas com alojamento, alimentação e deslocação por exercício de funções em obras da entidade patronal localizadas no estrangeiro, poderão ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, já que visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.
VII - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P..., contra a liquidação adicional de IRS, e respectivos juros compensatórios, emitida relativamente ao ano de 2008, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional. Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

I.

Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008, no montante de € 8.841,64 (oito mil, oitocentos e quarenta e um euros, e sessenta e quatro cêntimos), por ter considerado que o relatório de inspeção tributária não se encontra fundamentado.

II.

Que o mesmo evidencia uma falta de análise da situação laboral e concreta do Impugnante, com recurso a afirmações vagas e genéricas, não explicitando a situação individual do Impugnante.

III.

Resulta do respetivo Relatório que os serviços Inspetivos concluíram não constituírem os boletins de itinerário detetados prova fiável ou credível, quer por não se encontrarem completos, quer por nem sequer estarem assinados pelos trabalhadores, o que necessariamente fez com que deixasse de existir quanto aos mesmos qualquer presunção de veracidade e de boa fé, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT, pelo que de nenhum sentido faria a Autoridade Tributária tê-los em consideração para o Impugnante.

IV.

Assim, não se concorda com a Douta Sentença quando afirma não ter a Autoridade Tributária procurado apurar se no caso concreto do Impugnante existiam ou não boletins itinerários. A Autoridade Tributária não os ignorou, antes tendo de forma fundamentada procedido à sua desconsideração;

V.

A AT fez prova da natureza remuneratória dos montantes auferidos a título de ajudas de custo;

VI.

Foi provado pelos serviços inspetivos que o Impugnante foi contratado para prestar serviço em Southampton, sendo este o seu domicílio necessário, nos termos definidos no art.º 2 do Decreto- Lei n.º 106/98;

VII.

Não havia deslocações à sede da entidade empregadora do Impugnante, que o próprio invoca como seu domicílio profissional;

VIII.

Os pagamentos eram feitos de forma regular e continuada, constando em todos os recibos de vencimento;

IX.

Ficou ainda demonstrado que não houve uma efetiva deslocação do trabalhador ao serviço da entidade patronal.

X.

Os pressuposto de facto e direito apresentados foram suficientes para o Impugnante apresentar a sua defesa como efetivamente fez, bem como perceber o iter cognoscivo que esteve na base das correções efetuadas.

XI.

Está junto aos Autos – e constava também como anexo ao Relatório Inspetivo - o contrato assinado pelo Impugnante, assim como todos os recibos de vencimento referentes ao ano em causa – 2008, remetendo o Relatório Inspetivo para os mesmos na sua fundamentação, ficando, assim, aquele contrato, bem como aqueles recibos, a fazer parte do Relatório Inspetivo e da fundamentação das correções realizadas;

XII.

Entenderam os serviços de Inspeção tributária – e entende esta Representação da Fazenda - que a única interpretação possível a fazer do articulado do contrato, é a de que foi o Impugnante contratado, a termo incerto, “por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração”, para exercer funções em Southampton, caducando o contrato assim que aquele trabalho ficasse concluído – a não ser assim, o domicílio necessário do trabalhador será um local onde, pelo contrato assinado pelas partes, ele nunca trabalhará;

XIII.

Pelo que, e salvo melhor opinião, caberia então ao Impugnante vir fazer a prova que exige à Autoridade Tributária. E que não fez. Ou seja, caberá ao Impugnante, o qual foi contratado – de facto - para exercer as suas funções em Southampton, caducando o seu contrato com “a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado”, a vir demonstrar que, ainda assim, os valores que recebeu e que juntamente com a entidade contratante resolveram qualificar como ajudas de custo, tiveram natureza compensatória;

XIV.

A fundamentação efetuada no relatório de inspeção tributária faz uma descrição e uma análise expressa aos elementos recolhidos junto da entidade empregadora sobre o trabalhador/Impugnante, em concreto o contrato de trabalho assinado pelo próprio, e os seus recibos de vencimento.

XV.

As considerações genéricas efetuadas reportam-se aos procedimentos adotados pela entidade empregadora, quanto à contratação dos trabalhadores e à contabilização dos custos apurados em sede de procedimento inspetivo realizado à empresa.

XVI.

Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos apurados – erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto na alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.


*

O Recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos seguintes:

A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo recorrido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de um contrato de trabalho e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.

D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

Assim,

E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.

F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória – antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Southampton e que o local de trabalho, previsto no contrato de trabalho assinado, era em Portugal.

G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT.

H. Ora, resultou claro dos presentes autos, que quer a AT, quer a Fazenda Pública não fizeram prova nesse sentido, atendo-se a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.

I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.

J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.

K. O pagamento das ajudas de custo e sua tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15.12: “De facto, (…) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro” (actual DL 106/98).

M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido para fora do território nacional ao serviço da entidade patronal, em concreto para Southampton, Inglaterra.

N. De facto, ficou provado que o Impugnante à data da celebração do contrato de trabalho residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da ....

O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.

P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

Ou

Q. Demonstrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.

R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.

S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.

T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.

U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que não se almeja o propósito de a Fazenda considerar ser o domicílio necessário do Recorrido em Inglaterra.

V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido em Inglaterra não eram ocasionais, o que não aconteceu.

W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido foi contratado para exercer funções em ... – Seixal, na sede da empresa, e tal situação decorre expressamente do seu contrato de trabalho junto aos presentes autos.

X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em ..., Seixal – Portugal -, e nunca Inglaterra.

Y. Ao contrário do que pretende fazer a AT, que refere ser o domicílio do trabalhador em Inglaterra, sendo que, tal como demonstrado, as estadias nessa localidade trataram-se de efectivas deslocações.

Z. Na verdade, da leitura atenta do contrato de trabalho que serviu de base à relação laboral estabelecida entre o sujeito passivo e a entidade patronal, não é outra a conclusão senão a de que o domicílio necessário do Recorrido era ... – Seixal, por ser esse o local onde aceitou o lugar ou cargo e aí se obrigou a prestar serviço, ao contrário do alegado pela Fazenda, que muito mal se compreende.

AA. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.

BB. Se a AT ambicionava demonstrar que tal não era verdade, teria, forçosamente, que provar que assim não era, não estando esse ónus do lado do sujeito passivo, não podendo agora vir transparecer que essa seria uma obrigação do Recorrido.

CC. Quando, face ao que foi dito, bem se sabe não o ser!

DD. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.

EE. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da ... situa-se em ..., pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido foi contratado para prestar trabalho na ..., podendo deslocar-se (!) para outros locais.

FF. De facto, o Recorrido foi, como se infere do contrato de trabalho, contratado para prestar trabalho em ... – Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.

GG. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da ..., obrigou-se, no momento da celebração do contrato de trabalho, a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.

HH. De facto, a questão da “residência habitual” deverá ser tida em primordial conta.

II. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.

Ora,

JJ. Não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.

KK. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.

LL. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da ... nos processos n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da ... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da ... nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

MM. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa ..., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.

NN. No mesmo sentido foi o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n.º 764/13.1BEPNF, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, teve por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo-se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso, mantendo-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008.

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!


*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Com dispensa dos vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos, tendo em conta a prova documental junta aos autos, aqui se incluindo o processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido:

A) Em 18/02/2008, o Impugnante celebrou com a sociedade comercial por quotas “... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda.”, com sede na Rua ..., n.º 10 – 1.º Dto., ..., contrato de trabalho a termo incerto, entre o mais, com as seguintes cláusulas:

“(…)

Primeira

(Objecto e funções)

A ..., que tem a actividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas, tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2.º Outorgante, para exercícios das funções inerentes à categoria profissional de Montador, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação de acordo com a lei aplicável.

(…)

Quarta

(Local de trabalho, deslocações e destacamento)

1. O 2.º Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da ..., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a ... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.

2 No início da execução do presente contrato, o 2.º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da ... s.r.l. em Southampton, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.

3 O 2.º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da ....

4 Em eventual situação de destacamento, o 2.º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.

(…)” (cfr. fls. 28 verso a 29 verso do suporte físico dos autos).

B) Em 23/03/2009, o Impugnante entregou a declaração de rendimentos – Modelo 3, referente ao ano de 2008, na qual declarou como rendimento de trabalho dependente o valor de € 8.337,69 (cfr. fls. 8 a 10 do processo administrativo em apenso).

C) Em 12/10/2012, pela Divisão de Inspeção Tributária III, foi elaborado “Projeto de Correções”, entre o mais, com o seguinte conteúdo:

“(…)

“Ordem de Serviço Nº OI201200767 Identificação do(s) sujeito(s) passivo(s)

NIF/NIPC ... Nome: P... (…)

II.1 – Credencial e período em que decorreu a acção

A acção de inspecção realizou-se na sequência da Ordem de Serviço n.º OI201200767, datada de 26 de Abril de 2012.

II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal

A presente ordem de serviço de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT, visa analisar o cumprimento das obrigações tributárias em sede de IRS, no ano de 2008 e teve por base elementos recolhidos na empresa ... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços Lda., NIPC ....

II.3 – Outras situações

II.3.1 – Enquadramento do(s) Sujeito(s) Passivo(s)

II.3.1.1 – Imposto sobre o Rendimento

De acordo com a declaração modelo 3 do ano de 2008 entregue em 23 de Março de 2009 (anexo 1), o agregado familiar é composto por um sujeito passivo e um dependente.

Neste exercício o sujeito passivo P... (S.P.A), (…) auferiu rendimentos de trabalho dependente (categoria A do IRS) (…).

II.3.2 – Análise declarativa

Da análise inicial aos dados existentes, e relativamente ao ano em análise, verificou-se que o contribuinte procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS com o anexo A, em que declarou os seguintes valores:


Ano 2008

Sujeito Passivo Categoria de Rendimentos Descrição Valor declarado

A A Trabalho dependente € 8.337,69 a)

a) Valor pago ou posto à disposição pela empresa “... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda.”, NIPC ... e com sede na Rua ... – lote 10

– 1.º Dto. – ... – ....

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

III.1 – Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

De acordo com os elementos recolhidos na empresa “... (…)”, (anexo 2), verificou-se o seguinte:

1 – Ao sujeito passivo para além dos rendimentos do trabalho dependente declarados pela empresa no montante de € 8.337,69 foi ainda pago ou posto à disposição o valor de € 2.392,06 a título de “Kms” objectivo, que se enquadra no artigo 2.º do CIRS;

2 – A empresa pagou ainda com carácter de regularidade uma importância a título de “ajudas de custo” que, no ano de 2008, atingiu o montante de € 28.313, 92, conforme consta do extracto dos valores pagos durante esse ano.

Estes valores, pagos a título de quilómetros e ajudas de custo, que foram efectivamente recebidos pelo trabalhador, não foram objecto de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos e também não foram declarados pelo sujeito passivo em análise.

De acordo com o artigo 249.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, “… na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie …” e “… até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.”.

Assim, e de acordo com o artigo 2º do Código do IRS, (…)

3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

Por outro lado, e nos termos do ofício n.º 34931, de 30 de Agosto de 1995, da DGCI,

“As ajudas de custo abonadas pelas empresas aos seus trabalhadores serão aceites como custo do exercício nos termos da alínea d) do artigo 23.º do Código do IRC, desde que se destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

As despesas em causa considerar-se-ão devidamente documentadas, quando o boletim itinerário emitido pelo trabalhador indique o dia ou dias em que esteve deslocado, o local da deslocação, a natureza do serviço efectuado que originou a deslocação e o respectivo abono diário e total.”

(…)

Nos termos dessa legislação, “… sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida anteriormente ou a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local (localidade) onde aceitou prestar serviço.

Assim, a atribuição de ajudas de custo apenas não será tributada em sede de IRS quando o trabalhador é deslocado do local (localidade) onde aceitou prestar serviço.

Nessa mesma legislação verifica-se que para todos os trabalhadores é obrigatória a indicação do local de trabalho, sendo este local o domicílio necessário do trabalhador.

Para se considerar o pagamento de ajudas de custo, além de ter de se verificar os pressupostos legais e documentais da sua atribuição, é condição necessária que o trabalhador seja deslocado ocasionalmente para local diferente daquele para o qual foi contratado e onde se encontra a exercer actividade, para aí, excepcionalmente, desempenhar funções.

Pelo que, apenas as deslocações feitas para fora do local constante do contrato de trabalho é que determinam o direito à atribuição de ajudas de custo, nos termos da atribuição aos servidores do Estado e, como tal, não sujeitas a tributação em sede de IRS, na parte que não excedam os limites legais.

Da análise do contrato celebrado pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato “Southampton” (anexo 3) coincidia com o local onde o trabalhador prestou serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da ... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.

Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes na empresa referentes aos meses de Maio e Junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS.

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelos sujeitos passivos pelo que se propõe a alteração dos rendimentos declarados, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria “A” nos seguintes termos:


Ano 2008

Sujeito Passivo Categ. Rendim. Descrição Valores declarados Correcções Valores corrigidos

A A Trabalho dependente € 8.337,69 € 30.705,98 € 39.043,67

A A Dedução específica (€ 3.680,64) € 0,00 (€ 3.680,64)

A A Rendimento Líquido € 4.657,05 € 30.705,98 € 35.363,03

Rendimento Colectável € 4.657,05 € 30.705,98 € 35.363,03

(…)” (cfr. fls. 20 a 25 do suporte físico dos autos).

D) Em 13/11/2012, pela Divisão de Inspeção Tributária III, foi elaborado “Relatório”, entre o mais, com o seguinte teor:

“Ordem de Serviço Nº OI201200767 Identificação do(s) sujeito(s) passivo(s)

NIF/NIPC ... Nome: P... (…)

II.1 – Credencial e período em que decorreu a acção

A acção de inspecção realizou-se na sequência da Ordem de Serviço n.º OI201200767, datada de 26 de Abril de 2012.

II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal

A presente ordem de serviço de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT, visa analisar o cumprimento das obrigações tributárias em sede de IRS, no ano de 2008 e teve por base elementos recolhidos na empresa ... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços Lda., NIPC ....

II.3 – Outras situações

II.3.1 – Enquadramento do(s) Sujeito(s) Passivo(s)

II.3.1.1 – Imposto sobre o Rendimento

De acordo com a declaração modelo 3 do ano de 2008 entregue em 23 de Março de 2009 (anexo 1), o agregado familiar é composto por um sujeito passivo e um dependente.

Neste exercício o sujeito passivo P... (S.P.A), (…) auferiu rendimentos de trabalho dependente (categoria A do IRS) (…).

II.3.2 – Análise declarativa

Da análise inicial aos dados existentes, e relativamente ao ano em análise, verificou-se que o contribuinte procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS com o anexo A, em que declarou os seguintes valores:

Ano 2008

Sujeito Passivo Categoria de Rendimentos Descrição Valor declarado

A A Trabalho dependente € 8.337,69 a)

a) Valor pago ou posto à disposição pela empresa “... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda.”, NIPC ... e com sede na Rua ... – lote 10

– 1.º Dto. – ... – ....

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

III.1 – Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

De acordo com os elementos recolhidos na empresa “... (…)”, (anexo 2), verificou-se o seguinte:

1 – Ao sujeito passivo para além dos rendimentos do trabalho dependente declarados pela empresa no montante de € 8.337,69 foi ainda pago ou posto à disposição o valor de € 2.392,06 a título de “Kms” objectivo, que se enquadra no artigo 2.º do CIRS;

2 – A empresa pagou ainda com carácter de regularidade uma importância a título de “ajudas de custo” que, no ano de 2008, atingiu o montante de € 28.313, 92, conforme consta do extracto dos valores pagos durante esse ano.

Estes valores, pagos a título de quilómetros e ajudas de custo, que foram efectivamente recebidos pelo trabalhador, não foram objecto de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos e também não foram declarados pelo sujeito passivo em análise.

De acordo com o artigo 249.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, “… na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie …” e “… até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.”.

Assim, e de acordo com o artigo 2º do Código do IRS, (…)

3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

Por outro lado, e nos termos do ofício n.º 34931, de 30 de Agosto de 1995, da DGCI,

“As ajudas de custo abonadas pelas empresas aos seus trabalhadores serão aceites como custo do exercício nos termos da alínea d) do artigo 23.º do Código do IRC, desde que se destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

As despesas em causa considerar-se-ão devidamente documentadas, quando o boletim itinerário emitido pelo trabalhador indique o dia ou dias em que esteve deslocado, o local da deslocação, a natureza do serviço efectuado que originou a deslocação e o respectivo abono diário e total.”

(…)

Nos termos dessa legislação, “… sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida anteriormente ou a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local (localidade) onde aceitou prestar serviço.

Assim, a atribuição de ajudas de custo apenas não será tributada em sede de IRS quando o trabalhador é deslocado do local (localidade) onde aceitou prestar serviço.

Nessa mesma legislação verifica-se que para todos os trabalhadores é obrigatória a indicação do local de trabalho, sendo este local o domicílio necessário do trabalhador.

Para se considerar o pagamento de ajudas de custo, além de ter de se verificar os pressupostos legais e documentais da sua atribuição, é condição necessária que o trabalhador seja deslocado ocasionalmente para local diferente daquele para o qual foi contratado e onde se encontra a exercer actividade, para aí, excepcionalmente, desempenhar funções.

Pelo que, apenas as deslocações feitas para fora do local constante do contrato de trabalho é que determinam o direito à atribuição de ajudas de custo, nos termos da atribuição aos servidores do Estado e, como tal, não sujeitas a tributação em sede de IRS, na parte que não excedam os limites legais.

Da análise do contrato celebrado pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato “Southampton” (anexo 3) coincidia com o local onde o trabalhador prestou serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da ... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.

Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes na empresa referentes aos meses de Maio e Junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS.

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelos sujeitos passivos pelo que se propõe a alteração dos rendimentos declarados, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria “A” nos seguintes termos:

Ano 2008

Sujeito Passivo Categ. Rendim. Descrição Valores declarados Correcções Valores corrigidos

A A Trabalho dependente € 8.337,69 € 30.705,98 € 39.043,67

A A Dedução específica (€ 3.680,64) € 0,00 (€ 3.680,64)

A A Rendimento Líquido € 4.657,05 € 30.705,98 € 35.363,03

Rendimento Colectável € 4.657,05 € 30.705,98 € 35.363,03

(…)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENNTAÇÃO

1 O sujeito passivo P..., (…), foi notificado do PROJECTO DE CORRECÇÕES DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA, pelo ofício n.º 28805, de 18.10.2012, expedido sob o registo RM 7185 3074 5 PT, para, no prazo de 10 dias, exercer, querendo, o direito de audição, ao abrigo do disposto no art.º 60º da LGT e artº 60º do RCPIT (anexo 5).

2 A carta foi rececionada em 23.10.2012 (cfr. print dos CTT junto em anexo 6), data a partir da qual se iniciou o prazo de 10 dias para exercer o direito de audição.

3 Em 05.11.2012 foi expedido, sob o registo RD 1191 5206 2 PT, o articulado que consubstancia o exercício de tal direito pelo sujeito passivo, subscrito por mandatário judicial, o qual juntou procuração forense aos autos (anexo 7).

(…)

20. (…) a actuação da administração tributária, no sentido de corrigir aritmeticamente a matéria tributável declarada devidamente fundamentada, não só formal mas também materialmente, é ao sujeito passivo que incumbe provar os pressupostos do seu direito, produzindo prova de que os montantes recebidos correspondem a compensação por despesas efectivamente efectuadas no interesse da empresa e não a título remuneratório, o que não logrou na presente sede.

21. Não estando demonstrado o caráter de precariedade e limitação temporal que representa o traço essencial do abono das ajudas de custo (as mesmas têm a exata duração do contrato de trabalho), é do entendimento da Administração Tributária, por todas as razões aduzidas, que está assim comprovado o caráter retributivo pela prestação de trabalho, que as referidas verbas, têm única e exclusivamente natureza remuneratória.

22. Termos em que se verifica que o sujeito passivo não carreou para os autos qualquer novo elemento susceptível de alterar o proposto no Projecto de Relatório, sendo de converter o mesmo em definitivo, procedendo às correcções naquele propostas, com base nos factos e fundamentos nele expendidos.

(…)” (cfr. fls. 112 a 124 do processo administrativo em apenso).

E) Em 26/11/2012, sobre o documento referido na alínea antecedente, recaiu o seguinte despacho: “Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório da ação inspetiva e parecer elaborados elaborados para o efeito. Notifique-se o sujeito passivo conforme dispõe o art. 62º do RCPIT e art. 77º da Lei Geral Tributária. Proceda-se em conformidade. Por subdelegação do Diretor de Finanças adjunto (…)” (cfr. fls. 112 do processo administrativo em apenso).

F) Em 26/11/2012, foi efetuada a liquidação n.º ..., relativa aos rendimentos do ano de 2008 do Impugnante, entre o mais, com o seguinte conteúdo:

Ano dos rendimentos Data Compensação N.º Liquidação Data Liquidação

2008 2012-11-28 ... 2012-11-26

1 Rendimento global € 39.043,67

2 Deduções específicas € 3.680,64

3 Perdas a recuperar € 0,00

4 Abatimentos € 0,00

5 Deduções ao rendimento € 0,00

6 Rendimento colectável (1-(2+3+4+5)) € 35.363,03

7 Quociente rendimentos anos anteriores/Propriedade intelectual € 0,00

8 Rendimentos isentos englobados para determinação da € 0,00

9 Total do rendimento para determinação da taxa (6+8-7) € 4.646,00

10 Coeficiente conjugal 0,00; taxa 34,000%

11 Importância apurada (9:coef.x taxa) € 12.023,44

12 Parcela a abater € 2.679,86

13 Imposto anos anteriores/Propriedade intelectual € 0,00

14 Imposto correspondente a rendimentos isentos € 0,00

15 Valor apurado ((11-12) x (1ou 2) +13-14) € 9.343,58

16 Imposto relativo a tributações autónomas € 0,00

17 Colecta total (15+16) € 9.343,58

18 Deduções à colecta € 1.617,80

19 Benefício municipal (0,00% da colecta) € 0,00

20 Acréscimos à colecta € 0,00

21 Colecta líquida (17-18-19(>=0)+20) € 7.725,78

22 Pagamentos por conta € 0,00

23 Retenções na fonte € 257,00

24 Imposto apurado (21-(22+23)) € 7.468,78

25 Juros de retenção-poupança € 0,00

26 Sobretaxa - resultado € 0,00

27 Juros compensatórios € 1.108,13

28 Juros indemnizatórios € 0,00

VALOR A PAGAR

(…)”

(cfr. fls. 33 do suporte físico dos autos e fls. 107 do processo administrativo em apenso).

G) Em 28/11/2012, foi efetuada a compensação n.º 2012 00011208103, com o seguinte conteúdo:

Período tributação Liquidação Documento Base /Liquidação Juros Valor Base Período Cálculo Taxa (%) Valor

Juros Compensatórios por Recebimento Indevido

2008-01-01 a 2008-12-31 ..., IRS ... 264,73 2009-04-30 a 2012-11-13 4,000 37, 54

TOTAL: 37,54

Juros Compensatórios

2008-01-01 a 2008-12-31 ..., IRS 2012 00002101740 7.468,78 2009-04-16 a 2012-11-13 4,000 1.070,59

TOTAL: 1.070,59

(cfr. fls. 34 do suporte físico dos autos e fls. 108 do processo administrativo em apenso).

H) Em 12/04/2013, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS n.º ... (cfr. fls. 61 a 85 do processo administrativo em apenso).

I) Em 30/04/2013 foi elaborada proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante (cfr. fls. 28 a 37 do processo administrativo em apenso).

J) Em 02/05/2013, sobre a Informação referida na alínea antecedente recaiu o seguinte despacho: “Confirmo. Considero a informação anterior como projeto de decisão. Notifique-se o reclamante para, no prazo de 15 dias contados continuamente e nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do Art. 60.º da Lei Geral Tributária, exercer, querendo, por escrito ou oralmente o direito de audição.” (cfr. fls. 27 do processo administrativo em apenso).

K) Por carta enviada por correio registado em 15/05/2013, o Impugnante, através da sua Il. Mandatária, exerceu o seu direito de audição sobre a proposta de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 39 a 49 do processo administrativo em apenso).

L) Em 20/05/2013 foi elaborada Informação Complementar que propôs a conversão do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa em decisão definitiva (cfr. fls. 166 a 169 do processo administrativo em apenso).

M) Em 21/05/2013, sobre a Informação referida na alínea antecedente recaiu o seguinte despacho: “Concordo. Considerando a informação dada pelos Serviços, e tendo sido exercido o direito de audição pelo contribuinte, da qual não resultaram elementos novos ao processo, mantem-se a decisão de indeferimento. (…)” (cfr. fls. 166 do processo administrativo em apenso).

N) Pelo ofício n.º 9251, de 28/05/2013, expedido por correio registado com aviso de receção, o Serviço de Finanças do ..., comunicou à Il. Mandatária do Impugnante e com conhecimento ao mesmo, que foi indeferida a reclamação graciosa apresentada (cfr. fls. 170 a 173 do processo administrativo em apenso).

O) Em 14/06/2013, foi enviada por correio registado a presente impugnação judicial (cfr. fls. 1 do suporte físico dos autos).

P) Em 17/06/2013, a presente impugnação judicial, deu entrada neste Tribunal (cfr. fls. 1 do suporte físico dos autos).


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

*

A factualidade elencada como provada decorre, essencialmente, do teor dos elementos documentais constantes dos autos, incluindo o processo administrativo em apenso, salientando-se, a este propósito, que tais documentos não foram objeto de impugnação. De resto, o apoio documental dos factos enunciados encontra-se especificamente indicado em cada alínea do probatório”.

*

2.2. De direito

A liquidação adicional de IRS aqui em causa foi impugnada com base em dois fundamentos: violação do dever de fundamentação (formal) do acto tributário e, bem assim, a errónea interpretação/ aplicação das normas de incidência de IRS convocadas.

A sentença recorrida analisou o vício consistente na falta de fundamentação e, considerando a sua verificação in casu, julgou a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação adicional de IRS e, bem assim, os juros compensatórios correspondentes.

Nesta medida, considerou prejudicadas as demais questões.

No presente recurso jurisdicional, a Fazenda Pública vem questionar o decidido, defendendo que a liquidação contestada se mostra legalmente fundamentada, mais reforçando o entendimento quanto à legalidade substantiva do acto tributário em causa.

Com efeito, para a Recorrente, não apenas “A fundamentação efetuada no relatório de inspeção tributária faz uma descrição e uma análise expressa aos elementos recolhidos junto da entidade empregadora sobre o trabalhador/Impugnante, em concreto o contrato de trabalho assinado pelo próprio, e os seus recibos de vencimento”, como, para além disso, a AT “fez prova da natureza remuneratória dos montantes auferidos a título de ajudas de custo”.

Para além disso, como advoga, “caberá ao Impugnante, o qual foi contratado – de facto - para exercer as suas funções em Southampton, caducando o seu contrato com “a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado”, vir demonstrar que, ainda assim, os valores que recebeu e que juntamente com a entidade contratante resolveram qualificar como ajudas de custo, tiveram natureza compensatória”.

Em sede de contra-alegações, o Recorrido mantém integralmente a sua posição inicial, quanto aos diferentes fundamentos invocados em sede de impugnação judicial.

Feito este esclarecimento inicial, avancemos.

Como dissemos, a sentença recorrida julgou a impugnação judicial procedente, considerando, para tanto, que a liquidação adicional de IRS padecia de vício formal consistente na falta da fundamentação legalmente exigida. Consequentemente, anulou a liquidação adicional impugnada (juros compensatórios incluídos).

A Fazenda Pública, ora Recorrente, insurge-se contra o decidido, na medida em que entende que o acto tributário sindicado apresenta a fundamentação adequada e suficiente.

De acordo com as conclusões da alegação de recurso, se a sentença tivesse apreciado correctamente a matéria de facto – concretamente, o relatório de inspecção e seus anexos – outra teria sido a conclusão jurídica extraída pelo Tribunal a quo.

Por conseguinte, o ataque ao julgamento de facto não passa pela invocação de factos materiais da vida real que a sentença não tenha considerado ou tenha fixado em desacordo com a prova produzida ou com aquela que devia ter sido produzida. Tal como interpretamos a discordância da Recorrente, neste concreto ponto, daquilo que se trata é de uma divergência com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada (em concreto, repete-se, no que respeita ao conteúdo do relatório inspectivo e respectivos anexos).

Vejamos, então.

Depois de deixar correctamente delineado o enquadramento legal e jurisprudencial do dever de fundamentação dos actos tributários, a Mma. Juíza a quo, no que para aqui importa, adoptou o seguinte discurso argumentativo:

“(…)

Perscrutando o relatório em análise, verifica-se que o mesmo evidencia uma falta de análise da situação laboral e concreta do ora Impugnante, desde logo pela utilização de afirmações vagas e genéricas, não explicitando a situação individual do trabalhador P....

Veja-se que o citado relatório menciona o resultado da análise de diversos contratos, quanto ao local de trabalho neles fixado, para, em seguida, transpor a referida pronúncia para o caso concreto, mas de uma forma abreviada. Além disso, refere a inexistência de pastas de documentos de suporte da firma, de muitos boletins de itinerários justificativos dos montantes pagos a título de ajudas de custo e à falta de assinatura dos trabalhadores noutros, mas nada esclarece, sobre se, e quantos, boletins encontrados não estão assinados pelo Impugnante.

Ao afirmar que trabalhadores “estiveram envolvidos na prestação de serviços (…) em diversos países da União Europeia”, e que “valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação”, são afirmações vagas, carecendo de concretização, designadamente, quanto à situação do trabalhador P..., ora Impugnante.

Assim, importa concluir que a fundamentação do relatório de inspeção não é clara, porquanto através dos seus termos não se percebem de forma precisa os factos que suportaram a decisão em relação ao trabalhador P..., nem suficiente, pois, a mesma não permite ao sujeito passivo conhecer a motivação do ato em concreto, nem congruente, na medida em que a decisão relativa àquele trabalhador não pode ser a conclusão necessária das razões referentes a um universo mais vasto de trabalhadores.

Por conseguinte, a fundamentação do ato de liquidação constante do relatório de inspeção, não permite ao destinatário perceber por que foi pela Administração Tributária alcançada aquela decisão, mais especificamente, aquele valor de liquidação”.

Vejamos se o assim decidido é, ou não, para manter.

Importa não perder de vista, como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, que a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração.

Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em crise os seus fundamentos e, ainda, tal dever funcionará como forma de a própria Administração se autofiscalizar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (entre muitos arestos, veja-se o acórdão do TCAN de 17/05/12, proc. n.º 137/02-Porto).

É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto) - entre muitos outros, vejam-se os acórdãos de 12/03/13, processo nº 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo nº 5778/12.

Tenhamos, então, presente o caso concreto.

Ora, analisado o relatório de inspecção e respectivos anexos, concluímos que a análise levada a cabo pelo TAF de Almada, quanto ao incumprimento do dever de fundamentação, não pode manter-se, pois que, não apenas a AT explicitou o enquadramento legal que entendeu adequado à tributação das “ajudas de custo”, como, em termos absolutamente suficientes, subsumiu o circunstancialismo de facto atinente ao contribuinte/ trabalhador nas normas convocadas. Se o fez bem, ou mal, é já questão que ultrapassa o cumprimento do dever formal de fundamentação, como adiante veremos.

Com efeito, é para nós claro que - com razão ou sem ela - a AT, com base no relatório de inspecção, explicitou o percurso argumentativo – de facto e de direito – que a levou a concluir nos termos em que o fez, ou seja, pugnando pela sujeição a IRS, como rendimentos da categoria A, dos montantes recebidos pelo Impugnante a título de ajudas de custo.

Aliás, que assim foi, resulta claramente evidenciado na forma exaustiva e detalhada como o Impugnante, ora Recorrido, se pôde defender, não apenas na impugnação judicial, mas também na reclamação graciosa previamente apresentada.

Explicitemos o que vimos de afirmar, desde já clarificando que jamais esteve em causa a falta de fundamentação de direito, sendo claro, para todos, que o quadro legal convocado para a AT decidir foi devidamente explicitado.

A questão da falta de fundamentação situa-se, como se percebe, ao nível do caso concreto do contribuinte em causa, ou seja, saber se a AT evidenciou as razões atinentes à particular situação de facto do P..., de molde a autonomizá-la da situação genericamente verificada para a globalidade dos trabalhadores da .... Dito de outro modo, importa perceber se, efectivamente, a AT permitiu ao sujeito passivo conhecer a motivação do acto em concreto, através da evidenciação de elementos especificamente respeitantes ao visado, não reconduzíveis directa e necessariamente a um universo mais vasto de trabalhadores.

Se bem lermos o relatório de inspecção, podemos concluir que a AT, após fazer um enquadramento generalizado aplicável a um universo muito vasto de trabalhadores, explicitando o modo de contratação genericamente adoptado, os locais das obras, a forma de apresentação das folhas de remuneração e alegadas irregularidades no preenchimento dos boletins de itinerário, não deixou de particularizar a situação do trabalhador P....

Ao fazê-lo, evidenciando a especificidade da concreta situação do P..., permitiu revelar as razões que o distinguem, sem perder de vista o enquadramento genérico, face à globalidade dos trabalhadores.

Vejamos.

Após fazer uma alusão à clausula 4º dos contratos celebrados entre a ... e os seus funcionários, referindo que aí constava que “Da análise do contrato celebrado pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações”, o relatório evidencia e concretiza que “No presente caso – leia-se, do P... - constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato “Southampton” (anexo 3) coincidia com o local onde o trabalhador prestou serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4)”.

Por outro lado, depois de se afirmar que, para a generalidade dos casos, “nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da ... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”, foi afirmado, em concreto para a situação do P..., que “não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses”.

Mas mais. O relatório de inspecção faz expressa menção ao contrato de trabalho celebrado com o P..., aos respectivos mapas mensais de pagamento e recibos de remuneração. Refere-se, especificamente, que o trabalhador em causa se mostrava deslocado em Southampton, com indicação precisa da obra onde era prestado o trabalho, mais retirando ilações sobre a cláusula contratual que prevê a caducidade do contrato, ou seja, com a conclusão da obra da ... srl, em Southampton.

Por conseguinte, perante o enquadramento legal abundantemente exposto pela AT, atenta a descrição das práticas genericamente adoptadas pela empresa relativamente aos seus trabalhadores e, também, pela evidenciação da situação concreta do funcionário P..., deve concluir-se que a AT deu a conhecer ao visado o percurso cognitivo adoptado e que, no caso, a levou a concluir num sentido (e não noutro).

Assim, contrariamente ao decidido, entendemos que a fundamentação da liquidação impugnada é clara, pois apreendem-se de forma precisa os factos que suportaram a decisão em relação ao trabalhador P...; é suficiente, permitindo ao sujeito passivo conhecer a motivação do acto em concreto; e é congruente, pois nenhuma confusão se estabelece entre a decisão relativa ao trabalhador P... e as conclusões referentes ao total dos elementos que compõem o universo dos restantes trabalhadores.

Adoptando este entendimento, tal como aqui se sufraga, há que concluir que a análise efectuada na sentença recorrida, no sentido de julgar verificado o vício correspondente à falta de fundamentação formal do acto, não pode manter-se.

Contudo, como se verá, nem por isso o presente recurso jurisdicional logrará provimento, pois que – e adiantemo-lo, desde já – a anulação da liquidação (e respectivos juros) é de manter, ainda que com diferente fundamentação.

Vejamos, então.

Como dissemos, para além do vício correspondente à falta de fundamentação formal, o Impugnante havia invocado a errónea interpretação/ aplicação das normas de incidência de IRS convocadas.

Defendia o Impugnante (e aqui mantém em sede de contra-alegações) que foi, em 2008, contratado para exercer funções em Portugal; que reside em Portugal; que, quer a sua residência, quer o seu domicílio profissional se situavam, em 2008, em Portugal; que qualquer deslocação ao serviço da entidade patronal consubstanciaria, na esfera do Impugnante, uma efectiva deslocação que, nos termos contratuais e legais, sempre daria lugar ao pagamento de ajudas de custo; que as ajudas de custo estão isentas de IRS; que se a AT pretendia efectuar uma correcção ao rendimento colectável declarado, cabia-lhe demonstrar de que forma não estavam reunidos os pressupostos da não tributação de ajudas de custo em IRS; que deveria a AT provar a não ocorrência de efectivas deslocações ou que, no pagamento das ajudas de custo, foram ultrapassados os limites legalmente fixados.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, manifesta-se, também em sede de recurso jurisdicional, contra este entendimento, defendendo que provou o que lhe competia e que, aliás, era ao Impugnante que cabia a prova que exige à AT.

Vejamos, então, a questão que nos ocupa.

Na análise que se segue iremos lançar mão daquilo que ficou dito no acórdão do TCA Norte, de 10/11/16, no processo nº 00764/13.1 BEPNF, onde se apreciou e decidiu questão absolutamente idêntica àquela que aqui se discute.

Com efeito, a questão essencial a analisar é a mesma, ali se apreciando a controvérsia ajudas de custo/remunerações pagas pela ..., em 2008, a um outro trabalhador. A base fundamentadora da liquidação impugnada no referido processo nº 00764/13.1 BEPNF (o relatório de inspecção) é em tudo similar àquela que está subjacente à liquidação emitida com respeito ao P....

É, pois, com expressa menção e transcrição do citado acórdão que se passará a decidir.

Em tal aresto se deixou dito, além do mais, que:

“(…)

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.

Vamos, então, transpor estes conceitos para a situação em análise:

No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.

Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3.º) que a C... tem sede em ... [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S… s.r.I., em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, em ..., Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... – cfr. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia.

Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cfr. ponto 4 da cláusula 4.ª”.

Ora, o mesmo aqui se passa.

O P... foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da sociedade ..., na ..., sem prejuízo, porém, de aquele funcionário se ter obrigado a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a ... exerça, ou venha a exercer, a sua actividade, a fim de aí realizar a prestação de trabalho contratada. Assim foi, aliás, com a obra da ... srl, em Southampton, para onde, logo desde início, ficou acordada a deslocação do funcionário em causa – cfr. Cláusula quarta do contrato junto aos autos.

Prosseguindo, refere o citado acórdão que “Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em .../Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª (aqui, montador) numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.

Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de .../Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos”.

Também aqui, já vimos, são absolutamente idênticas as condições em que o P... foi contratado pela ..., quanto ao local / locais para prestação do trabalho.

E prosseguindo, refere o acórdão do TCA Norte que “De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.

Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.

Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.

Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.

Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».

Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).

Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

(…)

Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar”.

Tal como decidido pelo TCA Norte, são estas razões mais que suficientes para concluir que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, sem prejuízo de este juízo de procedência assentar em diferente fundamentação, concretamente na circunstância de a Administração Tributária não ter logrado demonstrar, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.

Há, também, que manter o decidido quanto à anulação da liquidação de juros compensatórios, já que, não sendo o imposto devido, não se afigura legal a liquidação de juros que visam compensar o atraso da liquidação do imposto.

Por conseguinte, sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pelo não provimento do recurso e, ainda que com apelo a diferente fundamentação, mantém-se o decidido quanto à ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios.


*

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a fundamentação aqui adoptada.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28/09/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Teles)

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(Jorge Cortês)