Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:521/13.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA/ FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO
DEVER LEGAL DE COLABORAÇÃO RECÍPROCA
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO PELA MARGEM
Sumário:I – É nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
II - O dever de colaboração que se impõe, tanto à Administração Tributária, como aos contribuintes, baseia-se no princípio da boa-fé ou da protecção da confiança – nº 2 do artigo 59º da LGT.
III - A importância do dever da colaboração/cooperação nas relações tributárias revela-se a diversos níveis, assumindo um relevo muito especial quando conexionado com o princípio da verdade declarativa, enquanto regime regra da tributação.
IV - A circunstância de o sujeito passivo ter colaborado, disponibilizando documentos, prestando esclarecimentos ou permitindo o acesso às contas bancárias, não equivale à presunção legal de verdade estabelecida no nº1 do artigo 75º da LGT.
V - O Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades (Regime Especial de Tributação pela Margem) tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, traduzindo-se na tributação da margem realizada, isto é, na diferença entre o preço de venda e o preço de compra.
VI - Nos casos identificados nos autos, tendo a aquisição sido efetuada (na Alemanha) ao abrigo de Regime Especial de Tributação semelhante ao vigente em território nacional, aquando da transmissão no mercado nacional o Impugnante poderia ter optado por aplicar o Regime Especial de Tributação da Margem.
VII - Não tendo o Impugnante apresentado qualquer fatura ou documento equivalente referente às vendas, nem existindo qualquer evidência contabilística dos mesmos, tal não permite que à situação fáctica dos autos possa ser aplicado o Regime Especial de Tributação da Margem.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

F..., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico, apresentado contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa referente às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e liquidações de Juros Compensatórios (JC) respeitantes aos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor total de € 192.420,56, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas suas alegações expende, a final, o seguinte quadro conclusivo:

1ª) Constitui também “thema decidendum” levado pelo Impugnante ao Tribunal, que só lhe seja dado parcial provimento ao que peticiona, com a correspondente parcial anulação de algumas das 24 liquidações sob jurisdicionalidade.

2ª) O Impugnante embora tenha entregue as suas declarações periódicas do IVA nos 3 exercícios em causa com os valores a 0 (zero), agiu sempre de forma séria, cooperante e de boa-fé além de verdadeira com o Serviço da AT pelo que só assim se conseguiu reconstruir TODA a verdade tributária “sub júdice”.

3ª) Tal missão explicativa e declarativa foi pelo Impugnante feita por forma verbal em autos de declarações, de forma escrita para a autorização no acesso às suas contas na G..., bem como a junção de 49 documentos das compras dos veículos na Alemanha tudo com o consequente apuramento da totalidade das vendas de automóveis no mercado nacional nos anos de 2008, 2009 e 2010.

4ª) Com o “modus operandi” do Impugnante a AT obteve a verdade ocorrida nas duas cédulas fiscais em causa (IRS e IVA) pelo que é inconstitucional, desproporcional e ilegal enquanto violador do princípio da capacidade contributiva do Impugnante (nº 1 do art. 4º da LGT), que o mesmo pague em IVA, um valor superior àquele que pagaria se tivesse a sua contabilidade organizada.

5ª) É constitucionalmente impossível violar os limites da capacidade contributiva (económico – financeira) do SP, F..., quando os valores exigidos como aqui acontece com estas liquidações em cédula de IVA o empobrecem em face dos reais valores dos negócios envolvidos (diferença entre o valor de cada compra e de cada venda - conforme mapa do art. 30º da p.i., bem como os mapas de fls. 89v, 90 e verso e ainda as declarações e documentos de fls. 82 a 102 do p.a.).

6ª) Os veículos são todos bens em 2ª mão, com mais de 6 mil quilómetros e com as transações em causa a ocorrerem decorridos mais de 6 meses sobre a sua primeira aquisição (inscrição registral automóvel).

7ª) A AT violou a parte final do nº 3 do art. 103 da Constituição, o nº 2 do art. 100 do CPPT, bem como a ali. b) do art. 87, as ali. a) e b) do art. 88 estes dois da LGT e ainda o art. 87 do CIVA, porque na elaboração das 24 liquidações (fls. 32 a 55 dos autos) não considerou como lhe é exigido por tais normativos, os custos inerentes (em cédula de IVA) àquelas 49 compras documentadas (letras R e S do probatório).

8ª) Em cédula de IRS e sequencialmente aos cálculos lavrados pelos Serviços da Inspeção Tributária levados a efeito (fls. 126 do processado) com utilização e Recurso dos métodos indiretos, quanto ao mesmo sujeito passivo, nos exercícios de 2009 e 2010, exatamente com as mesmas circunstâncias de facto, a AT reduziu quantificadoramente a rentabilidade fiscal do SP de 5,50% para a de 4.5% e por esse efeito ocorreu a redução dos lucros fiscais antes propostos de 13.458,27€ e de 19594,88€ para os de 11.011,31€ e 16.032,17€.

9ª) Os 49 documentos das compras dos automóveis feitas pelo SP na Alemanha, os 93 movimentos ínsitos em quadro lavrado no Relatório da Inspeção Tributária, os 3 quadros lavrados no artigo (ponto) 30º da petição inicial e ainda as 16 declarações (e documentos anexados) de compradoras dos veículos em Portugal, permitem fazer o apuramento do IVA, quanto àquelas 49 vendas em Portugal pelo Regime da Margem.

10ª) A aplicação deste Regime de Tributação pela Margem (dos Bens em segunda mão) foi expressamente requerido pelo SP quando nos dias 14 e 15 de Novembro do ano de 2011 exerceu o seu direito de Audição visando a redução (e não anulação na totalidade) do IVA a pagar por si, com obtenção do “valor certo, justo e concreto” e que será inequivocamente inferior ao liquidado e exigido nas 24 oficiosas liquidações (Docs. 2 a 25 da p.i).

11ª) A sentença na sua fundamentação de Direito (III-B a partir de fls. 37 da mesma) entende que “não foram facultados à A.T” os “preços de compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos” - in final do 1º§ de fls. 50 - o que com o devido respeito, não está conforme e não corresponde à verdade documental ínsita nos autos - vide fls. 221 a 419 e 120 a 122 do processo; fls. 106 a 137 do p.a – daí gerando a necessidade deste Tribunal Superior, tal acertadamente modificar (ali. c) do nº 2 e nº 1 do art. 662º do CPC aplicável “in casu” em face da ali. e) do art. 2º do CPPT).

12ª) A Sentença não explica fundamentadamente (de facto e de direito) porque é que aceita como idóneos os documentos juntos e as explicações do Impugnante quanto às vendas e já não aceita as explicações do mesmo e os documentos das compras na Alemanha em número de 49 veículos, daí se enquadrando enquanto tal o sentenciado na estatuição do art. 125º do CPPT, com os operantes efeitos.”


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Não se mostram produzidas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer onde concluiu no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Compulsados os autos, os documentos juntos ao PA e atendendo à prova testemunhal produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que infra se enumeram:

A - O Impugnante, encontra-se inscrito pela atividade de “Comércio de Veículos Automóveis Ligeiros”, CAE 045110, desde 20 de setembro de 2005 (cfr. Relatório de Inspeção Tributária - RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

B - O Impugnante encontra-se enquadrado, em sede de IRS, no regime simplificado de tributação (cfr. RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso, designadamente pág. 7);

C - Em sede de IVA, encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral (cfr. RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso, designadamente pág. 7 do RIT);

D - O Impugnante, nos anos de 2008, 2009 e 2010, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, com valor tributável zero, não contemplando qualquer valor no campo de imposto liquidado e no campo de imposto dedutível (facto não controvertido; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

E - Nos anos de 2008, 2009 e 2010, o Impugnante exerceu a atividade de comércio de automóveis, processando-se a mesma através de encomendas de veículos usados por parte de clientes (facto não controvertido; facto expressamente reconhecido pelo Impugnante no auto de declaração a fls. 82 do PA apenso; facto que se extrai do teor do RIT a fls. do PA apenso; facto corroborado pelo depoimento da testemunha);

F - Os veículos referidos na alínea antecedente foram adquiridos no mercado alemão e faturados em nome do Impugnante (facto não controvertido; facto expressamente reconhecido pelo Impugnante nos autos de declarações; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso; facto corroborado pelo depoimento da testemunha);

G - A 5 de agosto de 2011, o Impugnante foi notificado para proceder à exibição dos livros de registo, relativamente à escrita dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, nas instalações do Serviço de Finanças de Almada 3 (facto não controvertido; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

H - Em resultado da notificação referida na alínea anterior, o Impugnante compareceu junto do órgão da execução fiscal, declarando não estar na posse de qualquer documento relativo à sua atividade (facto não controvertido; facto que se extrai do teor do RIT a fls.68 a 137 do PA apenso e não impugnado);

I - Na sequência do descrito em H), e em face do incumprimento desde o exercício de 2008, foi o Impugnante notificado para, no prazo de dezoito dias, proceder à organização da sua escrita (facto não controvertido; cfr. anexo 2 ao RIT, fls. 70 do PAT apenso; facto que se extrai do conteúdo do próprio RIT e não impugnado);

J - O Impugnante não procedeu à organização da sua escrita, à entrega de elementos de escrituração, contabilísticos, e relacionados com a atividade de venda, mormente, faturas de venda no mercado nacional (facto não controvertido; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso; facto que se infere do teor do auto de declarações a fls. 82 do PA apenso);

K - O Impugnante, foi objeto de uma ação de inspeção externa efetuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2…, relativa aos exercícios de 2008 e 2009 e da Ordem de Serviço n.º OI2…, relativa ao exercício de 2010, com vista à verificação do cumprimento das obrigações fiscais do sujeito passivo em sede de IRS e em sede de IVA relativamente ao exercício de 2008 e o cumprimento de todas as obrigações fiscais relativamente aos exercícios de 2009 e 2010 (cfr. RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

L - O Impugnante, no decurso da ação inspetiva e na sequência de pedido da AT, autorizou o acesso às contas bancárias com os números 0… e 07… da C... (facto não controvertido; cfr. anexo 3 a fls. 81 e verso do PA apenso; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

M - Na sequência da autorização de acesso às contas bancárias, a G... forneceu os respetivos extratos bancários (facto não controvertido; cfr. anexo 3 a fls. 81 e verso do PA apenso; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso;);

N - Na impossibilidade de perceção de quais os valores correspondentes a entradas de dinheiro provenientes da atividade de venda de veículos automóveis, o Impugnante, mediante interpelação da AT, procedeu à identificação dos recebimentos derivados da sua atividade de compra e venda de automóveis totalizando os valores de €266.160,00, €223.135,00 e 366.598,00, relativamente a 2008, 2009 e 2010, respetivamente (facto não controvertido; cfr. anexo 3 a fls. 81 e verso do PA apenso; facto que se extrai do teor do RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso; facto que se extrai dos termos de declarações juntas ao PA apenso);

O - No decurso da ação inspetiva, a AT procedeu à pesquisa na base de dados da Direção Geral dos Impostos, das Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) dos anos de 2008, 2009 e 2010, cujo Declarante o Impugnante e referentes a aquisições no mercado alemão (facto que se extrai do teor do RIT não impugnado a fls. 72 verso do PAT apenso);

P - Após a diligência referida em O), e na posse da identificação dos veículos comercializados e dos respetivos proprietários, a AT procedeu à notificação dos mesmos para procederem à entrega de documentação referente às vendas dos anos de 2008, 2009 e 2010, tendo sido identificados pagamentos efetuados ao Impugnante nos valores de €78.600,00, €97.000,00 e €62.600,00, respeitantes aos anos de 2008, 2009 e 2010, respetivamente (facto não controvertido; facto que se extrai do teor do RIT a fls. do PA apenso e não impugnado; cfr. anexos 5 a 7 a fls. 83 a 138 do PA apenso);

Q - Na sequência da ação de Inspeção Tributária referida na alínea antecedente, foi emitido projeto de relatório de Inspeção Tributária no âmbito do qual foram propostas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRS do ano de 2008, e apuramento de IVA em falta nos anos de 2008, 2009 e 2010, nos valores de €57.973,09, 48.939,17 e €72.927,48, respetivamente (cfr. RIT a fls. 68 a 137 do PA apenso);

R - Em resultado da notificação do projeto de relatório de Inspeção Tributária referido na alínea antecedente, o Impugnante exerceu audição prévia através de requerimento, datado de 14 de novembro de 2011, procedendo à junção de trinta e oito documentos e onde se extrai, designadamente, o seguinte:
“ Sintetizando,

As operações de cálculo não devem deixar de considerar como certo o seguinte:

1. O IVA incluído na venda realizada só deve ser o correspondente ao valor efetivamente obtido como ganho;
2. Ao IVA liquidado, conforme ao ponto 1º deve ser deduzido o IVA que o SP suportou (pagou) porque lhe foi liquidado no momento da compra;
3. Existem ainda como valores de IVA a deduzir os dos custos inerentes ao diário funcionamento de uma média e comum unidade comercial, que o “bonnus pater família” cifra em 2% do IVA liquidado.
4. Tais operações têm um direto, imediato e proporcional efeito nas operações de cálculo e liquidação dos valores de IRS liquidados, com a sua necessária redução.
II. Do Pedido

Seja aceite este Direito de Audição e apreciados os factos articulados, bem como os documentos juntos, tendo como consequência:

-Oficiosamente serem reduzidos os montantes de IVA e de IRS devido a AF pelo “sujeito passivo aqui em exercício do Direito de Audição.”

(cfr. doc. 138 do PA, apenso);

S - Complementarmente, em requerimento datado de 15 de novembro de 2011, o Impugnante procedeu à junção de mais onze documentos (facto não controvertido; facto alegado e não impugnado e facto que se extrai do teor do PA apenso);

T - Em resultado da ação da Inspeção Tributária referida em K), e após exercício de audição prévia, foi elaborado, em 22 de novembro de 2011, o Relatório Final de Inspeção Tributária, no âmbito do qual se mantiveram as correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRS do ano de 2008, e apuramento de IVA em falta nos anos de 2008, 2009 e 2010, nos valores de €57.973,09, €48.939,17 e €72.927,48, respetivamente, constando do seu teor, designadamente e na parte que para os autos releva, o seguinte::


«Imagem no original»












«Imagem no original»


(…)












(cfr. fls. RIT a fls. 68 a 79 do PA apenso);

U - Na sequência da ação de Inspeção Tributária referida em K), e em resultado das correções descritas em T), foram emitidos os atos de liquidação adicional de IVA, sintetizados no quadro infra:

    LIQUIDAÇÃO ADICIONAL N.º
    PERÍODO
    VALOR A PAGAR
DATA LIMITE PARA O PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
      1…
    0803T
    €11.506,61
28-02-2012
      1…
    0806T
    €1.423,14
28-02-2012
      1…
    0809T
    €15.355,84
28-02-2012
      1…
    0812T
    €29.687,50
28-02-2012
      1…
0903T
    €11.916,66
      28-02-2012
      1…
0906T
    €14.141,67
      28-02-2012
      1…
0909T
    €7.555,84
      28-02-2012
      1…
0912T
    €15.325,00
      28-02-2012
      1…
1003T
    €25.186,33
      28-02-2012
      1…
1006T
    €12.600,00
      28-02-2012
      1…
1009T
    €21.399,17
      28-02-2012
      1…
1012T
    €13.741,98
      28-02-2012
        Valor total:
    € 179.839,74

(cfr. fls.32 a 43 dos autos);

V - Na sequência da ação de Inspeção Tributária referida em K), e em resultado das correções descritas em T), foram emitidos os atos de liquidação adicional de Juros Compensatórios, sintetizados no quadro infra:

LIQUIDAÇÃO JUROS COMPENSATÓRIOS

N.º

PERÍODO
    VALOR A

    PAGAR

DATA LIMITE PARA O PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
1…
    0803T
    €1.621,64
28-02-2012
1…
    0806T
    €185,75
28-02-2012
1…
    0809T
    €1.851,11
28-02-2012
1…
    0812T
    €3.382,71
28-02-2012
1…
    0903T
    €1.202,77
28-02-2012
1…
    0906T
    €1.281,66
28-02-2012
1…
    0909T
    €609,44
28-02-2012
1…
    0912T
    €1.083,25
28-02-2012
1…
    1003T
    €1.529,12
28-02-2012
1…
    1006T
    €639,32
28-02-2012
1…
    1009T
    €872,38
28-02-2012
1…
    1012T
    €421,67
28-02-2012
          Valor total:
€ 14.680,82
(cfr. fls. 44 a 55 dos autos);

W - Em resultado da notificação dos atos de liquidação adicionais de IVA e respetivos Juros Compensatórios, melhor evidenciados em U) e V), o Impugnante deduziu, junto do Serviço de Finanças de Almada 3, Reclamação Graciosa, peticionando a anulação dos mesmos (facto não controvertido; facto que se extrai da informação a fls. 168 do PA, apenso e do teor do artigo 14 da pi e doc. 30 junto à pi);

X - Por ofício datado de 18 de junho de 2012, da Direção de Finanças de Setúbal, recebido em 20 de Junho de 2012, foi enviado ao Impugnante o projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3… e notificação para exercer o direito de audição prévia (cfr. fls. 168 a 171 do PA, apenso);

Y - Através de requerimento, datado de 2 de julho de 2012, e enviado nessa data à Direção de Finanças de Setúbal, o Impugnante exerceu o direito de audição do qual se extrai, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“ (…) 7) Assim, é patente que o SP apresentou prova da errada quantificação da matéria tributável de IVA, nomeadamente atendendo a que os critérios utilizados conduziram a resultados desconformes com a realidade e ou exagerados.

8) Gerando-se desta forma fundada dúvida quanto à quantificação do facto tributário que implica que atos reclamados sejam anulados nos termos do art. 100.º, nº1 do CPPT.

Este normativo implica uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte contra a Administração Fiscal (princípio “in dúbio pro Fisco”).

Consequentemente fica a Administração Fiscal impedida de efetuar a correção e posterior liquidação (ões) se não existirem factos suficientes e consistentes que as suportem.

“In casu” verificou-se que as correções operadas e posteriores liquidações oficiosas se basearam em meras aparências, estando deste modo desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios.

II.Do Pedido

Requer-se

Seja considerada procedente “in totum” a Reclamação Graciosa apresentada.”

(cfr. doc. 174 e 175 do PA, apenso);

Z - Foi prolatada informação instrutora da reclamação graciosa referida em W), propondo o indeferimento expresso da mesma e da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

«Imagem no original»



(cfr. fls. 176 a 179 do PA, apenso);

AA - A 4 de julho de 2012, foi proferido Despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, consubstanciado na informação constante na alínea antecedente e com o seguinte teor:

“Concordo.

Considerando a informação dada pelos Serviços, e tendo sido exercido o direito de audição pelo contribuinte, da qual não resultaram elementos novos ao processo, mantém-se a decisão de indeferimento.” (cfr. fls. 176 do PA, apenso);

BB - Por carta registada, com registo de 17 de agosto de 2012, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Almada 3, Recurso Hierárquico da decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa e melhor identificada na alínea anterior (cfr. fls. 9 a 15 do PA – na parte respeitante ao RH apenso);

CC - A 18 de janeiro de 2013, foi prolatada informação instrutora pela Direção de Serviços do IVA, propondo o indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pelo Impugnante, e da qual se extrai, designadamente, o seguinte:









«Imagem no original»



«Imagem no original»




(cfr. fls. não numeradas do PA – na parte respeitante ao RH apenso);

DD - Por despacho do SUB DIRETOR GERAL DO IVA, datado de 6 de fevereiro de 2013, e com base na informação referida na alínea antecedente, foi indeferido o recurso hierárquico (cfr. fls. não numeradas do PA – na parte respeitante ao RH apenso);

EE - De ofício nº 003546, da Divisão de Justiça Tributária-Direção de Finanças de Setúbal, datado de 11 de fevereiro de 2013 e recebido em 26 de fevereiro de 2013, foi enviada ao Impugnante a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico referida na alínea antecedente e respetiva informação instrutora (cfr. fls. não numeradas do PA – na parte respeitante ao RH apenso);

FF - Durante o ano de 2008, o Impugnante procedeu à compra de veículos automóveis, à SOCIEDADE ALEMÃ “B...”, deles constando a menção “aplicação da margem de lucro ao abrigo do artigo 25.º da Lei IVT” e “IVA à taxa de 19%”, e demais elementos relevantes que se descrevem no quadro infra:


«Imagem no original»

(cfr. fls. 322 a 327 e fls. 371 a 376 (tradução) do PA apenso)

GG - Durante o ano de 2009, o Impugnante procedeu à compra de veículos automóveis, à SOCIEDADE ALEMÃ “B...”, deles constando a menção “aplicação da margem de lucro ao abrigo do artigo 25.º da Lei IVT”, “IVA à taxa de 19%”, “fornecimento intracomunitário isento de imposto”, e demais elementos relevantes que se descrevem no quadro infra:


«Imagem no original»


(cfr. fls. 328 a 344 e fls. 377 a 393 (tradução) do PA apenso);

HH - Durante o ano de 2010, o Impugnante procedeu à compra de veículos automóveis, à SOCIEDADE ALEMÃ “B...”, deles constando a menção “aplicação da margem de lucro ao abrigo do artigo 25.º da Lei IVT” e “IVA à taxa de 19%”, “IVA sem menção de taxa” e demais elementos relevantes que se descrevem no quadro infra:


«Imagem no original»


(cfr. fls. 345 a 358 e fls. 394 a 407 (tradução) do PA apenso);

II - Durante o ano de 2009, o Impugnante procedeu à compra de veículos automóveis, à “SOCIEDADE A...” constando das faturas emitidas, os elementos relevantes que se descrevem no quadro infra:


«Imagem no original»



cfr. fls. 359 a 370 e fls. 408 a 419 (tradução) do PA apenso);

JJ - Durante o ano de 2010 o Impugnante procedeu à compra de veículos automóveis, à “SOCIEDADE A...” constando das faturas emitidas, os elementos relevantes que se descrevem no quadro infra:


«Imagem no original»



(cfr. fls. 359 a 370 e fls. 408 a 419 (tradução) do PA apenso);

KK - Os veículos automóveis adquiridos na Alemanha e melhor identificados nas alíneas FF) a JJ) percorreram mais de 6000km (depoimento da testemunha A...; facto corroborado pelos autos de declarações do Impugnante e facto que se extrai do teor do RIT e não impugnado);

LL - Os veículos automóveis melhor identificados nas alíneas FF) a JJ) destinavam-se à venda em Território Nacional (depoimento da testemunha A...; facto corroborado pelos autos de declarações do Impugnante e facto que se extrai do teor do RIT e não impugnado);

MM - O negócio da compra e venda de veículos automóveis era o único meio de subsistência do Impugnante (depoimento da testemunha A...);

NN - A presente Impugnação foi deduzida via plataforma SITAF, em 23 de maio de 2013 (cfr. a fls. 1 dos autos);

***

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado, com relevo para a decisão de mérito, que:

1. Foram emitidas, pelo Impugnante, faturas ou documentos equivalentes comprovativos das vendas, em território português, dos veículos adquiridos na Alemanha e identificados nas alíneas FF) a JJ);

2. A qualidade/natureza dos compradores dos veículos automóveis adquiridos pelo Impugnante na Alemanha e melhor identificados nas alíneas FF) a JJ) mormente, se eram sujeitos passivos para efeitos de IVA, ou particulares;

* * *

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Quanto aos factos dados como provados e não provados, a convicção do tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso aos autos e informações oficiais juntas e, não impugnadas, bem como da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.

O depoimento da testemunha A... foi objeto de valoração para a factualidade constante nas alíneas E), F), KK), LL) e MM).

A testemunha referiu ser irmão do Impugnante, advindo a sua razão de ciência de tal laço familiar e por acompanhar a vida pessoal do irmão e consequentemente o seu negócio. Relevou, ainda, que conhece o processo por o ter ajudado a preparar a defesa da presente impugnação judicial, designadamente, na elaboração das tabelas de correspondência inscritas nos artigos 30.º e 31.º da petição inicial, embora não tenha conseguido precisar, com rigor, a metodologia adotada.

Confrontada, a testemunha, com os documentos junto aos autos – faturas de aquisição – disse conhecer os documentos, e limitou-se a atestar a factualidade neles constantes, mormente, o veículo transacionado, a data da 1.ª matrícula e o número de Kms. Não conseguindo, no entanto, fazer qualquer correspondência e concretizar em termos factuais entre os veículos adquiridos na Alemanha e os veículos vendidos em território nacional. De notar, neste particular, que quando foi confrontado se as aquisições na Alemanha contemplariam IVA referiu, com hesitação, “tenho ideia que sim”.

Falou, com clareza, sobre como se processava a compra e venda dos veículos, sobre o transporte dos mesmos e sobre o processo de legalização. Questionado pelo Tribunal, quanto ao negócio de compra e venda de veículos do Impugnante pese embora tenha afirmado tratar-se de um “negócio caseiro”, evidenciou, sem qualquer incerteza, que à data dos factos, o irmão não exercia qualquer outra atividade profissional, sendo esse o seu meio de subsistência.

Quanto à factualidade não provada o Tribunal tem de integrar enquanto factualidade não provada que foram emitidas, pelo Impugnante, faturas ou documentos equivalentes comprovativos das vendas, em território português, dos veículos adquiridos na Alemanha e identificados nas alíneas FF) a JJ), uma vez que o Impugnante não procedeu à junção de qualquer fatura, documento de evidência contabilística ou afim que atestem a sua emissão. Note-se que, conforme resulta de declarações do próprio o mesmo evidenciou que todos os documentos relacionados com as transações das viaturas, particularmente, faturas ao cliente final foram destruídos ou entregues ao cliente. Logo, tendo a AT encetado diligências instrutórias para obtenção das mesmas e não tendo logrado qualquer efeito útil para esse efeito, o Tribunal tem de integrar tal realidade enquanto factualidade não provada;

O mesmo sucede quanto à qualidade/natureza dos compradores dos veículos automóveis adquiridos pelo Impugnante na Alemanha e melhor identificados nas alíneas FF) a JJ) mormente, se eram sujeitos passivos para efeitos de IVA, ou particulares, ou seja, a factualidade não provada resulta de inércia probatória de quem estava investido com o correspondente ónus, in casu, o Impugnante. De relevar, a final, que conforme resulta do acervo probatório dos autos há toda uma evidência de notificações em sede administrativa para diligenciar obter documentação com esse fito e a verdade é que a mesma não foi satisfeita.”


*

- De direito

Na impugnação judicial deduzida foram diversos os fundamentos invocados contra os actos tributários de liquidação contestados. A falência de todos eles levou à improcedência total da impugnação judicial.

O Impugnante, discordando do assim decidido, interpôs o presente recurso jurisdicional, dirigindo ao Tribunal diversas questões, tal como resulta das conclusões formuladas.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Vejamos, então, começando por nos referirmos à conclusão 1ª, na qual o Recorrente refere que “Constitui também “thema decidendum” levado pelo Impugnante ao Tribunal, que só lhe seja dado parcial provimento ano que peticiona, com a correspondente parcial anulação de algumas das 24 liquidações sob jurisdicionalidade”.

Lida esta conclusão em simultâneo com as correspondentes contra-alegações, temos que o Recorrente se insurge contra a decisão de improcedência total da impugnação e de manutenção “in totum” das liquidações impugnadas, porquanto, quer na petição inicial, quer nas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, “redigiu: …em alternativa, devem ser anuladas parcialmente as liquidações oficiosas lavradas… Isto é, o Impugnante admitiu sem qualquer reserva e de forma processualmente coerente que só lhe seja dado provimento – procedência a parte do seu petitório, logo sem que o sentenciado não tenha que gerar a anulação “in totum” das documentadas e alinhadas 24 notas de liquidação oficiosa (colectas e juros)”.

Sem hesitar, diremos que os considerandos efectuados nenhuma razão de ser têm, pois que, como é evidente da leitura da petição inicial, dúvidas não subsistem que, para além do pedido de anulação parcial das liquidações impugnadas (que o Recorrente designou como pedido alternativo, cfr. artigo 39º da p.i), o Impugnante pediu a anulação total dos actos contestados, com esse pedido, aliás, rematando o articulado de impugnação – aí se lê, “Termos em que aceite esta petição, feita a sua distribuição e após apreciação da prova oferecida deve a final der considerada como procedente, porque provada, a matéria de facto articulada e subsequentemente por efeito da aplicação das normas aludidas ser sentenciada a procedência desta Impugnação com a anulação das liquidações de IVA e dos juros compensatórios, identificados sob os Doc.s 2 a 25”.

Ora, considerando a sentença a não verificação de qualquer dos fundamentos invocados (determinantes da anulação total e/ou parcial), nenhuma dúvida poderá subsistir quanto ao desfecho da impugnação judicial: a sua total improcedência e, nessa medida, a manutenção dos actos contestados.

Isto mesmo foi decidido pelo TAF de Almada, constando da sentença precisamente isso – aí se lê, “Nestes termos, e nos das disposições legais citadas, julga-se totalmente improcedente a presente impugnação judicial, mantendo-se os atos de liquidação de IVA e respectivos JC impugnados, na ordem jurídica”.

O assim decidido é, obviamente, consentâneo com o pedido formulado de “anulação das liquidações de IVA e dos juros compensatórios, identificados sob os Doc.s 2 a 25”.

Em suma, e sem necessidade de mais considerações adicionais, julga-se improcedente esta primeira conclusão.


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Passemos à segunda questão que aqui nos ocupará: a saber, a alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação (de facto e de direito), com apoio no artigo 125º do CPPT.

Com efeito, sustenta o Recorrente que “A Sentença não explica fundamentadamente (de facto e de direito) porque é que aceita como idóneos os documentos juntos e as explicações do Impugnante quanto às vendas e já não aceita as explicações do mesmo e os documentos das compras na Alemanha em número de 49 veículos, daí se enquadrando enquanto tal o sentenciado na estatuição do art. 125º do CPPT, com os operantes efeitos.”

Vejamos, fazendo apelo a uma linha argumentativa tantas vezes utilizada pelos Tribunais Superiores, em concreto pelo TCA Sul, a propósito da falta de especificação de facto e direito.

“Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).

No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).

Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).

Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13)” – cfr. acórdão deste TCA proferido no processo nº 105/17.9BCLSB, em 28/09/17.

De regresso ao caso concreto, dúvidas não nos restam de que a sentença não padece do apontado vício.

Começando pelo julgamento da matéria facto, deparamo-nos com uma completa discriminação entre matéria de facto provada e não provada. Aí, nenhuma dúvida subsiste quanto às razões que levaram o Tribunal a decidir cada um dos factos, seja por indicação dos concretos documentos considerados, seja por apelo à prova testemunhal produzida, seja pela específica indicação da prova não produzida e que seria apta a comprovar os factos julgados não provados (a que correspondem os nºs 1 e 2). A motivação da matéria de facto é patentemente completa e detalhada, não restando dúvidas sobre as razões e o sentido deste julgamento.

Relembre-se que o Recorrente não se conforma com a circunstância de (alegadamente) a Mma. Juíza ter considerado idóneos os documentos juntos e as explicações adiantadas pelo Impugnante quanto às vendas e já não aceitar as explicações e os documentos das compras na Alemanha, em número de 49 veículos.

Para melhor perceber a discordância do Recorrente sintetizada na conclusão 12ª, atentemos ao corpo das alegações na parte correspondente. Aí se refere que:

“No sentenciado a fls. 49 e 50 exclusivamente foi apreciada a dinâmica formal em abstrato a partir da tipologia legal, mas nada foi apreciado em face dos concretos documentos com assento no processado e da sua leitura, conforme ao peticionado.

Ora

Singelamente fica a dúvida muito séria no sentido de não se apreender do julgado, porque é que não se aceitam os preços de compra expressamente aludidos naqueles 49 documentos?

Redige-se no final do 1º§ de fls. 50:

“…na determinação da base tributável é necessário determinar qual o preço de compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos, de forma a determinar qual a “margem” sujeita a Imposto. No caso vertente tais elementos como visto, não foram facultados à A.T” (nossos sublinhados).

Com o que jamais se pode concordar e o processo bem evidencia assim não acontecer em face do descritivo ínsito nas várias alíneas do anterior ponto 6.

Estão ali documentados os valores de compra e os das vendas.

No sentenciado (quanto ao valor das compras), de forma desconexa com o anterior raciocínio, não é exercido qualquer juízo de dúvida e são aceites sem reserva “in totum” os valores das vendas.

Mas tudo, mesmo tudo (documentos e explicações), são fornecidos pelo Impugnante, quer quanto a vendas e compras e daí que ambos devem merecer a mesma e igual credibilidade”.

Como parece claro, o que está ínsito nesta crítica é, não o vício correspondente à falta de fundamentação da sentença, mas a discordância do Recorrente com o decidido e, nessa medida, um erro de julgamento.

Vejamos.

Na passagem da sentença a que o Recorrente se reporta, a propósito da aplicação do Regime Especial de Tributação da Margem, a Mma. Juíza a quo, não desconsiderando os 49 documentos emitidos na Alemanha, a que correspondem, aliás, as alíneas FF) e JJ) dos factos provados, logo afastou a relevância de 23 porquanto “apenas 26 (leia-se, facturas) foram liquidadas pela Aplicação da Margem de lucro ao abrigo do artigo 25º da Lei do IVT”, evidenciando o Tribunal que “apenas as viaturas adquiridas a revendedores alemães pelo Regime Especial de Tributação idêntico ao vigente no território nacional, poderiam, abstratamente, ser objeto de tributação pelo Regime Especial de Tributação da Margem”.

Portanto, como se percebe, a Mma. Juíza explicou fundadamente a razão da irrelevância, para os apontados efeitos, de 23 facturas. O raciocínio é claro e não deixa margem para dúvidas, sem prejuízo, como parece ser o caso, de suscitar a discordância do Recorrente:

Quanto às restantes operações, ou seja, aquelas em que as facturas faziam menção “Aplicação da “margem de lucro” ao abrigo do art.º 25º da Lei do IVT”, a aplicação do Regime Especial de Tributação da Margem foi afastado, não por terem sido desconsiderados 26 dos documentos emitidos na Alemanha, mas por outras razões que se prendem, no essencial, com a circunstância de o sujeito passivo não ter “apresentado a contabilidade organizada, nem junto quaisquer documentos relacionados com a sua atividade de venda, não resultando, igualmente, provado que tenham sido emitidas, faturas ou documentos equivalentes respeitantes às transações dos veículos automóveis em território nacional, e consequentemente quais os valores praticados nas transações desses veículos automóveis usados, e qual o montante de IVA liquidado”, evidenciando o Tribunal que, para aplicar o referido Regime Especial necessário seria, no apuramento da base tributável, “determinar qual o preço da compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos, de forma a determinar qual a “margem” sujeita a imposto”.

Em suma, e não nos alongando mais, por desnecessidade, dúvidas não restam que não se vislumbra aqui qualquer falta de fundamentação, em particular quanto à alegada falta de idoneidade dos “documentos das compras na Alemanha em número de 49 veículos”.

Em sede própria – que é o erro de julgamento e não a nulidade da sentença – a questão aqui levantada será retomada.

Em suma, improcede a questão que vínhamos analisando a que corresponde a conclusão 12ª.


*

Atentemos agora na conclusão 11ª, na qual se afirma que “A sentença na sua fundamentação de Direito (III-B a partir de fls. 37 da mesma) entende que “não foram facultados à A.T” os “preços de compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos” - in final do 1º§ de fls. 50 - o que com o devido respeito, não está conforme e não corresponde à verdade documental ínsita nos autos - vide fls. 221 a 419 e 120 a 122 do processo; fls. 106 a 137 do p.a – daí gerando a necessidade deste Tribunal Superior, tal acertadamente modificar (ali. c) do nº 2 e nº 1 do art. 662º do CPC aplicável “in casu” em face da ali. e) do art. 2º do CPPT)”.

Em tal conclusão, ao remeter para diversas fls. dos autos e do P.A, fls. 221 a 419 e 120 a 122 do processo; fls. 106 a 137 do p.a, e ao invocar o artigo 662º do CPC, pretende o Recorrente que este Tribunal altere a decisão proferida sobre a matéria de facto. Fá-lo referindo-se ao final do 1º§ de fls. 50 da sentença, reforçando que a sentença erra ao considerar que “não foram facultados à A.T” os “preços de compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos”.

O Recorrente não tem razão no que pretende, sendo evidente que a transcrição feita, mostrando-se truncada, não espelha com verdade aquilo que o Tribunal considerou a este propósito.

Com efeito, importa ter presente que o apontado parágrafo se mostra inserido na análise respeitante à aplicação do Regime Especial de Tributação da Margem, em concreto no que respeita ao apuramento do imposto. E aí, a esse propósito, o Tribunal considerou que:

“(…) No Regime Especial de Tributação da Margem o apuramento do imposto é feito “bem a bem”, nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 199/96.

Impondo, como visto, o citado artigo 6.º do mesmo diploma legal que:

As transmissões sejam registadas de modo a ser possível a verificação das condições do Regime da Margem e do valor tributável e, no caso do sujeito passivo aplicar o Regime Normal de IVA e o Regime Especial da Margem, que se proceda ao registo separado das respetivas operações;

As faturas ou documentos equivalentes, emitidos pelos sujeitos passivos revendedores, neste caso o Impugnante, relativos às transmissões de bens sujeitas ao Regime Especial de Tributação da Margem, não podem discriminar o imposto devido e devem conter a menção “IVA—Bens em segunda mão”.

Ora, não tendo o Impugnante apresentado a contabilidade organizada, nem junto quaisquer documentos relacionados com a sua atividade de venda, não resultando, igualmente, provado que tenham sido emitidas, faturas ou documentos equivalentes respeitantes às transações dos veículos automóveis em território nacional, e consequentemente quais os valores praticados nas transações desses veículos automóveis usados, e qual o montante de IVA liquidado, é por demais evidente que a AT não poderia aplicar o Regime Especial de Tributação da Margem, pois na determinação da base tributável é necessário determinar qual o preço da compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos, de forma a determinar qual a “margem” sujeita a imposto. No caso vertente tais elementos, como visto, não foram facultados à AT”. (sublinhado nosso)

Como é evidente, as palavras transcritas referem-se à actividade de venda, sendo incontornável, como resulta dos autos que, apesar de instado a tal, não foi apresentada a contabilidade do sujeito passivo, nem juntas as facturas ou documentos equivalentes relacionados com as vendas de automóveis em Portugal (cfr. facto não provado 1).

Para mais, cabe dizer que o teor de fls. 106 a 137 do PA coincide com o anexo 7 junto do RIT, integrado pelos extratos da G..., os quais foram ponderados no RIT e considerados na sentença recorrida que aos mesmos se referiu dizendo que “dos extratos apresentados pela Instituição Bancária apenas se conseguem aferir valores globais”.

Por seu turno, o teor de fls. 120 a 122 dos autos mostra-se contemplado na matéria de facto, na alínea T), correspondendo aos três quadros designados por Quadro 1 – Vendas e Iva liquidado em 2008, Quadro 2 – Vendas e Iva liquidado em 2009, Quadro 3 – Vendas e Iva liquidado em 2010.

Quanto às facturas emitidas na Alemanha, cujas traduções foram juntas aos autos a fls. 221 a 419, mostram-se as mesmas devidamente consideradas nas alíneas FF) a JJ) do probatório.

Em suma, face ao exposto, nenhum aditamento à matéria de facto se impõe, nos moldes em que vem requerido.


*

Prosseguindo para outras conclusões.

Nas conclusões 2ª, 3ª e 4ª, o Recorrente evidencia aquilo que designa, no corpo das alegações, por “efectiva e fulcral cooperação do Impugnante no apuramento da verdade material”, realçando que “embora tenha entregue as suas declarações periódicas do IVA nos 3 exercícios em causa com os valores a 0 (zero), agiu sempre de forma séria, cooperante e de boa-fé além de verdadeira com o Serviço da AT pelo que só assim se conseguiu reconstruir TODA a verdade tributária “sub júdice”. Mais refere que “tal missão explicativa e declarativa foi pelo Impugnante feita por forma verbal em autos de declarações, de forma escrita para a autorização no acesso às suas contas na G..., bem como a junção de 49 documentos das compras dos veículos na Alemanha tudo com o consequente apuramento da totalidade das vendas de automóveis no mercado nacional nos anos de 2008, 2009 e 2010”.

Assim, e tendo presente esta sua actuação, cooperante e de boa-fé, considera o Recorrente que “a AT obteve a verdade ocorrida nas duas cédulas fiscais em causa (IRS e IVA) pelo que é inconstitucional, desproporcional e ilegal enquanto violador do princípio da capacidade contributiva do Impugnante (nº 1 do art. 4º da LGT), que o mesmo pague em IVA, um valor superior àquele que pagaria se tivesse a sua contabilidade organizada”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

O dever legal de colaboração recíproca entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes encontra apoio no artigo 59º da LGT – lê-se no nº 1 que “Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco”.

Em particular no que toca à colaboração dos contribuintes dispõe o nº 4 do referido artigo 59º que “A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros”.

O dever de colaboração que se impõe, tanto à Administração Tributária, como aos contribuintes, baseia-se no princípio da boa-fé ou da protecção da confiança – nº 2 do artigo 59º da LGT.

De igual modo, releva o artigo 48º do CPPT, no qual se explicita a reciprocidade inerente ao princípio da colaboração vigente no procedimento tributário, aí se estabelecendo que a “A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem”, enquanto que, por outro lado, e no que toca aos sujeitos passivos, determina que “O contribuinte cooperará de boa fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso”.

Como salienta José Maria Fernandes Pires e outros, in LGT, comentada e anotada, Almedina, pág. 608 “Este princípio traduz-se no dever de a administração e do particular actuarem com ponderação dos valores fundamentais do direito a levar em conta em cada situação, de acordo com o que é expectável em termos jurídicos, tendo em conta a confiança depositada pelo parceiro relacional numa actuação em conformidade com os princípios do procedimento tributário, constantes dos artigos 55°- a G0° da LGT, com as leis tributárias, e com os próprios comportamentos anteriores, assim como atendendo ao objectivo a alcançar com a actuação empreendida (cfr. n°- 2 do artigo 10" do CPA).

(…) O princípio da boa fé ou da protecção da confiança encontra-se concretizado no estabelecimento de deveres recíprocos de colaboração entre a administração tributária e os contribuintes, previstos neste artigo 59° (principio da colaboração), assim como no artigo 48°- do CPPT (cooperação da administração tributária e do contribuinte) . Neste último artigo está bem explícita a reciprocidade inerente ao principio da colaboração vigente no procedimento tributário, uma vez que, por um lado, estabelece que «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem» (n° 1), enquanto que, por outro lado, também se determina que «O contribuinte cooperará de boa fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso» (W`2) . Além disso, o princípio da colaboração encontra-se também previsto autonomamente nos códigos de vários impostos, como o CIVA (artigo 85°), CIRC (artigo127°-), o CIMT (artigos 48- e 49°-).

A enorme importância do dever da colaboração/cooperação nas relações tributárias revela-se a diversos níveis, assumindo um relevo muito especial quando conexionado com o princípio da verdade declarativa, enquanto regime regra da tributação. Na verdade, importa ter presente que vigora no sistema fiscal português o princípio do declarativo ou da verdade declarativa, constante do artigo 75º da LGT, o que significa que a determinação do montante de imposto baseia-se, regra geral, no fornecimento pelos contribuintes à AT dos elementos necessários ao apuramento do imposto.

Refira-se, ainda, que, no sistema fiscal vigente, da recusa ilegítima de colaboração do contribuinte com a administração tributária a lei faz decorrer relevantes consequências, como o recurso a métodos indirectos para determinação da matéria tributável, tal como previsto no artigo 88º da LGT.

Ora, feito este enquadramento geral, regressemos ao caso concreto para dizer, sem hesitações, que as conclusões 2ª e 3ª mais não são que meras afirmações, as quais, e ainda que verdadeiras, se mostram absolutamente inconsequentes no caso.

Com efeito, jamais foi afirmado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), ou pela sentença, que o contribuinte não colaborou na acção de inspecção, prestando declarações em auto, autorizando o acesso a contas bancárias ou juntando 49 documentos, nem foi extraída, no que aos actos sindicados respeita, qualquer consequência dessa apontada falta de colaboração do sujeito passivo.

Portanto, como se perceberá, o alcance das palavras alinhadas pelo Recorrente nas conclusões em análise é nenhum.

O que sucedeu no caso - e que importa não confundir - é que o contribuinte, ora Recorrente, independentemente da colaboração que prestou e tal como consta da alínea T) do factos provados, entregou as declarações de IVA a zeros, sem qualquer valor de imposto liquidado e sem qualquer valor de imposto dedutível, sendo que, expressamente notificado para o efeito, não apresentou, no prazo concedido, os livros de registo da sua actividade, tendo declarado que “não tinha na sua posse qualquer documento relativo à sua actividade”. Mais. Tendo sido notificado para proceder à organização e entrega dos seus elementos de escrituração, no prazo de 18 dias, não o fez.

E perante isto os SIT desenvolveram o seu trabalho, com os elementos disponibilizados pelo sujeito passivo e outros que obtiveram através de diligências efectuadas pelos serviços, designadamente através do acesso às suas bases de dados e da comunicação com clientes/compradores de automóveis vendidos em Portugal pelo ora Recorrente.

Com efeito, e como a sentença enumerou, no decurso da ação inspetiva, a AT:

“- Requereu autorização para acesso às contas bancárias do Impugnante com os números 0… e 0… da C..., o que lhe foi concedido;

- Procedeu à pesquisa na base de dados da Direção Geral dos Impostos, das Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) dos anos de 2008, 2009 e 2010, cujo Declarante seria o Impugnante e referentes a aquisições no mercado alemão;

- Na posse da identificação dos veículos comercializados e dos respetivos proprietários, procedeu à notificação dos proprietários das viaturas para procederem à entrega de documentação referente às vendas dos anos de 2008, 2009 e 2010.

Após tais diligências e em resultado das mesmas, a AT emitiu projeto de relatório de Inspeção Tributária no âmbito do qual foram propostas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRS do ano de 2008, e apuramento de IVA em falta nos anos de 2008, 2009 e 2010, nos valores de €57.973,09, 48.939,17 e €72.927,48.

Seguidamente, em face do exercício de audição prévia por parte do Impugnante e ponderação da documentação remetida, a AT elaborou o competente Relatório Final de Inspeção Tributária, no âmbito do qual se manteve o apuramento de IVA em falta nos anos de 2008, 2009 e 2010, nos valores de €57.973,09, €48.939,17 e €72.927,48, respetivamente e em consequência foram emitidos os correspondentes atos de liquidação”.

Ora, perante isto, o Recorrente parece confundir a sua colaboração com os SIT, que reputa de verdadeira e de boa-fé, com a presunção de verdade de que gozam as declarações dos contribuintes ou a sua contabilidade/escrita, nos termos do artigo 75º, nº1 da LGT - “1- Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

E, na verdade, o nº 1 do artigo 75º da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, sem prejuízo, naturalmente, da fiscalização pela administração tributária e das excepções legais, tal como elencadas no nº 2 do mesmo preceito legal – “2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações; c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei. d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.

A circunstância de o sujeito passivo ter colaborado, disponibilizando documentos, prestando esclarecimentos ou permitindo o acesso às contas bancárias, não equivale à presunção legal de verdade estabelecida no nº1 do artigo 75º da LGT. Repete-se: o sujeito passivo jamais apresentou os livros de registo da sua actividade, tendo declarado que “não tinha na sua posse qualquer documento relativo à sua actividade”.

Ora, perante o circunstancialismo anteriormente descrito, a sentença considerou que “dimana inequívoco que a AT cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita tendo apurado o valor das vendas efetuadas através da consulta e cruzamento das DAV, das respostas obtidas por parte dos compradores das viaturas, dos extratos bancários e das declarações prestados pelo Impugnante, tendo liquidado adicionalmente o IVA e JC que reputou em falta.

Porquanto, contrariamente ao defendido pelo Impugnante a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, tendo diligenciado na obtenção de documentação e esclarecimentos adicionais, pautando o seu comportamento pela legalidade, pelo inquisitório, pela colaboração, não se afigurando a violação de qualquer princípio constitucional basilar, mormente, da justiça e da capacidade contributiva”.

E, na verdade, assim é, nenhum sentido fazendo a insistência na alegada violação do princípio da capacidade contributiva, por o valor de IVA exigido ser superior “àquele que pagaria (leia-se, o sujeito passivo) se tivesse a sua contabilidade organizada”.

O facto de contribuinte não ter a contabilidade organizada só a si pode ser imputável, não havendo como impedir as consequências legais dessa falta. Perante a cessação da presunção de veracidade da contabilidade, cabia ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

E, como adiante veremos, foi exactamente isto que se passou no caso: considerou o Tribunal que, recaindo sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, o mesmo não foi cumprido.

Nesta conformidade, é irrelevante exigir o apuramento do imposto tal como ele resultaria se a contabilidade estivesse organizada, já que – repete-se – a contabilidade não foi sequer apresentada.

Ainda a propósito da aqui invocada violação do princípio da capacidade contributiva, tenhamos presente que tal princípio “…implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” – Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155.

Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” – Casalta Nabais, ob. cit., pág. 157.

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

“O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio”.

No caso, o princípio da capacidade contributiva não sai beliscado pelas concretas consequências da não declaração/ exibição da contabilidade e/ou do não cumprimento do ónus da prova a cargo do sujeito passivo, consequências que visam e se compatibilizam, além do mais, com o cumprimento do dever fundamental de pagar impostos e do princípio da igualdade.

Em suma, improcedem as conclusões 2ª a 5ª que vínhamos analisando.


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Prosseguindo para a conclusão 6º, na qual se lê singelamente que “Os veículos são todos bens em 2ª mão, com mais de 6 mil quilómetros e com as transações em causa a ocorrerem decorridos mais de 6 meses sobre a sua primeira aquisição (inscrição registral automóvel), há que dizer que a mesma encerra um circunstancialismo de facto que encontrou expresso acolhimento na sentença recorrida, concretamente nas alíneas FF) a KK) do probatório.

Nesta conformidade, nenhum alcance se retira da asserção contida em tal conclusão, a qual não se mostra sequer formulada em termos consequentes.


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Passemos a outra questão que aqui nos ocupará: a não conformação do Recorrente com o decidido quanto à não aplicação, no caso, do Regime Especial de Tributação pela Margem (bens em segunda mão).

Para o Recorrente, contrariamente ao decidido, “Os 49 documentos das compras dos automóveis feitas pelo SP na Alemanha, os 93 movimentos ínsitos em quadro lavrado no Relatório da Inspeção Tributária, os 3 quadros lavrados no artigo (ponto) 30º da petição inicial e ainda as 16 declarações (e documentos anexados) de compradoras dos veículos em Portugal, permitem fazer o apuramento do IVA, quanto àquelas 49 vendas em Portugal pelo Regime da Margem”, sendo que tal regime especial resultará no apuramento de um valor de imposto “certo, justo e concreto” e que será “inequivocamente inferior ao liquidado e exigido nas 24 oficiosas liquidações”.

Defende o Recorrente que a actuação dos SIT, concretizada na emissão dos actos impugnados, “violou a parte final do nº 3 do art. 103 da Constituição, o nº 2 do art. 100 do CPPT, bem como a ali. b) do art. 87, as ali. a) e b) do art. 88 estes dois da LGT e ainda o art. 87 do CIVA, porque na elaboração das 24 liquidações (fls. 32 a 55 dos autos) não considerou como lhe é exigido por tais normativos, os custos inerentes (em cédula de IVA) àquelas 49 compras documentadas.

Vejamos, então, começando pelo enquadramento do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades (Regime Especial de Tributação pela Margem), o qual se mostra contemplado no DL nº 199/96, de 18 de Outubro, resultante da transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994.

Tal regime tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, traduzindo-se na tributação da margem realizada, isto é, na diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

Dispõe o artigo 1º do referido diploma que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, segundo o regime especial de tributação da margem, as transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção e de antiguidades, efectuadas nos termos deste diploma, por sujeitos passivos revendedores ou por organizadores de vendas em leilão que actuem em nome próprio, por conta de um comitente, de acordo com um contrato de comissão de venda.

Quanto ao conceito de viaturas usadas, devemos socorrer-nos do disposto no artigo 6º, nº2 do RITI e, nessa medida, temos que são viaturas usadas as que reúnam as seguintes condições:

- a transmissão seja efectuada mais (…) seis meses após a data da primeira utilização, tratando-se, (…) de veículos terrestres;

- o meio de transporte tenha percorrido mais de 6000 km, tratando-se de um veículo terrestre, …”.

De acordo com o nº 3 do mesmo artigo 6ª, a data da primeira utilização é a constante do título de registo de propriedade ou documento equivalente quando se trate de bens sujeitos a registo, licença ou matrícula, ou, na sua falta, a da fatura emitida aquando da aquisição pelo primeiro proprietário.

Já quanto ao conceito de sujeito passivo revendedor, dispõe a alínea c) do artigo 2º do DL nº 199/96 no sentido de que o mesmo corresponde ao sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade, compra, afecta às necessidades da sua empresa ou importa, para revenda, bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção ou antiguidades.

É no artigo 3º do DL nº 199/96 que se estabelecem os pressupostos de aplicação do regime, nos seguintes termos:

1 - As transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada.

2 - Os sujeitos passivos revendedores poderão optar pela aplicação do regime especial de tributação da margem, previsto neste diploma, às seguintes transmissões:

a) De objectos de arte, de colecção ou de antiguidades que eles próprios tenham importado;

b) De objectos de arte que tenham sido adquiridos no interior da Comunidade ao seu autor, aos seus herdeiros ou legatários;

c) De objectos de arte que tenham sido adquiridos a um outro sujeito passivo, não revendedor, desde que a transmissão por esse outro sujeito passivo ou a aquisição intracomunitária dos bens pelo sujeito passivo, revendedor, se for caso disso, tenha beneficiado da aplicação da taxa reduzida de imposto prevista nas alíneas c) e e) do artigo 15.º deste Regime Especial.

3 - O direito de opção será exercido relativamente ao conjunto das operações referidas no número anterior, mediante comunicação prévia à Direcção-Geral dos Impostos, produzindo efeitos imediatos.

4 - A opção, uma vez exercida, deverá ser mantida durante um período de, pelo menos, dois anos civis completos.

5 - Decorrido o prazo a que se refere o número anterior, se o sujeito passivo pretender renunciar à opção efectuada relativamente aos bens adquiridos nas condições previstas no n.º 2 deste artigo, deverá comunicar esse facto à Direcção-Geral dos Impostos.

6 - A comunicação referida no número anterior só poderá ser apresentada durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação, podendo ser exercido o direito à dedução do imposto respeitante aos bens adquiridos durante o período da opção e que se encontrem em existência no final do ano.

Sem prejuízo da possibilidade de aplicação do Regime Especial de Tributação pela Margem, o artigo 7º, nº1, do DL 199/96, prevê que o sujeito passivo revendedor poderá optar pela liquidação do imposto nos termos gerais do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, em relação a cada transmissão sujeita ao regime especial de tributação da margem.

No que concerne ao valor tributável das transmissões rege o artigo 4º, nos termos do qual o valor tributável das transmissões de bens referidas no artigo anterior, efectuadas pelo sujeito passivo revendedor, é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente, determinada nos termos do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente. Mais se estabelece, no nº3, que o apuramento do imposto devido será efectuado individualmente em relação a cada bem, não podendo o excesso do preço de compra sobre o preço de venda afectar o valor tributável de outras transmissões.

Assim, e como bem evidenciou a sentença, “os requisitos para a sujeição ao Regime Especial de Tributação da Margem, vertidos no citado art.º 3.º o sujeito passivo revendedor, neste caso o Impugnante, quando proceda à venda dos bens, deve cumprir, ainda, as obrigações consignadas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 199/96, ou seja:

-Todas as operações abrangidas pelo Regime Especial de Tributação pela Margem devem ser escrituradas de modo a evidenciar todos os elementos necessários ao apuramento do imposto (verificação das condições do regime da margem (art.º 3.º ) e do valor tributável (art.º 4.º);

-Se sujeito passivo revendedor aplicar, simultaneamente, o Regime Geral e o Regime Especial de Tributação da Margem, deverá proceder ao registo separado das respetivas operações.

Sendo certo que, na emissão das faturas ou documentos equivalentes, por parte dos revendedores, relativamente às transmissões de bens sujeitas ao Regime Especial de Tributação da Margem devem ser seguidas as seguintes regras:

i) não podem discriminar o imposto devido e,

ii) devem conter a menção «IVA—Bens em segunda mão»;

Ora, para chegar à conclusão de que não se mostram verificados os requisitos para a tributação de acordo com o regime especial de tributação pela margem, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo:

“(…) Conforme resulta do acervo fáctico dos autos, está assente que:

 Nos anos de 2008, 2009 e 2010 o Impugnante, exerceu a atividade “Comércio de veículos Automóveis Ligeiros”;

 Procedeu à compra de veículos automóveis com mais de 6000 km no mercado Alemão Alemanha, concretamente, às Sociedades Alemãs “B...” E “A...”.

 Da conjugação das alíneas FF) a JJ) resulta que das 49 faturas de compra apresentadas pelo Impugnante apenas 26 foram liquidadas pela “Aplicação da “margem de lucro” ao abrigo do art.º 25º da Lei do IVT”.

Ora, da aludida constatação resulta, desde logo, a asserção de que apenas as viaturas adquiridas a revendedores alemães pelo Regime Especial de Tributação idêntico ao vigente no território nacional, poderiam, abstratamente, ser objeto de tributação pelo Regime Especial de Tributação da Margem”.

E, na verdade, assim é, tal como decorre do já transcrito artigo 3º, nº1, alínea d), do DL 199/96, quando exige que a “transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada”, o que, no caso, só sucedeu relativamente a 26 das 49 facturas de compra.

Ora, nada disto é fundadamente contrariado pelo Recorrente.

E prossegue a sentença relativamente às viaturas adquiridas na Alemanha pela “Aplicação da “margem de lucro” ao abrigo do art.º 25º da Lei do IVT”:

“(…) Conforme bem evidencia a AT no RIT e nos subsequentes atos administrativos do procedimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, nos casos acima referenciados, tendo a aquisição sido efetuada ao abrigo de Regime Especial de Tributação semelhante ao vigente em território nacional, aquando da transmissão no mercado nacional o Impugnante poderia ter optado por aplicar o Regime Especial de Tributação da Margem.

A verdade é que, não tendo o Impugnante apresentado qualquer fatura ou documento equivalente referente às vendas, nem existindo qualquer evidência contabilística dos mesmos, tal não permite que à situação fáctica dos autos possa ser aplicado o Regime Especial de Tributação da Margem.

Senão vejamos.

No Regime Especial de Tributação da Margem o apuramento do imposto é feito “bem a bem”, nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 199/96.

Impondo, como visto, o citado artigo 6.º do mesmo diploma legal que:

As transmissões sejam registadas de modo a ser possível a verificação das condições do Regime da Margem e do valor tributável e, no caso do sujeito passivo aplicar o Regime Normal de IVA e o Regime Especial da Margem, que se proceda ao registo separado das respetivas operações;

As faturas ou documentos equivalentes, emitidos pelos sujeitos passivos revendedores, neste caso o Impugnante, relativos às transmissões de bens sujeitas ao Regime Especial de Tributação da Margem, não podem discriminar o imposto devido e devem conter a menção “IVA—Bens em segunda mão”.

Ora, não tendo o Impugnante apresentado a contabilidade organizada, nem junto quaisquer documentos relacionados com a sua atividade de venda, não resultando, igualmente, provado que tenham sido emitidas, faturas ou documentos equivalentes respeitantes às transações dos veículos automóveis em território nacional, e consequentemente quais os valores praticados nas transações desses veículos automóveis usados, e qual o montante de IVA liquidado, é por demais evidente que a AT não poderia aplicar o Regime Especial de Tributação da Margem, pois na determinação da base tributável é necessário determinar qual o preço da compra dos bens e os valores praticados na venda dos mesmos, de forma a determinar qual a “margem” sujeita a imposto. No caso vertente tais elementos, como visto, não foram facultados à AT.

Ademais, se não foram apresentadas as faturas ou documentos contabilísticos referentes às vendas no território nacional e se dos extratos apresentados pela Instituição Bancária apenas se conseguem aferir valores globais, não se conseguindo identificar se esses montantes incluem IVA, então, dimana axiomático que contrariamente ao alegado pelo Impugnante não é possível fazer a correspondência entre as compras efetuadas e vendas realizadas em território nacional, designadamente, nos moldes retratados nas tabelas constantes na p.i.

Acresce, outrossim, que as próprias declarações periódicas de IVA entregues, não permitem retirar qualquer elemento, uma vez que, como visto, resultou valor tributável zero”.

No caso concreto, e apesar da discordância do Recorrente com as correcções e liquidações efectuadas, a verdade é que não contraria o que vem evidenciado: que não foram registadas separadamente as operações (i), que as facturas emitidas não discriminam o imposto (ii) e contêm a menção a IVA – Bens em segunda mão. Aliás, é suficiente, para estes efeitos, sublinharmos o que tantas vezes foi evidenciado na sentença, ou seja, que não foram exibidos documentos relacionados com a actividade de venda de veículos em Portugal, pelo que a pretensão do Recorrente mostra-se inelutavelmente comprometida.

Tenha-se em consideração, atenta a pertinência no caso, o que ficou dito no acórdão do TCA Norte de 14 de fevereiro de 2007, processo n.º 00438/04. Aí se lê:

“Assim, dos nºs 1 e 2 do artº 16º do CIVA resulta que, em regra, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do destinatário ou de um terceiro.

Desta regra excetuam-se as situações indicadas no nº 2 do mesmo artigo, em que se inclui, na alínea f), a das transmissões de bens em segunda mão, em que o valor tributável será «a diferença, devidamente justificada, entre o preço de venda e o preço de compra», mas exige-se aí que tais transmissões tenham sido «efetuadas de acordo com o disposto em legislação especial».

E nessa legislação especial, instituída pelo já citado DL nº 199/96, de 18/10, exige-se, para que o sujeito passivo possa beneficiar desse regime especial de tributação, da margem de lucro, ou dito de outro modo, para que as transmissões de bens em segunda mão possam ser efetuadas ao abrigo de tal regime especial, que as faturas ou documentos equivalentes não discriminem o imposto devido e que contenham, no caso, a menção «IVA – Bens em segunda mão», exigindo-se ainda que tais operações sejam escrituradas de um modo particular – cfr. artº 6º, nºs 1 a 3, do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades constante do referido DL nº 199/96.

Como resulta da materialidade fáctica apurada, o sujeito passivo, ora Recorrente, discriminou nas faturas o imposto devido e nelas não mencionou «IVA – Bens em segunda mão», pelo que não é aplicável às faturas constantes dos autos o regime especial da margem do DL nº 199/96, de 18/10, mas antes o regime geral do nº 1 do artº 16º do CIVA, improcedendo assim a conclusão do recurso.”

Assim sendo, esteve bem a sentença ao concluir que “o Impugnante não logrou demonstrar, como lhe competia, o preenchimento dos pressupostos legais, donde, da ilegalidade dos atos impugnados, e nessa medida improcede o arguido erro sobre os pressupostos de facto e de direito”.

No mais, e não perdendo de vista o teor das conclusões que vimos de analisar, acompanha-se a sentença quando afirma (e sem que aqui se mostre contrariada) que “No concernente às faturas de aquisição emitidas pelo Regime Equiparável ao Regime Especial de Tributação da Margem resulta que não contemplando as mesmas qualquer discriminação do IVA liquidado não conferem, nem podem conferir qualquer direito à dedução do imposto liquidado. No respeitante às faturas com evidência de IVA liquidado na Alemanha, tendo em consideração que apenas é possível a dedução do imposto suportado nas operações efetuadas no território nacional, como é bom de ver, não é legalmente permitida tal dedução”.

Na conclusão 7ª, o Recorrente sublinha que foi violado, in casu, o artigo 100º, nº 2 do CPPT e, bem assim, a parte final do nº 3 do artigo 103º da CRP, bem como a alínea b) do artigo 87º e as alíneas a) e b) do artigo 88º da LGT, para além do artigo 87º do CIVA.

Vejamos, começando por dizer que a sentença não apreciou, nem tinha que apreciar, já que não foi invocado na p.i, a agora alegada violação dos artigos 100º, nº 2 do CPPT, da alínea b) do artigo 87º e das alíneas a) e b) do artigo 88º, ambos da LGT, preceitos estes relacionados com a avaliação indirecta.

Importa lembrar, sem necessidade de nos alongarmos, que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação, significando isso que o Tribual “ad quem” deve produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. “Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição” – cfr., entre muitos outros neste sentido, o acórdão deste TCA, de 14/03/19, proferido no processo nº 687/18.8BELLE.

As mesmas palavras do parágrafo antecedente valem quanto à invocada violação do artigo 87º do CIVA, preceito este a que corresponde a epígrafe “Rectificação das declarações e liquidações adicionais”.

Quanto à invocação da parte final do nº 3 do artigo 103º da CRP, lembre-se que a mesma corresponde à formulação segundo a qual “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Ora, esta apontada violação do princípio constitucional da legalidade relativamente à liquidação e cobrança de impostos não vem minimamente concretizada, não se vislumbrando o alcance de tal afirmação no que ao IVA contestado respeita.

A terminar, cabe referir que o teor da conclusão 8ª é para aqui absolutamente inócua, pois daquilo que aqui se tratou foi do IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010, o que não se confunde com a sujeição, em sede de IRS, ao regime simplificado para os anos de 2009 e 2010.

Em suma, tudo visto e ponderado, improcedem todas as conclusões da alegação de recurso, o que equivale a dizer que mantém-se inalterada a sentença recorrida.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Oportunamente, preste a informação solicitada no ofício do DIAP de fls. 533.

Lisboa, 07/05/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Benjamim Barbosa)