Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01570/06
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/12/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL, FUNDAMENTOS DE ANULAÇÃO
Sumário:I – A acção de anulação de Acórdão Arbitral tem o seu âmbito de aplicação restrito aos fundamentos previstos nas várias alíneas do disposto no nº 1, do artº 27º da LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária, aqui aplicável, em conjugação com os seus artºs 16º e 23º, nº 1, alínea f) e nºs 2 e 3.
II – As causas de anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem e não à relação substantiva aí pleiteada ou seja, os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva ou processual.
III – O enfoque quanto ao âmbito de conhecimento da presente lide desloca-se da relação jurídica material litigiosa, decorrente do thema decidenduum, existente em momento prévio à constituição da instância arbitral, para a relação jurídica processual, decorrente da própria instância arbitral, incidindo quanto à validade formal da decisão arbitral.
IV – Tendo as partes acordado nos termos da Convenção de Arbitragem, que a decisão proferida na arbitragem não seria submetida a recurso, está vedada a reapreciação jurisdicional de mérito do Acórdão Arbitral.
V – Tal cláusula tem aplicação não só no que respeita à decisão final arbitral, entendida como a que definiu os termos do mérito da causa e pôs termo ao litígio, como igualmente em relação às decisões interlocutórias que no âmbito da instância arbitral foram proferidas.
VI – Tais decisões interlocutórias, desde que não tenham por finalidade exclusiva o de ordenar os termos do andamento do processo arbitral ou de regular a instrução da causa, são definitivas e vinculativas dentro do processo, adquirindo força de caso julgado formal.
VII – Por essa razão, vinculam os respectivos Árbitros, como qualquer sentença, não podendo ser revogáveis ou modificáveis, salvo através da interposição de recurso jurisdicional perante os Tribunais estaduais, no caso de o mesmo não ter sido afastado pelas partes, como no presente caso.
VIII – Embora se possa entender que o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes sejam uma emanação do princípio constitucional da igualdade, reflectidos no disposto nos artºs. 3º e 3º-A, do CPC, os mesmos não se confundem, tendo âmbitos normativos diferentes.
IX – Tal distinção e autonomia conceitual foi assumida nas várias alíneas do artº 16º da LAV, as quais traduzem o elenco dos princípios fundamentais a observar nos trâmites processuais da arbitragem, sendo o princípio da igualdade das partes previsto na sua alínea a) e o do contraditório consagrado na sua alínea c).
X – Nos termos da alínea c), do nº 1 do artº 27º da LAV, releva como fundamento de anulação da decisão arbitral, ter existido no processo a violação dos princípios referidos no artigo 16º, de entre os quais, o da igualdade das partes, “com influência decisiva na resolução do litígio”, o que tem o significado de na citada causa de anulação da decisão arbitral não caber qualquer violação, mas apenas a que influa decisivamente na resolução do litígio.
XI – O princípio da igualdade de tratamento das partes ao longo da tramitação do processo arbitral pretende que sejam dadas iguais oportunidades às partes, designadamente, quanto aos meios de defesa, exigindo que as partes possuam os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, situando-se cada parte numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas sejam tratadas de igual modo pelo Tribunal.
XII – Visando o princípio da igualdade do tratamento das partes alcançar a igualdade entre as partes determinada pela lei processual, nem sempre é possível assegurar essa igualdade, por a posição processual das partes ser, em muitos aspectos, processualmente distinta, não sendo possível assegurar sempre a igualdade substancial entre as partes.
XIII – A falta de fundamentação não se confunde com a alegada falta de coerência dada à resposta de certo quesito ou sequer com a interpretação enviesada da prova produzida ou fora do contexto.
XIV – Tendo o Acórdão Arbitral delimitado as questões que constituem o thema decidenduum, ou seja, as questões que as partes colocaram para sua apreciação e decisão, são apenas essas que integrando o objecto da lide, devem ser conhecidas e decididas pelo Tribunal Arbitral, sob pena de omissão de pronúncia, integrando todo o demais alegado a respectiva argumentação das partes, as suas razões ou fundamentos, que não as questões propriamente ditas.
XV – A consensualidade que preside à instância arbitral manifesta-se quer no entendimento prévio das partes sobre o litígio e no modo como o resolver, definindo as regras aplicáveis, quer na possibilidade de participar na escolha da composição do Tribunal Arbitral, mediante a escolha dos árbitros.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo nº 01570/06

Espécie: Acção de anulação de decisão arbitral

Data do acórdão: 12/09/2013

Requerimento da RAM, de fls. 547 e segs.:

A Região Autónoma da Madeira (doravante apenas RAM), veio, através do requerimento em presença arguir a nulidade parcial da réplica apresentada pela Madeira A..., Lda. (doravante apenas MEC), com o fundamento de que, alegando estar a responder a supostas excepções peremptórias, vem pronunciar-se de forma processualmente inadmissível sobre uma série de aspectos suscitados na defesa da Ré.

Assim, sustenta que o alegado pela MEC nos artºs 23º a 44º não é de admitir, por não constituir a resposta a defesa por excepção.

Vejamos.

Confrontando o alegado pela MEC nos citados artºs 23º a 44º da réplica e o alegado pela RAM na contestação apresentada em juízo, decorre que a MEC veio, nos citados artigos da réplica, pronunciar-se sobre o seguinte:

- no artigo 23º, sob a designação de “B – Omissão de pronúncia sobre documentos juntos aos autos”, diz que “É falso o alegado na RAM no artº 183º da contestação: (…)”;

- no artigo 24º, intitulado “C – Uma inadmissível interpretação da cláusula 1ª do Acordo de 11.11.2002”, refere que “A RAM transcreve, no art. 291º da contestação, a cláusula 1ª do Acordo de 11.11.2002, parecendo maliciosamente fazer crer que, com ela, as Partes quiseram limitar a base em que se iniciou a exploração do Estaleiro ao Protocolo de 1992 e às licenças (…)”;

- nos artigos 25º a 33º, sob a designação de “D – Prazos de entrega da doca flutuante”, refere que é falso o alegado nos artºs 299º e 304º da contestação, indicando o início do prazo de entrega da doca flutuante, a data do fim da execução da doca flutuante e que a resposta ao quesito no artº 302º consiste num lapso manifesto, decorrente de o Tribunal não ter atendido aos documentos relevantes;

- nos artigos 34º a 38º, sob a designação de “E – Utilidade da doca flutuante após a disponibilização do syncrolift refere que a resposta ao quesito 314º não diz o que se mostra alegado no artº 309º da contestação, mais aduzindo em relação à utilização da doca flutuante e,

- nos artigos 39º a 44º, sob a designação de “F – A desigualdade de tratamento no caso da grua Grove” invoca a falsidade do artº 372º da contestação, por confronto com o que a Autora alegou nos artºs 206º a 208º da petição inicial e sintetizado nas suas alegações de direito, mais alegando que “dispôs de 30 dias para elaborar a complexa petição inicial da presente acção – o que tornou muito difícil concretizar tudo o que era desejado e explica algumas deficiências dessa peça processual –, enquanto a RAM, para elaborar a sua contestação, dispôs, efectivamente, de 98 dias…”, concluindo pela procedência da acção.

Perante o exposto, o qual assenta, por um lado, na defesa apresentada pela RAM na contestação apresentada em juízo e, por outro, no teor dos citados artigos da réplica, é manifesto que tal como sustenta a RAM, a MEC, nos citados artigos da réplica, não vem responder a matéria de excepção.

A réplica tal como se encontra prevista no nº 1 do artº 502º do CPC, tem por escopo permitir ao autor responder à matéria de excepção que haja sido deduzida na contestação e “somente quanto à matéria desta” ou deduzir toda a defesa em relação ao pedido reconvencional, pelo que, falecendo o primeiro pressuposto, isto é, não se defendendo o réu por excepção, não assiste o direito ao autor de se pronunciar contra o teor da contestação, seja para dela discordar, seja para proceder à clarificação de certo ponto da matéria de facto ou para o esclarecimento de certa questão de Direito.

O âmbito da réplica restringe-se à resposta à excepção, seja peremptória, seja dilatória, ou a de contestar o pedido reconvencional, mas não para corrigir, completar ou esclarecer os factos que servem de fundamento à sua pretensão, mesmo que os mesmos tenham sido impugnados na contestação.

Compulsados todos os citados artºs 23º a 44º da réplica, por referência aos artigos da contestação nele referidos, é patente que a RAM neles não se defendeu por excepção, não tendo suscitado qualquer questão que obste que o Tribunal conheça do mérito da causa e que dê lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro Tribunal (nº 2 do artº 493º do CPC) ou sequer que tenha invocado matéria que importe a absolvição total ou parcial do pedido (nº 3 do artº 493º do CPC), que determine o direito de pronúncia da MEC.

Em consequência, não assiste à Autora o direito processual de se pronunciar, nos termos em que constam nos citados artºs 23º a 44º da réplica, os quais, em consequência, acarretam a nulidade parcial da réplica.

Termos em que, em face de todo o exposto, serão de dar por não escritos, os artºs 23º a 44º da réplica.


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Pelo que, com base nas razões antecedentes, por não se traduzirem na resposta a matéria de excepção que haja sido suscitada na contestação e, como tal, inadmissíveis, dou por não escritos o teor dos artºs 23º a 44º da réplica.

Notifique.


***

Considerando que, nos termos da alínea b), do artº 37º do ETAF, compete à Secção de Contencioso Administrativo de cada Tribunal Central Administrativo conhecer dos recursos de decisões proferidas por tribunal arbitral sobre matéria de contencioso administrativo, salvo o disposto em lei especial;

Considerando que tal disposição consagra a competência dos TCAs como tribunais de recurso, abrangendo também as acções de anulação interpostas contra as decisões proferidas por tribunal arbitral;

Considerando que a presente acção de anulação de acórdão arbitral segue, com adaptações, os termos da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, prevista e regulada no artº 37º e segs. do CPTA, por ser a forma adequada aos processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreve no âmbito da jurisdição administrativa e que nem o CPTA, nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial;

Considerando que a acção administrativa comum, segundo o nº 1, do artº 35º e o nº 1, do artº 42º do CPTA, segue os termos do processo de declaração, regulado no Código de Processo Civil;

Considerando que o nº 1, do artº 186º do CPTA (revogado pelo artº 5º, nº 2 da Lei nº 63/2011, de 14/12, que aprova a nova Lei de Arbitragem Voluntária), estipulava que as decisões proferidas por tribunal arbitral podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros;

Considerando que segundo o disposto no nº 1, do artº 27º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, aqui aplicável, a sentença arbitral só pode ser anulada pelo Tribunal judicial com base em algum dos fundamentos previstos nas suas alíneas a) a e);

Considerando os fundamentos que, em concreto, se mostram invocados em juízo, respeitantes às alíneas c), d) e e), do nº 1, do artº 27º da LAV, a saber, a violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, a violação do dever de fundamentação da decisão arbitral, o conhecimento de questões de que o Tribunal Arbitral não podia tomar conhecimento e ainda, a omissão de pronúncia, por o Tribunal Arbitral ter deixado de pronunciar-se sobre questões sobre que devia apreciar;

Considerando que tais fundamentos que integram a acção de anulação da decisão arbitral não respeitam ao mérito da sentença arbitral – os quais cabem apenas em sede de recurso da decisão arbitral –, não dizendo, por isso, respeito à substância do litígio, a qual está vedada a este Tribunal dela conhecer, mas apenas a motivos de ordem formal;

Dispensa-se a realização de audiência preliminar, prosseguindo-se com a prolação de saneador, o qual conhecerá do pedido.


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Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

Madeira A..., Limitada (MEC), devidamente identificada nos autos, veio instaurar acção de anulação do acórdão proferido em 06/03/2006 pelo Tribunal Arbitral, contra a Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do artº 27º, nº 1, alíneas c) [na parte em que remete para o artº 16º, alíneas a) e c)], d) [na parte em que remete para o artº 23º, nº 3] e e), e do artº 28º, da Lei nº 31/86, de 29/08.

Alega a Autora que o Tribunal Arbitral, desde o despacho saneador recusou a inclusão na base instrutória de numerosos factos relevantes, incluindo todos os da réplica, criando desigualdade entre as partes e eliminando a possibilidade de prova sobre esses factos e de contraditório.

O Tribunal não atendeu a nenhumas das respostas das testemunhas e dos peritos a tal respeito, omitindo pronunciar-se sobre questões sobre que devia ter-se pronunciado e em muitas respostas aos quesitos os Árbitros não se pronunciaram sobre os documentos juntos aos autos e que não foram impugnados, dando respostas que contradizem tais documentos e considerando provados por “Acordo das Partes” múltiplos quesitos a que a MEC não deu o seu acordo.

Isso inquina muitas respostas aos quesitos e prejudica gravemente o Acórdão final, o que significa que as respostas não têm fundamento bastante.

Mais sustenta que o Tribunal Arbitral ao interpretar o Protocolo de 09/11/1992 sem referência aos argumentos invocados pela MEC, sobre a questão da operacionalidade do Estaleiro e sobre a pretensa modificação do Protocolo decorrente da ampliação do Estaleiro, omitiu pronunciar-se sobre estas questões, comprometendo muitas decisões posteriores do acórdão.

O Tribunal nunca consentiu que fosse incluído na Base Instrutória nenhum dos factos articulados na réplica sobre a ampliação do estaleiro.

O Tribunal omitiu ainda pronunciar-se sobre a falta de sondagens prévias através das quais teria sido possível evitar o atraso na entrega do estaleiro, decorrente da necessidade de retirar lodos e lamas da zona do estaleiro.

Além disso, tendo o acórdão concluído que houve necessidade de lançar um novo concurso público para o alargamento do estaleiro, nunca chegou a conhecer da questão da culpa dessa pretensa necessidade, não levando à Base Instrutória a matéria alegada na réplica e que, por isso, não foi objecto de prova.

Sobre o acordo da MEC quanto à prorrogação do prazo de entrega do Estaleiro, o Tribunal não se pronunciou sobre o significado das várias reclamações da MEC e da falta de pagamento das rendas, demonstrativas de que a MEC nunca considerou o Protocolo de 1992 cumprido da parte da RAM, nem teve em conta que o SRECE reconheceu o atraso da RAM, pedindo à MEC o cálculo dos custos daí resultantes.

Por isso, o Tribunal não pode dizer que a MEC concordou com tal prorrogação, pelo que a conclusão do ponto 2.2. do Acórdão não tem o mínimo fundamento, por a MEC estar interessada na ampliação do Estaleiro desde a data do Protocolo de 09/11/1992, mas nunca ter considerado inevitável o lançamento de novo concurso, nem nunca ter acordado na prorrogação do prazo de entrega do estaleiro.

Invoca que a resposta ao quesito 307 está incoerente com a resposta ao quesito 344 e que se o Tribunal tivesse conhecido do suscitado, deveria ter concluído que não há fundamento para afastar a presunção de culpa da RAM nos atrasos da entrega do Estaleiro, assim como não está correcta a interpretação dada à resposta ao quesito 331.

Mais alega que o caderno de encargos e o contrato estavam mal feitos e só a RAM tem culpa dessa incoerência.

Assim, com base na omissão de conhecimento de inúmeras questões e na interpretação incorrecta da matéria de facto ou na sua omissão, fundamentos agora apenas parcialmente enunciados, sustenta a Autora a falta de fundamento de muitas decisões do Acórdão recorrido e a desigualdade de tratamento entre as partes, alegando que uma das partes, a RAM, foi favorecida objectivamente.

Além disso, alega que tendo reclamado da conta de custas da arbitragem, o Tribunal considerou findos os seus poderes jurisdicionais, pelo que pede que a reclamação seja considerada procedente e que seja ordenada a rectificação da liquidação das custas.

Conclui, formulando as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

“a) O acórdão impugnado conheceu de numerosas questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos acima descritos, que se dão aqui por reproduzidos;

b) O acórdão impugnado deixou de pronunciar-se sobre numerosas questões de que devia apreciar, nos termos acima descritos, que se dão aqui por reproduzidos;

c) O acórdão impugnado tratou desigualmente as Partes relativamente a várias decisões, nos termos acima descritos, que se dão aqui por reproduzidos;

d) Por isso, e com o douto suprimento que se requer, o acórdão impugnado deve ser anulado, com fundamento no disposto no art. 27.º, n.º 1, alíneas c) [na parte em que remete para o art. 16.º, alíneas a) e c)], d) [na parte em que remete para o art. 23.º, n.º 3] e e), e art. 28.º da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto, para vir a ser proferido novo acórdão que tenha em conta todos os factos e normas relevantes;

e) Deve ser reformada a conta de custas.”.

Termina pedindo a anulação do Acórdão impugnado.


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A Região Autónoma da Madeira, citada, veio apresentar contestação (cfr. fls. 389 e segs. dos autos), defendendo-se por impugnação.

Após explanar as circunstâncias que precederam a celebração do Acordo que esteve na base da Convenção de Arbitragem, refere os termos em que esta se desenvolveu, mediante a apresentação dos articulados pelas partes, a realização de várias sessões destinadas à condensação do processo, com a elaboração de uma relação de Factos Assentes e de Base Instrutória com o acordo das partes e a fase de produção de prova.

Alega que após as alegações sobre a matéria de facto, a resposta aos quesitos, a reclamação e a respectiva decisão, foram apresentadas as alegações de direito, ao que se seguiu o Acórdão impugnado.

Invoca que na cláusula 6ª da Convenção de Arbitragem, as partes acordaram que o Tribunal Arbitral decidirá sem recurso, pelo que, quiseram as partes que viesse a ser proferido Acórdão pelo Tribunal Arbitral que fosse definitivo quanto à regulação das relações existentes entre a MEC e a RAM e que fosse final quanto à resolução do litígio.

De tal forma as partes quiseram que o Acórdão Arbitral fosse definitivo e final que além de renunciarem ao recurso, acordaram que a execução integral do Acórdão fosse efectuada no prazo de sessenta dias a contar da sua prolação e que apenas com a prestação de caução poderia ser suspensa a execução do acórdão.

Sustenta que é clara a distinção entre o recurso da decisão arbitral e a sua anulação e que nesta não está em causa uma reavaliação do mérito da causa, mas a formulação de um juízo sobre graves vícios processuais, consubstanciados na violação de princípios e regras fundamentais.

Não é qualquer divergência com um particular aspecto do Acórdão Arbitral que constitui causa de anulação.

Sustenta que quando as partes hajam renunciado ao recurso, existe uma tentação natural de utilizar a acção de anulação como um meio para discutir novamente alguma ou algumas das decisões tomadas na sentença, esgrimindo, sob a capa de causas de anulação, os argumentos, os raciocínios e as conclusões que favorecem a sua posição perante os interesses em jogo, mas não pode proceder uma acção de anulação sempre que se verifique que, embora invocando formalmente causas de anulação, os vícios apontados à sentença consistam, na realidade, em meras discordâncias com a orientação seguida pelo Tribunal sobre a questão objecto do litígio.

Assim, sustenta a RAM que com a instauração da presente acção, a MEC, na realidade, pretende questionar cada uma das concretas decisões desfavoráveis, relativamente a si, tomadas no Acórdão Arbitral para, discutindo o mérito das decisões tomadas, tentar encontrar a propósito de tais decisões, alegados fundamentos de anulação do Acórdão.

Pronunciando-se sobre cada um dos fundamentos de anulação invocados pela MEC, conclui pela sua não verificação.

Conclui, pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada e mantido integralmente o Acórdão Arbitral, de 06/03/2006, por ao mesmo não ser assacável nenhum fundamento de anulação, previsto no artº 27º da LAV.


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A Autora, veio responder às excepções invocadas na contestação, apresentando réplica (cfr. fls. 503 e segs.).

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A Ré apresentou articulado em que arguiu a nulidade parcial da réplica (cfr. fls. 547 e segs.).

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Na sequência de requerimento da MEC, foi junto aos autos o processo arbitral (cfr. fls. 571), do qual foram as partes notificadas.

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Por despacho, foi decidida a nulidade parcial da réplica.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA ACÇÃO - QUESTÕES A APRECIAR

As questões suscitadas resumem-se em determinar se a decisão arbitral impugnada enferma dos seguintes vícios:
1. Violação dos princípios da igualdade entre as partes e do contraditório [artºs 27º, nº 1, alínea c) e 16º, alíneas a) e c), da LAV];
2. Violação do dever de fundamentação [artºs 27º, nº 1, alínea d) e 23º, nº 3, da LAV];
3. Conhecimento de questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento e omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar [artº 27º, nº 1, alínea e) da LAV].

Além disso, foi ainda deduzida:
4. Reclamação contra a conta de custas.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

Dão-se por assentes os seguintes factos:
A) Em 24/09/2003, as partes acordaram proceder, em conjunto, à condensação do processo – Cfr. Acta, constante a fls. 515 dos autos;
B) Em sessões realizadas em 22/10/2003, 20/11/2003, 16/12/2003, 23/12/2003, 06/01/2003, 07/01/2004, 08/01/2004 e 14/01/2004, o Tribunal Arbitral e os respectivos mandatários das partes trabalharam em conjunto na elaboração da selecção dos Factos Assentes e da Base Instrutória, tendo quanto aos Factos Assentes “chegado a acordo na quase totalidade dos pontos” e concluído quanto ao projecto de Base Instrutória que o mesmo ia a “vistas finais de cada uma das Partes, para efeitos de eventuais afinamentos de forma e harmonização de quesitos” – Cfr. Actas nºs 2 a 9, constantes dos autos, a fls. 516 a 524 dos autos;
C) Em 20/11/2003, o Tribunal Arbitral decidiu que “Em face das declarações das Partes, o Tribunal aceita reconhecer não ter poderes para quantificar a eventual indemnização devida pela RAM a título de lucros cessantes decorrentes da antecipação da entrega do estaleiro por parte da MEC.” – cfr. Acta nº 3, a fls. 517-518;
D) Em 28/01/2004, pelas 09H00, o Tribunal Arbitral proferiu despacho-saneador, conhecendo das excepções de incompetência do Tribunal Arbitral para o conhecimento das pretensões da MEC correspondentes:
i) à indemnização por 30 anos de lucros cessante no montante de 2.878.498.000$00 (€ 14.357.885,00) formulada no artigo 414º da petição inicial e retomada no quadro do artigo 483º da mesma petição inicial,
ii) à indemnização pela não adjudicação da doca flutuante e à indemnização decorrente da empreitada da construção de um berço de 90 metros.
iii) À indemnização aos sócios e gerentes da MEC,

julgando-se incompetente para o julgamento das questões supra enunciadas, por não caberem no clausulado da Convenção de Arbitragem, nos termos da sua respectiva fundamentação, para que se remete e ora se dá integralmente por reproduzida, mais conhecendo da nulidade parcial da réplica, nos seguintes termos: “Prejudicado o seu conhecimento pelo acordo das Partes traduzido no Projecto Conjunto de Factos Assentes e Base Instrutória, entregue ao Tribunal nesta reunião.” – cfr. Acta nº 10, a fls. 525 a 528 dos autos;
E) Em 28/01/2004, pelas 11H30, o Tribunal Arbitral e os mandatários das partes acordaram que, partindo do Projecto Conjunto de Factos Assentes e Base Instrutória que os mandatários das partes nessa data entregaram ao Tribunal, passe o Tribunal Arbitral a fixar a matéria de facto assente e a controvertida, elaborando a Especificação e o Questionário – cfr. Acta nº 11, a fls. 529 dos autos;
F) Em 20 de Março de 2004, nos termos da Acta nº 18, resulta que “foi acordado entre o Tribunal Arbitral e os Mandatários, com base no nº 16/2 do Regulamento e da proposta do Tribunal Arbitral de 21 de Janeiro de 2003, fixar os honorários dos Árbitros em 2/3 do valor resultante da aplicação da tabela máxima do Regulamento da Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, em vigor desde 1 de Janeiro de 1998, acrescidos, atentas a duração e complexidade do processo, em 50%.” – cfr. fls. 628-629 dos autos;
G) Em 06/03/2006 o Tribunal Arbitral elaborou a decisão final, que foi assinada pelos três Árbitros, nos termos constantes a fls. 188-357 dos autos, para que se remete e se considera integramente reproduzido, para todos os efeitos legais;
H) Em 08/03/2006 foi elaborada a liquidação da conta de custas do processo arbitral, indicando como unidade monetária o Euro e sem fazer qualquer referência à moeda US Dólares, nos exactos termos constantes do documento de fls. 631-632 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;
I) Em 09/03/2006 foi rectificada a conta de custas, nos termos do documento de fls. 633 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;
J) Em 14/03/2006 o Secretário do processo arbitral pronunciou-se sobre o pedido de “revisão” do cálculo das custas da arbitragem, apresentada pela Autora, informando que “(…) de acordo com o Regulamento do Tribunal Arbitral, anexo à Convenção de Arbitragem, as custas do processo são constituídas por: (i) honorários dos Árbitros; (ii) encargos administrativos e (iii) despesas com a produção de prova (artigo 15º). (…)

4. Das três rúbricas que compõem as “custas do processo”, apenas a que respeita ao cálculo dos honorários dos Árbitros tem como padrão a tabela referida pelo Senhor Mandatário da MEC e nos seguintes termos:

“Os honorários dos Árbitros serão fixados, a final, de harmonia com a tabela do Regulamento de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio e Internacional (…)”.

Daqui resulta, desde logo, que a Liquidação de Custas do Processo não tem que ser elaborada em US Dólares (moeda em que estão expressas as tabelas dos Regulamentos da CCI) – a referência à tabela da CCI é feita, como já se disse, tão somente no que respeita aos honorários dos Árbitros.
5. Acresce ainda que, salvo melhor opinião, os honorários serem fixados de harmonia com determinada tabela… significa apenas isso. Ou seja, que o método utilizado para se apurara o valor devido a título de honorários é o da aplicação daquela tabela e não um outro qualquer.

Claro está que, utilizando aquela tabela como base de cálculo o dólar norte-americano, o valor sobre qual se aplicarão as taxas nelas previstas terá que ser expresso nessa mesma moeda.

Mas daí não parecer resultar que o pagamento ou cálculo final das custas da arbitragem seja em US Dólares.
6. As Partes formularam pedidos em Euros: a Demandante € 25.659,012,00 e a Demandada € 570.044,85, do que resultou a fixação à arbitragem do valor de € 26.299.056,85.

Houve, por isso, necessidade de converter este valor em US Dólares para se achar o valor de honorários dos Árbitros de harmonia com a tabela da CCI, para o que o Tribunal Arbitral determinou a aplicação da taxa de câmbio 1€ = 1.0653 USD, que vigorava em 21 de Janeiro de 2003, data em que o Tribunal Arbitral se considerou constituído.

E, por sua vez, converteu-se em Euros o valor de honorários que resultaram do cálculo feito de harmonia com a tabela da CCI. (…)
7. Por tudo isto e salvo determinação em contrário, entende o signatário que não tem de elaborar a Liquidação de Custas em US Dólares, mas apenas de calcular uma das rubricas dessas Custas – a dos honorários dos Árbitros – de harmonia com a tabela da CCI.” – cfr. fls. 635-637 dos autos, para que se remete;
K) Em 17/03/2006 o Presidente do Tribunal Arbitral notificou o ilustre mandatário da MEC de que, atento o depósito do original da decisão arbitral se encontrava esgotado o poder jurisdicional – cfr. fls. 364 dos autos;
L) Em 20/03/2006 a MEC apresentou reclamação da conta de custas, nos termos constantes do documento de fls. 359-360 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;
M) Em 07/04/2006 a MEC instaurou no TCAS a presente acção de anulação do Acórdão Arbitral, a que se refere a alínea F) – cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos.

DO DIREITO

Cumpre apreciar dos fundamentos da presente acção de anulação de decisão arbitral.

Atenta a extensão e complexidade dos articulados apresentados pelas partes, que reflectem a complexidade do litígio e a importância da relação jurídica material subjacente, impõe-se que antes se proceda a algumas considerações sobre a natureza do presente processo e o seu âmbito de conhecimento, as quais perpassam os fundamentos da acção e que relevam para a compreensão e fundamentação de Direito que se dará em seguida, acerca de cada um dos fundamentos do pedido.

Tal como se adiantou nos considerandos supra enunciados, a presente acção de anulação tem o seu âmbito de aplicação restrito aos fundamentos previstos nas várias alíneas do disposto no nº 1 do artº 27º da LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária, aqui aplicável, em conjugação com os seus artºs 16º e 23º, nº 1, alínea f) e nºs 2 e 3, os quais são os seguintes:

a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;

b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;

c) Ter havido no processo violação dos princípios do direito de defesa de audiência, igualdade e contraditório, com influência decisiva na resolução do litígio;

d) Faltar a assinatura dos árbitros ou a fundamentação da decisão;

e) Ter havido o conhecimento, pelo tribunal arbitral, de questões que não podia tomar conhecimento ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

No presente caso os fundamentos da acção consistem naqueles que foram enunciados na petição inicial e que respeitam a saber se incorre o Acórdão Arbitral na violação:
(i) dos princípios da igualdade entre as partes e do contraditório;

(ii) do dever de fundamentação e

(iii) do conhecimento de questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento e da omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, a que se reportam as referidas alíneas c), d) e e).

Como se retira da sua leitura, as causas de anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem e não à relação substantiva aí pleiteada ou, por outras palavras, os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva ou processual.

Tais fundamentos não respeitam ao mérito da causa, isto é, ao cerne da relação jurídica material que opõe as partes em juízo, mas tão só a aspectos de natureza formal, sobre os termos que obedece a tramitação do processo arbitral e a própria elaboração da decisão arbitral.

Por isso, a pronúncia que o presente Tribunal é chamado a emitir não incide sobre os termos da causa ou sobre a controvérsia decorrente do thema decidenduum, tal como enunciado pela Autora na petição inicial da instância arbitral, quanto a definir a situação jurídica das partes em face do complexo feixe de direitos e de deveres por se rege a respectiva relação jurídica – que assenta na celebração, em 09/11/1992, do Protocolo de Acordo de Cooperação e da Convenção da Arbitragem, que assumiu a forma de compromisso arbitral, melhor descritos no Relatório, sob a alínea “B – A Convenção de Arbitragem e o objecto do litígio” –, mas apenas quanto à validade formal da decisão arbitral.

O enfoque quanto ao âmbito de conhecimento da presente lide desloca-se da relação jurídica material litigiosa, existente em momento prévio à constituição da instância arbitral, para a relação jurídica processual, decorrente da própria instância arbitral.

Releva, por isso, apurar se no âmbito da instância arbitral as partes foram tratadas com igualdade e se foi respeitado o princípio do contraditório, se o Acórdão Arbitral se encontra fundamentado de facto e de direito e se o mesmo incorre em excesso e em omissão de pronúncia, e não sobre quaisquer questões de direito material.

Neste sentido, cfr. entre outros, o Acórdão do STJ, sob nº 209/07.6TBPCV-A.C1.S1, 2ª Secção, datado de 11/02/2010, segundo o qual: “Os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva (processual).”.

Pelo que, não cabe na presente acção de anulação definir qual a interpretação a extrair do Protocolo celebrado pelas partes quanto à operacionalidade do Estaleiro vs. limitação à empreitada de 1990; nem quanto à pretensa modificação do Protocolo por mútuo consentimento, quanto ao prazo de entrega do Estaleiro e a mora do devedor; nem quanto à pretensa inexistência de “mora debendi” na entrega do Estaleiro em Julho de 1997; nem ainda, quanto aos incumprimentos parciais e cumprimentos defeituosos da RAM na entrega do Estaleiro Naval do Caniçal ou quanto à mora do devedor em relação à entrega do Pavilhão Industrial do Estaleiro Naval do Caniçal, assim como todos os demais fundamentos invocados na petição inicial da presente acção e que, sumariamente, constam do seu respectivo “Índice”, por respeitarem ao mérito da causa.

Do mesmo modo, quanto à impugnação da matéria de facto que foi dada por assente no Acórdão Arbitral, seja com fundamento em deficiência, seja por contradição ou obscuridade da decisão, já que tal impugnação terá por base o erro de julgamento de facto, que não constitui fundamento de anulação da decisão arbitral.

Apresenta-se relevante tomar desde já posição sobre os termos do litígio, pois em face do citado “Índice” da petição inicial constata-se que a Autora ao invés de centrar a sua alegação naqueles que constituem os fundamentos do pedido de anulação do Acórdão Arbitral, direcciona a sua alegação em fundamentos de natureza material, como se constituísse finalidade e fosse possível ao Tribunal da presente acção de anulação da decisão arbitral, conhecer de questões respeitantes ao mérito do litígio.

Por isso, denota-se que a petição inicial se encontra estruturalmente desajustada quanto à alegação dos fundamentos da acção de anulação, exigindo um trabalho árduo do presente Tribunal, quanto a descortinar na alegação dos seus 414 artigos (excluindo os artigos 415 a 424, respeitantes à reclamação da conta de custas), os fundamentos que integram as alegadas causas de anulação da decisão arbitral, que não se apresentam, concreta e individualmente identificadas, mas, pelo contrário, misturadas entre si e sem qualquer ordem lógica de alegação.

De resto, cumpre sublinhar que as partes acordaram nos termos da cláusula Sexta da Convenção de Arbitragem, que a decisão proferida na arbitragem não seria submetida a recurso (cfr.: “As partes acordam em que o Tribunal Arbitral decidirá sem recurso.”), vedando, por isso, a reapreciação jurisdicional de mérito do Acórdão Arbitral.

Tal cláusula tem aplicação não só no que respeita à decisão final arbitral, entendida como aquela que definiu os termos do mérito da causa e pôs termo ao litígio, como igualmente em relação às decisões interlocutórias que no âmbito da instância arbitral foram proferidas, seja quanto as mesmas incidam sobre a matéria de excepção suscitada, seja sobre a inadmissibilidade de certo pedido que foi deduzido ou sobre a (in)competência do Tribunal Arbitral, seja ainda sobre os termos do andamento do processo arbitral ou quanto à admissão, parcial ou não, de certos articulados apresentados pelas partes.

Em todos os casos, com maior ou menor intensidade, estão em causa decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral que, quer versem sobre questões materiais, quer sobre questões processuais, relevam para o desfecho da causa, podendo mesmo ser determinantes.

Tais decisões interlocutórias, desde que não tenham por finalidade exclusiva o de ordenar os termos do andamento do processo arbitral ou de regular a instrução da causa, são definitivas e vinculativas dentro do processo, adquirindo força de caso julgado formal.

Por essa razão, vinculam os respectivos Árbitros que as proferiram, como qualquer sentença, não podendo ser revogáveis ou modificáveis, salvo através da interposição de recurso jurisdicional perante os Tribunais estaduais, ainda que não imediato, no caso de o mesmo não ter sido afastado pelas partes, como no presente caso – neste sentido, cfr. “Decisões interlocutórias e parciais no processo arbitral. Seu objecto e regime”, António Sampaio Caramelo, inTemas de Direito da Arbitragem”, Coimbra Editora, 2013, pág. 183.

Pronunciando-se sobre a possibilidade de existir a correcção, interpretação e integração da sentença arbitral, mas limitando a possibilidade de rectificação da sentença ao caso de erro material, que é facilmente identificável, por não se compadecer com a lógica do texto da sentença, vide Alexandra Valpaços Gomes de Campos, “O esgotamento do poder jurisdicional dos Árbitros: correcção, interpretação e integração da sentença arbitral”, in Revista da Ordem dos Advogados, 72 – 4º (Out.-Nov. 2012), pág. 1379 e segs..

Segundo o entendimento maioritário da doutrina portuguesa, em certos sistemas jurídicos como o nosso, assente na Lei de Arbitragem Voluntária, “só a “decisão final” proferida no processo arbitral [com a possível excepção das “sentenças parciais” (…)], isto é, a decisão que se pronuncia definitivamente sobre o objecto do litígio ou que extingue a instância sem conhecer do mérito, é impugnável perante os tribunais estaduais, seja por via de recurso (quando este seja possível) seja por via da acção de anulação.” – vide António Sampaio Caramelo, obra citada, págs. 184-185, João Luís Lopes dos Reis, “Questões de Arbitragem ad hoc II”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59, 1999, Tomo I, pág. 270 e segs. e ainda, Luís de Lima Pinheiro, “Arbitragem Transnacional. A determinação do estatuto da arbitragem”, Almedina, 2005, págs. 174-176.

Em sentido contrário, defendendo que quando as partes não hajam excluído os recursos, quaisquer decisões interlocutórias proferidas em processo arbitral que forem equivalentes a decisões proferidas em processo civil comum e aí sejam passíveis de recurso, também serão recorríveis para o Tribunal da Relação ou para o STJ, por força do princípio da equiparação, previsto no nº 1, do artº 29º, da LAV, cfr. Luís Carvalho Fernandes, “Dos Recursos em Processo Arbitral”, in Estudos em Homenagem ao Professor Raúl Ventura, Coimbra Editora, 2003, pág. 150-152.

Revertendo tais considerações doutrinais ao caso em presença, não há dúvidas de que o Tribunal Arbitral tomou certas decisões interlocutórias, quer versando sobre os termos do andamento da causa, quer sobre certos aspectos com relevância para o desfecho da decisão final, que assumem natureza vinculativa e definitiva, como seja, as que versam sobre a matéria de excepção, questões prejudiciais, matéria de competência e sobre os pedidos apresentados na instância arbitral, as quais constituem julgamentos parciais em processo arbitral.

Ainda que se admitisse o entendimento doutrinário minoritário, que admite o recurso jurisdicional destas decisões, em termos similares ao do recurso que couber da decisão final, certo é que no presente caso as partes convencionaram a exclusão do recurso, por ao mesmo terem renunciado, nos termos em que o permite o disposto no nº 1 do artº 29º da Lei da Arbitragem Voluntária, pelo que tais decisões encontram-se transitadas em julgado.

Assim, também essas decisões proferidas ao longo da instância arbitral se consolidaram na ordem jurídica, designadamente, no que respeita aos seus pressupostos materiais, os quais são agora inatacáveis, por força da opção tomada quanto à renúncia do recurso.

Por isso, tal como decorre do Acórdão do STJ, sob nº 08A1698, datado de 10/07/2008, “Convencionando as partes que as questões que entre elas viessem a ter lugar seriam necessária e exclusivamente decididas por um Tribunal Arbitral e que da decisão deste não cabia recurso para outra instância, vedada lhes estava a discussão por via de recurso do mérito da decisão final dos árbitros, dispondo, todavia, da possibilidade de anulação da sentença arbitral, atentos os fundamentos previstos no art. 27 da Lei 31/86, de 29-8.”.

Em termos semelhantes, vide o Acórdão do mesmo Tribunal, sob nº 06B3359, de 03/05/2007: “1 – Quando as partes, no exercício legítimo da sua autonomia contratual, assinaram uma convenção arbitral e renunciaram a outro foro, vedada lhes fica a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final. 2 – Resta-lhes, em tal caso, a possibilidade de anulação da sentença arbitral nos termos e fundamentos do art. 27º, nº 1 da LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto).” (sublinhado nosso).

Ainda segundo o aresto do STJ, sob nº 06B2366, de 24/10/2006, “I - Lícita, como decorre do art. 29º, nº 1º, LAV., a renúncia aos recursos, fica, nesse caso, vedada às partes a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e, assim, da legalidade ou correcção não apenas dessa decisão, como das interlocutórias que nela tenham influído. II - Em tal caso, as decisões dos árbitros só podem ser atacadas, em acção de anulação, com fundamento nalgum dos vícios taxativamente indicados no art.27º, nº1º, LAV, ou por meio dos embargos a que aludem os arts.31º LAV e 814º CPC. III - Na acção de anulação, necessária e estritamente assente nas causas de pedir, típicas e únicas, indicadas no art. 27º, nº 1º, LAV, não é permitido censurar ou sindicar a legalidade ou mérito da decisão final, nem das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo que nela tenham influído, pois, a ter ocorrido ilegalidade, isso mesmo constituiria o fundamento dos recursos a que as partes renunciaram.” (sublinhados nossos).

E ainda, no mesmo sentido, vide o Acórdão do STJ, sob nº 3442/07.7TBVLG.P1.S1, datado de 07/06/2011, nos termos do qual, “1 – Acontecida renúncia aos recursos com amparo no disposto no artº. 29º nº 1 da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (LAV), veda aquela às partes a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões interlocutórias que naquela tenham influído. 2 – Havida renúncia aos recursos, as decisões dos árbitros tão só podem ser atacadas em acção de anulação com fundamento nalgum dos vícios taxativamente indicados no artº 27º nº 1 da LAV, ou por meio de oposição à execução, de acordo com o plasmado no artº. 815º do CPC.” (sublinhado nosso).

Pelo que, delimitado o âmbito da presente acção de anulação, adquirido que está vedado a este Tribunal estadual entrar no mérito intrínseco da decisão arbitral ou de qualquer uma das decisões interlocutórias tomadas, com relevo para o decidido no Despacho-Saneador, por as partes, expressamente, na sua cláusula compromissória, terem renunciado a outro qualquer foro que não o arbitral, excluindo a possibilidade de interposição de recurso, pode agora entrar-se na verdadeira questão decidenda, qual seja a de saber se deve ou não ser anulado o Acórdão Arbitral, segundo os fundamentos de anulação previstos no nº 1, do artº 27º da LAV, nos termos em que foram invocados pela Autora na petição inicial e enunciados supra, nas questões a apreciar.

1. Violação dos princípios da igualdade entre as partes e do contraditório [artºs 27º, nº 1, alínea c) e 16º, alíneas a) e c), da LAV]

A Autora, na petição inicial, em sede de “Considerações gerais” começa por alegar que desde o Despacho-Saneador o Tribunal Arbitral recusou a inclusão na Base Instrutória de numerosos factos relevantes, incluindo todos os da réplica, criando desigualdade entre as partes e eliminando a possibilidade de prova sobre esses factos e de contraditório.

Alega que em face das reclamações da MEC, o Presidente do Tribunal disse, verbalmente, que os considerava “consumidos” nos quesitos baseados na contestação, vindo a não atender às respostas das testemunhas e dos peritos, dadas a tal respeito.

Concretiza tal alegação nos seguintes artigos da petição inicial:

- nos artigos 29, 42 e 50, ao invocar que o Tribunal não consentiu que fosse incluído na base instrutória nenhum dos factos articulados na réplica, em detrimento da MEC e apesar da sua reclamação (fls. 101-102, 104 e 106 dos autos);

- no artigo 57, ao alegar que na página 235 do Acórdão está reproduzida a resposta ao quesito 307, mas não a resposta ao quesito 344, que vem apenas mencionada e que essa diferença de tratamento é importante (fls. 107-108 dos autos);

- no artigo 79, ao invocar que ao faltar fundamento na prova produzida, tal revela manifesta desigualdade de tratamento entre as partes (cfr. fls. 112 dos autos);

- no artigo 90, ao referir que não foi possível fazer prova sobre a data de entrega dos tractores, porque os Árbitros recusaram incluir na base instrutória o facto referido no artigo 290 da réplica (cfr. fls. 115 dos autos);

- no artigo 104, ao dizer que o acórdão favorece objectivamente uma das partes, a RAM, em detrimento da MEC, no que se refere ao ponto 4.1 do acórdão, a páginas 245 e segs. ao tentar deduzir das respostas aos quesitos o contrário daquilo que elas dizem (cfr. fls. 118 dos autos);

- no artigo 151, ao referir que o Tribunal ao não conhecer da questão de estar ultrapassado o prazo de entrega da doca flutuante, está a favorecer objectivamente a RAM, em detrimento da MEC (cfr. fls. 126 dos autos);

- no artigo 153, ao dizer que o Tribunal ignorou o que a MEC havia chamado à atenção, em clara manifestação de desigualdade de tratamento das partes, em detrimento da MEC (cfr. fls. 126 dos autos);

- no artigo 154, ao alegar que a RAM nunca satisfez o requerido pela MEC no artº 155º da réplica e sem que o Tribunal tenha retirado dessa omissão qualquer consequência, o que constitui uma manifestação de desigualdade de tratamento das partes, em detrimento da MEC (cfr. fls. 127 dos autos);

- no artigo 158, ao alegar que ao referir apenas a resposta ao quesito 317, o acórdão omite qualquer referência às várias reclamações escritas pela MEC contra a falta de entrega da doca flutuante, mencionadas no artº 160º da réplica, mas não levadas à base instrutória, em mais uma manifestação de desigualdade de tratamento das partes, em detrimento da MEC (cfr. fls. 127 dos autos);

- no artigo 160, ao alegar que o Tribunal concluiu que não se chegou a constituir a obrigação de entrega da doca flutuante pelo facto de não ter chegado a ser assinada a Adenda ao Anexo I do Protocolo, mas em situação equivalente, mas de sentido inverso, o Tribunal reconhecer a constituição da obrigação da MEC pagar à RAM um aumento de renda de 500 contos por mês, apesar de não ter sido assinado o correspondente contrato, em clara desigualdade de tratamento das partes (cfr. fls. 128 dos autos);

- no artigo 161, ao alegar que o Tribunal desconhece um conjunto de factos e de argumentos invocados pela MEC nos nºs 1165 a 1215 das suas alegações de direito, em manifestação de desigualdade de tratamento das partes (cfr. fls. 128 dos autos);

- no artigo 162, ao dizer que a RAM nunca satisfez o requerido pela MEC nos artºs 512º e 513º da réplica, sem que o Tribunal tenha retirado dessa omissão qualquer consequência, em manifestação de desigualdade de tratamento das partes (cfr. fls. 128 dos autos);

- no artigo 179, ao invocar que a referência no acórdão à “escassa importância” da violação contratual, de ter considerada “ilidida a presunção de culpa da RAM” e de reconhecer uma “impossibilidade objectiva da realização do último teste”, deve ser tomado como mais uma manifestação do tratamento desigual das Partes, por à RAM todos os incumprimentos são desculpados (cfr. fls. 132 dos autos);

- no artigo 189, ao dizer que o Tribunal fez uma interpretação enviesada das respostas dos Peritos técnicos, tratando, uma vez mais, desigualmente as Partes (cfr. fls. 134 dos autos);

- nos artigos 196 e 197, ao dizer que o Tribunal não incluiu o facto alegado no artº 290º da réplica na base instrutória, ficando a MEC inibida de fazer prova cabal desse facto, tratando desigualmente as Partes (cfr. fls. 135 dos autos);

- no artigo 203, ao referir que o Tribunal tratou desigualmente as partes (cfr. fls. 136 dos autos);

- nos artigos 208 e 212, ao referir que o caso da grua Grove é um dos casos em que é mais nítido o desigual tratamento dado às partes pelo Tribunal, em detrimento da MEC, pela recusa de inclusão na base instrutória de factos articulados na réplica, depois, pela ignorância em relação a numerosos documentos juntos com a réplica, cujo conhecimento obrigaria o Tribunal a uma decisão contrária à que tomou e, finalmente, porque acaba por incluir a avaria da grua Grove (da responsabilidade exclusiva da RAM, porque a MEC nunca assinou o auto de doação da grua) entre as causas de caducidade da licença e ainda, pela alegação de que o acórdão ao considerar a falta de “apenas” o segundo guindaste como um “incumprimento parcial pouco significativo”, revela um modo de tratamento desigual das Partes (cfr. fls. 138 e 139 dos autos);

- no artigo 226, ao referir que a decisão do Tribunal quanto à questão da falta de cais para reparações ao cais está formalmente correcta, mas que revela uma desigualdade de tratamento das partes (cfr. fls. 141 dos autos);

- no artigo 243, ao referir que o Tribunal não admitiu incluir na base instrutória os factos articulados nos artºs 651º a 653º da réplica (cfr. fls. 144 dos autos);

- nos artigos 246 e 247, ao referir que o facto de o acórdão considerar que “um ou outro cumprimento parcial ou cumprimento imperfeito (...) não evidencia cumprimentos parciais ou cumprimentos defeituosos graves, sequer (...) significativos” tem de ser tomado como uma manifestação de tratamento desigual das Partes, sobretudo, quando confrontado com o que o mesmo acórdão decidiu quanto aos incumprimentos pela MEC (cfr. fls. 145 dos autos);

- no artigo 277, ao referir que a interpretação dada pelo acórdão, na pág. 288, à resposta ao quesito 130 mostra que os Árbitros não quiseram pronunciar-se sobre as questões de facto e de direito suscitadas pela MEC nos n.ºs 1459 a 1479 das suas alegações, tratando a MEC com manifesta desigualdade (cfr. fls. 152 dos autos);

- no artigo 283, ao referir que o Tribunal exige da MEC um “rigor” que não exige da RAM, tratando assim, desigualmente as partes (cfr. fls. 153 dos autos);

- no artigo 308, ao dizer que no n.º IV – B – 1.1. do acórdão impugnado, o Tribunal tratou desigualmente as partes, ao exonerar a RAM da obrigação de entrega da doca flutuante por falta de forma do acto respectivo, por a Adenda ao Protocolo nunca ter chegado a ser assinada, mas considerou a MEC obrigada a pagar o aumento de renda de 500 para 1000 contos, a pretexto de que a falta de forma é, neste caso, irrelevante (cfr. fls. 159 dos autos);

- no artigo 336, ao invocar que o facto de o acórdão considerar fundamento de revogação da licença as dívidas da MEC ao Estado, à Segurança Social e aos trabalhadores, nas circunstâncias em que estas se verificaram, em consequência dos atrasos e incumprimentos da RAM, ao mesmo tempo que considera justificados estes mesmos atrasos e incumprimentos da RAM, que ainda hoje não entregou 3 berços de 60 m, que se obrigou a entregar até 1998, revela uma grave desigualdade de tratamento das Partes (cfr. fls. 165 dos autos);

- nos artigos 353 e 379, ao invocar que o facto de o Tribunal considerar as anomalias referidas como suficientemente graves para justificar a revogação da licença, ao mesmo tempo que considerou “insignificantes” os numerosos e importantes atrasos e incumprimentos da RAM, mostra que o Tribunal usa critérios de julgamento diferentes para cada uma das Partes: que as trata de modo desigual (cfr. fls. 168 e 175 dos autos) e

- no artigo 360, ao invocar que o conhecimento da questão da falta de investimento da MEC em produtos novos, de que não podia conhecimento, contribui para denegrir a imagem da MEC e constitui maus um manifesto tratamento desigual das Partes (cfr. fls. 170 dos autos).

1.1. Violação do princípio do contraditório

Analisada toda a alegação da Autora ao longo da petição inicial e, em especial, nos mencionados artigos, resulta que os fundamentos de anulação do acórdão arbitral ora em análise, relativos à violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, não se apresentam, em nenhum momento, autonomizados entre si na petição inicial.

Por outro lado, existe a referência à violação do princípio do contraditório apenas por menção da alínea c), do artº 16º da LAV, por remissão da alínea c), do nº 1 do artº 27º da LAV, ou seja, limita-se a Autora a invocar o fundamento de anulação previsto na alínea c), do artº 16º da LAV, sem que depois o concretize na sua alegação, por nem uma única vez se referir à sua violação.

A Autora, em nenhuma circunstância alega que ao longo das várias fases do processo tenha sido privada de se pronunciar sobre qualquer questão, não se mostrando sequer invocado que os Juízes Arbitrais tenham decidido qualquer questão, seja de facto, seja de Direito, sem primeiro ouvir as partes, permitindo a sua pronúncia.

O direito ao contraditório possui um conteúdo que tanto abrange o direito à audiência prévia, ou seja, o de permitir à parte se pronunciar antes de ser tomada qualquer decisão, mas também o direito de resposta, conhecendo tudo quanto se passa no processo, seja da conduta processual da contraparte, seja do próprio Tribunal e de tomar posição ou responder a certo acto processual.

Embora se possa entender que o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes sejam uma emanação do princípio constitucional da igualdade, reflectidos no disposto nos artºs. 3º e 3º-A, do CPC, os mesmos não se confundem, tendo âmbitos normativos diferentes, o que não decorre da alegação da Autora em juízo – sobre a distinção entre os citados princípios estruturantes do processo, vide Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Processo Civil”, Lex, 2ª edição, 1997, págs. 42-46 e 46-48.

Tal distinção e autonomia conceitual foi assumida nas várias alíneas do disposto no artº 16º da LAV, as quais traduzem o elenco dos princípios fundamentais a observar nos trâmites processuais da arbitragem, sendo o princípio da igualdade das partes previsto na sua alínea a) e o do contraditório consagrado na sua alínea c).

Por isso, confere o legislador da LAV um claro e expressivo sinal de que não pretende a assimilação de ambos os princípios, mas que, pelo contrário, lhes confere autonomia e espaço individualizado de aplicação.

Porém, atenta a falta de concretização da violação do princípio do contraditório, seja de facto, seja de direito, forçoso se tem de concluir que não se pode dar por provado tal fundamento de anulação do acórdão arbitral, o qual, será, por isso, de julgar improcedente, por não provado.

1.2. Violação do princípio da igualdade das partes

No que respeita à violação do princípio da igualdade das partes, segundo a alegação da Autora, enunciada nos supra mencionados artigos da petição inicial, a mesma radica, em súmula, na seguinte ordem de razões:

(i) na falta de consideração de factos alegados na réplica e, consequentemente, na falta de produção de meios de prova sobre esses factos,

(ii) na dualidade de critérios decisórios em situação equivalente, mas de sentido inverso,

(iii) na simples menção feita a certo quesito, quando é feita a reprodução de outros quesitos noutras circunstâncias,

(iv) a falta de fundamento e a errada interpretação da prova produzida, ao tentar deduzir das respostas aos quesitos o contrário daquilo que disseram as testemunhas ou os peritos,

(v) o deixar de se pronunciar sobre questões e argumentos invocados pela MEC e ao pronunciar-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento.

Porém, não tem a Autora razão.

Conforme se extrai da redacção da alínea c), do nº 1 do artº 27º da LAV, releva como fundamento de anulação da decisão arbitral, ter existido no processo a violação dos princípios referidos no artigo 16º, de entre os quais, o da igualdade da partes, “com influência decisiva na resolução do litígio”.

Doutro modo, ocorrendo a violação desse princípio, mas a mesma não influir decisivamente na resolução do litígio, não se verifica tal fundamento de anulação do acórdão arbitral.

A exigência da influência decisiva da inobservância dos princípios previstos no artº 16º da LAV na resolução do litígio, tem o significado de na citada causa de anulação da decisão arbitral não caber qualquer violação, não bastando à parte invocar a mera inobservância ou desrespeito do princípio, sendo necessária a demonstração da sua relevância e sua contribuição efectiva para o desfecho do litígio.

Por outro lado, o fundamento de anulação consiste na violação do princípio da igualdade de tratamento das partes ao longo da tramitação do processo arbitral, pretendendo tal princípio significar que sejam dadas iguais oportunidades às partes, designadamente, quanto aos meios de defesa.

Tal princípio exige que as partes possuam os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, situando-se cada parte numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas sejam tratadas de igual modo pelo Tribunal.

Segundo a doutrina, o princípio da igualdade das partes “consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida” (Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil”, 1.º vol, 1963, pág. 353) e, em concreto, o princípio exige a “identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável” (Lebre de Freitas, inIntrodução ao Processo Civil”, 1.º vol., 1996, pág. 105).

Esta igualdade de tratamento das partes é assumida como uma concretização do princípio constitucional da igualdade, previsto no nº 1 do artº 13º da Constituição, tendo expressão, enquanto princípio processual, no disposto no artº 3º-A do CPC, o qual se aplica subsidiariamente ao processo arbitral.

O destinatário directo do artº 3º-A do CPC é, por isso, o Tribunal, pelo que, é sobre ele que recai a função de garantir a igualdade substancial das partes.

No que respeita aos princípios fundamentais referidos no artº 16º, os mesmos são princípios “a observar no processo”, isto é, no âmbito da relação processual, pelo que é, no mínimo, discutível se os mesmos têm que ver com a relação material ou com o princípio da igualdade enquanto parâmetro material de decisão do Tribunal (cfr. no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, obra cit., págs. 45-46).

Por este motivo, é muito duvidoso que integre tal fundamento de anulação da decisão arbitral o alegado no citado ponto (ii), relativo à alegada dualidade de critérios decisórios em situação equivalente, mas de sentido inverso, por tal questão dizer respeito não à igualdade de tratamento das partes que deve existir no âmbito da relação processual arbitral, mas antes à igualdade enquanto critério material de decisão.

Tratando-se de decisões obre o mérito da causa, elas são determinadas pelos critérios resultantes da lei, pelo que, sendo proferida decisão que se afaste, derrogue ou viole os critérios legais aplicáveis, tal decisão incorrerá em erro de julgamento e não em violação do princípio da igualdade das partes.

No demais, as restantes situações descritas também não integram o fundamento de anulação do Acórdão Arbitral por desigualdade de tratamento das partes, pois se o Tribunal Arbitral desconsiderou a alegação de facto e de direito constante da réplica e, em consequência, impediu a respectiva produção de prova, fundamentou de modo insuficiente ou de forma incoerente a resposta dada aos quesitos ou procede a uma errada interpretação da matéria provada ou até dos depoimentos produzidos pelos peritos e pelas testemunhas e ainda, passa a conhecer de questão de que não podia conhecer, ou não se pronuncia sobre matéria alegada pelas partes, tais circunstâncias poderão traduzir-se em erros de julgamento, de facto e de direito, e este último, quer por violação de normas processuais, quer por violação de normas substantivas, ou ainda, traduzir-se, em causa de nulidade do Acórdão Arbitral, por excesso ou por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, mas não em violação do princípio da igualdade de tratamento das partes.

Na Lei da Arbitragem Voluntária, o legislador limitou-se a estabelecer um conjunto de princípios fundamentais cujo respeito pretende ver assegurado no âmbito da tramitação processual da instância arbitral, deixando à disponibilidade das partes as demais regras do processo.

Além disso, o facto de no Acórdão Arbitral, em certos casos, se transcrever o facto dado por provado em certo quesito e noutros casos apenas mencionar o quesito, sem o transcrever, também não assume a desigualdade de tratamento entre as partes invocada, já que tal se traduzirá apenas numa forma de fundamentação da decisão, que cabe na liberdade do Árbitro Presidente.

O princípio da igualdade de tratamento das partes não tem, pois, o alcance defendido pela Autora, quer porque não tem o âmbito que se mostra alegado em juízo, quer porque embora vigore tal princípio no ordenamento jurídico, não é possível ultrapassar ou eliminar as diferenças decorrentes da própria posição processual das partes – veja-se, a título de exemplo, a questão referida pela Autora de no âmbito da presente instância ter tido 30 dias para apresentar a petição inicial em juízo e a RAM ter tido mais tempo para a apresentação da contestação, designadamente, por ter beneficiado de prorrogação do prazo para contestar.

Não há dúvidas de que no âmbito do processo arbitral, apenas à autora, MEC coube o direito de apresentar réplica, pelo que, a sua situação não é comparável com a da contraparte.

Relembrando os ensinamentos da doutrina, o princípio exige a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, “sempre que a sua posição perante o processo é equiparável” (cfr. Lebre de Freitas, obra cit., pág. 105).

O que o princípio da igualdade do tratamento das partes visa alcançar é a igualdade entre as partes determinada pela lei processual, sendo que nem sempre é possível assegurar essa igualdade por a posição processual das partes ser, em muitos aspectos, processualmente distinta.

Por isso, encontra-se abrangido pela lei processual a possibilidade de apresentação de articulados pelas partes em número e em condições taxativas, o respeito pelos prazos imperativos e da aplicação das regras processuais que visam directamente a igualdade formal, mas sem que seja possível assegurar sempre a igualdade substancial entre as partes.

As situações descritas pela Autora poderão traduzir-se em violações de normas processuais e, em consequência, em erros de julgamento, mas tais normas não têm por âmbito de protecção o princípio da igualdade de tratamento das partes.

Como se disse no Acórdão do STJ, sob nº 06B3359, de 03/05/2007, “Só a violação dos princípios de igualdade de tratamentos das partes, citação do demandado para se defender, estrita observância do princípio do contraditório, audição das partes antes de proferida a decisão final (ínsitos no art.16º da LAV), e não a simples violação ou “descumprimento” de quaisquer preceitos do direito processual civil, pode conduzir à anulação da decisão arbitral. E mesmo assim – art. 27º, nº1, al. c) da LAV apenas se tal violação tiver tido influência decisiva na resolução do litígio.” (sublinhado nosso).

In casu, conforme resulta da instância arbitral e referido expressamente no Acórdão Arbitral, o qual na parte “E” do seu Relatório procede a um “Breve relato da tramitação do procedimento arbitral”, as partes em juízo assumiram o encargo de, em conjunto, procederem à condensação do processo, tendo a selecção dos Factos Assentes e a Base Instrutória sido elaborada e concluída após a realização de várias sessões com o Tribunal Arbitral, nos termos da versão final que veio a ser adoptada e que mereceu o acordo das partes.

No mesmo sentido o aponta a matéria de facto fixada nas alíneas A), B), D) e E) do probatório.

Além disso, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho-Saneador, onde apreciou e decidiu sobre a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral e a nulidade parcial da réplica, o que determina que se alguma da alegação de facto e de direito efectuada nesse articulado não foi considerada pelo Tribunal no âmbito do Acórdão Arbitral, deveu-se a ter existido o entendimento das partes “traduzido no Projecto Conjunto de Factos Assentes e Base Instrutória, entregue ao Tribunal” – cfr. alínea D) do probatório.

Tendo na réplica a Autora se pronunciado no sentido da improcedência das excepções deduzidas na contestação e contestado os pedidos reconvencionais, concluindo pela sua improcedência e, ainda, reiterado “os pedidos formulados na Petição Inicial, com duas rectificações” e vindo a RAM a apresentar requerimento em que arguiu a nulidade parcial da réplica, por não assistir o poder de pronúncia sobre matéria que a lei de processo e o Regulamento da Arbitragem não permitem, nele requerendo que certos artigos daquele articulado fossem dados por não escritos – requerimento sobre o qual a MEC se pronunciou em requerimento autónomo –, veio o Tribunal Arbitral, em decisão interlocutória, julgar prejudicado o conhecimento dessa questão, atento ter existido o entendimento das partes quanto à matéria de facto relevante para a decisão a proferir, a qual reflecte os termos da causa.

Essa decisão não só foi precedida da prévia pronúncia da MEC, que assim teve conhecimento da arguição de nulidade pela RAM e teve oportunidade de sobre a mesma se pronunciar, em respeito dos princípios do contraditório e de igualdade de armas entre as partes, como está em causa decisão que se encontra firmada na ordem jurídica, por não poder ser impugnada, através da interposição de recurso.

Como registado por Luís Carvalho Fernandes, “Dos Recursos em Processo Arbitral”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, vol. II, Coimbra Editora, 2003, pág. 145, a lei da arbitragem voluntária admite, nessa disposição, que por via de renúncia – antecipada (e, neste caso, expressa) – ao recurso, as decisões arbitrais ganhem carácter definitivo.

Tal limitação da ora Autora perante os órgãos judiciais decorre do negócio jurídico bilateral, livremente convencionado entre as partes, quanto à renúncia à interposição de recurso da decisão arbitral, renúncia que a lei admite no caso de direitos disponíveis, segundo o disposto nos nº 1, do artº 1º e nº 1, do artº 29º, da LAV.

De resto, transcrevemos a doutrina do Acórdão do STJ, sob nº 06B2366, datado de 24/10/2006, por a considerarmos inteiramente aplicável aos presentes autos:

Efectivamente ouvidas as partes, como decorre dos factos estabelecidos, atrás arrolados, não ocorre, realmente, no decidido em relação à réplica, a preterição do princípio do contraditório invocada.

O ora recorrente pôde pronunciar-se, foi-lhe garantida a possibilidade de o fazer - só que no juízo dos árbitros, o terá feito em termos não conformes com as disposições legais aplicáveis, ou seja, terá feito uso indevido dessa faculdade, ao apresentar réplica em termos não consentidos pela lei do processo.

Pois se trata de decisão interlocutória, eventual erro de julgamento do tribunal arbitral na qualificação da defesa apresentada, conducente à decisão de consideração da réplica tão somente para os efeitos então referidos, proferida no exercício legítimo, mesmo se eventualmente menos acertado, do poder-dever de correcção de eventual abuso dos pleiteantes, só constituiria fundamento de recurso ou de acção de anulação se com efectiva - decisiva - influência na decisão final – cfr. arts. 16º, al. c), e 27º, nº 1º, al. c), LAV.

Tão só lhes competindo avaliar se teria na realidade havido o reclamado prejuízo do princípio do contraditório, as instâncias concluíram pela negativa.

Não tinham que indagar se havia, ou não, sido deduzida na contestação defesa por excepção e se, por consequência, a réplica e a ampliação do pedido nela formulado eram, ou não, admissíveis.

Só não assim se na realidade prejudicado o contraditório, o que não se vê que tenha efectivamente acontecido, não é em acção de anulação de decisão arbitral, com fundamentos taxativamente indicados no art. 27º, nº 1º LAV, que pode discutir-se o erro de julgamento que alegadamente terá ocorrido na qualificação da defesa deduzida, dando por impugnação motivada (rei non sic sed aliter gestae) o que na tese do ora recorrente constitui defesa por excepção, como nomeadamente seria o caso do abuso de direito - de que os árbitros disseram não discernir a invocação na contestação arguida na réplica a esta oposta.

Já deste modo dito quanto havia para dizer em relação à rejeição da réplica e à ampliação do pedido nela formulado (…), o mesmo vale relativamente ao estabelecimento da matéria de facto assente e à organização da base instrutória, por tal alegadamente inquinados, em relação às respectivas reclamações, e no que concerne à bem assim arguida deficiência da fundamentação da matéria de facto e da decisão final (…), perseverando o recorrente em não distinguir as causas de anulação da decisão arbitral que formalmente invoca da errada interpretação e aplicação das normas da lei do processo a que desenvolvidamente se refere.”.

Por último, conforme teor do Acórdão da Relação de Lisboa, de 18/05/2004, citando um parecer de Lebre de Freitas, junto ao processo nº 149/2002, da 9ª Vara Cível, 1ª Secção, de Lisboa, “A constituição da jurisdição arbitral não exclui, pois, apenas a apreciação pelo tribunal judicial do mérito da causa, excepções peremptórias incluídas, exclui também qualquer interferência do tribunal judicial no conhecimento das questões processuais prévias à decisão do mérito, sem prejuízo do que deixo escrito acerca do controlo judicial externo sobre a delimitação e as condições de exercício do tribunal arbitral.” (pág. 29) e “havendo convenção de arbitragem, a função jurisdicional declarativa é plenamente assumida pelo tribunal arbitral, não tendo o tribunal do Estado competência para se imiscuir no seu desempenho. À jurisdição estadual cabe tão-só uma função de controlo, que tem a ver com a delimitação e as condições de exercício da jurisdição (sem prejuízo do direito ao recurso quando as partes não o tenham excluído)” (pág. 19).

De resto, nesse aresto, veio o Tribunal a entender que “a intervenção do tribunal judicial no processo de arbitragem voluntária é escassa. E bem, porque convencionalmente as partes quiseram recorrer a um meio alternativo de resolução de conflitos, subtraindo-se ao processado e intervenção clássica do tribunal judicial. Não faria sentido estar dependente da pronúncia deste de modo frequente e sobre as mais variadas questões, sobretudo de ordem processual e de menor relevo. Aliás, uma das finalidades da convenção de arbitragem é a celeridade, com o que é incompatível a perda de tempo com intervenções dilatórias.” (sublinhado nosso).

O grau de intervenção do tribunal judicial é, por isso, ao contrário do preconizado pela Autora, muito reduzido, quer, por um lado, atenta a finalidade que está acometida à Arbitragem, quer por via da exclusão do julgamento do litígio através de recurso.

Ao optarem pela arbitragem e ao renunciarem ao recurso, as partes quiseram não só que a decisão dos Árbitros sobre o litígio fosse final e definitiva, como afastar os tribunais estaduais da sua resolução.

Está em causa o assumir das vantagens que são reconhecidas à arbitragem, enquanto forma de resolução judicial dos litígios que nasce exclusivamente da vontade das partes, quer quanto à sua celeridade, quer quanto estar cometida a decisores com reconhecida competência para o efeito, como no presente caso.

Por isso, se reconhece pacificamente que uma das principais razões que presidem à opção pela arbitragem consiste na obtenção de uma solução definitiva para o litígio, que favorece a justiça rápida, por interessar “resolver o litígio pelo modo mais célere e pela melhor forma que o árbitro ou árbitros designados possam fazer”, sendo “todo o processo [é] orientado pelo pragmatismo da melhor e mais rápida solução que seja possível” – cfr. Manuel Pereira Barrocas, “Processo arbitral correto ou guerrilha arbitral? O mau exemplo de maus profissionais”, in Revista da Ordem dos Advogados, 72, 4º (Out.-Nov.), pág. 1090.

A consensualidade que preside à instância arbitral manifesta-se quer no entendimento prévio das partes sobre o litígio e no modo como o resolver, definindo as regras aplicáveis, quer na possibilidade de participar na escolha da composição do Tribunal Arbitral, mediante a escolha dos árbitros.

Como sublinha a doutrina, “Um árbitro é supostamente seleccionado entre um universo muito elevado de possibilidades porque se entende que tem atributos muito especiais para fazer adequada justiça naquele caso concreto.”, não sendo o Árbitro chamado de acordo com o “princípio do acaso ou do sorteio”, mas antes seleccionado “para cada litígio concreto em função de atributos que supostamente possuem e que os tornam especialmente habilitados a fazer justiça no caso em questão”, definindo-se “a qualidade da arbitragem (…) pela qualidade dos árbitros” e valendo as arbitragens “o que valerem os árbitros” – cfr. José Miguel Júdice, “A constituição do Tribunal Arbitral: características, perfis e poderes dos árbitros”, in II Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Centro de Arbitragem Comercial, Almedina, 2009, págs. 109 e segs..

Embora a definitividade não constitua um valor absoluto, nos termos em que a própria LAV delineia o seu respectivo regime, está reduzido muito significativamente o grau e intensidade do controlo dos tribunais judiciais.

Donde, não poder proceder o fundamento da violação do princípio da igualdade de tratamento das partes.


*

Em face de todo o exposto, falece razão à Autora quanto aos invocados fundamentos de anulação da decisão arbitral, não resultando violados, quer o princípio do contraditório, por falta da sua concretização, quer o princípio da igualdade de tratamento das partes, por não provado.


2. Violação do dever de fundamentação [artºs 27º, nº 1, alínea d) e 23º, nº 3, da LAV]

A coberto da violação do dever de fundamentação da decisão arbitral, alega a Autora que as respostas dadas aos quesitos não têm fundamento bastante (cfr. artigo 16 da petição inicial).

Por outro lado, sustenta a RAM na contestação apresentada em juízo que por tal causa de anulação não constar expressamente nos pedidos formulados no final da petição inicial da presente acção de anulação, não pode este fundamento ser apreciado por este Tribunal estadual, sob pena de se verificar o vício de excesso de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC.

Porém, não assiste razão à RAM, já que a invocação da violação do dever de fundamentação não só foi alegada na petição inicial como causa ou fundamento de anulação da decisão arbitral, desde logo, de forma expressa no intróito da petição inicial, como está em causa a dedução de um dos fundamentos do pedido, ou seja, matéria que integra a causa de pedir e não a dedução do pedido propriamente dito.

Causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão da autora, ou como refere Alberto dos Reis (in C.P.C. Anotado, III-121), citando Bandry e Borde “(...) é o facto jurídico que constitui o fundamento legal do benefício ou do direito, objecto do pedido, é o princípio gerador do direito, a sua causa eficiente (…)”.

Por outras palavras, parece a RAM confundir pedido e causa de pedir, sendo que o Tribunal apenas incorre em excesso de pronúncia se conhecer de pedido ou de questão que não haja sido suscitada pelas partes, o que, manifestamente, não constitui o presente caso.

Por isso, se passará a conhecer de tal citado fundamento de anulação do Acórdão Arbitral, respeitante à sua alegada falta de fundamentação.

Segundo a alegação da Autora, o vício de falta de fundamentação mostra-se concretizado nos seguintes artigos da petição inicial:

- no artigo 21, ao dizer que a afirmação da página 230/231 do acórdão não tem fundamento bastante nos factos que cita (cfr. fls. 99 dos autos);

- no artigo 31, ao invocar que o Tribunal baseou a sua convicção quanto à modificação do Protocolo por mútuo consentimento no Relatório do Grupo de Trabalho, mas de que não pode, de modo nenhum, deduzir-se do mesmo tal conclusão (cfr. fls. 102 dos autos);

- no artigo 55, ao referir que a conclusão do nº 2.2. do acórdão impugnado (na página 234) não tem o mínimo fundamento, por estar interessada na ampliação do Estaleiro mas não considerar inevitável o lançamento de novo concurso, nem ter acordado na prorrogação do prazo de entrega do Estaleiro (cfr. fls. 107 dos autos);

- no artigo 77, ao invocar que falta fundamento bastante para a conclusão do acórdão no 3º parágrafo da página 240, de que a nova calendarização seria justificada (cfr. fls. 112 dos autos);

- no artigo 79, ao dizer que o acórdão se contradiz quando afirma no nº 2.4, a página 240 que a MEC concordou com uma prorrogação do prazo de entrega do estaleiro para Março de 1997 e depois, no nº 3, a página 242, observa que o novo prazo não foi fixado em “termos categóricos”, faltando fundamento na prova produzida (cfr. fls. 112 dos autos);

- nos artigos 82, 84 e 86, ao dizer que a resposta dada ao quesito 112 é falsa e está em contradição flagrante com a alínea 6E da MA e que o Tribunal decidiu sem fundamento factual bastante (cfr. fls. 113 e 114 dos autos);

- nos artigos 98 e 99, ao alegar que não fundamento a conclusão do acórdão na página 243 que a entrega do Estaleiro em Julho de 1997, em vez da data estipulada e não alterada de 31/12/1993, constitui mora do devedor e constitui mora grave (cfr. fls. 116 dos autos);

- no artigo 120 ao alegar que o Tribunal desconheceu de certo facto (cfr. fls. 121 dos autos);

- nos artigos 122, 123 e 124 ao invocar que não tem nenhum fundamento na prova produzida, nem na lógica a dedução de que tal ampliação tornou impraticável a exigência da notificação e ainda o alegado na página 247 do acórdão e que sem fundamento o Tribunal aceitou a versão dos factos dada pela RAM (cfr. fls. 121 dos autos);

- no artigo 136, ao referir a falta de fundamento factual e jurídico para a conclusão do final do nº 4.1., na página 249 do acórdão (cfr. fls. 123 dos autos);

- no artigo 157, ao mencionar que a conclusão contida na resposta ao quesito 314 é falsa (cfr. fls. 127 dos autos);

- no artigo 159 ao referir que é totalmente infundada a conclusão final do nº 4.3 do acórdão (cfr. fls. 128 dos autos);

- no artigo 198 ao dizer que a página 266 do acórdão, quando se refere que houve um atraso no fornecimento “que o Tribunal não consegue quantificar, embora a MEC nas suas alegações refira ter sido entregue em 1998 e a RAM, nas suas alegações refira pouco depois de 03/09/1997”, não se conhecer de onde resulta a fundamentação dessa afirmação, seja quanto à referência à alegação da MEC, seja quanto à fundamentação do alegado pela RAM (cfr. fls. 136 dos autos);

- no artigo 233 ao referir que não tem fundamento a afirmação do acórdão de que não passa de uma visão unilateral”, por não ter sido apresentada nenhuma prova de que a vedação estava pronta em 30/01/1997 (cfr. fls. 142 dos autos);

- no artigo 237 quando alega que a afirmação do acórdão não é verdadeira (cfr. fls. 143 dos autos) e

- nos artigos 256 e 257 ao dizer que certa matéria não é possível dar por provada e que certas afirmações do acórdão são surrealistas (cfr. fls. 147 dos autos).

Explanada a alegação da Autora quanto à causa de anulação da decisão arbitral em análise, importa proceder ao seu respectivo enquadramento de direito.

A alínea d), do nº 1 do artº 27º da Lei nº 31/96 prevê a nulidade da sentença arbitral que tenha violado o disposto no nº 3 do artº 23º, do mesmo diploma legal.

Esta última disposição legal prescreve que a decisão do Tribunal Arbitral deve ser fundamentada.

Este dever de fundamentação coincide e reveste as características da obrigação prevista, genericamente, no artº 158º do CPC e, em especial, para a sentença, no artº 659º e sancionado com a nulidade, na alínea b), do nº 1, do artº 668º, todos do mesmo Código.

Embora esteja em causa a fundamentação de uma decisão proveniente de um Tribunal Arbitral, tem aplicação o que vale para a decisão de um Tribunal estatal, designadamente, quanto à interpretação a expender em relação ao âmbito de tal citada causa de nulidade da decisão.

Assim, a decisão judicial pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.

Nos termos do nº 1, do artº 205º, da Constituição e do nº 1, do artº 158º do CPC, a decisão judicial deve ser motivada, através da exposição dos fundamentos de facto e de direito, pelo que a fundamentação das decisões é um dever legal e constitucionalmente consagrado, cuja violação é cominada com a nulidade, segundo a alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC.

Como corolário desse dever impõem os artigos 158º, 653º nº 2 e 659º nº 3, do CPC, que as decisões sejam sempre fundamentadas, com a indicação dos factos julgados provados e não provados, mediante análise crítica das provas e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, não podendo a justificação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes, mas interpretar e aplicar as normas jurídicas ao caso aplicáveis.

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Assim, uma decisão apenas enferma de falta de fundamentação, enquanto vício que afecta a sua validade e constitui causa de anulação da decisão arbitral, quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação, pois a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação, afectando o valor doutrinal da decisão e constituindo fundamento para a sua revogação ou alteração, não produz nulidade, não integrando o fundamento de nulidade da decisão, nem constituindo motivo para a anulação da decisão arbitral ora impugnada – cfr. artºs. 666º, nº 3 e 668º, nº 1, alínea b), do CPC; Alberto dos Reis, inCódigo de Processo Civil anotado”, vol. V, Coimbra, 1984 (reimpressão), pág. 140 e ainda o Acórdão do STA, datado de 11/09/2007, recurso nº 059/07.

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito, pois que a simples insuficiência ou incompletude da motivação ou o erro de fundamentação é espécie diferente e podendo afectar o valor da decisão, mediante a sua revogação em recurso jurisdicional, não produz a sua nulidade e não constitui causa para a sua anulação, no âmbito da acção que pela ora Autora foi instaurada.

Comportando a sentença o relatório, os fundamentos e a decisão, nos fundamentos deve o Tribunal discriminar os factos que considera provados e admitidos por acordo e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas, nos termos dos nºs 2 e 3, do artº 659º do CPC.

Nos fundamentos de facto, o Tribunal deve utilizar todos os factos adquiridos durante a tramitação da causa e as provas produzidas.

De entre esses factos relevam os factos admitidos por acordo, isto é, os factos alegados por uma parte e não impugnados pela contraparte (artºs 490º, nº 2 e 505º do CPC), os factos provados por documentos juntos ao processo (artºs 523º, 524º, 514º, nº 2 e 535º), os factos provados por confissão reduzida a escrito, (artºs 356º e 358º do CC e 563º, nº 1 do CPC), os factos julgados provados pelo tribunal (artº 653º, nºs 2 e 3), os factos que resultam do exame crítico das provas, ou seja, os que podem ser inferidos por presunção judicial ou legal dos factos provados (artºs 349º e 351º do CC) e ainda os factos notórios (artº 514º nº 1) e os factos de conhecimento oficioso (artº 660º, nº 2 parte final) – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª ed., 1997, pág. 352-353.

Nos termos dos preceitos legais supra transcritos, a sentença deve espelhar ou reflectir em termos de probatório todos os factos que servem de base à decisão, o que não se confunde com todos os factos que tenham sido alegados pelas partes nos respectivos articulados, pois alguns desses factos podem não revestir relevância e outros, embora revistam interesse, podem ter resultado não demonstrados.

Confrontando as considerações antecedentes e o teor do Acórdão Arbitral, ora impugnado, é de julgar que a decisão proferida cumpre os citados preceitos da lei de processo e do Regulamento Arbitral, uma vez que não só foram fixados os concretos pontos da matéria de facto, como resulta ter existido uma análise crítica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal.

No presente caso do Acórdão impugnado, o Tribunal Arbitral não só logrou seleccionar os factos relevantes para a causa, mediante a realização de várias sessões com as partes – realizadas entre 22/10/2003 a 20/02/2004 – procedendo à fixação dos factos que considerou ou não provados, a partir da análise e do confronto dos documentos juntos pelas partes e da demais prova produzida, como procedeu à inquirição das testemunhas, admitiu e fixou o objecto das Perícias e deu uma resposta fundamentada aos quesitos, mediante indicação dos meios de prova em que estribou, seja por acordo entre as partes, seja através de outros meios de prova, pelo que não se mostram violadas as disposições legais aplicáveis, que impõem o dever de fundamentação de facto da decisão.

Mostra-se, por isso, suficientemente justificados os motivos da decisão sobre a matéria de facto, sendo reveladas as razões que levaram o Tribunal Arbitral a dar por provado certo facto ou ao invés, ao dar por não provada a factualidade alegada pelas partes, perante os meios de prova produzidos e as posições que as partes tomaram nos articulados.

Do mesmo modo procedeu quanto à respectiva fundamentação de direito, já que para cada uma das questões conhecidas e decididas no Acórdão, não só citou os respectivos factos relevantes, como procedeu à explanação dos argumentos ou das razões de direito pertinentes, ao caso aplicáveis, os quais se apresentam suficientes, no que respeita ao cumprimento do dever de fundamentação.

Analisado o Acórdão Arbitral denota-se, pois, que o mesmo especifica a matéria de facto apurada, definiu as questões jurídicas suscitadas, analisando-as, onde referiu as disposições legais julgadas aplicáveis, fazendo uma interpretação dos factos provados relevantes para a decisão daquelas, referindo os conceitos que julgou relevantes para o efeito e tirando as respectivas conclusões.

Assim, apresenta-se a fundamentação da decisão impugnada suficiente e plausível, pois o Tribunal Arbitral elaborou a base factual de forma estruturada e fundamentada e enunciou a respectiva fundamentação de direito, de modo que não pode ser atacada sob a perspectiva do vício da sua falta de fundamentação.

Se à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável.

Tal como já referido, a nulidade prevista na alínea b), do nº 1 do artº 668º do CPC, como é pacificamente admitido, exige que se verifique uma ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente, ou sequer, obscura ou incongruente, por a insuficiência e a incongruência da fundamentação não constituírem causa de nulidade.

Todas as situações enunciadas não se traduzem em situações em que a decisão arbitral se encontre infundamentada, mas a situações de discordância da ora Autora, quanto à interpretação dada a certo quesito ou quanto à decisão proferida quanto a certa questão ou a certo fundamento invocado.

Além disso, dizer nos artigos 21, 31, 55, 77, 79 82, 84, 86, 98, 99, 122 123, 124, 126 e 136 que o Acórdão se contradiz, que a resposta dada a certo quesito é falsa e está em contradição flagrante com a matéria assente, que o Tribunal decidiu sem fundamento factual bastante ou com fundamento sólido, que não tem fundamento, que não tem nenhum fundamento na prova produzida ou que falta fundamento factual e jurídico, não se subsume, no confronto, à falta de fundamentação enquanto causa de anulação da decisão, mas a eventual erro na fundamentação de facto e/ou de direito, por uma discordância quanto à fundamentação material e não meramente formal da decisão.

Em tais situações o Acórdão Arbitral enunciou o silogismo ou raciocínio prosseguido quanto à conclusão a que chegou quanto a certa questão, invocando os respectivos factos provados que considerou relevantes e aduzindo a sua fundamentação, quer de facto, quer de direito, que se apresenta perceptível e suficiente, não enfermando, por isso, de falta de fundamentação, o que difere de saber se tal decisão está bem ou mal fundamentada.

Neste âmbito há a precisar que está em causa apurar da verificação da causa de anulação do acórdão arbitral por falta de fundamentação, que assenta num critério formal de fundamentação, quanto a saber se o mesmo se encontra fundamentado de facto e de direito, e não apurar se se afigura correcta a sua fundamentação do ponto de vista material ou substancial, quanto à sua correspondência com a verdade material dos factos e quanto à sua correcção de acordo com os critérios legais aplicáveis.

A falta de fundamentação não se confunde com a alegada falta de coerência dada à resposta de certo quesito ou sequer com a interpretação enviesada da prova produzida ou fora do contexto, pelo que, também não releva para o fundamento de anulação do acórdão em análise, o invocado pela Autora nos artigos 59, 60, 66, 189, 355, 356 e 357 da petição inicial.

Também não poderá ser considerado o teor alegado no artigo 126 da petição inicial, já que o mesmo se traduz numa alegação conclusiva e sem a necessária concretização, nem o alegado nos artigos 129, 135, 334, 343 e 352, por tal alegação se traduzir ao invés de falta de fundamentação, em errada fundamentação ou em errada interpretação dos factos.

O alegado no artigo 187, que refere ser falaciosa a resposta ao quesito 367, por ignorar anteriores pedidos da MEC, também não integra o fundamento de falta de fundamentação e, no mesmo sentido, o alegado no artigo 193, ao dizer-se que o acórdão refere a resposta ao quesito 377 completamente fora do contexto.

Além de que a alegação no artigo 366 de que a resposta do Tribunal a certo quesito está em contradição com a prova produzida, também não integra o fundamento de anulação da decisão arbitral em análise, porque bem ou mal, foi dada fundamentação.

Acresce que a LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29/08, aqui aplicável, não consagra como fundamento de anulação da decisão arbitral, a oposição entre os fundamentos e a decisão, a que se refere a alínea c), do nº 1 do artº 668º do CPC, para as sentenças judiciais.

Isto porque, segundo alguma doutrina, à luz da LAV aqui aplicável, permitir a detecção da existência da contradição entre os fundamentos e a decisão arbitral ou até de incongruências na fundamentação na decisão, mediante a consagração na lei de tal causa de anulação da decisão arbitral, teria o efeito de conceder a sua invocação com ou sem razão, com isso visando “obter uma reapreciação pelos tribunais estaduais do fundo da causa decidida pelos árbitros” – cfr. neste sentido, António Sampaio Caramelo, “Anulação de sentença arbitral contrária à ordem pública”, inTemas de Direito da Arbitragem”, obra citada, pág. 318, nota 56.

Noutro sentido, defendendo que por “uma questão de lógica e de bom senso”, deve incluir-se como causa de nulidade da decisão arbitral, a fundamentação deficiente por contradição entre ela e a decisão, Manuel Pereira Barrocas, “Manual da arbitragem”, Almedina, 2010, págs. 518-519.

Assim, nos termos acolhidos no Acórdão do STA, sob nº 339/09, datado de 12/01/2012, sobre a falta de fundamentação da decisão judicial, “(…) como vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação. Como se julgou no acórdão de 14.4.2010, proc. n.º 442/09, «neste sentido, entre muitos outros possíveis, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6-6-89 (recurso nº 26268), de 10-10-90 (recurso nº 11946), de 31-1-90 (recurso nº 11921), de 29-5-91 (recurso nº 24722), de 21-3-91 (recurso nº 9034B), de 15-5-91 (recurso nº 13137), de 22-2-1995 (recurso n.º 18494), de 5-2-1997 (recurso n.º 21024), de 12-7-2000 (recurso n.º 25056), de 21-1-2003 (recurso n.º 633/02), de 14-7-2008 (recurso n.º 510/08) e de 3-12-2008 (recurso n.º 540/08).)./ No mesmo sentido ensina ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140:/ Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»”.

Também como acentuou o Acórdão do STJ, sob nº 08A1698, de 10/07/2008, “Só o caso de falta absoluta de motivação gera uma situação de nulidade da sentença arbitral, de acordo com o disposto nos artigos 27º, n.º 1, al. d) e 23.º, nº 2 da Lei n.º 31/86; sempre que a motivação seja deficiente não havendo lugar a anulação, essa deficiência será susceptível de impugnação através de recurso interposto contra a sentença arbitral, se houver lugar ao mesmo.”.

Além disso, como decorre do Acórdão do STJ, sob nº 07A924, datado de 15/05/2007, “1 – A insuficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto não constitui vício susceptível de ser qualificado como falta de fundamentação do acórdão arbitral, não determinando a sua nulidade nos termos dos artºs 23º, nº 3 e 27º, nº 1, al. d) da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29/08). 2 – Especificados os fundamentos de facto e feita a indicação dos meios de prova que foram decisivos para a convicção dos Árbitros, não é imprescindível para a validade do acórdão arbitral que neste se mostre efectuada a análise crítica das provas.”.

Reconhecendo-se que a exigência legal de enunciação ou explicitação dos factos e da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador, admite-se que na instância arbitral, onde é maior intervenção da vontade das partes, seja menor esse grau de rigor e de exigência, desde logo, no que respeita à análise crítica das provas.

No que respeita ao processo arbitral é pacificamente aceite que tais regras que valem no âmbito da justiça pública, possam ser conformadas pelas partes e que seja menos exigente o dever de fundamentação da decisão arbitral, pelo que, “O árbitro não necessita, assim, de proceder a uma fundamentação jurídica exaustiva que pode eventualmente dignificar o magistrado, mas não se coaduna com as características da arbitragem” – cfr. Manuel Pereira Barrocas, “Processo arbitral correto ou guerrilha arbitral? O mau exemplo de maus profissionais”, in Revista da Ordem dos Advogados, 72, 4º (Out.-Nov.), pág. 1085 e segs., em especial, a pág. 1090.

No mesmo sentido, referindo-se à menor necessidade de fundamentação da decisão arbitral e procedendo à comparação entre Juiz e Árbitro, defendendo que o valor é idêntico, mas que o poder e a liberdade são maiores no Árbitro, resultando os poderes dos Árbitros da vontade contratual das partes e da vontade do sistema jurídico, de entre os quais, os poderes de conteúdo procedimental e conformador – José Miguel Júdice, “A constituição do Tribunal Arbitral: características, perfis e poderes dos árbitros”, in II Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Centro de Arbitragem Comercial, Almedina, 2009, págs. 108-109.

De resto, não é de somenos relembrar que a “judicialização da prática arbitral”, traduzida na tendência da arbitragem ir “no sentido de moldar o processo arbitral em conformidade com o modelo de processo declarativo acolhido no CPC”, tem sido criticada entre nós, não obstante se reconhecer que tal regulação processual possa ser aplicada supletivamente à instância arbitral – neste sentido, Filipe Alfaiate, “A prova em arbitragem: perspectiva de direito comparado”, apud Armindo Ribeiro Mendes, “Sumários da disciplina de práticas arbitrais do mestrado forense da Universidade Católica”, in II Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Centro de Arbitragem Comercial, Almedina, 2009, págs. 132.

Pela sua pertinência e acuidade, remete-se ainda para as palavras de Mário Aroso de Almeida, segundo o qual, “a partir do momento em que as partes num litígio prescindem de recorrer aos juízes do Estado para o dirimir, e optam por entregar a resolução do litígio a meros árbitros, entende-se que essa opção envolve um acto de disposição das situações jurídicas envolvidas no litígio: (…) no sentido de que o acto, em si, das partes, de prescindir das garantias inerentes aos tribunais do Estado para confiar em árbitros, trocando, desse modo, o que supostamente seria certo pelo que é putativamente duvidoso, (…) é um acto que exige a titularidade de poderes de disposição dessas situações jurídicas, pois só nesse pressuposto o Estado admite que as partes possam trocar a suposta segurança das decisões dos tribunais do Estado pelo risco da tomada de decisões incorrectas ou parciais por árbitros.” – cfr. Prefácio à 1ª edição de “A Arbitragem Administrativa e Tributária. Problemas e desafios.”, coordenação de Isabel Celeste M. Fonseca, Almedina, 2ª edição, 2013, pág. 10.

Em face do exposto, perante o confronto entre a alegação da Autora e o enquadramento de direito do fundamento de anulação da decisão arbitral, previsto na alínea d), do nº 1, do artº 27 da LAV e a sua remissão para o disposto no nº 3, do artº 23º da citada Lei, quanto ao dever de fundamentação da decisão arbitral, impõe-se concluir que não assiste razão à Autora, já que as situações descritas não se integram em tal fundamento de anulação, mas a eventual error in judicando de facto e/ou direito, que apenas poderia ser conhecido caso a impugnação da decisão arbitral ocorresse no âmbito de um recurso e não, como no caso presente, no âmbito da uma acção de anulação.

Pelo que, em suma, atenta a existência dos elementos factuais justificativos das conclusões a que se chegou na decisão impugnada, assim como da respectiva explanação das razões de direito, não pode proceder a censura que é dirigida ao Acórdão Arbitral, quanto a enfermar de falta de fundamentação, improcedendo tal causa de anulação.


3. Conhecimento de questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento e omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar [artº 27º, nº 1, alínea e) da LAV]

No que se refere ao último fundamento de anulação do Acórdão Arbitral, está em causa apreciar se o Tribunal Arbitral conheceu de questões de que não podia conhecimento e se, pelo contrário, omitiu a decisão de questões que tenham sido submetidas pelas partes.

Tal como se procedeu a propósito do conhecimento dos anteriores fundamentos de anulação e porque na petição inicial a Autora não procedeu à enunciação, em separado, de cada um desses fundamentos, dificultando a tarefa do Tribunal na sua identificação, proceder-se-á à indicação dos artigos pertinentes da petição inicial.

Assim, concretiza a Autora tal fundamento de anulação da decisão arbitral, nos seguintes artigos da petição inicial:

- nos artigos 15 e 208 ao dizer que em muitas respostas aos quesitos os Árbitros omitem pronunciar-se sobre documentos juntos aos autos e não impugnados, dando respostas que contradizem tais documentos e que o Tribunal ignorou numerosos documentos juntos com a réplica, cujo conhecimento obrigaria o Tribunal a uma decisão contrária à que tomou (cfr. fls. 98 e 138 dos autos);

- nos artigos 40 e 45 ao invocar que o Tribunal, concluindo que houve necessidade de lançar novo concurso público, não conheceu da questão da causa ou da culpa dessa necessidade, o que foi suscitado pela MEC nos nºs 944 a 947 das suas alegações, nem da imputabilidade à RAM dessa alegada necessidade de concurso público (cfr. fls. 104 e 105 dos autos);

- no artigo 50 ao referir que certos aspectos da questão relativa à obrigação de ampliação do Estaleiro, alegados no artº 100º da réplica não foram objecto de pronúncia (cfr. fls. 106 dos autos);

- nos artigos 52 e 54 ao invocar que o Tribunal não se pronunciou sobre o significado jurídico das numerosas reclamações da MEC, referidas nas suas alegações de direito (nºs 1028, 1031 a 1035, 1045, 1053, 1059, 1060, 1066 e 1356) e até da falta de pagamento das rendas (n.º 1933 a 1936 das alegações de direito) e que desconheceu completamente os documentos e as questões aí suscitadas, sobre que deveria ter-se pronunciado (cfr. fls. 106 e 107 dos autos); (para a decisão ver pág. 234 do acórdão e artigo 55)

- no artigo 64, ao alegar que o Tribunal não conheceu sobre a questão da responsabilidade da RAM nos atrasos da entrega do Estaleiro e sobre a sua culpa (cfr. fls. 109 dos autos);

- no artigo 80, ao invocar que o acórdão impugnado não toma conhecimento de quase nenhum dos factos e argumentos apresentados nos nºs 1017 a 1088 das suas alegações de direito, nomeadamente, os que referem reservas e reclamações (MA 6T, 6U, 6Y, 7E e RQ 34, 36, 38, 54 e 58, 62) e a recusa de pagamento das rendas (RQ 555) (cfr. fls. 113 dos autos);

- no artigo 87, ao dizer que o Tribunal desconheceu que não era possível considerar operacional o Pavilhão do Estaleiro sem as instalações sociais (balneários, refeitório, etc.) estarem prontas (cfr. fls. 114 dos autos);

- no artigo 88, ao dizer que o acórdão impugnado transcreve a resposta ao quesito 370, mas omite qualquer referência ao facto de nessa data (Julho de 1997), a RAM não ter entregue diversos equipamentos indispensáveis para o normal funcionamento do Estaleiro, nomeadamente, o sistema de guiamento e os tractores (cfr. fls. 114 e 115 dos autos);

- no artigo 92, ao dizer que o não conhecimento das questões referidas nos números anteriores inquina as conclusões do acórdão impugnado (cfr. fls. 115 dos autos);

- no artigo 97, ao dizer que o acórdão não conheceu do facto provado de o Estaleiro ter sido entregue sem diversos equipamentos fundamentais para a sua plena operacionalidade, isto é, para o seu funcionamento economicamente viável (cfr. fls. 116 dos autos);

- no artigo 101, ao alegar que se o Tribunal tivesse conhecido e ponderado devidamente todos os factos relevantes, que mostram claramente um atraso injustificado de 3 anos e meio, não podia vir dizer que a RAM cumpriu inteiramente o Protocolo de 9.11.1992 (cfr. fls. 116 e 117 dos autos);

- no artigo 120, ao alegar que o Tribunal desconheceu de certo facto (cfr. fls. 121 dos autos);

- no artigo 133 ao invocar que o acórdão impugnado transcreve a resposta ao quesito 336, sem comentários, omitindo pronunciar-se sobre os argumentos apresentados pela MEC, nos nºs 1138 a 1143 das suas alegações (cfr. fls. 133 dos autos);

- nos artigos 137, 138 e 144 ao invocar que o acórdão impugnado não chega a conhecer os factos e argumentos jurídicos apresentados pela MEC, nos nºs 1102 a 1133 das suas alegações, a pretexto de uma questão prévia (cfr. fls. 124 e 125 dos autos);

- no artigo 151 ao alegar que o Tribunal não conheceu da questão de que em 1996 já estava muito ultrapassado o prazo de entrega da doca flutuante, sem nenhuma justificação da parte da RAM (cfr. fls. 126 dos autos);

- no artigo 158 ao alegar que ao referir apenas a resposta ao quesito 317, na página 253, o acórdão omite qualquer referência às várias reclamações escritas pela MEC contra a falta de entrega da doca flutuante (cfr. fls. 127 dos autos);

- no artigo 168 ao alegar que o Tribunal desconheceu o argumento invocado pela MEC nas suas alegações sobre a matéria de facto (cfr. fls. 129 e 130 dos autos);

- nos artigos 170 e 172 ao alegar que o Tribunal desconhece totalmente as questões suscitadas nos nºs 906 a 914 e 1231 a 1240 das alegações de direito da MEC e que não toma em consideração que o Protocolo de 09/11/1992 obrigava a RAM a entregar o estaleiro em condições de operacionalidade e que estas não podiam ser reconhecidas quando faltam instalações sociais impostas por lei (cfr. fls. 130 dos autos);

- nos artigos 18, 23, 25, 28, 35, 37, 81, 128, 130, 145, 161, 165, 173, 180, 188, 189, 192, 204, 206, 213, 215, 217, 227, 248, 251, 254, 275, 277, 279, 280, 281, 284, 290, 294, 296, 297, 299, 318, 319, 327, 337, 340, 343, 344, 346, 347, 348, 349, 352, 354, 355, 358, 359, 361, 362, 364, 365, 374, 378, 387, 396, 407 e 414 ao alegar que o Tribunal desconheceu as questões factuais e jurídicas suscitadas nos nºs 826 a 838, 839 a 845, 922 a 930, 953 a 956, 961 a 971, 1024 a 1029, final do nº 1030, 1069 a 1073, 1077 a 1087, 1106, 1144 a 1164, 1165 a 1215, 1221, 1224 a 1230, 1249, 1253, 1254, 1271, 1274 a 1280, 1281 a 1289, 1290 a 1296, 1297 a 1320, 1322 a 1325, 1327 a 1329, 1330 a 1336, 1342 a 1349, 1403 a 1409, 1438 a 1453, 1459 a 1479, 1510 a 1515, 1516 a 1525, 1530, 1543 a 1559, 1560 a 1572, 1573 a 1588, 1589 a 1614, 1629 a 1634, 1696 a 1702, 1771 a 1809, 1811 a 1815, 1816 a 1856, 1857 a 1910, 1914 a 1918, 1921, 1922, 1936, 2005 e 2006, 2007, 2008 a 2012 das alegações de direito da MEC (cfr. fls. 99, 100, 101, 103, 113, 122, 125, 128, 129, 131, 132, 134, 137 e 139, 140, 141, 146, 147, 151, 152, 153, 155, 156, 157, 161, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 174, 175, 177, 179181 e 182 dos autos);

- no artigo 183 quanto ao Tribunal ter aceitado a argumentação da RAM, de que o caderno de encargos não definiu a dimensão do fornecimento, desconhecendo que isso é uma manifesta deficiência do projectista, pela qual a RAM é responsável (cfr. fls. 133 dos autos);

- no artigo 185 quanto ao Tribunal ter desconhecido o “Memo” de 30/01/1997 (MA 6V e, sobretudo, o “Memo” dirigido ao Sr. Dr. Guilherme Silva, CC: Exmo Senhor PCA da MEC, por fax de 03/09/1997 (MA 7E), e o doc.75 junto com a réplica, pelos quais a RAM assumiu claramente o compromisso de entregar mais 3 berços de 60 metros até 1998 (cfr. fls. 133 dos autos);

- no artigo 197 ao alegar que o Tribunal omitiu o conhecimento de um facto relevante de que devia conhecer (cfr. fls. 135 dos autos);

- nos artigos 203, 267 e 325 ao invocar-se que o Tribunal desconheceu de questões que devia ter conhecido, não conheceu do que consta da alínea 1A da MA e deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (cfr. fls. 136, 149 e 163 dos autos);

- nos artigos 241 e 242 ao alegar que o acórdão omite pronunciar-se sobre os motivos da degradação da vedação, conforme alegado nos nºs 1346 a 1348 das alegações de direito da MEC (cfr. fls. 144 dos autos);

- nos artigos 272, 273, 274, 276, 329, 370, 412 ao invocar que o Tribunal não tomou conhecimento de uma série de questões de facto e de direito sobre que devia ter-se pronunciado ou que não se pronunciou sobre certos factos, nem deles retirou a conclusão que devia ter deduzido, nem se pronunciou sobre matéria de que devia ter tomado conhecimento (cfr. fls. 150, 151, 152, 163, 173 e 182 dos autos);

- no artigo 298, ao dizer que o acórdão não se pronuncia sobre a matéria do quesito 163 (cfr. fls. 156 dos autos);

- no artigos 300 e 307, ao dizer que o Tribunal Arbitral ao julgar extemporâneos os pedidos de indemnização pelos incumprimentos do Acordo de 11/1171992, formulados nos nºs 2013 a 2032 das suas alegações de direito, julgando-se incompetente para deles conhecer, sendo competente, omitiu pronunciar-se sobre questões de que devia ter tomado conhecimento (cfr. fls. 157 e 158 dos autos);

- no artigo 315, ao dizer que o acórdão não conheceu de certo aspecto da questão (cfr. fls. 160 dos autos), e

- no artigos 366 e 367 ao alegar que o Tribunal não se pronunciou sobre a reclamação apresentada sobre a contradição na resposta ao quesito 505 (cfr. fls. 172 dos autos).

De modo inverso, mostra-se alegado nos artigos 360 e 412 que o Tribunal Arbitral conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento e pronunciou-se sobre matéria sobre a qual não devia ter-se pronunciado (cfr. fls. 170 e 182 dos autos), estando em causa saber se o Acórdão impugnado incorre em excesso de pronúncia.

Afim de tomar posição sobre cada um dos fundamentos de omissão e de excesso de pronúncia, invocados como causa de anulação do Acórdão Arbitral importa conferir se está em causa matéria sobre que impedia o dever de pronúncia e de decisão sobre o Tribunal Arbitral e se, pelo contrário, tal matéria não integra o objecto da acção, de modo que o Tribunal tenha conhecido de questões não alegadas pelas partes.

3.1. Da omissão de pronúncia

Na grande maior parte dos casos a MEC invoca que o Tribunal Arbitral não conheceu de questões invocadas em vários pontos da sua alegação de direito, mas, em rigor, não é esse o articulado que releva, já que, em princípio, a parte está vedada de nele invocar questões novas, que não tivessem sido anteriormente invocadas na petição inicial.

Salvo quanto ocorra a dedução de pedido reconvencional e a alegação de matéria de excepção na contestação ou a ampliação do pedido na réplica, é a petição inicial que delimita o âmbito objectivo da acção, ou seja, o thema decidenduum sobre que incide o poder-dever de pronúncia do Tribunal.

No caso da instância arbitral releva ainda a definição do objecto do litígio, nos termos constantes da Convenção de Arbitragem.

Na arbitragem os limites do litígio são definidos pelo que resulta da Convenção de Arbitragem e nos articulados das partes que não estejam em contradição com essa Convenção – cfr. Manuel Pereira Barrocas, “Manual da Arbitragem”, Almedina, 2010, pág. 516.

Considerando que o Tribunal Arbitral, nos termos decididos no Despacho-Saneador, julgou prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela RAM, quanto à nulidade parcial da réplica, com o fundamento de existir “acordo das Partes traduzido no Projecto Conjunto de Factos Assentes e Base Instrutória, entregue ao Tribunal nesta reunião”, não releva para o fundamento de omissão de pronúncia o não conhecimento de argumentos que hajam sido deduzidos nos articulados apresentados pelas partes, onde se inclui a réplica, que não hajam sido reflectidos no documento apresentado conjuntamente pelas partes.

Além disso, não integra o âmbito da presente acção de anulação decidir se incorreu o Tribunal Arbitral em erro de julgamento quanto à decisão proferida sobre a réplica apresentada, a qual constitui uma decisão interlocutória que, tal como a decisão final, não pode ser impugnada com base em questões que digam respeito ao seu mérito, por delas não caber recurso.

Assim, não incorre o Acórdão Arbitral em omissão de pronúncia quanto à não consideração dos fundamentos que constem dos artigos da réplica que não foram admitidos ou reflectidos na fundamentação de facto ou não conhecidos especificamente na fundamentação de direito.

Por outro lado, importa ainda delimitar os próprios conceitos de omissão e de excesso de pronúncia, com vista a apurar se as situações invocadas nos autos pela Autora integram verdadeiros fundamentos de anulação da decisão arbitral.

Os fundamentos de anulação do acórdão arbitral previstos na alínea e), do nº 1 do artº 27º da LAV, correspondem aos que se encontram previstos na alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, no que se refere às causas de nulidade da decisão judicial.

Esta causa de nulidade é semelhante à prevista na alínea d), do nº 1, do artº 668º do CPC, para os processos judiciais e tem o mesmo conteúdo, estando igualmente alicerçada no princípio dispositivo, também aplicável à arbitragem voluntária, mesmo na falta de norma expressa.

Não se compreenderia que no processo arbitral, onde a autonomia das partes assume maior relevância, tal princípio não fosse aplicável – neste sentido, cfr. Paula Costa Silva, inAnulação e Recursos da Decisão Arbitral”, Revista da OA, ano 52, Dezembro de 1992, págs. 943-944.

Desta forma, o Acórdão Arbitral está também vinculado à observância do dever processual previsto no nº 2, do artº 660º do CPC, que estabelece que o Tribunal só pode conhecer das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas que a lei lhe permitir ou lhe forem impostas, por força do dever de conhecimento oficioso, dever esse sancionado com a nulidade da decisão.

A identidade dos fundamentos numa e noutra disposição legal determina que se aplique à interpretação da citada disposição da LAV o que vale quanto à interpretação da norma jurídica da alínea d), do nº 1, do artº 668º do CPC, designadamente, os entendimentos, doutrinário e jurisprudencial, sobre a noção de omissão e de excesso de pronúncia e sobre tais causas de nulidade da decisão judicial.

Neste mesmo sentido, vide o Acórdão do STJ, sob nº 08A1698, de 10/07/2008, segundo o qual, “O fundamento de anulação constante da alínea e) do nº 1 do art. 27 tem correspondência com a previsão da alínea d) do nº 1 do art. 668 do CPC.”.

A omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver.

Significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do Tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do Tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como, sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o Tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer respeitem à relação processual – vide artºs. 668º, nº 1, alínea d) e 660º, nº 2 do CPC, o Acórdão do STA, datado de 07/06/2005, proc. nº 1110/04; Antunes Varela, in RLJ 122º, pág. 112; Alberto dos Reis, inCódigo de Processo Civil Anotado”, pág. 143; Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., 2ª ed., em anotação ao nº 2, do artº 660º e ao nº 3 do artº 668º do CPC.

O Tribunal deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, isto é, de todos os pedidos e de todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.

Como é jurisprudência corrente, a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 668º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, havendo, para tanto, que distinguir entre questões – as matérias respeitantes ao pedido e à causa de pedir – e argumentos – razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista – cfr. entre muitos outros, o Acórdão do STA, datado de 13/05/2003, proc. 204/02.

As questões não se confundem com as razões ou fundamentos, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte (…); o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra, 1981, volume V, pág. 143.

Segundo o Acórdão do TCA Sul, proc. 07800/11/A, de 08/09/2011:

I – A nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil não se verifica quando a sentença recorrida aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não aprecie todos os argumentos.

II – As questões não se confundem com os argumentos, as razões ou motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.”.

Por isso, impõe-se que se revertam as considerações antecedentes ao caso dos autos, no sentido de aferir se as questões cujo conhecimento foi alegadamente omitido no Acórdão Arbitral revestem efectivamente essa natureza ou se, pelo contrário, não está em causa a desconsideração pelo Tribunal Arbitral de meros argumentos invocados pela MEC.

Neste contexto, torna-se relevante remeter para o que o consta do próprio Acórdão Arbitral, o qual, na sua parte II, sob “Questões a apreciar e decidir” enuncia o conjunto das questões que serão objecto de apreciação e de decisão, delimitando, nesses termos, o próprio objecto do litígio.

Nos mesmos termos resulta do índice do Acórdão impugnado, constante a fls. 337 do acórdão, o qual enuncia em “II”, as Questões a apreciar e a decidir” (cfr. fls. 357 dos autos).

A preceder essa análise é feita a referência à circunstância de as partes terem assumido o encargo de, em conjunto, procederem à condensação do processo e de, tendo existido algumas dificuldades por partes dos mandatários das partes de se porem de acordo quanto à condensação do processo, o Tribunal Arbitral e, em particular, o seu Presidente, terem realizado várias sessões com o propósito de elaborar um documento que contivesse os Factos Assentes e a Base Instrutória, o qual foi concluído, nos termos da sua versão final e que mereceu o acordo das partes.

Após a realização de diferentes diligências instrutórias, foi dada a resposta aos quesitos, foi apresentada reclamação, a qual foi decidida pelo Tribunal Arbitral, tendo depois as partes oferecido as suas alegações, de facto e de direito, sendo proferida decisão final.

Além disso, como supra se fez referência, no Acórdão Arbitral o Tribunal delimitou as questões que constituem o thema decidenduum, ou seja, as questões que as partes colocaram para sua apreciação e decisão.

São apenas essas as questões que integrando o objecto da lide arbitral, devem ser conhecidas e decididas pelo Tribunal Arbitral, sob pena de omissão de pronúncia, integrando todo o demais alegado a respectiva argumentação das partes, as suas razões ou fundamentos, que não as questões propriamente ditas.

Acresce que em nenhum momento da sua alegação a Autora sustenta que se mostre incorrecta a delimitação dos termos do litígio, nos termos constantes do Acórdão Arbitral, pelo que, sendo nele enunciadas as questões a conhecer e não sendo alegado que o Tribunal tenha deixado de conhecer de qualquer questão, a qual, de resto, não se mostra enunciada, não pode proceder a censura dirigida.

As “questões” que a Autora se refere, em rigor, não consistem questões, mas antes a meros argumentos ou fundamentos, em relação aos quais não recai sobre os Árbitros o dever de pronúncia e de decisão.

O Acórdão Arbitral, na parte da sua “Fundamentação de Direito” (a fls. 228) dá disso conta, ao considerar constituir a grande questão ou, nas suas palavras, o “ponto axial” do litígio, decidir sobre o cumprimento ou incumprimento do Protocolo firmado, em 09/11/1992, entre a RAM, a Câmara Municipal do Funchal, a MEC e a SITA, considerando que essa questão, assim como as demais questões a resolver, seria alicerçada “nos elementos que o Tribunal entender bastantes para a sua fundamentação, sem a preocupação de analisar todos os argumentos, elementos ou fundamentos produzidos pelas partes”.

Refere o Acórdão Arbitral o sentido unânime da jurisprudência quanto à omissão de pronúncia, prevista na 1ª parte, do nº 1 do artº 668º do CPC, no sentido de a mesma apenas incidir “sobre questões postas ao Tribunal, em conformidade com o art. 660º, nº 2, do mesmo Código, e não sobre os fundamentos alegados pelas partes”, citando, a título de exemplo, o Acórdão do STJ, de 06/01/1997, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 263, página 187.

Por isso, o próprio Tribunal Arbitral ao delimitar as questões sobre que iria debruçar-se, enunciou de forma correcta a relevância da distinção entre questão e fundamento, acolhendo expressamente o entendimento unânime da jurisprudência a esse respeito.

Sem prejuízo, vejamos com maior detalhe a alegação da Autora em juízo.

Sustenta a Autora a nulidade por omissão de pronúncia por em muitas respostas dadas aos quesitos os Árbitros terem omitido pronunciar-se sobre documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, dando respostas que contradizem tais documentos, assim como por o Tribunal ter ignorado numerosos documentos juntos com a réplica, cujo conhecimento obrigaria o Tribunal a tomar uma decisão contrária à que tomou.

Segundo a configuração legal, doutrinária e jurisprudencial sobre a omissão de pronúncia, integra tal causa de anulação da decisão arbitral o não conhecimento de questões que hajam sido suscitadas pelas partes e não de documentos, por não recair sobre o Tribunal o dever de se pronunciar sobre documentos.

Segundo o artº 362º do CC, prova documental é a que resulta de documento e diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Os documentos constituem um meio de prova, os quais visam a demonstração da realidade dos factos que hajam sido alegados pelas partes, pelo que, têm por finalidade servir de prova a certos factos (artº 341º do CC).

O Tribunal na fase de saneamento e de instrução da causa procede ao saneamento da causa e à análise e valoração das provas, mas não tem o dever de se pronunciar sobre cada meio de prova produzido ou carreado para os autos pelas partes.

Além disso, ainda que o Tribunal tenha dado respostas aos quesitos desconsiderando certos meios de prova, poderemos estar, quanto muito, perante erros de julgamento de facto, mas não perante situação de omissão de pronúncia.

Acresce que não é de olvidar que existem meios de prova cuja força probatória é apreciada livremente pelo Tribunal (cfr. artº 396º do CC) e que constitui tarefa do julgador a análise crítica do material probatório, pelo que, a desconsideração em si mesma de certos meios de prova, a ocorrer, não acarreta a invocada omissão de pronúncia.

De resto, é unânime o entendimento quanto à menor exigência da análise crítica do material probatório no âmbito do processo arbitral.

Por outro lado, também a desconsideração de certo facto não produz essa consequência, pois o Tribunal procede à interpretação e aplicação das regras de Direito mediante a selecção dos factos relevantes, significando apenas que esse facto que não foi considerado, ou não foi dado por provado, ou não assumiu relevância para a decisão a proferir, não deixando, em consequência, a questão deixado de ser apreciada e decidida.

Do mesmo modo, dizer que o não conhecimento das certas questões inquina as conclusões do Acórdão impugnado, traduz a alegação de erro de julgamento, já que não está em causa o desconhecimento de questões, mas de meros argumentos ou fundamentos invocados pela parte quanto a certa questão.

Além disso, conforme já se referiu, não integra o âmbito da factie species da alínea e), do nº 1 do artº 27º da LAV, assim como, nos mesmos termos, não se subsume ao disposto na alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, aplicável às sentenças judiciais, deixar o Tribunal de tomar posição sobre alguma questão ou argumento alegado pela parte com fundamento na sua prejudicialidade, isto é, por o Tribunal ter decidido que o conhecimento dessa questão está prejudicado pelo conhecimento e decisão tomada quanto a outra questão.

A omissão de pronúncia apenas se verifica quando o Tribunal não se debruça, não analisa, não aprecia ou decide certa questão sobre que impende o dever de pronúncia e de decisão, o que não ocorre se invocando expressamente essa questão, considera o seu conhecimento prejudicado, pois nesse caso não deixa de existir uma pronúncia expressa do Tribunal sobre a questão em causa, ainda que para julgar prejudicado o seu conhecimento.

Do mesmo modo, como a doutrina tem admitido, “o conhecimento de certa questão pode estar implícito, se a respectiva resposta derivar da decisão expressa de uma questão diferente. Neste caso, não há omissão de pronúncia.”, cfr. Alexandra Valpaços Gomes de Campos, “O esgotamento do poder jurisdicional dos árbitros: correcção, interpretação e integração da sentença arbitral”, in Revista da Ordem dos Advogados, 72, 4º (Out.-Nov.), pág. 1379 e segs., em especial, a pág. 1404.

Tendo o Tribunal Arbitral julgado extemporâneos os pedidos de indemnização pelos incumprimentos do Acordo datado de 1992, formulados nos nºs 2013 a 2032 das alegações de direito da MEC e julgando-se incompetente para deles conhecer, ao contrário do que defende a Autora, não significa que o Tribunal tenha omitido a pronúncia e decisão quanto a esses pedidos.

A própria Autora refere que tais pedidos foram julgados extemporâneos e que o Tribunal se julgou incompetente para deles conhecer, o que traduz a apreciação da questão e a tomada de uma decisão expressa pelo Tribunal Arbitral.

Tal alegação da Autora tem, ao invés, o significado de demonstrar a discordância da Autora em relação à decisão tomada, por considerar que os pedidos em causa não são extemporâneos e que o Tribunal Arbitral é competente para deles conhecer, o que demonstra que o Tribunal não omitiu o dever de pronúncia sobre questões de que devia ter tomado conhecimento.

De resto, como antes se disse, a discordância da Autora apenas poderia ser sindicada através da interposição de recurso jurisdicional e não mediante a arguição da causa de anulação da decisão arbitral ora em análise, que não se verifica.

Na maior parte das situações a Autora refere-se ao desconhecimento pelo Tribunal das questões alegadas nas suas alegações de Direito, mas não estão em causa verdadeiras questões, sobre que impende o dever de apreciação e de decisão do Tribunal Arbitral, traduzindo-se na invocação de meros fundamentos.

Está em causa a desconsideração pelo Tribunal Arbitral de certos argumentos esgrimidos pela Autora no âmbito da instância arbitral, para alicerçar as suas pretensões indemnizatórias e para se defender dos pedidos reconvencionais deduzidos pela RAM, mas sem que o Acórdão sob impugnação tivesse deixado de apreciar e de decidir todas as questões que foram submetidas pelas partes.

Donde, a alegação da Autora em juízo não constitua fundamento de anulação do Acórdão Arbitral.

Em rigor, o que está em causa é que sob as vestes da invocação da omissão de pronúncia, a Autora vem manifestar a sua discordância quanto ao sentido e à interpretação dos factos e das regras de direito aplicadas pelo Tribunal Arbitral e quanto às decisões proferidas, o que implica que tenha existido essa pronúncia pelo Tribunal.

Aliás, a argumentação da Autora de que se tivesse sido considerado certo facto ou se tivessem sido atendidos certos pontos da alegação de Direito da Autora seria outra a decisão proferida, mais não se traduz na assunção de que o Tribunal tomou uma posição expressa sobre tal questão.

Mediante uma leitura da fundamentação de direito do Acórdão Arbitral é possível perceber que o Tribunal conheceu das questões submetidas pelas partes, convocando a factualidade relevante em cada caso, sem que lhe seja exigível a tomada de posição sobre cada argumento ou fundamento invocado a seu propósito – cfr. a título de exemplo, páginas 249 e 250 do acórdão arbitral, no que se refere à alegada omissão de conhecimento da questão do incumprimento pela RAM do Protocolo, por esta nunca ter celebrado com a MEC o contrato de concessão relativo à exploração do Estaleiro Naval do Caniçal.

Por outro lado, a não consideração de certos factos alegados nos articulados na factualidade assente, não faz incorrer a decisão judicial em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea e), do nº 1, do artº 27º da LAV, pois quanto muito e apenas no caso de se verificar total omissão dos respectivos fundamentos de facto, fá-la-á incorrer na nulidade, por falta de fundamentos de facto, a que se refere a alínea d), de tal norma legal, por remissão para o nº 3, do artº 23º da LAV, o que ora não se verifica.

Procede a invocada nulidade da sentença, quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, mas não quando esteja em causa uma insuficiência quanto à respectiva fundamentação de facto e ou de direito, nos termos em que resulta alegado pela Autora no âmbito da presente causa.

O fundamento invocado pela Autora, relativo à desconsideração de certa factualidade, não integra o âmbito da nulidade invocada, por omissão de pronúncia, pelo que, não pode dar-se a mesma por verificada.

Pelo que, nos termos antecedentes, será de julgar improcedente, por não provada, a causa de anulação do Acórdão Arbitral, fundada em omissão de pronúncia, por o Tribunal Arbitral não ter deixado de conhecer e de decidir qualquer das questões que lhe foram submetidas.

3.2. Do excesso de pronúncia

No que concerne à nulidade da sentença, com fundamento no excesso de pronúncia, mostra-se alegado nos artigos 360 e 412 que o Tribunal Arbitral conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento e pronunciou-se sobre matéria sobre a qual não se devia ter pronunciado, estando em causa saber se o Acórdão incorre em excesso de pronúncia, mas não tem a Autora razão, pois que o por si alegado não integra fundamento de nulidade da sentença.

O excesso de pronúncia ocorre quando o juiz conhece de questão não suscitada pelas partes ou de excepções na exclusiva disponibilidade das partes ou conhece para além do peticionado, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do pedido, o que não se configura em juízo – cfr. artºs 264º, 660º, nº 2 e 661º, nº 1, todos do CPC.

À semelhança do que se verifica em relação aos fundamentos de omissão de pronúncia, também neste caso não está em causa a apreciação e decisão de qualquer “questão” que não haja sido suscitada pelas partes, mas apenas o acolhimento de certos fundamentos pelo Tribunal Arbitral no conhecimento das questões que lhe foram colocadas pelas partes e que integram o objecto do litígio, nos termos do acordado pelas partes na Convenção da Arbitragem e enunciados no relatório da decisão.

Além disso, a própria MEC ao alegar no artigo 360 da petição inicial que “o Tribunal conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento”, reconhece de imediato, no mesmo artigo do seu articulado, que “o argumento não é decisivo, mas contribui para denegrir a imagem da MEC”.

Tal traduz-se na assunção por parte da MEC de que esse conhecimento pelo Tribunal não passa de um mero argumento e que o mesmo nem sequer é decisivo para a resolução do litígio.

No que se refere ao segundo fundamento de excesso de pronúncia sustenta a MEC, nos artigos 409 a 412 da petição inicial, que o Acórdão impugnado reconheceu que o dispêndio de € 107.000 foi dado por provado, nos termos da resposta ao quesito 263 e que o mesmo foi imputado às “obras sociais”, quando esse valor corresponde antes aos investimentos subsidiados pelo SIBR, em obras e equipamentos do Pavilhão industrial do Estaleiro do Caniçal, não respeitando nenhum deles a “obras sociais”.

Perante tal alegação da Autora é fácil de ver que o fundamento invocado não se integra na noção que se encontra consolidada de excesso de pronúncia, por a eventual errada imputação de certa despesa que resultou provada não se traduzir no conhecimento pelo Tribunal de questão nova ou de questão não alegada pelas partes, mas antes a eventual erro de julgamento na apreciação dos factos.

Como refere a doutrina, a irrecorribilidade, como regra, das sentenças arbitrais e a ausência de recurso da decisão, conduz à “criação intencional de fundamentos improcedentes que vise uma eventual anulação da sentença arbitral”, bem como, de “construir fundamentos inventados na esperança de impressionar um tribunal estadual a anular posteriormente a sentença arbitral”, cfr. Manuel Pereira Barrocas, “Processo arbitral correto ou guerrilha arbitral? O mau exemplo de maus profissionais”, in Revista da Ordem dos Advogados, 72, 4º (Out.-Nov.), pág. 1085 e segs., em especial, a pág. 1090.

Assim, não procede qualquer dos fundamentos invocados pela MEC, de alegado excesso de pronúncia, por não ter o Tribunal Arbitral conhecido e decidido de qualquer questão que não integre o núcleo de questões do objecto do litígio.


*

Pelo que, em face de todo o exposto, não procede o fundamento de anulação da decisão arbitral, previsto na alínea e), do nº 1, do artº 27º da LAV, quer na vertente da omissão de pronúncia, quer quanto ao excesso de pronúncia, por um e outro não se verificarem, não tendo o Tribunal Arbitral deixado de conhecer de qualquer questão que lhe tivesse sido colocada, nem conhecido de questão que lhe estivesse vedada, por não ter sido submetida pelas partes.


4. Reclamação contra a conta de custas

No que concerne à reclamação da conta de custas, alega a Autora em juízo que reclamou da conta de custas, mas que o Tribunal Arbitral considerou findos os seus poderes jurisdicionais.

Sustenta que nos termos do nº 1 do artº 16º, do Regulamento da presente arbitragem, os honorários dos Árbitros serão fixados, a final, de harmonia com a tabela do Regulamento de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris, na versão em vigor desde 01 de Janeiro de 1993, com o limite máximo, no valor correspondente a dois terços do limite máximo daquela tabela.

Segundo o Regulamento da Câmara de Comércio Internacional de Paris os honorários são calculados em US Dólares, logo, os honorários e os demais encargos da arbitragem, devem, primeiro ser calculados em US Dólares, mediante conversão para a moeda do respectivo pagamento computada à taxa de câmbio da data em que o pagamento for efectuado, nos termos do nº 1 do artº 558º do CC.

As notificações para pagamentos de preparos foram sempre feitas em US Dólares, com excepção da última, que foi feita em Euros.

Assim, liquidou o Centro de Arbitragem Comercial as custas, convertendo todos os valores em Euros ao câmbio de 1,0653, fixado pelo Tribunal, em 21/01/2003, apenas para efeitos de cálculo do valor da arbitragem.

Defende que o critério seguido para a liquidação final de custas desrespeita o disposto no citado nº 1 do artº 558º do CC.

Vejamos.

Resulta da matéria assente nas alíneas J) e K) do probatório, que tendo a MEC apresentado pedido de revisão da conta de custas, veio o Presidente do Tribunal Arbitral pronunciar-se no sentido de que tendo sido já depositado o original da decisão arbitral, considera-se extinto o Tribunal Arbitral e, consequentemente, findos os poderes jurisdicionais, nos termos do artº 25º da LAV, ao que se seguiu a apresentação pela Autora, da reclamação contra a conta de custas rectificada.

No que se refere ao Acórdão Arbitral, nele foi decidido em matéria de “Encargos da Arbitragem”, o seguinte: “Os encargos da arbitragem são os que resultam do disposto dos artigos 15º e 16º do Regulamento do Tribunal Arbitral, anexo à Convenção de Arbitragem, do Despacho do Tribunal Arbitral de 14 de Novembro de 2003 e do acordado entre o Tribunal Arbitral e as partes na Sessão de 20 de Março de 2004, fixando o Tribunal Arbitral os encargos administrativos no valor que resultar da aplicação da tabela anexa ao Regulamento de Custas e Preparos do Centro de Arbitragem Comercial ao valor fixado à arbitragem.”.

Por sua vez, extrai-se do nº 1, da cláusula 2ª, da Convenção de Arbitragem que “O procedimento de arbitragem é regulado pelas disposições do Regulamento de Arbitragem anexo à presente convenção e que dela faz parte integrante.”.

Segundo a cláusula 15ª do Regulamento do Tribunal Arbitral, anexo à Convenção de Arbitragem:

As custas do processo que compreendem os honorários dos árbitros, os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova, serão suportadas pela seguinte forma:
a) Os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova, em partes iguais, pela RAM e pela MEC;
b) Os honorários do Árbitro Presidente pelas partes na proporção do decaimento;
c) Os honorários dos demais Árbitros pela parte pela qual cada um foi designado.”.

Por sua vez, a cláusula 16º do Regulamento do Tribunal Arbitral, estabelece:

1 – Os honorários dos Árbitros são fixados, a final, de harmonia com a Tabela do Regulamento de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris, na versão em vigor desde 01 de Janeiro de 1993, devendo no entanto, com o limite máximo para a fixação daqueles honorários, ser considerado o valor correspondente a dois terços do limite máximo daquela Tabela.

2 – (…)

3 – Os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova serão pagos em função dos documentos justificativos que forem apresentados para o efeito.”.

Nos termos da Acta nº 18, de 20 de Março de 2004, resulta que “foi acordado entre o Tribunal Arbitral e os Mandatários, com base no nº 16/2 do Regulamento e da proposta do Tribunal Arbitral de 21 de Janeiro de 2003, fixar os honorários dos Árbitros em 2/3 do valor resultante da aplicação da tabela máxima do Regulamento da Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, em vigor desde 1 de Janeiro de 1998, acrescidos, atentas a duração e complexidade do processo, em 50%.” [cfr. alínea F) do probatório].

Na presente reclamação está em causa decidir se o critério seguido para a liquidação final das custas desrespeita o disposto no nº 1, do artº 558º do Código Civil.

Analisando toda a disciplina acordada pelas partes resulta que, em rigor, tal como sustentado na informação constante da alínea J) do probatório, foi acordado que apenas os honorários dos Árbitros seriam fixados tendo por unidade monetária US Dólares, nos termos do disposto na cláusula 16º do Regulamento do Tribunal Arbitral:

1 – Os honorários dos Árbitros são fixados, a final, de harmonia com a Tabela do Regulamento de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris, na versão em vigor desde 01 de Janeiro de 1993, devendo no entanto, com o limite máximo para a fixação daqueles honorários, ser considerado o valor correspondente a dois terços do limite máximo daquela Tabela.” (sublinhado nosso).

Por outro, resulta inequívoco que as partes souberam distinguir no âmbito do conceito de custas do processo, os honorários dos Árbitros, os encargos administrativos e as despesas com a produção de prova, conforme teor da cláusula 15ª do Regulamento do Tribunal Arbitral, anexo à Convenção de Arbitragem.

Assim, não tem a Autora razão quando defende, no âmbito da reclamação de custas e também ora em juízo, que nos termos do nº 1 do artº 16º, do Regulamento da arbitragem, os honorários dos Árbitros e, consequentemente, os demais encargos da arbitragem, devem ser calculados, primeiro, em US Dólares, realizando-se posteriormente a conversão para a moeda do pagamento, em Euros.

Nos termos acordados pelas partes, pelas quais se vinculam, nos seus exactos termos, apenas os honorários dos Árbitros são fixados, a final, de harmonia com a Tabela do Regulamento de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris e não os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova.

Por outro lado, analisando o teor da liquidação da conta de custas, no que respeita ao cálculo dos honorários dos Árbitros resulta que, também neste caso, nenhuma referência é feita à unidade monetária US Dólares, tendo sido tais honorários fixados em Euros.

Donde, resulta que a liquidação da conta de custas foi toda feita em Euros, não distinguindo na forma de cálculo os honorários dos Árbitros, os quais deveriam primeiro ter sido fixados em US Dólares, efectuando-se depois essa conversão para Euros.

Nos termos em que resulta da factualidade apurada, extrai-se que as Partes da arbitragem acordaram recorrer à moeda estrangeira, US Dólares, como moeda de cálculo (do montante da dívida) apenas no respeitante aos honorários dos Árbitros e que convencionaram que a moeda de pagamento é o Euro, o que determina que a quantia de honorários primeiro deveria ter sido liquidada em US Dólares e depois convertida e paga em Euros, por cada uma das partes, nos termos acordados.

Assim, apurando-se, segundo os Factos Assentes, que as partes acordaram que a liquidação final da conta de custas, no que respeita aos honorários dos Árbitros foi efectuada com base na unidade monetária Euro, ao invés de US Dólares, assiste razão à Autora.

Nada resultando da liquidação de custas efectuada que se possa descortinar que as operações de cálculo dos honorários dos Árbitros tenham sido feitas primeiro em US Dólares, deve ser reelaborada a conta de custas, de modo a dar cumprimento aos termos acordados pelas partes.

Assim sendo, verifica-se assistir razão à Autora quando alega o desrespeito do disposto no nº 1, do artº 558º do CC, mas apenas no que respeita aos honorários dos Árbitros, por as partes terem acordado quanto à unidade monetária a utilizar, para efeitos de liquidação dos honorários dos Árbitros, que os mesmos devem ser calculados, primeiro em US Dólares, sendo a conversão para a moeda do respectivo pagamento computada à taxa de câmbio da data em que este for efectuado.


*

Nestes termos, procede parcialmente a reclamação de custas apresentada pela Autora, no que respeita aos honorários dos Árbitros, devendo, em consequência, ser rectificada a liquidação da conta de custas, nos termos acima definidos.


***


Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar:

a) improcedente a presente acção de anulação de decisão arbitral, por não provada, mantendo o Acórdão Arbitral na ordem jurídica, e em

b) deferir parcialmente a reclamação da conta de custas apresentada, por violação do disposto no nº 1 do artº 558º do CC, no que respeita à unidade monetária utilizada para o cálculo dos honorários dos Árbitros, devendo os mesmos primeiro ser calculados em US Dólares e depois efectuar-se a respectiva conversão para Euros, à taxa de câmbio que vigorar à data do pagamento.

Custas pela Autora.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)



(António Paulo Vasconcelos)